Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B287
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: RECURSO ORDINÁRIO
ALEGAÇÃO SUPERVENIENTE DE FACTOS
JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO DE REVISTA
CONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO DA LEI DE PROCESSO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
PRÉDIO RÚSTICO PARA CONSTRUÇÃO URBANA
IMPOSSIBILIDADE DO CUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ20070315002877
Data do Acordão: 03/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
1 – Pode o autor, em recurso ordinário, alegar facto superveniente e juntar documento que faça prova desse mesmo facto, desde que o facto alegado e documentado se não situe fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar o seu pedido.
2 – O STJ só pode conhecer, em recurso de revista, de violação da lei de processo se dessa violação, autonomamente considerado, fosse admissível recurso, nos termos do nº2 do art.754º.
3 – Se a ré, promitente vendedora, prometeu vender e a autora, promitente compradora, prometeu comprar, exactamente um prédio rústico para construção urbana de 30 fogos e não um simples e puro prédio rústico, verifica-se a definitiva impossibilidade de cumprimento quando em definitivo a CM competente indeferiu o projecto de construção e ordenou o arquivamento do respectivo processo.
4 – Se promitente vendedora e promitente compradora contrataram conhecendo e aceitando a incerteza da aprovação do projecto de construção, correndo o respectivo risco, essa impossibilidade não pode ser imputada a qualquer delas.
5 – Verificada a impossibilidade, o contrato resolve-se com a restituição em singelo do sinal recebido.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA – CONSTRUÇÕES IMOBILIÁRIAS G... E M..., LDA
intentou, no Tribunal Judicial da comarca da Figueira da Foz, contra
S... – CONSTRUÇÕES, LDA
EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS M... S..., LDA
acção ordinária, que recebeu o nº371/2002, do 2º Juízo, pedindo a condenação de:
a ré S..., LDA a ver judicialmente resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre ambas, que junta, por incumprimento culposo a essa ré imputável;
a ré S..., LDA a entregar-lhe a ela, autora, o dobro do sinal prestado por esta, ou seja, a quantia de 100 000 000$00 ( 498 797,90 euros ), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a sua constituição em mora em 31 de Maio de 2000, até efectivo pagamento e ainda dos juros compulsórios após o trânsito da decisão condenatória até integral pagamento; ambas as rés a reconhecer que a compra e venda entre ambas celebrada posteriormente ao contrato-promessa é simulada e, por conseguinte, nula e de nenhum efeito.
Pediu ainda que, caso assim se não entenda, e a título subsidiário,
se condenem ambas as rés, solidariamente, a indemnizar a autora pelos danos causados com a sua conduta, na quantia de 100 000 000$00, acrescida de juros moratórios até efectivo pagamento e compulsórios desde o trânsito até integral pagamento.
Pediu finalmente que, em qualquer dos casos (quer na condenação no pedido principal, quer na condenação no pedido subsidiário ) sejam as rés condenadas a reconhecer ser a autora legítima possuidora do prédio rústico prometido vender e comprar, que identificam no art.7º da petição inicial.
Alegou, em resumo:
celebrou com a 1ª ré, em 24 de Janeiro de 2000, um contrato-promessa nos termos do qual prometeu comprar e aquela ré prometeu vender um prédio rústico que descreve;
com o objectivo de nele construir um bloco habitacional de 30 fogos;
a escritura do contrato definitivo deveria ser celebrada até ao final do mês de Maio de 2000 e logo que o projecto de construção estivesse aprovado;
a ré S..., Lda ( ainda ) não notificou a autora para outorgar a escritura pública;
por culpa sua, uma vez que descurou o processo de licenciamento camarário;
a 1ª e a 2ª rés ficcionaram ( simularam ) a compra e venda do referido prédio, tendo em vista prejudicar a autora, pelo que ambas lhe causaram danos.
Contestaram ambas as rés para dizer:
a 1ª que não tem qualquer culpa no retardamento da aprovação do projecto de construção por parte da Câmara Municipal, uma vez que sempre correspondeu às solicitações e exigências desta para conduzir a tal aprovação, o que é do conhecimento da autora;
a Câmara Municipal condicionou a aprovação do projecto ao ordenamento de toda a área circundante, envolvendo vários proprietários que rejeitaram tais exigências;
em Maio de 2001, a Câmara notificou a ré dando-lhe conhecimento de que mantinha o indeferimento do processo e que iria proceder ao seu arquivamento;
há assim uma impossibilidade legal de concretização do objecto do contrato;
pura e simplesmente não existe qualquer contrato de compra e venda, designadamente com a 2ª ré.
Em reconvenção pediu a declaração de nulidade do contrato-promessa outorgado e a condenação da autora como litigante de má fé, em multa e indemnização que incluísse os honorários do Exmo Advogado e a reparação dos restantes prejuízos ( passados e futuros ).
A 2ª ré, por sua vez, negou a existência de qualquer contrato de compra e venda do imóvel e pediu a condenação da autora como litigante de má fé.
Respondeu a autora, pedindo por sua vez a condenação das rés como litigantes de má fé.
Foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu não admitir a reconvenção.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as rés dos pedidos. E condenou a autora como litigante de má fé na multa de 10 UCs e em indemnização a favor das rés a fixar nos termos do art.457º, nº2 do CPCivil.
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação.
Por acórdão de fls.448 a 461, datado de 25 de Janeiro de 2006, o Tribunal da Relação de Coimbra conced|eu| parcial provimento à apelação e, consequentemente, revog|ou| a condenação da apelante como litigante de má fé, confirmando|...| em tudo o mais a sentença recorrida.
De novo inconformada, pede agora a autora revista para este Supremo Tribunal.
Na respectiva alegação, a fls.478, apresentada em 30 de Março de 2006, a recorrente começa por colocar como “questão prévia” o facto de o Tribunal da Relação se não ter pronunciado sobre o requerimento de fls.436, datado de 24 de Outubro de 2005, com o qual a autora/apelante veio juntar aos autos fotocópia de um contrato de compra e venda, por escritura pública lavrada em 2 de Agosto de 2005, do prédio rústico constituído por « terra de cultura, localizado em Cova, freguesia de S.Pedro, concelho da Figueira da Foz, inscrito sob o art.5171 da freguesia de Lavos, com a descrição nº 819 da 2ª Conservatória do registo Predial da Figueira da Foz », o prédio prometido vender, compra e venda essa celebrada no âmbito de um processo executivo em que a ré S..., Lda é executada.
E apresentou as seguintes CONCLUSÕES:
1ª) Pese embora, por lapso, aquando da observância do disposto no art.512º do CPCivil, a gravação não tenha sido requerida pelas partes, certo é ter-se sempre a “ideia” de o tribunal, oficiosamente, por sua determinação, proceder à gravação.
2ª) Tanto assim que, logo na sequência da prolação e notificação da sentença, a autora requereu lhe fosse facultada cópia do registo magnetofónico; contudo, segundo informação da secretaria, a audiência não fora gravada.
3ª) afigura-se ser a mesma essencial e imprescindível para a impugnação da matéria de facto, em via de recurso.
4ª) Quando a realização da audiência final, em processo comum ordinário for realizada por juiz singular, a audiência final terá de ser sempre gravada, ainda que não seja sido requerida pelas partes.
5ª) A parte poderá, assim, optar por a audiência final ser realizada e julgada por Juiz Singular, sendo a mesma gravada, ou a intervenção do Colectivo, sem gravação.
6ª) É esse o sentido e espirito da Lei, quando na mesma dispõe " ...ou ...". Nem se compreenderia muito bem, não sendo esse o sentido do legislador, pretendesse dar equivalência ao julgamento da matéria de facto, do Tribunal Singular, sem gravação, com a do Tribunal Colectivo, ou seja, a apreciação e julgamento da matéria de facto de Juiz Singular, sem ser gravada, com a de três Juizes a integrar o colectivo, para a analise e confronta na apreciação e decisão da mesma matéria de facto.
7ª) A gravação tem, justamente, a finalidade de a produção dessa prova, poder ser julgada e, poder ser reapreciada e sindicada, pela 2ª instância, em via de recurso. Donde, tendo o julgamento sido realizado por Juiz Singular, sem gravação da audiência final, foi cometida uma nulidade principal que, à cautela, desde já se arguiu.
8ª) Da leitura, análise e interpretação da fundamentação, não se vislumbra consignado o raciocínio lógico-dedutivo e crítico do pensamento do Mº Juiz, nem tão pouco, por forma especificada, para cada um dos factos constantes da Base Instrutória dados como provados e/ou não provados, no confronto das provas produzidas, tanto documental, como testemunhal.
9ª) Antes, apresenta-se de forma global e genérica, mais parecendo ter o Tribunal, dado o seu enfoque sobre a razão de ciência das testemunhas e não propriamente na análise crítico-reflexiva dos respectivos depoimentos.
10ª) A entrega da posse tradicitio está, justamente, na manifestação de vontade na entrega do projecto de construção pela Ré, bem assim, do terreno, o qual ao longo destes anos, tem sido a A. a desmatá-lo.
11ª) A AA celebrou o contrato, com o objecto da construção urbana, pela Câmara Municipal da Figueira da Foz, de harmonia com as plantas de arquitectura entregues pela S... -Construções, Lda e com a respectiva licença a levantamento ( cf. al.F). O que era do conhecimento da Ré S... e foi pressuposto da celebração daquele contrato ( cf. resposta G).
12ª) Deu-se como provado ter a Ré sido notificada em 4/Maio/200I e consequente arquivamento do processo.
13ª) O entendimento perfilhado não é o mais consentâneo com a vontade contratualizada, nem se poderá considerar ilidida a presunção de culpa da Ré S....
14ª) Sem condescender, ficou e está provado ter a A. contratado com a Ré S... a compra e venda de um prédio com determinado projecto de construção, para um bloco habitacional com trinta fogos de tipologia TI, T2 e T3, com vista à sua comercialização, só lhe interessando a aquisição daquele prédio com o projecto aprovado pela Câmara de harmonia com as plantas de arquitectura entregues pela Ré S..., sendo isso do conhecimento da mesma Ré e, pressuposto da celebração daquele contrato, cuja escritura devia ser realizada até ao final de Maio de 2000, ou logo que o projecto de conclusão para o referido bloco habitacional estivesse aprovado pela Câmara Municipal e a respectiva licença estivesse a pagamento.
15ª) Foi isso o que, entre A. e Ré, foi negociado e o preço ajustado, com sinal logo entregue, diga-se, de 50.000.000$00, ou seja, 50% do preço convencionado.
16ª) Ora, nem no prazo, nem volvidos 6 anos consecutivos, a Ré cumpriu a sua obrigação, sendo certo ter a mesma aquele valor, em seu poder, fruição e disposição, inclusive com o prédio posteriormente já penhorado por credores, inclusive MºPº, e cuja venda judicial já foi determinada no sentido da acção de execução, para pagamento de quantia certa, pendente no Tribunal de Cantanhede sob o n° 229/02, com Carta Precatória, ao Tribunal Figueira da Foz, distribuída sob o n°78/04.8TBFIG.
17ª) A Ré não tem quaisquer outros bens ou valores, nem actividade, encontrando-se em situação de falência.
18ª) Com efeito, a CMFF, além da questão do ordenamento de toda a área e da criação das infra-estruturas, não aprovaria aquele projecto, de acordo com os 30 fogos e da tipologia 1, 2 e 3 mas antes e, tão só, um outro com 20 fogos e diferente tipologia.
19ª) A própria Ré, apresentou um outro projecto de construção, diferente do acordado, para apenas 21 fogos.
20ª) Mesmo a admitir-se, o que não se aceita, em deferimento da celebração da escritura de compra e venda, a Ré não cumpriu com o que se obrigara, ou seja, de vender um prédio para a construção de um bloco habitacional de 30 fogos.
21ª) Havendo desde logo, e sem mais, da sua parte, incumprimento pois era condição da A. só adquirir aquele prédio nas condições convencionadas. Sempre a A. tinha direito de requerer a resolução do contrato-promessa.
22ª) Há incumprimento culposo da Ré mas, ainda que assim não se entendesse, à A. só interessava a aquisição do prédio com a aprovação do projecto de harmonia com as plantes de arquitectura entregues, podendo – por isso – pedir a resolução do contrato.
23ª) A Câmara Municipal não aprovou, nem aprova, o projecto de construção para o bloco de harmonia com o projecto convencionado, com vista à construção de 30 fogos e da tipologia de TI, T2 e T3, ocorre desde logo, com a impossibilidade objectiva de incumprimento.
24º) A A. tem e, teve logo, aquando da celebração do contrato, o poder de facto sobre o prédio, por lhe ter sido entregue pela 1ª Ré, consubstanciando isso na entrega do projecto e da faculdade de ocupar, vigiar e desmatar o terreno, através da entrega do projecto/plantas com a estrada, na posse e sucessiva desmatação.
25ª) Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram correctamente observados e, por isso, se consideram violados, os princípios e comandos legais atinentes, designadamente os preceituados nos arts.286º, 410º, 437º, 762º, 790º, 830º, 456º, 457º, 512º, nº1, 653º, nº2 do CPCivil.
Em decisão de fls.515 o Exmo Desembargador-Relator, pronunciando-se sobre a questão prévia inscrita nas alegações de recurso, reconhece a omissão apontada mas mantém que, em qualquer caso, « a junção de tal documento – caso não tivesse ocorrido a referida omissão - devia ter sido recusada » por ser, no contexto dos autos, irrelevante uma vez que « à junção dos documentos são aplicáveis o disposto nos arts.523º e 524º do CPCivil, isto é, os documentos destinam-se a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa pelo que, mesmo nos casos de superveniência objectiva – como seria o caso, uma vez que o encerramento da discussão em 1ª instância ocorreu em 16/03/2005 e a escritura junta foi outorgada apenas em 02/08/2005 – têm os documentos que visar a prova dos factos invocados ».
Em requerimento de fls.531, de 4 de Setembro de 2006, a autora/recorrente vem agora, após a sua alegação de recurso nesta revista, « nos termos e ao abrigo do disposto no art.706º, nº2 e 727º do CPCivil » requerer a junção aos autos de uma escritura de compra e venda , celebrada no dia 28 de Dezembro de 2000, no Primeiro Cartório Notarial da Figueira da Foz, em que BB, intervindo simultaneamente na qualidade de sócio-gerente de S... – Construções, Lda e de P... – Promoção Imobiliária, Lda vende, em representação da primeira e compra, em representação da segunda, o « prédio rústico sito em Cova, na freguesia de S. Pedro, do concelho da Figueira da Foz, inscrito na matriz sob o art.5171, descrito na CRP da Figueira da Foz sob o nº819 ».
Pronunciando-se sobre tal requerimento (fls.542) a recorrida S..., Lda pugna pela extemporaneidade da junção do documento, atento o que dispõe o art.727º do CPCivil e diz não perceber, aliás, o que se pretende provar com ele.
A fls.556 a autora/recorrente vem requerer a junção aos autos, « ao abrigo do disposto no art.706º, nº2 do CPCivil » de certidão dos autos de insolvência nº2085/05.4TBFIG, do 2º Juízo da Figueira da Foz, em que é insolvente a Sociedade de Empreendimentos Imobiliários M...S..., Lda, certidão na qual o MºPº promove a qualificação da insolvência como culposa.
Pronunciando-se sobre este requerimento defende a recorrida S..., Lda a condenação da autora/recorrente e do seu mandatário como litigantes de má fé.
Os autos subiram finalmente, com despacho do Exmo Desembargador-Relator no sentido de deixar nos autos os documentos para apreciação por este STJ da tempestividade da sua junção.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
Começando por dizer da natureza dos recursos em processo civil português.
Os recursos são, em sentido técnico-jurídico, um meio específico de impugnação de uma decisão judicial, através do qual se obtém o reexame, por um órgão jurisdicional hierarquicamente superior, de matérias apreciadas pela decisão recorrida.
Como escreve Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, 1992, pág.175, « o objecto do recurso é fundamentalmente a decisão impugnada ou recorrida e não a questão ou litígio sobre que recaiu a decisão impugnada ».
Ou, como escreve Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recurso em Processo Civil, Almedina, 2000, pág.106 - « o direito português segue o modelo de revisão ou reponderação. Daí o tribunal ad quem produzir um novo julgamento sobre o já pedido e decidido pelo tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do tribunal de 2ª instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se em situação idêntica à do juiz da 1ª instância no momento de editar a sua sentença ».
Daí que ao tribunal ad quem importem os documentos que se destinam « à prova dos factos já submetidos à consideração do tribunal a quo e não à prova de factos supervenientes à prolação da decisão contestada e que por isso esta não levou em conta ».
É certo que – reza o art.663º, nº1 do CPCivil - ... deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Todavia, sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir.
De modo que, ainda que se possa entender, com Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág.457 que « nos recursos ordinários pode ser alegado um facto superveniente e apresentada a respectiva prova documental, tanto quando aquele facto e esta prova conduzam à confirmação da decisão impugnada, como quando impliquem a sua revogação » - e “facto superveniente” é não só o que ocorreu mas também o que apenas foi conhecido ... supervenientemente –
o que não pode é esse novo facto, alegado e documentado, situar-se fora da causa de pedir tal como o autor a concebeu para sustentar o seu pedido – veja-se, neste sentido, o acórdão STJ de 28 de Janeiro de 1999 ( Ferreira de Almeida ), no proc. nºJSTJ000035736, in www.dgsi.pt/jstj.
E é o que acontece aqui:
o facto – a compra e venda, celebrada no dia 28 de Dezembro de 2000, no Primeiro Cartório Notarial da Figueira da Foz, por escritura pública em que BB, intervindo simultaneamente na qualidade de sócio-gerente de S... – Construções, Lda e de P... – Promoção Imobiliária, Lda vende, em representação da primeira e compra, em representação da segunda, o « prédio rústico sito em Cova, na freguesia de S. Pedro, do concelho da Figueira da Foz, inscrito na matriz sob o art.5171, descrito na CRP da Figueira da Foz sob o nº819 – está fora da causa de pedir, tal como foi desenhada pela autora.
Por uma dupla ordem de razões:
porque o fundamento invocado para a resolução do contrato promessa é apenas e só o incumprimento da ré S... – Construções, Lda, por culpa sua, uma vez que descurou o processo de licenciamento camarário;
porque nem sequer o alegado e não provado contrato de compra e venda da S... – Construções, Lda a Empreendimentos Imobiliários M...S..., Lda – mas antes a simulação e consequente nulidade desse mesmo contrato - é facto constitutivo da causa de pedir apresentada para sustentar os pedidos de condenação formulados contra ambas as rés.
E porque é assim, não é admissível a pretendida junção do documento – que se não admite; como bem andou a Relação, diga-se, ao recusar a admissão, por razões em tudo semelhantes, da fotocópia do contrato de compra e venda, por escritura pública lavrada em 2 de Agosto de 2005, do prédio prometido vender, compra e venda essa celebrada no âmbito de um processo executivo em que a ré S..., Lda é executada.
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Deve agora dizer-se o seguinte:
as questões colocadas pela recorrente nas conclusões 1ª a 9ª ( que têm a ver com a não gravação da audiência de julgamento e com a fundamentação da decisão sobre matéria de facto ) são questões naturalmente decididas em 1ª instância, em decisões sobre as quais recaiu o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra. Questões que, importando violação da lei de processo, só poderiam ser apreciadas neste recurso de revista – nº1 do art.722º - se dessa violação for admissível recurso, nos termos do nº2 do art.754º . E não é, porquanto nem se indica qualquer outro acórdão dessa ou de diferente Relação ou deste Supremo Tribunal em oposição, nem há qualquer jurisprudência uniformizada nessa matéria.
Porque é assim, delas se não pode conhecer. Embora se deva dizer que, a ser chamado a decidir, certamente este Supremo Tribunal se limitaria a remeter para o decidido em 2ª instância, nos termos remissivos que lhe permite o nº5 do art.713º do CPCivil ( aplicável por força do art.726º ) por concordar inteiramente com tais decisões e seus fundamentos.
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Começando por acentuar, agora, que os FACTOS são o que são, ou seja, são aqueles que vêm fixados no acórdão recorrido e para os quais se remete ao abrigo do disposto no art.713º, nº6 do CPCivil, aqui aplicável por força do comando do art.726º do mesmo código, vamos agora às questões de fundo.
A saber:
a ) do definitivo incumprimento - culposo – imputável à ré S... - Construções, Lda;
b ) do consequente direito da autora à resolução do contrato e à devolução, em dobro, do sinal prestado;
c ) do reconhecimento da autora como legítima possuidora do prédio rústico objecto do negócio.
Vejamos:
o que a ré S..., Lda prometeu vender e a autora AA, Lda prometeu comprar não foi um simples e puro prédio rústico.
Foi, se bem pensamos, coisa diferente:
um terreno sito na freguesia da Cova, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Lavos sob o art.5171;
com um projecto para construção de um bloco habitacional, cuja cópia foi fornecida | pela primeira à segunda |;
com o objectivo | da AA, Lda | de construir no prédio rústico um bloco habitacional de 30 fogos;
só lhe interessando a aquisição do prédio como projecto de construção urbana aprovado pela CM de harmonia com as plantas de arquitectura entregues pela ré S..., Lda e com a respectiva licença a levantamento;
o que era do conhecimento da ré S..., Lda e foi pressuposto da celebração do contrato.
Resumindo:
autora e ré quiseram comprar, e vender, não um prédio rústico enquanto rústico, mas um prédio rústico destinado a construção urbana e não qualquer construção urbana – 30 fogos.
E há um momento em que, definitivamente – tanto quanto é definitivo qualquer acto humano, mas de qualquer modo definitivo no que ao trato comercial diz respeito - em que esse objecto contratual se torna impossível – a ré S... – Construções, Lda foi notificada, a 4 de Maio de 2001, do indeferimento do projecto de construção e consequente arquivamento do processo.
A partir neste momento não mais pela ré é possível o cumprimento porque não mais ela pode vender à autora o prédio rústico com possibilidade de construção de um bloco habitacional de 30 fogos.
Neste momento o incumprimento do contrato – inicialmente previsto até para Maio de 2000 – torna-se definitivo.
Acontece que nada há nos autos que possa fazer imputar essa impossibilidade de cumprimento à ré S..., Lda.
Bem sabiam - autora e ré - que o projecto foi entregue pela | ré | na Câmara Municipal.
Mas ... estando na fase de aprovação a parte correspondente à arquitectura.
E por isso até a escritura pública será celebrada até ao final do mês de Maio do corrente ano | 2000 | mas ... logo que o projecto de construção para o referido bloco habitacional esteja aprovado na Câmara Municipal e a respectiva licença a levantamento.
Acreditaram ambas – ré e autora – que aquilo que prometiam compra e vender, um prédio com projecto de construção de 30 fogos aprovado, ia por assim dizer nascer.
Não nasceu – não há culpa de qualquer delas ou, se a há, é em igual medida que em igual medida acreditaram num nascimento cujo parto lhes não cabia.
E, sobretudo, não há culpa ( em exclusivo ) da ré porque os factos provados são de molde a concluir por que ela fez em tempo as diligências que lhe eram exigidas como caminho para a concessão do alvará de construção.
Ora, como escreve Abel Delgado, Do Contrato-Promessa, 3ª edição, Petrony, pág.334, « se o não cumprimento não for devido a qualquer dos promitentes, há que ordenar a restituição do sinal recebido e mais nada, de harmonia com as regras do enriquecimento sem causa ».
Nesta medida – mas só nesta medida – o recurso da autora é procedente.
Ela terá direito a ver-se restituída àquilo que prestou – 50 000 000$00 – e os juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
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Desde logo, porque o direito de retenção figurado na al. f ) do nº1 do art.755º do CCivil - veja-se, a este propósito, Calvão da Silva, Sinal e Contrato Promessa, Almedina, 11ª edição, pág.176 - beneficia apenas o promitente comprador com traditio rei em relação ao crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte – e não é o caso, como se disse.
Depois porque os actos que a recorrente chama à colação como sendo integradores de uma verdadeira e própria situação de possuidora por sua parte são, desse ponto de vista, absolutamente insignificativos – provou-se apenas que a ré forneceu à autora cópia do projecto de construção e que a autora desmatou o prédio prometido vender ( não, como conclui em 10ª, « ao longo dos anos tem sido ela a desmatá-lo » ).
É pouco, muito pouco, para que a autora possa ser julgada, como pretendia, legítima possuidora do prédio rústico.
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D E C I S Ã O
Na parcial procedência do recurso, revoga-se em parte o acórdão recorrido e, considerando definitivamente incumprido o contrato-promessa celebrado entre as partes, sem que o incumprimento se possa imputar à ré S... – Construções, Lda , condena-se esta a restituir à autora AA – Construções Imobiliárias G...e...M..., Lda a quantia de 50 000 000$00 ( 249 398, 95 euros ) por si recebida, acrescida de juros de mora, contados sobre essa mesma quantia, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
No mais confirma-se o acórdão recorrido.
Custas, aqui e nas instâncias, em partes iguais pela autora e pela ré S..., Lda.

Lisboa, 15 de Março de 2007

Pires da Rosa (relator )

Custódio Montes

Mota Miranda