Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6350/06.5TVLSB.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: CONTRATO DE FRANQUIA
REGIME APLICÁVEL
CONTRATO DE AGÊNCIA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
FUNDAMENTOS
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :



I - O contrato de franquia é um contrato bilateral ou sinalagmático, atípico, regendo-se pelas disposições gerais que regulam os contratos, aplicando-se, sempre que possível e se revele adequado, por analogia, o regime do contrato de agência (DL n.º 178/86, de 02-07), por ser o contrato típico mais próximo.
II - A declaração resolutiva pode fazer-se mediante declaração à outra parte, como resulta do art. 436.º, n.º 1, do CC. Trata-se de uma declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao destinatário ou é dele conhecida (art. 224.º, n.º 1), tornando-se, então, irrevogável (art. 230.º, n.º 1).
III - O credor, independentemente do direito à indemnização, face ao regime geral delineado pelo Código Civil, pode resolver o contrato, em caso de incumprimento culposo da prestação por parte do devedor.
IV - No que toca à resolução do contrato de franquia deve atender-se ao disposto no art. 30.º do DL n.º 178/86, de 02-07, podendo o contrato ser resolvido, nos termos da al. a) desse preceito, se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, se pela sua gravidade ou reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual.
V - A resolução do contrato pode operar, também, com base na al. b) do art. 30.º daquele diploma, i.e., se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.
VI - Face a esta causa (cf. art. 30.º, al. b)) a resolução não depende de qualquer incumprimento culposo por banda da outra parte. Como contrato de cooperação, essencial não é o comportamento dos contraentes mas o fim a que o contrato se propõe. Daí que a norma expressamente conceda a possibilidade de resolução no caso de ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim do contrato.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I- Relatório:
1-1- R...G..., Gestão e Exploração de Franquias, SA, com sede na ..., Lisboa, intentou a presente acção com processo ordinário contra P... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., com sede na ..., Porto e AA, com domicílio na ...., Porto, pedindo a condenação solidária dos RR., a pagar-lhe a quantia de € 5.188,75, sendo € 4.995,00 devidos a título de «royalties» e de contribuições para o FNP, relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2006 e € 193,75 devidos a título de juros de mora vencidos, a que acrescerão os juros de mora vincendos até ao integral e efectivo pagamento, o valor correspondente aos royalties e contribuições para o FNP, apurado nos termos do estipulado na cláusula 18 B do contrato de franquia, a quantia de € 66.000,00, acrescida de IVA, a título de indemnização por lucros cessantes, o valor contratualmente determinado de € 5.000,00, referente a custos e honorários com os advogados.
Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com a 1ª R., em 1 de Março de 2005, um contrato de franquia de mediação imobiliária C..., mediante o qual a 1ª R. ficou com o direito de explorar uma franquia integrada no “Sistema C...”, pagando, como contrapartida, royalties mensais e uma contribuição mensal para o FNP, sendo que o pagamento das quantias devidas no âmbito deste contrato, foi garantido, em nome individual, pelo 2º R.. Ela, A., cumpriu integralmente as suas obrigações de franquiadora, o mesmo não acontecendo com a 1ª R. que, a partir de Julho de 2006, deixou de enviar os reportes mensais a ela, A., e em, Agosto de 2005, utilizou indevidamente a marca C... em publicidade, o que aconteceu, de novo, em Março de 2006, apesar de advertida pela A. para não o fazer. Em 6 de Julho de 2006, após troca de correspondência e reuniões, a R. informa a A. que nada lhe pagará e que considera extinto o contrato. Após o termo do contrato, a R. manteve a sua actividade na mediação imobiliária, sob uma outra designação, mas aproveitando os meios e conhecimentos adquiridos com a A. e continuando a servir-se de meios figurativos que compõem a imagem do sistema C... e sobre os quais a A. possui direitos exclusivos para Portugal. A resolução operada pela R. não tem fundamento válido que a justifique, sendo que à data em que a mesma operou, já se encontrava em incumprimento reiterado do contrato, por falta dos reportes mensais e pagamento de royalties e contribuições para o FNP. Face ao comportamento da R., manifesta o seu desinteresse na manutenção da relação contratual, não abdicando de receber as quantias a que, contratualmente, tem direito e que vem peticionar na presente acção.
Os RR. contestaram, alegando, em suma, que foi a A. e não a 1ª R. que incumpriu o contrato entre ambas celebrado, designadamente por não ter conseguido implantar a “rede” no país, nem prestar assistência ou qualquer apoio aos franquiados, de acordo com os objectivos traçados, publicitados e garantidos ao R. e que acabaram por nunca ser cumpridos. A A. não lhes explicitou o sentido e alcance das obrigações que iam assumir, nem cumpriu o seu dever de informação de modo a permitir uma vinculação negocial consciente e esclarecida, pelo que grande parte das cláusulas do contrato estão inquinadas de nulidade. A A. não cumpriu as suas obrigações de franquiadora, facto que a R. foi, sistematicamente, denunciando ao longo da duração do contrato e, perante o incumprimento definitivo e culposo das obrigações por parte da A., procedeu à resolução do contrato, em 6 de Julho de 2006, não lhe sendo exigível que continuasse a efectuar pagamentos sem qualquer contrapartida, e assistindo-lhe o direito a ser indemnizada pelos prejuízos que sofreu e que não teria sofrido se não houvesse celebrado o contrato de franquia, devendo a A. restituir as quantias que recebeu a título de “direito de entrada” (22.500,00 € acrescido de IVA) e de royalties e FNP (16.500,00 € + IVA), bem como pagar-lhe a quantia de € 43.000,00 que a R. gastou na realização de obras para a instalação da agência e a verba de € 1.530,00 que gastou em cursos de formação, devendo ainda a A. pagar, nos termos do contrato, a quantia de 5.000,00 € referente a custas e honorários com o advogado.
Com estes fundamentos, concluem pela improcedência da acção, pedindo, em reconvenção, que a A. seja condenada a pagar à R. a quantia de 88.530,00 €, acrescida de IVA e juros, à taxa legal, desde a notificação até pagamento.
A A. respondeu, sustentando o já alegado na petição inicial, impugnando a matéria da reconvenção e concluindo pela procedência da acção e pela improcedência da reconvenção, pedindo ainda que os RR. sejam condenados como litigantes de má fé, por terem adulterado ostensivamente a verdade dos factos.
Os RR. responderam, pronunciando-se pela improcedência do pedido de condenação por litigância de má fé contra eles formulado.

O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou-se a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.
Nesta julgou-se a acção improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, absolvendo-se os RR. do pedido, condenando-se a A. a pagar à 1ª R., a quantia de € 45.530,00, acrescida de IVA e juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação da reconvenção à A. até efectivo e integral pagamento.

1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a A. de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí julgado parcialmente procedente o recurso e, revogando-se a sentença recorrida, julgou-se totalmente improcedente a reconvenção (absolvendo a A. dos pedidos contra ela formulados) e, julgou-se a acção parcialmente procedente, condenando-se os RR., solidariamente, a pagar à A. a quantia de 3.330,00 € (três mil, trezentos e trinta euros), correspondente aos royalties e contribuição para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho, de 2006, acrescida de juros de mora, nos termos peticionados, desde a data do respectivo vencimento e em conformidade com a cláusula 8.B. e 9.B. do contrato, condenando-se ainda os RR. a pagar à A. a quantia de 250,00€ (duzentos e cinquenta euros), a título de despesas com honorários de advogado e absolvendo-se os RR. dos demais pedidos que contra eles haviam sido formulados.

1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. e a A., esta subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revistas e com efeito devolutivo.

Os recorrentes RR. alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- O douto acórdão recorrido, ressalvado o devido respeito, procedeu a uma erra­da subsunção fáctico-jurídica e a uma errada interpretação e aplicação da lei.
2a- Atendendo à factualidade dada como provada, ressalta à evidência que a A. incumpriu de forma grave e reiterada as obrigações a que contratualmente estava adstrita.
3ª- Tal incumprimento, pela sua gravidade e/ou reiteração, legitimou a recorrente a resolver o contrato com fundamento na alínea a) do art. 30º do Decreto-lei nº 178/86, como doutamente se decidiu em 1a instância.
4a- Tendo sido resolvido o contrato com fundamento no incumprimento das obriga­ções da A, à R., ora Recorrente, assiste o direito de ser indemnizada, pelo inte­resse contratual negativo, de modo a ser colocada na situação em que estaria se não tivesse negociado e ajustado o contrato que foi incumprido pelo deve­dor.
5a- A resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da recorrida, confere-lhe o direito de ser indemnizada, indemnização que deverá ser calculada com base nas regras gerais, constantes dos art. 562º e segs. do C.C ..
6a- Sendo que a indemnização corresponde ao valor global dos pagamentos efec­tuados pela recorrente a título de direito de entrada e royalties, bem como, as despesas que teve de suportar para ser ressarcida, e cujo valor global ascende a € 45.530,00, nos termos constantes da douta decisão condenatória proferida em 1a instância.
7a- Ao contrário do decidido no douto acórdão recorrido, a tal não obsta o disposto no art. 434° nº 2 do C.C .. Com efeito,
8ª- O douto acórdão recorrido interpretou tal preceito atendendo, exclusivamente, ao seu elemento literal, não atendendo à "ratio" do mesmo.
9ª- É certo que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações efectuadas. Porém,
10ª - A recorrida tendo incumprido as obrigações a que estava adstrita, de forma grave e reiterada, terá de indemnizar a recorrente pelo interesse contratual negativo. E,
11ª- Calculando-se a indemnização nos termos gerais (art. 562º e segs. do C.C) não pode a recorrida deixar de ter de pagar à recorrente as quantias que esta lhe pagou e as despesas que teve de suportar, nos precisos termos que constam da douta decisão de 1ª instância, e que corresponde ao prejuízo sofrido.
12a- Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão recorrido violou, além de outros, o disposto nos arts. 406°, 562° e ss. do C.C., art. 30°, al. a), do D.L. 178/86 e art. 434°, nº 2, do C.C., os quais deverão ser interpretados nos termos predi­tos.
13a- Deverá, por isso, ser revogado o douto acórdão recorrido, absolvendo-se a recorrente do pagamento da quantia de € 3.580,00 em que foi condenada, bem como, julgar parcialmente procedente a reconvenção e condenar a reconvinda a pagar à recorrente a quantia de € 45.530,00, acrescida de IVA e juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data da notificação da recon­venção à A., até efectivo e integral pagamento.

A recorrente subordinada, a A., alegou também, tendo concluído:
1ª - No que se refere à execução do contrato de franquia junto aos autos, entendeu o douto Acórdão recorrido que "a Autora cumpriu, no essencial, aquelas que eram as suas obrigações contratuais e que estão definidas, no contrato, em termos genéricos. Poderá eventualmente ter cumprido mal ou em termos deficientes, mas o certo é que a matéria de facto não permite essa conclusão" (Pág. 72 do Acórdão).
2ª - O mesmo Acórdão recorrido concluiu que "a Ré não tem direito à restituição das quantias que pagou a título de "direito de entrada", "royalties", contribuições para o FNP e cursos de formação, estando, pelo contrário, obrigada a pagar à Autora as prestações devidas e contratualmente fixadas, até à data da resolução, na medida em que, repete-se, não ficou provada a existência de qualquer incumprimento contratual relevante, por parte da Autora". (pág. 79 do Acórdão, sublinhado nosso).
3ª- De acordo com o ponto 65 dos factos provados e alínea Z da matéria assente, em 6 de Julho de 2006, a 1ª Ré, ora Recorrida, enviou um fax à Autora, ora Recorrente, informando que nada pagaria a esta e que considerava o contrato extinto.
4ª- Resulta expressamente dos pontos 67 e 68 dos factos provados que, à data daquela resolução efectuada pela 1ª Ré, ora Recorrida, encontravam-se em dívida os royalties e as contribuições para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho de 2006, no valor de € 2.120,00 e de € 1.210,00, respectivamente (resposta ao ponto 24° da Base Instrutória), a que acrescia o valor relativo ao mês de Julho de 2006, num total de € 4.995,00 (resposta ao ponto 25° da Base Instrutória).
5ª - Conforme reconhecido pelo douto Acórdão recorrido, nos trechos acima transcritos, naquela mesma data não existia qualquer incumprimento contratual da Autora, ora Recorrente, pelo que não detinha a 1ª Ré, ora Recorrida, qualquer direito que justificasse a excepção de não cumprimento do contrato e das obrigações por si livremente assumidas.
6ª- Estava, por isso, a 1ª Ré, impedida, naquela data, por inverificação de legitimidade resolutiva, de resolver o contrato de franquia dos autos, facto que, por si só e inevitavelmente, toma esta resolução totalmente ilícita.
7ª- Com efeito, só o contraente fiel (o que cumpriu ou se oferece para cumprir) tem legitimidade resolutiva, ou seja, só ele pode resolver o contrato com base no incumprimento da contraparte, como emerge dos arts. 801 ° n° 2 e 802° n° 1 do CC. e nunca o contraente faltoso, sendo ilegítima ou ilegal a resolução declarada pelo próprio inadimplente (Ac. do STJ, 21/5/98, BMJ, 477°-460).
8ª- Acresce que, ao incumprir diversas das suas obrigações de Franquiada, nomeadamente a de pagamento mensal dos "royalties" e das contribuições devidas para o FNP, e ao pretender resolver o contrato celebrado quando se encontrava em situação de reiterado incumprimento, a 1ª Ré, ora Recorrida, rompeu, definitivamente, a relação de confiança que o contrato de franchising pressupõe como básica e essencial.
9ª- Daí que, apesar de ilícita e ilegítima, porque formalizada em situação de injustificado incumprimento contratual, a resolução materializada pela 1ª Ré, ora Recorrida, tenha sido aceite pela Autora, ora Recorrente, consentindo esta na consequente extinção dos efeitos do contrato de franquia anteriormente celebrado, comunicando aos ora Recorridos que não tinha qualquer interesse na manutenção da relação contratual, mas que não abdicaria, porém, de receber todas as quantias a que, nos termos do contrato e da lei, teria indiscutível direito.
10ª- Foi, por isso, a perda justificada de confiança no cumprimento futuro do contrato e a perda de interesse na continuação da relação contratual que legitimaram a aceitação da resolução pela Autora, ora Recorrente (v. Acórdão do STJ, datado de 29 de Abril de 2003, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
11ª- Todavia, em consequência da ilicitude da referida resolução, devem ser aplicados à presente situação os procedimentos a observar durante e após a cessação do contrato de franquia (Cláusulas 8, 9 e 18), os direitos adicionais em caso de incumprimento contratual estabelecidos para a hipótese da cessação antecipada promovida pelo Franquiado (Cláusula 19), e o reembolso integral de todas as despesas com honorários e despesas de advogado (Cláusula 20).
12ª- E, consequentemente, devem ser os Recorridos obrigados, solidariamente, a pagar à ora Recorrente a quantia global de € 4.995,00 devidos a título de "royalties" e de contribuições para o FNP, relativos aos meses de Maio, Junho e Julho de 2006, a que acrescerão ainda os juros de mora vincendos até ao integral e efectivo pagamento da dívida; o valor correspondente aos royalties e contribuições para a o FNP, apurado, em sede de liquidação de sentença, nos termos do estipulado na Cláusula 18 B do contrato de franquia; a quantia de € 64.500,00, acrescida de IVA, a título de indemnização por lucros cessantes, calculada de acordo com o estipulado na Cláusula 19 A do contrato de franquia e o valor contratualmente determinado de € 5.000,00 referente a custos e honorários dos Advogados, de acordo com a Cláusula 20 do contrato de franquia.
13ª - Ao não ter assim decidido, o Acórdão recorrido violou os artigos 406°, 428° e 432° do Código Civil.

Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela improcedência das posições assumidas pelas partes contrárias.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

II- Fundamentação:
2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (arts. 690º nº 1 e 684º nº 3 do C.P.Civil).
Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:
Quanto ao recurso dos RR.:
- Se a A. incumpriu de forma grave e reiterada as obrigações a que contratualmente estava adstrita.
- Se a resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da recor­rida lhe confere o direito de ser indemnizada nos termos dos arts. 562º e segs. do C.Civil.
- Se o acórdão recorrido interpretou incorrectamente o disposto no art. 434° nº 2 do C. Civil.

Quanto ao recurso subordinado da A.:
-Se foi ilegítima ou ilegal a resolução do contrato declarada pela 1ª R.. - Se em consequência da ilicitude da resolução, devem ser aplicados os procedimentos a observar durante e após a cessação do contrato de franquia (Cláusulas 8, 9 e 18), os direitos adicionais em caso de incumprimento contratual estabelecidos para a hipótese da cessação antecipada promovida pelo Franquiado (Cláusula 19), e o reembolso integral de todas as despesas com honorários e despesas de advogado (Cláusula 20).

2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto (após as alterações efectuadas na Relação):
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à gestão e exploração de franquias – alínea A) da matéria assente.
2. No exercício das actividades compreendidas no seu objecto social, a A. celebrou, em 17 de Março de 2004, com a «C...G...S..., Inc.», um contrato através do qual adquiriu o direito exclusivo de licenciar o uso de certas denominações comerciais, marcas comerciais e marcas de serviço, incluindo a denominação «C...», bem como o «Sistema C...» em todo o território de Portugal, tendo-se tornado detentora exclusiva dos direitos sobre o sistema de franquia «C...», para todo o território português – resposta ao ponto 1º da Base Instrutória.
3. O sistema C... era totalmente desconhecido e inexistente em Portugal, pelo que coube à A. iniciá-lo e estabelecê-lo, sendo hoje o Sistema de Franquia C... integrado por 43 unidades franquiadas (franquiados) e 53 escritórios (agências de mediação) em Portugal – resposta ao ponto 2º da Base Instrutória.
4. Em 13 de Dezembro de 2004, o 2º R. submeteu à A. uma proposta de candidatura à exploração de uma unidade franquiada C... – alínea B) da matéria assente.
5. Na ficha de candidatura à concessão de uma franquia C..., o R. declarou estar interessado em aderir ao sistema C... por acreditar no projecto e nos termos em que estava a ser desenvolvido e por se tratar de uma área com a qual estava ligado e que tinha acompanhado nos últimos anos – respostas aos pontos 3º e 4º da Base Instrutória.
6. Apesar de subscrita em nome individual, esta proposta visava, uma vez obtida a necessária licença de mediação imobiliária junto do Instituto dos Mercados de Obras Públicas e Particulares e do Imobiliário (IMOPPI), a posterior celebração de um contrato de franquia entre a A. e a 1ª R., da qual o 2º R. é sócio e gerente – alínea C) da matéria assente.
7. O 2º R. assumiu o compromisso de diligenciar pela constituição da 1ª R. e pela obtenção da Licença AMI no prazo de 20 dias – alínea D) da matéria assente.
8. A A. forneceu ao 2º R. cópia da minuta do contrato que deveria ser celebrado com a A., para que o R. pudesse analisar as respectivas cláusulas durante o prazo de 20 dias – alínea E) da matéria assente.
9. A A., previamente à assinatura do contrato, facultou aos RR. cópia da minuta do contrato para que pudessem ser analisadas as respectivas cláusulas – resposta ao ponto 5º da Base Instrutória.
10. Em 1 de Março de 2005, a A. e a 1ª R. celebraram o «Contrato de Franquia de Mediação Imobiliária C...», que se encontra junto a fls. 44 a 97 dos autos e que aqui se dá por reproduzido – alínea F) da matéria assente.
11. Para o pagamento dos valores contratualmente estipulados, a franquiada autorizou a realização de um débito bancário mensal a favor da franquiadora, de montante idêntico ao das facturas que por esta viessem a ser emitidas, tendo por base o rendimento bruto mensal e o correspondente montante de «royalties» e de contribuição para o FNP, por aquela devidos – alínea G) da matéria assente.
12. O pagamento das quantias devidas no âmbito do contrato foi garantido, em nome individual, pelo sócio da franquiada, AA – aqui 2º R. – que, assim, se tornou garante das obrigações assumidas pela 1ª R. no âmbito do contrato de franquia, renunciando ao benefício da excussão prévia – alínea H) da matéria assente.
13. Em Junho de 2005, a 1ª R. instalou a agência de mediação imobiliária no local autorizado e passou a desenvolver a sua actividade utilizando as marcas e o «know-how» do sistema C... – resposta ao ponto 6º da Base Instrutória.
14. A A. definiu o «layout» e decoração (externa e interna) da loja da 1ª R. e determinou os materiais e equipamentos que nela deveriam ser instalados – resposta ao ponto 8º da Base Instrutória.
15. Facultou o acesso dos RR. a diversas ferramentas de gestão e a várias funcionalidades e facilidades próprias de uma agência de mediação imobiliária integrada no sistema de franquia C..., nomeadamente, software I...P.../C..., sistema de gestão de imagens das montras (hardware e software), página personalizada da empresa e dos seus colaboradores no portal C..., software de reporte C... (Pacote de abertura) – resposta ao ponto 9º da Base Instrutória.
16. A A. facultou aos RR. o acesso aos seus sistemas de «intranet» e de correio electrónico e promoveu a interconexão entre os «sites» da A. e da 1ª R, fornecendo-lhes, para esse efeito, diverso «software» e respectiva informação técnica e apoio - resposta ao ponto 10º da Base Instrutória.
17. A A. franqueou à R. o acesso a currículos de potenciais candidatos a angariadores imobiliários – resposta ao ponto 11º da Base Instrutória.
18. A A. implementou e comunicou à 1ª Ré, através de circulares, algumas regras relativas a negócios partilhados e referências, utilização de mediadores externos à rede, estrutura e partilha de comissões e traje dos colaboradores – respostas aos pontos 12º e 13º da Base Instrutória.
19. Indicaram-se-lhe os fornecedores de equipamentos, materiais e serviços que haviam sido aprovados pelo franquiador e as parcerias externas à rede que poderiam ser aproveitadas para o desenvolvimento da actividade – resposta ao ponto 14º da Base Instrutória.
20. Foram-lhe dados a conhecer o organigrama dos colaboradores da A. e os respectivos contactos, funções e áreas de actuação – resposta ao ponto 15º da Base Instrutória.
21. Foi proporcionado aos RR. o acesso a publicidade no E..., a custos mais reduzidos, por via de um protocolo que a A. celebrou com o E... em benefício dos franquiados pertencentes à rede – resposta ao ponto 16º da Base Instrutória.
22. A A. sempre convidou os RR. para participar em todos os eventos e encontros que foi organizando para promover um melhor conhecimento recíproco e estimular o espírito de grupo entre todos os franquiados – resposta ao ponto 18º da Base Instrutória.
23. Tal como os convidou para participarem em sessões de trabalho com o responsável máximo do sistema C... a nível europeu, sessões essas que incidiram sobre os princípios básicos de gestão de uma mediadora imobiliária e sobre o aproveitamento de sinergias do trabalho em rede – resposta ao ponto 19º da Base Instrutória.
24. A A. disponibilizou à 1ª R., periódica e regularmente, durante a execução do contrato, cursos e acções de formação nas mais diversas áreas, leccionados por formadores com credenciais específicas, alguns deles ministrados por professores universitários ao abrigo de protocolo que estabeleceu com a Universidade Lusíada – alínea I) da matéria assente.
25. A A. desenvolveu campanhas publicitárias a nível nacional, gerando, para a 1ª R. contactos de potenciais vendedores/compradores ou senhorios/arrendatários de imóveis – alínea J) da matéria assente.
26. A A. procedeu à elaboração de um «Business Plan», através do qual, partindo dos dados oficiais dos censos do INE e da Câmara Municipal do Porto, gizou os objectivos de vendas da 1ª R. ao longo do 2º semestre de 2005, designando o consultor de gestão, Eng. A...C..., a fim de apoiar e acompanhar a 1ª R. na prossecução dos objectivos definidos para a sua actividade de mediação imobiliária – alínea K) da matéria assente.
27. A 1ª R. foi convidada para uma primeira reunião de análise do «Business Plan», que teve lugar no dia 7 de Julho de 2005 – alínea L) da matéria assente.
28. Até ao dia 2 de Junho de 2005, a 1ª R. ainda não tinha enviado os reportes mensais referentes ao mês de Maio – resposta ao ponto 20º da Base Instrutória.
29. A R. elaborava e enviava os “reportes” nos mesmos termos em que o faziam as outras agências – resposta ao ponto 55º da Base Instrutória.
30. Os “reportes”, nos termos elaborados pela R. (e demais franquiados) foram preconizados e aceites pela A. – resposta ao ponto 56º da Base Instrutória.
31. Mesmo sendo elaborados nos termos referidos, em caso de necessidade, as folhas sempre foram corrigidas nos termos solicitados – resposta ao ponto 57º da Base Instrutória.
32. A 1ª R. apenas reportou, desde 1 de Março de 2005, a realização de quatro transacções com clientes – alínea P) da matéria assente
33. Entre os meses de Julho de 2005 e Janeiro de 2006, apesar de a 1ª R. ter comunicado à A. a angariação de vários novos clientes, declarou sempre não ter registado qualquer transacção realizada em consequência da sua actividade de mediação imobiliária – alínea N) da matéria assente.
34. Das 150 lojas previstas até ao final de 2006, a A. apenas conseguiu abrir 53 – resposta ao ponto 29º da Base Instrutória.
35. A A. publicitou e transmitiu aos potenciais franquiados o seu objectivo de abrir 150 lojas até ao final de 2006 e esse facto – que acabou por não se concretizar – teve influência na decisão do R. de se candidatar à celebração do contrato – resposta ao ponto 31º da Base Instrutória.
36. A A. facultou à R. pouca assistência – resposta ao ponto 38º da Base Instrutória.
37. Em Abril de 2006, o R. comunicou à A. a dificuldade ou impossibilidade de estabelecer contacto com os seus escritórios e a desactualização da intranet (facto que, em resposta, foi reconhecido pela A. que igualmente prometeu ir resolver a situação); em Janeiro de 2006, o R., a propósito dos critérios de colocação de imóveis nos sites das Agências C..., sugeria que, no regime de excepção a esses critérios, fossem incluídas também as agências que estão “sozinhas” há tanto tempo, de forma atirar proveito do tão falado “efeito de rede” e, por e-mail de 03/02/2006, o R., aceitando a existência de alguma vantagem pelo facto de estar sozinho no Porto, chamava novamente a atenção da A. para a ausência do efeito de rede que, associada ao desconhecimento da marca no Porto e à falta de divulgação, poderia ter um efeito exponencial – resposta ao ponto 42º da Base Instrutória.
38. Pelo menos dois dos cursos e acções de formação a que se refere a alínea I) da matéria de facto assente, foram cancelados por falta de formadores – resposta ao ponto 43º da Base Instrutória.
39. A R. frequentou, a expensas suas, os cursos e o seu legal representante (o R., AA) detinha o primeiro lugar em horas de formação – resposta ao ponto 44º da Base Instrutória.
40. Na intranet, o conteúdo estava desactualizado – resposta ao ponto 46º da Base Instrutória.
41. Também os organigramas, além de terem sido entregues tardiamente, estavam desactualizados devido à permanente entrada e saída de pessoas – resposta ao ponto 47º da Base Instrutória.
42. A maioria dos contactos fornecidos e referidos na alínea J) da matéria de facto assente, estavam fora da área territorial de actuação da primeira R. – resposta ao ponto 48º da Base Instrutória.
43. O «business plan», referido na alínea K) da matéria de facto, corresponde a uma previsão do negócio e da facturação para o 2º semestre de 2005, previsão essa que foi calculada com base em dados estatísticos do INE Censos 2001, Câmara Municipal do Porto e IMOPPI – resposta ao ponto 50º da Base Instrutória.
44. O consultor de gestão referido na alínea K) da matéria de facto assente, não trouxe qualquer contributo válido, nenhum saber, para a agência da ora R. – resposta ao ponto 54º da Base Instrutória.
45. O fracasso que se constatou, à semelhança de outras agências, radicou na ausência de um investimento publicitário maior, que a A. prometeu e não cumpriu, na falta de apoio, na inexistência de rede e técnicas de venda e “marketing” realmente inovadoras – resposta ao ponto 62º da Base Instrutória.
46. Todos esses factos foram explicitados à A. pelo R., fazendo notar a falta de notoriedade, a falta de outras agências no Porto, a falta de meios da A. para implementar um plano geral de acções de apoio – resposta ao ponto 63º da Base Instrutória.
47. Além das campanhas mencionadas na alínea J), A. não efectuou, como prometeu, outras campanhas de grande dimensão e modernidade associadas a parcerias e patrocínios originais, para promover a notoriedade da marca “C...” – resposta ao ponto 65º da Base Instrutória.
48. Pelo menos na Região Norte, designadamente, no Porto, a marca não tinha notoriedade – resposta ao ponto 66º da Base Instrutória.
49. A A. não forneceu informação contínua da evolução do mercado imobiliário – resposta ao ponto 67º da Base Instrutória.
50. Não forneceu, de modo permanente e com precisão e devidamente actualizados, dados estatísticos do sector imobiliário – resposta ao ponto 68º da Base Instrutória.
51. A A. não comunicou aos franquiados métodos e técnicas de mediação imobiliária, de vendas e de promoção que fossem diferentes e inovadoras relativamente às praticadas pelas demais agências imobiliárias e não dispunha de pessoal qualificado para assegurar um apoio efectivo aos franquiados, na área da gestão imobiliária – resposta ao ponto 71º da Base Instrutória.
52. A A. não realizou e não entregou aos franquiados estudos de “marketing” – resposta ao ponto 76º da Base Instrutória.
53. A existência da rede foi a chave do sucesso da “C...” nos países em que foi implantada – resposta ao ponto 80º da Base Instrutória.
54. A R. era a única franquiada no Porto – resposta ao ponto 81º da Base Instrutória.
55. Os RR. bem sabiam, quando apresentaram a sua candidatura, que eram os únicos franquiados na área do Porto – resposta ao ponto 88º da Base Instrutória.
56. Sendo os únicos franquiados na área do Porto, os RR. podiam explorar e actuar em toda essa zona, sendo eles os únicos destinatários das eventuais referenciações que, para essa zona, fossem feitas pelos restantes membros da rede – resposta ao ponto 89º da Base Instrutória.
57. Além do que já consta da resposta ao ponto 42º, o R.– através de e-mails dirigidos à A., em Março, Abril, Maio de 2006 – manifestou a sua insatisfação, relativamente à publicidade efectuada, imputando à A. a culpa dos resultados alcançados pela R. – resposta ao ponto 82º da Base Instrutória.
58. Em 12 de Maio de 2006, a 1ª R. foi advertida pela A. para o envio imediato do reporte mensal, para que o pagamento de royalties pudesse ser processado – alínea S) da matéria assente.
59. O processamento para o pagamento de “royalties” sempre foi assegurado, independentemente do que se refere em S) da matéria de facto assente e, se houvesse alguma correcção a efectuar, era sempre possível fazê-la no mês seguinte – resposta ao ponto 60º da Base Instrutória.
60. Em 2 de Junho de 2006, a 1ª R. solicitou à A. o agendamento de uma reunião no Porto, alegando que não haviam sido abertas mais lojas C... no Porto, as condições de apoio à sua agência não haviam sido melhoradas, a A. não abrira uma loja nem disponibilizara «know-how» de forma a assegurar 20 consultores e disponibilizar à 1ª R. uma equipa durante 90 dias e a A. não dera resposta a uma eventual parceria com a R. – alínea T) da matéria assente.
61. Em 6 de Junho de 2006, teve lugar, nas instalações da 1ª R., a reunião solicitada, entre esta e a A., nela tendo sido discutidos e abordados, entre outros pontos, a nova campanha de recrutamento desenvolvida pela A. de modo a aumentar o número de colaboradores a operar em cada agência de mediação imobiliária, aos quais seria por esta ministrado um curso de prospecção e angariação na cidade do Porto, bem como foram apresentadas diversas técnicas de marketing juntamente com explicação sobre a sua forma de utilização, tendo, ainda, a A. dado a conhecer à 1ª R. o «Plano geral de apoio à gestão – C... P...» cuja duração abrangeria os meses de Julho a Setembro de 2006 e que seria desenvolvido dentro de uma política de cooperação entre ambas – alínea U) da matéria assente.
62. Os serviços da A. traçaram um plano de apoio à 1ª R., com a duração de um mês, no qual estavam previstas a elaboração de um «plano de negócios» e diversas iniciativas de formação no âmbito da prospecção e angariação, da capacidade de liderança/motivação e técnicas de condução de reuniões, assim como a avaliação de desempenho e de questões relacionadas com o marketing da franquiada – alínea V) da matéria assente.
63. Em 22 de Junho de 2006 a 1ª R. comunicou à A. que «o plano apresentado não responde às preocupações prementes e prometidas antes e após a assinatura do contrato de franquia», concluindo não existirem condições para continuar a trabalhar com a A. – alínea X) da matéria assente.
64. Em 3 de Julho de 2006, foi enviado pela A. à 1ª R. um 2º aviso relativo a falta de envio de reportes e de pagamento de royalties, requerendo o pagamento da quantia de € 1.665,00, referente a royalties e FNP devidos e não pagos respeitantes ao mês de Maio de 2006, tendo sido enviado 3º aviso relativo à mesma matéria, em 7 de Julho de 2006 – alínea M) da matéria assente.
65. Em 6 de Julho de 2006, a 1ª R. envia fax à A. informando que nada pagará a esta e que considera o contrato extinto – alínea Z) da matéria assente.
66. A partir de Julho de 2006, a 1ª R. deixou de enviar os reportes mensais à A. – alínea O) da matéria assente.
67. À data da resolução efectuada pela franquiada, encontravam-se em dívida os royalties e as contribuições para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho, de 2006, no valor de € 2.120,00 e de € 1.210,00, respectivamente – resposta ao ponto 24º da Base Instrutória.
68. A que acresce o valor relativo ao mês de Julho de 2006, num total de € 4.995,00 – resposta ao ponto 25º da Base Instrutória.
69. A quantia relativa à indemnização por lucros cessantes, prevista na cláusula 19 A do contrato de franquia, cifra-se em € 64.500,00 – resposta ao ponto 26º da Base Instrutória.
70. Os custos e honorários com advogados ascendem ao montante de € 5.000,00 – resposta ao ponto 27º da Base Instrutória.
71. A 1ª R. utilizou a marca C..., divulgando-a nas Páginas Amarelas com os dados referentes à P... – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., bem como nas Edições nºs 9 e 12 da revista «C...e N...», sem autorização da A. – alínea Q) da matéria assente.
72. A situação referida em Q) da matéria de facto assente foi devidamente clarificada entre as partes e ficou esclarecida, na altura – resposta ao ponto 58º da Base Instrutória.
73. A 1ª R. fez publicar um anúncio que não estava conforme com o divulgado pela A. na internet, não tendo sido dada aprovação prévia ao material produzido – alínea R) da matéria assente.
74. O anúncio referido em R) da matéria de facto assente, foi enviado para a revista antes da nova edição – resposta ao ponto 59º da Base Instrutória.
75. A 1ª R. desenvolve, actualmente, a actividade de mediação imobiliária, sob a designação - «D...» - no local correspondente à «Localização aprovada» constante do contrato de franquia – resposta ao ponto 21º da Base Instrutória.
76. Nessa sua nova actividade, a 1ª R. continua a utilizar os conhecimentos e técnicas que absorveu da A. durante a vigência do contrato que com ela celebrou – resposta ao ponto 22º da Base Instrutória.
77. Continuando a servir-se de alguns meios figurativos que utilizava no Sistema C... – resposta ao ponto 23º da Base Instrutória.
78. A R. realizou obras para a instalação da agência, onde gastou valor não apurado – resposta ao ponto 83º da Base Instrutória.
79. Pagou ainda, em cursos de formação, a quantia de 1.530,00 € + I.V.A. – resposta ao ponto 84º da Base Instrutória.
80. Gastou ou irá gastar quantia não apurada com custas e honorários com o advogado – resposta ao ponto 85º da Base Instrutória.
81. A R. pagou à A., pelo «Direito de Entrada» a quantia de € 22.500,00, acrescida de IVA – resposta ao ponto 86º da Base Instrutória.
82. A R. pagou à A. a quantia de € 15.500,00, acrescida de IVA, relativo a royalties e FNP – resposta ao ponto 87º da Base Instrutória. ---------------------------
2-3- Porque as questões colocadas por ambas as revistas se entrecruzam, iremos apreciar os recursos conjuntamente.
No presente caso está em causa um contrato de franquia celebrado entre a A. e a 1ª R.. Ambas as partes imputam à outra o incumprimento deste contrato, retirando deste pressuposto os pedidos que formulam na acção e na reconvenção.
Como se refere correctamente no douto acórdão recorrido, o negócio em causa é um contrato atípico, regendo-se pelas disposições gerais que regulam os contratos, aplicando-se, sempre que possível e se revele adequado, o regime do contrato de agência (Dec-Lei 178/86 de 2/7) (1), por ser o contrato típico mais próximo do contrato de franquia. Deve, pois, o regime desse contrato ser aplicado por analogia, desde que “no caso omisso (contrato de franquia) procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei (contrato de agência)” - art. 10º nº 2 do C.Civil - (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem).
Trata-se de um contrato bilateral ou sinalagmático, do qual resultaram direitos e obrigações para ambas as partes contratantes.
Dos factos dados como provados advém que a R., por sua iniciativa, entendeu resolver o contrato que celebrara com a A.. Com efeito, como resulta do facto acima mencionado sob o nº 65, em 6 de Julho de 2006, essa R. enviou um “fax” à A. informando-a que nada (mais) lhe pagaria e que considerava o contrato extinto. A participação intrínseca constante de tal “fax”, constitui uma manifestação de vontade que deve ser interpretada como uma declaração resolutiva do contrato.
A declaração resolutiva pode fazer-se mediante declaração à outra parte, como resulta do art. 436º nº 1. Trata-se de declaração receptícia que se torna eficaz logo que chega ao destinatário, ou é dele conhecida (art. 224º nº1), tornando-se, então, irrevogável (art. 230º nº 1). Goza a resolução de eficácia retroactiva (art. 434º nº 1), “visto que a falta de prestação a cargo do devedor deixa a obrigação da contraparte destituída da sua razão de ser, sem embargo da ressalva dos direitos de terceiro e das restrições impostas pela vontade das partes ou pela finalidade da resolução (2) .
Nesta conformidade, tal declaração, no caso vertente, tornou-se eficaz logo que a A. recebeu o dito “fax” e se inteirou do respectivo conteúdo. Com isto não se nega a possibilidade de o destinatário da declaração resolutiva, se opor a tal declaração, por entender não existir o direito à resolução, ou esse direito de resolução ter sido mal exercido, propondo-se discutir judicialmente essa resolução. Porém, como salienta Vaz Serra (3)a sentença que julgue bem exercido o direito de resolução é simplesmente declarativa, limitando-se a declarar que o direito foi correctamente exercido. Os efeitos de resolução contam-se, portanto, da data da declaração de resolução, ou antes, daquela em que esta declaração, segundo o princípio aplicável à eficácia das declarações de vontade receptícias ou recipiendas, produz efeitos”.
No caso dos autos, os factos assentes não demonstram que a A. se opôs à resolução efectuada, pelo que será de reputar eficaz aquela declaração resolutiva.
Com esta declaração a R. destruiu ou extinguiu a relação contratual. É que, como refere Antunes Varela (4) a resolução é a destruição da relação contratual, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato”.
Quer dizer, com a dita declaração resolutiva, a R. manifestou a clara da vontade de terminar com a relação contratual, tendo-se tornado eficaz, no sentido da destruição da relação contratual, logo que a A. recebeu o dito “fax” e se inteirou do respectivo conteúdo.
Estabelece o art. 801º nº 2 que “tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir dela por inteiro”. Como observa Galvão Telles, há nesta disposição uma insuficiência verbal que não pode deixar de se corrigir mediante a aplicação, não só à situação prevista no nº 1 do dispositivo (impossibilidade da prestação por causa imputável ao devedor), mas também à situação de o contratante deixar de cumprir culposamente a prestação não impossibilitada. “Esta situação ou cabe no espírito do citado preceito ou, pelo menos, é análoga à nele contemplada. E deste modo, seja por interpretação extensiva, seja por interpretação analógica, sempre se chega à aplicabilidade da regra do nº 2 do artigo 801º, àquela outra hipótese (5).
Significa isto, para o que aqui importa, que credor, independentemente do direito à indemnização, face ao regime geral delineado pelo Código Civil, pode resolver o contrato, em caso de incumprimento culposo da prestação por parte do devedor.
Portanto, dado que a R. resolveu o contrato, haverá de determinar se existiu incumprimento culposo por banda da A., que permitisse àquela a resolução contratual que realizou.
De sublinhar desde logo que dos termos do contrato, como se assinala no douto acórdão recorrido, não resulta qualquer cláusula que atribua, expressamente, à franquiada (a R.) o direito de resolver o contrato em determinadas situações (6) .
Porém, não foi propriamente atendendo aos termos concretos do contrato, que a R. fundamentou a resolução do contrato que efectuou, tendo antes sustentado tal acto no incumprimento por parte da A., franquiadora, das obrigações gerais a que se vinculara por efeito da realização do contrato.

A respeito da resolução do contrato de franquia pondera L. Miguel Pestana de Vasconcelos que ela “carece, geralmente, de ser motivada, o que significa ser necessário que os pressupostos do condicionalismo justificativo (previsto na lei ou no próprio contrato) do nascimento deste direito potestativo extintivo sejam devidamente explanados pela parte que pretende por fim ao contrato na declaração de resolução (7) .

Como motivação para a resolução, a R. logrou provar que em 22 de Junho de 2006 comunicou à A. que «o plano apresentado não responde às preocupações prementes e prometidas antes e após a assinatura do contrato de franquia», concluindo não existirem condições para continuar a trabalhar com ela, tendo enviado em 6 de Julho de 2006 um “fax” à A. informando que nada pagaria a esta e que considerava o contrato extinto. Já antes, o R., através de “e-mails” dirigidos à A., em Março, Abril, Maio de 2006, havia manifestado a sua insatisfação, relativamente à publicidade efectuada, imputando à A. a culpa dos resultados alcançados pela R..
Somos em crer que a motivação que a R. usou é genérica, pouco precisa, não concretizando as razões, para além de uma exígua publicidade por parte da A., que a levaram a assumir a radical posição de fazer cessar o contrato.
Mas isto não quer dizer que a conduta da A., sob o ponto de vista de cumprimento do contrato possa ser considerada imune a qualquer crítica, como iremos ver à frente.
Como acima dissemos, sempre que possível e se revele adequado, deve aplicar ao caso o regime do contrato de agência (Dec-Lei 178/86 de 2/7), por ser o contrato típico mais próximo do contrato de franquia.

Estabelece este diploma, a respeito da resolução do contrato, no art. 30º que “o contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes: a) Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, quando, pela sua gravidade ou reiteração, não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; b) Se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”.
Em relação à aplicação ao contrato de franquia deste dispositivo, refere L. Miguel Pestana de Vasconcelos que “não encontramos aqui dificuldades de maior na aplicação analógica neste campo, dos preceitos do Dec-Lei nº 178/86 ao contrato de franquia. Também aqui estamos perante um contrato que assenta e cuja execução gera especiais relações de colaboração e confiança entre as partes e em que os interesses estão em jogo, com vista a estabelecer-se o quadro em que o direito à resolução nasce e pode ser exercido, são fundamentalmente os mesmos”.
Quer dizer, segundo este autor, a possibilidade de resolução do contrato de agência (contrato de franquia), nas situações na disposição mencionada, baseia-se, essencialmente, na circunstância de estar em causa um contrato duradouro que assenta em especiais relações de colaboração e confiança entre as partes e cuja frustração compromete e torna inexigível a manutenção do vínculo contratual.
No douto acórdão recorrido, onde se realizou um exaustivo trabalho de análise das obrigações assumidas no contrato pela franquiadora, a A., concluiu-se que dados os termos genéricos das cláusulas, dificilmente se poderá concluir que a A. não cumpriu, de todo, algumas delas. Mas acrescentou-se que “provavelmente, poder-se-á dizer que não cumpriu “bem” ou que não cumpriu nos termos que eram expectáveis para os franquiados (no caso, a Ré), com base numa interpretação dessas cláusulas que, não estando expressa, é consentida pela seu carácter genérico e amplo”.
Esta posição é certa, assumindo nós que os factos assentes demonstram que a A. cumpriu deficientemente os deveres de assistência e publicidade para com a R., sua franquiada, a que se comprometera, como os factos acima referenciados inculcam (designadamente os referidos sob os nºs 36, 37, 38, 40, 41, 42,44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52 e 53).
Decorre do art. 762º, como princípio geral, que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado. O cumprimento deve ter por objecto aquela mesma coisa ou aquele mesmo facto sobre que versa a obrigação (8) . Daqui resulta que a A. cumpriria a obrigação que lhe incumbia, se fornecesse à R. a assistência técnica devida e procedesse à publicidade a que genericamente se comprometera. A este propósito diz-se apropriadamente no douto acórdão recorrido que “afigura-se-nos óbvia a conclusão de que essa assistência deveria corresponder a um efectivo apoio aos franquiados, prestado por pessoas que, para o efeito, tivessem as necessárias competências. Com efeito, a mera circunstância de a Autora dispor de pessoal que está designado para prestar apoio não equivale ao cumprimento daquela obrigação se esse pessoal, apesar de existir, não presta qualquer apoio efectivo, por não ter competência para o efeito ou por qualquer outra razão”. E mais adiante “embora isso não configure o incumprimento de qualquer obrigação contratual que a Autora tivesse assumido perante a Ré, a Autora não terá promovido, de forma adequada, a marca C..., já que, perante a falta de notoriedade dessa marca, na Região Norte, a Autora podia ter efectuado um maior investimento em campanhas publicitárias (na medida em que as que fez não foram suficientes), em apoio e assistência aos franquiados; por essa razão, a agência da Ré fracassou, o que, aliado à falta de notoriedade da marca e à inexistência de outras lojas na Região, comprometeu gravemente a realização do fim contratual e o equilíbrio contratual das partes, não podendo ser exigido à Ré que, nessas circunstâncias, continuasse vinculada às suas obrigações até expirar o prazo convencionado, pagando as contrapartidas fixadas no contrato pelo uso de uma marca que não lhe trazia qualquer vantagem (porque não era conhecida) e pelo uso de um sistema que, na prática, nada tinha de novo relativamente aos usados pelas demais agências imobiliárias e pela prestação de assistência que, pelo menos na área da gestão imobiliária, era deficiente”.
Ao não proceder como genericamente se vinculou, a A. cumpriu defeituosamente o contrato.
O não cumprimento da obrigação (em termos amplos) pode revestir as modalidade de retardamento da prestação (mora) ou da não realização definitiva desta (9) . Para além destas haverá a considerar ainda a execução defeituosa ou imperfeita da prestação. O devedor executa materialmente a prestação, mas não a cumpre cabalmente porque a cumpre mal. O dano não resulta aqui da omissão ou do atraso do cumprimento, mas antes dos vícios ou deficiências da prestação efectuada (10)

. A prestação não se realiza da forma como se impunha.

No caso dos autos, neste contexto e face ao que já dissemos, parece não resultarem dúvidas sobre a circunstância de existir, por parte da A., um cumprimento defeituoso da prestação. “Aquele que executa mal é obrigado, em princípio, a corrigir o defeito ou, se a correcção se não torna possível, a substituir a prestação imperfeita por outra perfeita (11) . A lei civil fala do cumprimento defeituoso no art. 799º sem, porém, desenvolver as especialidades que a noção comporta (12).

Por não ter interesse para aqui, não importará distinguir o cumprimento defeituoso da obrigação (ou falta qualitativa de cumprimento da obrigação), da venda de coisa defeituosa, sublinhando-se, apenas que naquele, o vendedor não realizou a prestação a que, por força do contrato, estava adstrito e nesta a coisa objecto da transacção sofre dos vícios ou carece das qualidades referenciadas no art. 913º, quer a coisa entregue corresponda, ou não, à prestação a que o vendedor se encontrava vinculado (13) . Como refere a este propósito o Prof. Antunes Varela (14) o cumprimento defeituoso “apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito”.

No caso dos autos, porque se trata de uma prestação efectuada pela franqueadora a que não corresponde ao objecto contratado, estaremos perante um cumprimento defeituoso da obrigação (15), pois, na realidade, trata-se de uma falta qualitativa do cumprimento da obrigação (16) .

Como se disse acima, deve aplicar-se à situação, no que toca à resolução, o disposto no art. 30º do Dec-Lei 178/86.

Recorde-se que nos termos desta disposição, o contrato pode ser resolvido quando a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações, se pela sua gravidade ou reiteração não seja exigível a subsistência do vínculo contratual (al. a)).

No douto acórdão recorrido, sobre este dispositivo considerou-se não se poder concluir, pelo menos de forma clara, que a A. tenha incumprido qualquer obrigação a que contratualmente se havia vinculado. Por isso, não se justificaria a resolução do contrato, nos termos da dita alínea a).

Parece-nos ser correcta essa posição, pelos motivos já aduzidos. Poder-se-á sustentar que a A. cumpriu deficientemente as obrigações a que se havia vinculou. Mas dificilmente se poderá defender o (radical) incumprimento de qualquer dessas obrigações, como profusamente se evidencia no douto acórdão recorrido.

Como refere Antunes Varela a respeito do cumprimento defeituoso da obrigação, “se há irregularidade da prestação, mas o credor reage fundadamente à sua recepção (recusando a sua aceitação ou rejeitando-a pura e simplesmente), o cumprimento defeituoso não se distingue, em regra do não cumprimento ou da mora consoante os casos”. E mais adiante “são situações em que a irregularidade ou deficiência da prestação a afastam de tal forma do modelo da prestação exigível, que o interesse do credor fica inteiramente por preencher – e a sua equiparação à inadimplência ou à mora não suscitará dúvidas de maior”. Acrescenta o mesmo Professor que “casos há que o credor, por analogia com o disposto no art. 808º nº 1, poderá exigir do devedor que corrija ou substitua a prestação defeituosa dentro do prazo razoável que para o efeito lhe fixar, sob pena de considerar a obrigação como definitivamente não cumprida (17).

Poder-se-ia pensar, numa análise menos cuidada em aplicar à situação este art. 808º nº 1, pois dados os contornos do caso e segundo os ensinamentos do dito Professor, por analogia com o disposto na disposição, poderia a R. exigir da A. que corrigisse a prestação defeituosa dentro de um prazo razoável que deveria indicar, procedendo de forma a conceder a assistência necessária e a efectuar a publicidade apropriada, sob pena de considerar a obrigação como definitivamente não cumprida. Porém, como correctamente se refere no acórdão deste STJ de 9-1-2007 (acessível em www.dgsi.pt/jstj.nsf) “se aqui há justa causa de resolução (e à frente iremos ver que existe essa causa) não há que lançar mão da interpelação admonitória do artigo 808º do CC. Como refere o Prof. Baptista Machado (ob. cit. RLJ - 118-280) este preceito ajusta-se, apenas, a "negócios sobre transacções de bens", não se ajustando directamente às relações contratuais duradouras, para as quais o regime típico é o da resolução por justa causa. "Nas relações obrigacionais duradouras, o que está em causa não é a perda do interesse numa concreta prestação (pelo menos em regra) mas a justificada perda de interesse na continuação da relação contratual”. Ou seja, o regime de resolução do artigo 808º do CC não se ajusta às relações contratuais duradouras (como sucede no caso vertente) onde, em regra, está em causa a perda de interesse na continuação do contrato, sendo ajustado aí a aplicação do regime da resolução por justa causa.

A resolução do contrato pode operar, também com base na al. b) do referido art. 30º, isto é, se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia.

Foi precisamente nesta disposição que o acórdão recorrido fundou a sua posição de considerar legítima a resolução operada pela R..

Como se refere, em caso idêntico de contrato de franquia, no acórdão deste STJ de 29-4-2003 (acessível em www.dgsi.pt/jstj.nsf) “Se o exercício do direito de resolução, no regime geral (CC- 793-2, 799-1, 801-2, 802 e 808), depende do incumprimento culposo já quer pelo acordado quer pela natureza em si do contrato de franchising quer pela aplicabilidade analógica das normas do contrato de agência pode assentar em factos não culposos (cfr. Maria Helena Brito in O Contrato de Concessão Comercial, p. 227). Enquanto contrato de cooperação, primordial é não o comportamento dos contraentes mas o fim a que o contrato se propõe, o qual, se se vier a tornar impossível, justifica a resolução. Daí que seja legítimo afirmar que neste tipo de contratos tanto o incumprimento do contrato como a impossibilidade de cumprir o fim contratual justifica a sua resolução”.

Em comentário à disposição em análise (art. 30º al. b)), refere António Pinto Monteiro (18) que, nos termos dessa alínea, “qualquer contraente pode socorrer-se da resolução apesar de o contrato estar a ser regularmente cumprido, quando se verificar alguma circunstância que impossibilite ou faça perigar gravemente o fim do contrato. Decisivo é, também aqui, que, por via disso, não seja exigível a subsistência do contrato até expirar o prazo convencionado (nos contratos celebrados por tempo determinado)… Trata-se de fundamento objectivo, baseado em circunstâncias respeitantes ao próprio contraente que decide resolver o contrato ou à contraparte (v.g. perda do mercado de bens ou serviços que constituem objecto da agência, por razões alheias ao respeito, por qualquer das partes, das respectivas obrigações). Trata-se, em suma, de uma situação de “justa causa”, não por força de qualquer violação dos deveres contratuais, mas por força de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado”.

Ou seja, face a esta causa, a resolução não depende de qualquer incumprimento culposo por banda da outra parte. Como contrato de cooperação, essencial não é o comportamento dos contraentes mas o fim a que o contrato se propõe. Daí que a norma expressamente conceda a possibilidade de resolução no caso de ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim do contrato. Portanto, nestes contratos tanto o seu incumprimento, como a impossibilidade de cumprir o fim contratual, justifica a sua resolução. Nesta hipótese, como diz Pinto Monteiro, está em causa uma “justa causa” derivada da ocorrência de circunstâncias não imputáveis a qualquer das partes, mas que impossibilitem ou comprometam gravemente a realização do escopo visado pelo contrato.

No caso vertente, o objectivo notório da R., era exercer a actividade de mediação imobiliária de modo satisfatório e com proventos adequados, pretendendo e almejando tirar vantagens decorrentes do uso de uma marca que esperava vir a alcançar notoriedade, o que não se concretizou. Daí que a abertura da loja se tenha revelado um insucesso, revelado pela circunstância de durante o período em que durou o contrato, poucas transacções se terem concretizado (veja-se factos provados sob o nºs 32 e 33). De sublinhar que a notoriedade da marca (19), pressuposto essencial para o sucesso nas vendas (daí a realização do contrato de franquia), dependia, essencialmente, da actividade da A., que deveria promover o respectivo conhecimento da firma, investindo em publicidade (que ficou a cargo do franquiador) e angariar mais franqueados, o que a A. fez deficientemente. Por isso nos parece que para além de se ter desfeito a relação de confiança (20) que levou a R. a contratar, não nos parece ser de exigir da R. a manutenção do contrato até terminar o prazo convencionado, sabendo-se que a realização do fim contratual (sucesso no negócio, derivado de ter optado por usar a marca da franqueada) resultou gravemente prejudicado. Como se refere apropriadamente no douto acórdão recorrido “…aquilo que era natural (e foi aceite pelas partes), à data da celebração do contrato, deixou de o ser, passado um ano, porquanto, a inexistência de qualquer evolução da notoriedade da marca, comprometeu o equilíbrio contratual das partes e, determinando o fracasso da agência e a falta de perspectivas de alteração dessa situação, tornou inexigível a manutenção do contrato”.

Em razão do exposto, somos em crer que face àquela alínea b) do referido art. 30º do Dec-Lei 178/86, a resolução efectuada pela R. obedeceu a uma justa causa e daí que tenha sido fundada.

Confirma-se, pois, a posição assumida pelo douto acórdão recorrido, considerando-se, desde já, improcedente a pretensão do recurso subordinado da A. (21) e, consequentemente, a revista (excepto na pequena precisão que se irá fazer à frente).

2-4- Sustentam ainda os RR. recorrentes que a resolução do contrato com fundamento no incumprimento por parte da recorrida, confere à R. o direito de ser indemnizada, indemnização que deverá ser calculada com base nas regras gerais, constantes dos art. 562º e segs., correspondendo a essa indemnização ao valor global dos pagamentos efectuados pela recorrente a título de direito de entrada e royalties, bem como, as despesas que teve de suportar, cujo valor global ascende a € 45.530,00, nos termos constantes da douta decisão condenatória proferida em 1a instância.

Desde logo diremos que a pretensão da recorrente parte de um pressuposto que se não verificou. É de que se considerou legitima a resolução contratual em razão do incumprimento do contrato por parte da A., o que não sucedeu. A resolução foi considerada legítima sim, mas face ao disposto na alínea b) do art. 30º do Dec-Lei 178/86 (reconhecimento de verificação de justa causa). O juízo de licitude da resolução assentou somente no facto de se entender não ser exigível à R., face à frustração dos objectivos do contrato, em continuar contratualmente vinculada até ao termo do prazo convencionado no contrato. Por isso, somos em crer que não existe por parte dos RR. o direito a uma qualquer indemnização. Os RR. fundaram o pedido dessa indemnização no incumprimento culposo do contrato por banda da A., incumprimento que, como se viu, não ocorreu (22) . Repete-se a resolução do contrato por banda da R. foi considerada legítima, não em razão do incumprimento do contrato por parte da A., mas sim por verificação de justa causa para cessação do vinculo contratual.

A posição dos RR. recorrentes é, pois, insubsistente.

2-5- Defendem também os RR. recorrentes que o acórdão interpretou incorrectamente o art. 434° nº 2, pois atendeu exclusivamente, ao seu elemento literal, não atendendo à "ratio" do mesmo. É certo que nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações efectuadas. Porém, tendo a recorrida incumprido as obrigações a que estava adstrita, de forma grave e reiterada, terá de indemnizar a recorrente pelo interesse contratual negativo, calculando-se a indemnização nos termos gerais (art. 562º e segs.).
Sobre a questão ponderou-se no douto acórdão recorrido que, por força do disposto nos arts. 434º nº 1 e 433º “conjugadas com o disposto no art. 289º, nº 1, a resolução do contrato determinará, em princípio, a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. Tal não acontece, porém, nos contratos de execução continuada ou periódica, já que, relativamente a estes, dispõe o art. 434º, nº 2, do Código Civil, que a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas. O contrato de franquia, em causa nos autos, é, manifestamente, um contrato de execução continuada ou periódica, na medida em que o seu cumprimento se prolonga ininterruptamente no tempo e as prestações do franquiado (royalties) renovam-se, em prestações singulares sucessivas, ao fim de períodos consecutivos, pelo que, em conformidade com o disposto no citado art. 434º, nº 2, a sua resolução não abrange as prestações já efectuadas”. Por isso entendeu a não devolução das prestações já realizadas. Acrescentou-se ainda no mesmo sentido que “embora se tenha concluído pela existência de justa causa para a resolução do contrato, não se demonstrou que tenha existido qualquer incumprimento contratual da Autora, pelo que não encontramos qualquer fundamento para que a Ré seja libertada das prestações que, em conformidade com o contrato, eram devidas até à data da resolução. Tal como acima se mencionou, a licitude da resolução do contrato assentou apenas na circunstância de não ser exigível que a Ré continuasse vinculada ao contrato até ao termo do prazo convencionado, atendendo ao fracasso da agência, à falta de notoriedade da marca, à inexistência de outras agências no Porto e à inexistência de técnicas de venda e marketing realmente inovadoras”.
No recurso os recorrentes continuam, também aqui, a assentar o seu entendimento na circunstância de a A. ter incumprido as suas obrigações nos termos do referido art. 30 al. a), o que já se afastou. Nenhum agravo fazem, pois, ao entendido no douto acórdão, designadamente à circunstância de aí se referir não se ter demonstrado qualquer incumprimento contratual por parte da A.(23) e que a licitude da resolução do contrato residiu apenas na circunstância de não ser exigível que a R. continuasse vinculada ao contrato até ao termo do prazo convencionado, atendendo ao insucesso do negócio.
A posição assumida no acórdão recorrido foi certa, pelo que se nos afigura despiciendo acrescentar mais ao aí profusamente dito.
2-6- Na sua revista, a A., para além do mais, defende que o montante que lhe é devido pelos RR., a título de “royalties” e contribuições para o FNP é de 4.995,00 € e não de 3.300,00 €, conforme se considerou no acórdão recorrido.
De sublinhar que nesse aresto se considerou que a R. não tinha direito à restituição das quantias que pagou a título de “royalties” e contribuições para o FNP (assim como do “direito de entrada” e dos cursos de formação), entendendo, pelo contrário, que se encontrava obrigada a pagar à A. as prestações devidas e contratualmente fixadas, até à data da resolução, até porque “a Ré utilizou, efectivamente, a marca e o sistema C..., durante o período em que vigorou o contrato; usufruiu de um conjunto de ferramentas e serviços que lhe foram disponibilizados e prestados pela Autora e frequentou os cursos de formação”. Assim, entendendo que à data da resolução efectuada pela R., se encontravam em dívida os royalties e as contribuições para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho, de 2006, no valor de € 2.120,00 e de € 1.210,00, respectivamente, concluiu estar a R. obrigada a pagar à A. esses valores, no montante global de 3.330,00 €.
No recurso a A. defende que se encontra ainda em dívida as “royalties” e contribuições para o FNP relativas ao mês de Julho. Daí o valor de 4.995,00 € a que chegou.
Provou-se que a resolução do contrato foi operada em 6 de Julho de 2006, sendo que à data da resolução efectuada pela franquiada, se encontravam em dívida os royalties e as contribuições para o FNP referentes aos meses de Maio e Junho, de 2006, no valor de € 2.120,00 e de € 1.210,00, respectivamente, a que a acresce o valor relativo ao mês de Julho de 2006, num total de € 4.995,00 (factos referenciados acima sob os nºs 65 a 68).
Sabendo-se que o STJ, como tribunal de revista, não pode modificar (em regra) a matéria de facto dada como assente, concluímos que terá que ser nesta quantia que os RR. deverão ser condenados.
Fora este pormenor, as revistas improcedem.

III- Decisão:
Por tudo o exposto, nega-se a revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido, excepto no tocante à quantia de € 3.330,00 em que a R. havia sido condenada na Relação, declarando-se que a que a R. está obrigada a pagar à A. o montante de € 4.995,00, correspondente aos royalties e contribuição para o FNP referentes aos meses de Maio, Junho e Julho de 2006.
Custas pelos recorrentes conforme o respectivo vencimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 25 de Janeiro de 2011

Garcia Calejo (Relator)
Helder Roque
Sebastião Póvoas
______________________

(1) Neste sentido vide “O contrato de Franquia” de L. Miguel Pestana de Vasconcelos, pág. 85.

(2) Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, pág. 108.

(3) In RLJ, 102º, 168

(4) In (Das Obrigações em Geral, 7ª edição, II Volume, pág. 275)

(5) In Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 455.

(6) Em relação à franqueadora ocorre uma enumeração exaustiva e pormenorizada das diversas situações em que ela pode, unilateralmente, fazer cessar o contrato.

(7) Obra citada, págs. 84 e 85

(8) Vide Galvão Telles Direito das Obrigações, 7ª edição, pág. 222.

(9) Vide mesmo autor e obra, pág. 336

(10) Vide a este respeito Almeida Costa, Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 298

(11) Vide Galvão Telles, obra citada, pág. 337

(12) Vide a este propósito Antunes Varela In Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, pág. 127

(13) Vide a este propósito Antunes Varela no parecer publicado na Col. De Jur., Ano XII, 1987, Tomo 4, págs. 22 a 35, a pág. 30.

(14) Vide mesmo parecer, pág. 30

(15) Como refere Antunes Varela no parecer publicado na Col. De Jur., Ano XII, 1987, Tomo 4, págs. 22 a 35, no cumprimento defeituoso o vendedor não realizou a prestação a que, por força do contrato, se encontra adstrito.

(16) Os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado (vol. II, 3ª edição, págs. 212 e 213), dão um exemplo de cumprimento defeituoso da obrigação, excluindo expressamente a venda de coisa defeituosa. Assim “se o cliente pedir na farmácia um laxante de certa marca e o empregado, por lapso, lhe entregar (e o cliente inadvertidamente receber) um produto dessa marca, mas que seja uma loção para o cabelo, nenhum erro do comprador existirá na formação do contrato (e nem sequer venda de coisa defeituosa …), mas apenas cumprimento defeituoso da obrigação contraída.

(17) In Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição, págs. 128 e 129

(18) In Contrato de Agência, 2ª edição, págs. 98 e 99

(19) Como se refere no acórdão deste STJ de 7-2-2008 (in sumários internos deste STJ) com o contrato de franquia o beneficiário passa a desfrutar da notoriedade da marca bem como o “saber fazer” relativo à organização e metodologia inerentes ao negócio.

(20) Como nos parece pacífico, um contrato de franquia pressupõe que entre as partes contratantes se estabeleça e prolongue, como elemento basilar e essencial, uma relação de confiança

(21) Pretensão concernente em ver declarada a ilegitimidade ou ilegalidade da resolução do contrato declarada pela 1ª R. e consequente aplicação dos procedimentos derivados da cessação do contrato de franquia


(22) Na própria minuta de recurso os recorrentes continuaram a insistir que a resolução do contrato radicou no incumprimento das obrigações a que a A. estava adstrita, retirando daí a consequência de dever ser indemnizada pelo interesse contratual negativo

(23) Existiu sim cumprimento defeituoso da obrigação, como acima já se evidenciou.