Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
353/12.8GCAVR-A.S1-A
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
PRESSUPOSTOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,

I

Ao abrigo do disposto no artigo 437º nº 2 do CPP, o Arguido AA veio interpor Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência do Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido a 03.03-2021, transitado em julgado a 18.03.2021, invocando a sua oposição com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.06.2020, proferido no Processo nº25/18.0GDAVR-A.S1, igualmente transitado em julgado.

Da respetiva Motivação retirou as seguintes Conclusões:
I. No âmbito dos presentes autos, por sentença proferida, em 01/03/2013, pelo Juízo de Competência Genérica ... da Comarca ..., o Arguido foi condenado como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º n.º 2 do DL n.º 2/98 de 3 de Janeiro, na pena de 7 (sete) meses de prisão.
II. Acontece que, já muito após o trânsito em julgado da sentença, o Arguido constatou, o que até então desconhecia, que da conjugação do artigo 62.º n.º 1 e 2 do DL n.º 138/2012, de 5 de Julho – Regulamento de Habilitação Legal para Conduzir – com o disposto no artigo 123.º n.º 4 do Código da Estrada, considerando os factos praticados nos presentes autos, não teria incorrido na prática de crime de condução sem habilitação
legal, mas antes incorreria na prática de uma contra-ordenação.
III. Isto porque, à data dos factos o Arguido era (e é) titular de licença para conduzir veículos da categoria AM, emitida pela Câmara Municipal  ..., em 02-09-1997 e válida até 22-09-2031, razão pela qual o Arguido pelo seu próprio punho decidiu interpor o competente recurso de revisão invocando o fundamento da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal. 
IV. Aquando da ocorrência dos factos, o Arguido tinha perfeita consciência de não ser detentor de habilitação legal, que lhe conferisse autorização para conduzir o veículo que
tripulava, tanto é que o Arguido tinha consciência, e assim declarou junto do respectivo Tribunal de Primeira Instância, sem que nunca cogitasse que a licença para conduzir veículos da categoria AM, que detinha, tivesse a virtualidade ou consequência jurídica de o excluir do âmbito de aplicação do delito criminal de que estava a ser julgado, e apenas se lhe impusesse, como consequência, a prática de uma mera contra-ordenação.
V. No seguimento do recurso interposto pelo Arguido, a 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça proferiu douto acórdão através do qual negou a revisão da douta sentença proferida, considerando, que não inexistem novos factos capazes de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação do Arguido.
VI. Sucede, porém, que, e salvo o devido e sempre merecido respeito por entendimento contrário ao que ora se propugna, é incompreensível para o Arguido a decisão superior com a qual foi confrontado, atendendo ao facto de já existir uma decisão judicial transitada em julgado, proferida pela 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 17-06-2020, no Processo n.º 25/18.0GDAVR-A.S1, referente aos mesmos factos, no âmbito da mesma questão de direito, mas sobretudo por se tratar do mesmo sujeito – o próprio Recorrente – que decidiu num sentido totalmente oposto ao aqui doutamente decidido, razão pela qual o Arguido vem interpor o competente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por considerar que se encontram   preenchidos os requisitos de admissibilidade de recurso previstos no artigo 437.º e seguintes do Código de Processo Penal,
VII. Nos processos cujas decisões se encontram em contradição, o Arguido é exactamente o mesmo – AA – e foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal em penas de prisão suspensas na sua execução, sujeitas a regime de prova, por sentenças já transitadas em julgado, sendo que em ambas as situações processuais a convicção do Tribunal baseou-se nas declarações do Arguido que confessou, porque de tanto estava convencido, de forma integral e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado.
VIII. Nos processos em apreço, aquando da decisão, não foi tido em consideração pelos insignes Juízes de Direito, por não constar dos respectivos processos, que o Arguido era titular de uma licença de condução da categoria AM, que correspondia à antiga licença de condução com o n.º …, emitida pela Câmara Municipal  ..., em 22-11-1999, que o habilitava a conduzir veículos ciclomotores e motociclos de cilindrada não superior a 50cm3, regulada pelos artigos 122.º e 124.º do Código da Estrada - na redacção dada pelo Decreto-lei n.º 114/94, de 3 de Maio e pelo Decreto-lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro – sendo que esta mesma licença já decorria da troca da licença camarária com o n.º…, emitida em 02-09-1997.
IX. Caso o Tribunal de Primeira Instância tivesse tido conhecimento de tais factos aquando da fase de julgamento, o Arguido não teria incorrido na prática de crime de condução sem habilitação legal, mas apenas seria sancionado pela prática de uma contraordenação, nos termos conjugados no disposto no artigo 62.º n.º 1 e 2 do DL n.º 138/2012, de 5 de Julho – Regulamento de Habilitação Legal para Conduzir – e no artigo 123.º n.º 4 do Código da Estrada.
X. Em ambas as decisões proferidas, o Arguido desconhecia, face às alterações legislativas que haviam sido introduzidas pelo DL n.º 138/2012, de 05 de Julho, que possuía um documento que pela sua qualificação legal, o habilitava com um título formalmente válido, mas material e juridicamente não habilitante para a condução de veículo ligeiro de passageiros, tal como ocorreu quando foi fiscalizado.
XI.   Sucede, porém, que, enquanto no recurso de revisão de sentença apresentado pelo Arguido no processo n.º 25/18.0GDAVR-A.S1, os Venerandos Senhores Juízes Conselheiros decidiram autorizar a revisão da sentença em crise, por considerarem que se encontravam preenchidos os requisitos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, por se verificar, face aos novos factos apresentados em juízo, uma alteração da natureza da infracção praticada pelo Arguido, já nos presentes autos os Venerandos Senhores Juízes Conselheiros decidiram pela recusa da revisão da sentença ora proferida.
XII.   No douto acórdão que serve de fundamento ao presente recurso, os insignes Juízes Conselheiros entenderam que o Arguido desconhecia que possuía documento que, pela sua qualificação legal como “carta de condução” o habilitasse com um título formalmente válido, mas material e juridicamente não habilitante para a condução do tipo de veículos que efectuava, quando foi fiscalizado e que tal facto não havia sido do conhecimento do Arguido nem do Tribunal de 1.ª Instância aquando do julgamento e no que concerne à existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação, os insignes Juízes Conselheiros consideraram que a existência de documento designado por carta de condução por parte do Arguido altera e modifica a natureza da infracção em que o Arguido terá incorrido, de natureza jurídico-penal para contra-ordenacional, bem como altera as consequências que a nova realidade impõe.
XIII. Ora, no presente caso, o Arguido pretende demonstrar que, tal como no processo do acórdão fundamento, a decisão condenatória foi tomada sem ter em conta o facto de à data o Arguido deter licença de condução que ele próprio julgava que não o habilitava
para conduzir, pois desconhecia quer a validade daquela licença, quer as consequências da inovação normativa introduzida pelo DL n.º 138/2012, de 5 de Julho, e que tal licença teria por efeito não o condenar pelo crime de condução ilegal, o que significa que o caso concreto configura uma situação excepcional, a que o Arguido não pode deixar de ser alheio e daí que, no humilde entendimento do Arguido, seja de concluir que estamos perante facto novo para efeitos de admissão do recurso de revisão, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do Código de Processo Penal.
XIV. Destarte, no caso em apreço, sendo válida a licença AM de condução e constituindo a mesma um documento habilitante suficiente para a condução, o Arguido não cometeu um crime, mas antes uma contra-ordenação, pelo que a justiça da condenação está gravemente posta em causa, razão pela qual os factos novos agora conhecidos, põem irremediavelmente em causa a credibilidade da justiça da decisão proferida, que não pode ter contra si dúvidas mais graves do que as que emergem da conclusão de que, afinal de contas, tal condenação assenta em «factos» falsos, contrariados inequivocamente pela realidade dos novos factos, sobretudo quando se trata da mesmíssima situação factual ocorrida com o mesmo Arguido.
XV.   Pelo exposto, e sempre com a mais reverenciada vénia em sentido contrário ao que se propugna, o douto acórdão do Insigne Supremo Tribunal de Justiça ao decidir como decidiu negando a revisão da sentença contrariou a decisão já transitada em julgado deste mesmo Supremo Tribunal de Justiça, sobre os mesmos factos e sobre a mesma questão de direito, pelo que urge fixar jurisprudência quanto à matéria em questão, pois considerando o mesmo sujeito processual e a mesma matéria de direito, as soluções são claramente opostas, devendo por isto ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser autorizada a revisão da sentença proferida nos presentes autos e, assim, absolver-se o Arguido da prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal.
XVI. Neste sentido, deve fixar-se jurisprudência nos termos seguintes: A titularidade pelo Arguido de licença de condução da categoria AM, anterior à entrada em vigor do DL n.º 138/2012, de 05 de Julho, que não haja sido considerada aquando da fase de julgamento, por o Arguido não estar ciente das virtualidades de “expansão habilitante” de tal licença, ocorridas com a alteração preconizada pelo referido Decreto-Lei, facto esse que não foi tido em conta pelo Tribunal, deve ser tida como facto novo capaz de suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, para efeitos de revisão da sentença condenatória, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, por não preencher o tipo objectivo de ilícito do crime de condução sem habilitação legal, mas antes a prática de uma contra-ordenação, prevista no artigo 123.º n.º 4 do Código da Estrada, na redacção do Decreto Lei n.º 138/12, de 5 de Julho de 2012.
XVII. Por fim, o Arguido, ora Recorrente, requer a realização da audiência, ao amparo do estatuído no artigo 411.º n.º 5 ex vie do artigo 448.º ambos do Código de Processo Penal, no sentido de expor e esclarecer os vícios da douta decisão ora recorrida, nomeadamente, o preenchimento dos pressupostos de admissão do recurso de revisão no caso concreto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, nomeadamente a descoberta de facto novo – titularidade pelo Arguido de licença de condução AM – que não foi tida em conta pelo Tribunal que proferiu decisão condenatória e a existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação – absolvição do Arguido; e a oposição de julgados entre a decisão proferidas nos presentes autos e a douta decisão proferida pela 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 17-06-2020, referente ao Processo n.º 25/18.0GDAVR-A.S1, já transitado em julgado, o qual descreve uma situação referente aos mesmos factos, à mesma matéria de direito e sobretudo ao mesmo Arguido.
Nestes termos, nos demais e melhores de Direito que Vossas Eminências não deixarão de suprir, douta e proficientemente, deve:
a) O presente recurso ser admitido, por se encontrarem preenchidos os requisitos de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437.º do Código de Processo Penal.
Mais se requer,
b) A realização da audiência, ao amparo do estatuído no 411.º n.º 5 ex vie do artigo 448.º ambos do Código de Processo Penal para expor e esclarecer os vícios elencados da douta decisão ora recorrida, nos termos apresentados.
E, consequentemente, ser
c) Proferida decisão no sentido de fixar jurisprudência, dirimindo a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, e assim se autorizar a revisão da sentença em crise. com que se fará a tão acostumada e almejada justiça!


II

Na sua resposta o Digno Magistrado do Ministério Público apresentou as seguintes Conclusões:


A - O presente recurso extraordinário foi interposto em tempo;
B – Por quem tem legitimidade para o efeito.
C – Inexistindo, porém, identidade fáctica na base das decisões antagónicas.
D – No caso do acórdão recorrido, a revisão da sentença condenatória não foi concedida porque os alegados factos novos já eram conhecidos no processo, quer pelo tribunal, quer pelo arguido.
E – No caso do acórdão fundamento, a revisão da sentença foi concedida porque os alegados factos novos não constavam do processo e, por isso, eram desconhecidos, quer do tribunal, quer do arguido.
F – Não existe, no caso, oposição de julgados.
Termos em que, o presente recurso para fixação de jurisprudência deverá ser rejeitado.



III
Remetidos os Autos a este Supremo Tribunal, foi emitido o competente Parecer pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, nos termos do disposto no artigo 440º nº1 do CPP, concluindo pelo entendimento de “não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437.º do CPP pelo que somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.”
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP.


IV
Realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

Com o presente Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência o recorrente pretende que seja dirimida a oposição de julgados que, em seu entender existe entre o Acórdão deste Supremo Tribunal, proferido a 03.03-2021, transitado em julgado a 18.03.2021, o Acórdão Recorrido, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17.06.2020, o Acórdão Fundamento, proferido no Processo nº25/18.0GDAVR-A.S1, igualmente transitado em julgado, quanto à questão de saber quais os elementos típicos do crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal.

I – Questão Prévia

O recorrente requereu a realização de Audiência de Julgamento, ao abrigo do disposto nos artigos 448º e 411° n°5 do CPP, a fim de “expor e esclarecer os vícios da douta decisão ora recorrida, nomeadamente, o preenchimento dos pressupostos de admissão do recurso de revisão no caso concreto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 449.º do Código de Processo Penal, nomeadamente a descoberta de facto novo – titularidade pelo Arguido de licença de condução AM – que não foi tida em conta pelo Tribunal que proferiu decisão condenatória e a existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação – absolvição do Arguido; e a oposição de julgados entre a decisão proferida nos presentes autos e a douta decisão proferida pela 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, datada de 17-06-2020, referente ao Processo n.º 25/18.0GDAVR-A.S1, já transitado em julgado, o qual descreve uma situação referente aos mesmos factos, à mesma matéria de direito e sobretudo ao mesmo Arguido.”

Como é sabido, o artigo 411º nº5 do CPP, prevendo embora a possibilidade de o recurso ser decidido em Audiência de Julgamento, faz depender a realização da mesma da indicação especificada dos pontos da motivação do recurso que se pretendem ver debatidos.

Tal obrigação decorre em primeira linha da circunstância de a lei processual penal não conceber a instância de recurso como uma ocasião de uma nova e outra oportunidade de apreciar e decidir os factos e o Direito, mas tão somente como um remédio jurídico para corrigir algum erro de julgamento ou de procedimento que tenham sido oportuna e devidamente arguidos por quem tenha legitimidade para tal.

A disciplina atualmente vigente relativa à realização de uma Audiência de Julgamento em sede de recurso, tal como plasmada pela Lei nº 48/2007 de 29 de agosto, concebe-a apenas e tão somente com um meio complementar do previamente alegado por escrito com o fito exclusivo de debater, esclarecendo, as questões que possam ser mais controversas ou relevantes.

Tal resulta da circunstância de a lei processual estatuir que a realização da Audiência de Julgamento apenas se realizará desde que cumprido sejam os requisitos constantes do nº5 do artigo 411º do CPP, a saber, o pedido expresso do/a recorrente e a especificação dos concretos pontos da Motivação que pretende que sejam debatidos.

Ora, como se assinala num recente Acórdão proferido por este Tribunal ([1]) : “O requisito da especificação dos pontos da audiência não pode cumprir-se com o seu antónimo.”

Ou seja, especificar os pontos que se pretendem debater significa necessariamente proceder à sua indicação individualizada por forma a permitir que a Audiência de Julgamento possa cumprir o fito para a qual foi desenhada, a saber, o de complementar a discussão das questões tidas como mais relevantes.

Outro entendimento implicaria retirar à norma processual em questão a eficácia e o propósito que presidiu à sua redação.

Sucede, porém, que da mera leitura do requerido pelo recorrente resulta ser manifesto que o seu pedido de realização de Audiência de Julgamento não respeita, nem tem em conta, o requisito imposto pela norma acima citada.

Na verdade, o recorrente funda esse seu pedido em dois alicerces, a saber, um primeiro que é relativo a matéria que não constitui o objeto dos presentes Autos – um invocado “esclarecimento” do que considera serem os “vícios da decisão recorrida”, mormente no tocante aos “pressupostos de admissão do recurso de revisão” e à “existência de graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. E um segundo, relativamente ao qual em que não indicando em concreto as questões que pretende ver discutidas oralmente, se limita a mencionar que pretende expor a “oposição de julgados” entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento, invocando tão somente que ambos “descreve(m) uma situação referente aos mesmos factos, à mesma matéria de direito e sobretudo ao mesmo Arguido.”

Assim, quer por o pedido de realização de Audiência se reportar a matéria espúria aos presentes Autos - o primeiro fundamento -  quer por se apresentar formulado de modo genérico, não indicando em concreto as questões que pretende ver discutidas oralmente – o segundo fundamento -, julga-se não estarem reunidos os pressupostos legais para a realização da Audiência de Julgamento requerida.

Termos em se indefere a sua realização.

Consigna-se que este Tribunal entendeu dever decidir esta questão em sede de Conferência, e não por Despacho prévio da Relatora, a fim de evitar a realização de atos inúteis, o que ocorreria se o recorrente entendesse dever reclamar desse Despacho para a Conferência.

O recurso apresentado será, assim, apreciado e decidido em Conferência.

II – Recurso de Fixação de Jurisprudência
Como é sabido o recurso extraordinário de Fixação de Jurisprudência visa obter uma interpretação e aplicação uniforme da lei com o objetivo de reforçar a Paz Social e o Princípio da Igualdade que seriam seriamente ameaçados caso para iguais situações de facto os Tribunais aplicassem a lei de um modo   não homogéneo e igualitário.
A disciplina processual deste meio recursório impõe que numa primeira fase, este Alto Tribunal verifique se se encontram preenchidos os seus requisitos processuais específicos, a saber, a existência de uma real e verdadeira aplicação de uma diferente solução de Direito para dirimir uma mesma questão de facto.

Importa, assim, começar por averiguar se “in casu” os Acórdãos ora invocados se reportam a uma mesma situação de facto, para posteriormente verificar se, mantendo-se o mesmo quadro legal, a uma igual ou idêntica factualidade foi dada uma diferente solução jurídica.

Compulsados os Autos, constata-se que ambos os Acórdãos se reportam, em sede de recurso de revisão de sentença, à questão de saber se nos casos em apreço se encontravam preenchidos os elementos objetivos constitutivos do crime de condução de veículo sem habilitação legal face à eventual titularidade pelo agente, à data da prática dos factos, de uma licença de condução de motociclos até 50 cm3.

Todavia, e como muito bem salienta a Ex.ma Procuradora Geral Adjunta no seu douto Parecer, enquanto o Acórdão recorrido considerou que “à data da sentença condenatória, constava dos autos um documento comprovativo de que o arguido na data dos factos era titular de uma licença de condução relativa a motociclos até 50 cm3 de cilindrada. Razão pela qual o facto indicado como fundamento para a revisão não é novo, porque era do conhecimento do próprio arguido e do Tribunal da condenação”, o Acórdão fundamento estatuiu que:  “O tribunal, em face da confissão do arguido, não terá experimentado a necessidade de comprovar ou atestar junto da autoridade competente a veracidade ou correspondência com a realidade documental da declaração emitida pelo arguido, tanto mais que o arguido tinha uma cópia de condenações anteriores pela mesma infracção criminal (…)

A confissão constituiu-se, assim o elemento axial para a condenação do arguido (…).

O facto (elemento de prova) apresentado pelo arguido constitui-se, assim, em face da realidade factual que ditou a condenação, como um elemento novo, tanto para o arguido como para o tribunal”.

Tal divergência entre estes Acórdãos sobre a existência de um “facto novo” ditou a diferente solução jurídica adotada, num caso obstando à revisão e no outro permitindo-a.

Assim, e para efeitos da apreciação da questão de saber se se está perante uma identidade fáctica da matéria sobre que versam os Acórdãos em confronto, impõe-se constatar uma resposta negativa.

Na verdade, enquanto que no Acórdão recorrido se está perante a não existência de um facto novo, e logo pela não verificação de um requisito essencial ao deferimento de uma revisão de Sentença, no Acórdão fundamento comprova-se existir um “facto novo” que permite a procedência de um pedido de revisão de Sentença.

E inexistindo uma identidade da matéria fáctica, forçosamente se imporá uma diferente solução de Direito e logo uma não verificação de oposição de julgados entre os Acórdãos em apreço.

Este é, aliás, o entendimento seguido pela Jurisprudência deste Alto Tribunal, como se alcança do Acórdão de 19.04.2017 ([2]): "A oposição de julgados, como pressuposto do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, implica que os acórdãos em confronto - recorrido e fundamento – se hajam debruçado e pronunciado sobre a mesma questão de direito, com consagração de soluções divergentes, perante situações ou casos idênticos, devendo a oposição reflectir-se expressamente nas decisões, razão pela qual só ocorre oposição relevante quando se verifiquem decisões antagónicas e não apenas mera contraposição de fundamentos ou de afirmações.

II - Só se pode considerar ocorrer identidade de situações ou casos quando a matéria de facto (os factos dados por provados na decisão proferida sobre a matéria de facto) é coincidente.

III - Não sendo a matéria de facto igual ou equivalente não se poderá concluir que a divergência do resultado decisório resulta de diferente interpretação e aplicação da mesma norma jurídica, ou seja, que se verifica oposição em termos de direito."

Nesta conformidade, se julga não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437º do CPP, pelo que outra conclusão se não impõe que não seja a da rejeição do presente recurso, nos termos do disposto nos artigos 440º, nºs 3 e 4 e 441º, nº 1 do Código de Processo Penal.



V
Termos em que, nos termos dos artigos 440º, nºs 3 e 4 e 441º, nº 1 do Código de Processo Penal, se acorda em rejeitar o presente Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência.

Custas pelo recorrente, fixando-se nos mínimos legais a taxa de justiça.

Feito em Lisboa, aos 23 de junho de 2021

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Dec-Lei nº 20/2020 de 1 de maio, consigno que o presente Acórdão tem voto de conformidade do Ex.mo Adjunto, Juiz Conselheiro Sénio Alves.

Maria Teresa Féria de Almeida (relatora)

_______
[1] Ac. STJ de 01-07-2020, Proc. n.º 301/19.4T8LSB.L1.S1 - 3.ª Secção, Rel. Nuno Gonçalves https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:301.19.4T8LSB.L1.S1/
[2] Proc. n.º 168/13.6TACTX.L1-A.S1