Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1869/06.0TVPRT.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE DE INFORMAÇÃO
DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL
DIREITO AO BOM NOME
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1 – Os direitos ( e as liberdades ) de expressão e informação, e de imprensa, constitucionalmente consagrados, não são direitos inteiramente absolutos, vivendo por si e para si como se fossem únicos.
2 - Há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.
3 – A liberdade de imprensa não é uma criação pela criação, mas uma exigência em ordem à defesa do interesse público e à consolidação da sociedade democrática.
4 – No confronto entre os direitos à liberdade de expressão e informação, exercidos através da imprensa, e outros direitos constitucionalmente consagrados, maxime o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação, não pode deixar de reflectir-se na verdadeira dimensão do exercício desses direitos – se há um qualquer interesse público a prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA e mulher BB, CC, intentaram, no Tribunal Cível da comarca do Porto, em 21/09/2006, contra DD S.A., EE, FF, GG, acção ordinária, que recebeu na 5ª Vara Cível, 3ª secção, o nº1869/06.0TVPRT, pedindo a condenação solidária dos réus a pagarem aos 1ºs autores a quantia de 50 000,00 euros a cada um, e 25 000,00 à 2ª autora ( acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento ), a titulo de danos não patrimoniais.
Alegaram, em suma:
no jornal “24 Horas”, propriedade da 1ª ré, de 10 de Agosto de 2006 foi publicada, na primeira página, com grande destaque e também no seu interior, uma noticia, que continha declarações efectuadas pelo 4º réu, que atingiram de forma grave o bom nome e reputação dos autores;
essa situação causou aos autores danos não patrimoniais de que pretendem ser ressarcidos;
imputam a responsabilidade pelo ressarcimento dos mesmos ao 4º réu, na qualidade de autor das afirmações difamatórias que foram publicadas, e aos demais réus, respectivamente nas qualidades de proprietária do jornal que publicou as referidas afirmações, de director do jornal que deu cobertura ao teor da noticia e aos termos em que foi publicada, e ao jornalista que fez a reportagem, porque determinaram a divulgação pública, em grande escala de imputações ofensivas da honra e consideração dos autores.
Citados, contestaram apenas os 1º, 2º e 3º réus ( a contestação apresentada pelo 4º réu foi mandada desentranhar por despacho de fls.83 ), dizendo, em resumo:
as afirmações alegadamente ofensivas dos autores constituem afirmações feitas por pessoa devidamente identificada no jornal e transcritas como afirmações feitas por essa pessoa, em entrevista que deu ao jornal;
não se trata, assim, de afirmações que possam ser imputadas aos jornalistas, ao jornal;
para além disso, quaisquer danos, a terem ocorrido, ocorreram antes da publicação em causa, noutras sedes, designadamente judicias;
os jornalistas actuaram convencidos da veracidade das afirmações e no âmbito do direito de informar e de liberdade de imprensa.
Concluem pela total improcedência dos pedidos contra si formulados.
Replicaram os autores, concluindo como na petição inicial.
Foi realizada audiência preliminar, com tentativa de conciliação infrutífera e, de imediato, foi elaborado o despacho saneador, com selecção da matéria de facto considerada assente e alinhamento da base instrutória.
Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.463, foi proferida a sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente pelo que, em consequência:condenou todos os réus a pagarem solidariamente as seguintes indemnizações:
- ao 1º autor, a quantia de 30 000,00 euros ( trinta mil euros );
- à autora BB, a quantia de 15 000,00 ( quinze mil euros);
- à autora CC, a quantia de 5 000,00 ( cinco mil ) euros.
No demais peticionado,absolveu os réus.
Inconformados, interpuseram recurso de apelação os RR DD, Publicações, S.A., EE e FF.
Por acórdão de fls.706 a 724 o Tribunal da Relação do Porto julgou improcedente o presente recurso de apelação e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.
Inconformados, os réus/apelantes pedem agora revista para este Supremo Tribunal.
Alegando a fls.827, CONCLUEM os recorrentes, em resumo:
a - por omissão de pronúncia, o tribunal a quo violou o disposto nos arts.668º, nº1, al. d ) e 660º, nº2, ex vi do art.716º, todos do CPCivil, quando ignorou a matéria incorporada nos pontos 19 e 20 das alegações na apelação sobre a violação dos princípios que presidem à atribuição de uma indemnização por danos e o disposto no art.563º do CCivil, limitando-se a tecer o seu entendimento acerca do que constitui o direito de informar;
b – e igualmente omitiu pronúncia sobre a questão colocada quanto à violação pela 1ª instância do disposto no art.496º do CCivil, porque excessivo e manifestamente desadequado o montante indemnizatório de 50 000,00 euros fixado pelo tribunal;
c – pelo facto de ter julgado improcedente a reapreciação da matéria de facto, o tribunal recorrido não se encontrava legitimado a não emitir um juízo sobre o valor da indemnização atribuída, no montante de 50 000,00 euros, pois que são coisas substancialmente distintas;
d – o tribunal recorrido faz uma distinção entre aquilo que considera ser o bom do mau jornalismo ( distinção que a lei não faz ), como se o direito de informar se reduzisse apenas às notícias que fazem pensar, como se entrevistas sobre lazer, coisas simples da vida como a moda ou a sociedade, não se enquadrassem naquilo que as sociedades de hoje consideram ser o papel da comunicação;
f – tal entendimento sobre o direito de informar viola aquilo que a liberdade de imprensa tem de mais sagrado: o direito à informação e a liberdade de expressão tal como previstos na Constituição;
g – a notícia publicada é uma entrevista prestada por GG e não uma notícia em que os recorrentes dissessem que o irmão do maestro GG agiu assim ou assado nas partilhas – o 24 Horas foi apenas repositório daquilo que o maestro quis dizer sobre os actos do irmão ;
h – e, em igualdade de circunstâncias, quis publicar a versão dos factos do autor ( que este não quis fornecer ) e publicou ( mesmo ) a versão dos factos que o Advogado do A. quis dar e deu;
i – e tal facto releva do ponto de vista do estabelecimento da autoria do facto lesivo – o órgão de informação não profere uma declaração putativamente ofensiva; quem insulta/difama ( ou o pode fazer ) é o entrevistado, único responsável pelas palavras proferidas;
j – e relevaria quanto à determinação da culpa, em função do que, por exemplo, o órgão de comunicação fez para cumprir o dever de ouvir ( ou tentar fazê-lo ) o visado;
l – e relevará ainda quanto ao quantum indemnizatório;
m – o art.37º da Constituição da República, que consagra a proibição constitucional de toda e qualquer forma de censura aponta no sentido de que se não devem permitir limitações à liberdade de expressão para além das que foram necessárias à convivência com outros direitos, nem impor sanções que não sejam requeridas pela necessidade de proteger os bens jurídicos que, em geral, se acham a coberto da tutela penal;
n – faltando uma norma de colisão de dois direitos com igual força constitucional, procura-se proteger o núcleo de cada um deles através da aplicação simultânea de vários princípios: a ponderação de bens, a proporcionalidade, a concordância prática e o efeito recíproco;
o – é inconstitucional a (des)harmonização defendida na decisão recorrida, pois tem como consequência prática a total e completa supressão de um dos dois direitos em concurso – a liberdade de expressão e o direito à informação;
p – e é inconstitucional ( e ilegal ) porque afirma o primado do direito à reserva da vida pessoal sobre o direito à liberdade de expressão e informação;
q – o texto aqui em questão move-se naquilo que é o legítimo exercício da liberdade de expressão e do direito à informação, constitucionalmente garantido aos recorrentes e infra-graduado na decisão contra o disposto nos arts.2º, 3º, 18º, 37º e 38º da Constituição;
r - e mantém-se dentro dos limites consentidos pela liberdade de expressão, da livre crítica e do direito à informação;
s - é uma entrevista de uma destacada figura pública, as palavras são uma fiel transcrição das palavras do entrevistado, os recorrentes estavam, como estão, convencidos de que o teor afirmado pelo entrevistado era verdadeiro e, em boa fé, tinham razões para acreditar nisso, está por isso excluída a ilicitude;
t – a decisão recorrida violou as disposições constitucionais citadas, bem como os arts.2º e 22º, al. a ) da Lei de Imprensa;
u – tratando-se de uma entrevista, o jornal não é responsável civilmente enquanto publica a afirmação no exercício do direito de um direito: o de informar;
v – os jornais são um mero suporte, não agentes, da terminologia usada pelos entrevistados;
w – deve ser aplicada por analogia à responsabilidade civil a disposição da Lei de Imprensa ( art.31º, nº4 ) que prevê em matéria penal a irresponsabilidade da conduta quando se trata da transcrição das afirmações de terceiros desde que devidamente identificados;
x – a notícia publicada, para além da transcrição fiel das afirmações do entrevistado, está escrita de forma moderada e adequada, sem animus injuriandi, dentro dos limites da liberdade de expressão e de informação – está assim justificada a conduta dos recorrentes, com a ausência de culpa e ilicitude;
y – o tribunal recorrido não distinguiu, na fixação ( solidária ) da indemnização, a diferente natureza, quer a nível de culpa quer de animus injuriandi, da acção do agente que profere as afirmações e do jornal e dos jornalistas que se limitam à publicação e divulgação das palavras ofensivas;
z – no limite, os recorrentes teriam actuado ( apenas ) com negligência, por terem omitido deveres de cuidado sobre o conteúdo da entrevista;
aa – não faz sentido jurídico ( quanto mais moral ) imputar a lesão com igual distribuição de culpas e, solidariamente, pelos RR, havendo em qualquer caso o tribunal recorrido de ter tido o cuidado de observar o disposto no art.497º, nº2 do CCivil não presumindo idênticas culpas que, a terem existido, são tão gritantemente diferentes;
ab – não resultou minimamente provado que os danos enumerados se devessem em exclusivo à acção jornalística dos recorrentes, pelo que resulta violado no acórdão recorrido a disposição do art.563º do CCivil por falhar o requisito do nexo de causalidade entre o facto e o dano;
ac – para além de vagas referências a sentimentos de vergonha, tristeza, angústia e mal-estar, não foram trazidos aos autos factos merecedores de um juízo tão negativo quanto o que subjaz a uma indemnização fixada em 50 000,00 euros;
ad – quantia manifestamente excessiva e desadequada atento a realidade jurisprudencial corrente em Portugal que comummente fixa para a indemnização por “dano de morte”o valor de 25 000,00 euros.
Contra – alegando a fls.906, os recorridos pugnam pelo bem fundado do acórdão recorrido, defendendo a sua manutenção.
Estão corridos os vistos legais.
FACTOS tais como as instâncias, maxime o acórdão recorrido, os fixaram:
1- A Primeira Ré é proprietária do jornal de publicação diária, em língua portuguesa, denominado “ 24 HORAS”;
2- O Segundo R. é director desse mesmo diário;
3- O 3º R. é jornalista “ Nacional” do referido 24 horas;
4- O 4º R. dedica-se à composição e direcção musical, há longos anos, sendo conhecido no nosso país como figura pública, é irmão consanguíneo do A. marido, cunhado da A. mulher e tio da 2ª A.;
5- No jornal “24 Horas” com o nº 3.004 de quinta-feira, 10 de Agosto de 2006, foi publicada na primeira página uma notícia, com o destaque da mais importante do dia com foto do 4º R., sob o título, em letras de grandes dimensões, “GG QUER IRMÃO NA CADEIA POR ROUBO DE 2 MILHÕES DE CONTOS”, conforme documento junto a fls. 17;
6- Em letras de menor dimensão, em subtítulo, no topo da primeira página dizia “maestro em guerra com a família por causa da herança milionária do pai”,
7- E na base da mesma página “o maestro sentiu-se enganado depois da morte do pai: queixa-se da “ganância do dinheiro” e denuncia uma traição dos irmãos. O caso está no tribunal”.
8- Nessa notícia tinha ainda a referência das páginas 8/9. Nelas ocupando duas páginas inteiras do jornal, o 3º Réu escreve um extenso artigo e em títulos de grandes dimensões acima de nova foto do mesmo réu, e com maior destaque do que os demais da página 8, publica a frase: “ A CADEIA PARECE-ME SER O LOCAL CERTO”, conforme documento de fls.18.
9 – Na página 9, numa caixa, o 3º Réu publica uma foto de meio corpo dos 1ºs AA, conforme documento de fls.19.
10 – E com letra branca sob cor negra, par aumentar o realce, escreve: “ é o grande arquitecto deste golpe, havendo fortes indícios de que se terá servido da mulher e da própria filha CC para o levar a cabo ( … ) é mais um parolo endinheirado, como tantos outros ( … ) Com duas procurações, presumivelmente falsificadas de seus pais, outorgadas em 1999, o caminho estava aberto para toda a espécie de actos ilícitos, dos quais o meu pai ainda teve conhecimento, cerca de vinte dias antes de morrer. Demasiado tarde “.
11 – E por isso mesmo, com realce num rectângulo amarelo, aposto no canto inferior da foto de grandes dimensões do 4º Réu, o jornalista escolhe as expressões: “ GG espera que esta guerra familiar acabe com a prisão do irmão AA “, conforme documento de fls.20.
12 – Ainda na página 9 do mesmo diário, o jornalista dedica um espaço com um desenho tipo “árvore genealógica” para identificar a posição de cada um dos elementos da família, que identifica e cita, fazendo referência expressa à 2ª Autora, CC, como sendo a “ filha de AA e BB. O seu tio acusa-a de cumplicidade nos actos de seu pai “, conforme documento de fls.22.
13- No texto da notícia, o jornalista faz referências a várias afirmações feitas pelo quarto R.;
14- Nela se diz que:
“O maestro GG, o homem que fez o êxito de HH “E depois do Adeus”, acusa dois irmãos de roubarem 2 milhões de contos da herança que o pai lhes deixou. Ao 24Horas GG conta toda esta guerra familiar que ele espera que termine com a prisão do irmão que ele considera responsável pelo desfalque.
A questão da divisão de heranças é sempre complicada. E quando um dos herdeiros suspeita – e acusa – outros de se terem apropriado indevidamente dos bens a dividir, ainda pior. Pois bem, é isso que há dois anos acontece com a família do maestro GG.
Contactado pelo 24Horas, o maestro confirmou a situação: “Lamentavelmente, é verdade. É enorme a mágoa quando se constata que, na nossa própria família, a ganância do dinheiro supera todos os valores.”
GG apresentou várias queixas na Justiça contra os seus irmãos (GG e AA) para “averiguar, em profundidade, a extensão dos actos praticados” por eles “no que diz respeito à apropriação ilícita de dinheiros e outros bens” do pai, afirmou ao 24Horas. E, garante, vai fazer tudo “para que sejam punidos de acordo com a gravidade dos actos que tenham eventualmente praticado”.
E garante: o que lhe custa mais nesta história é o facto do seu irmão AA ter aceite ser padrinho do seu filho, “cinco meses antes da morte” do seu pai, “bem sabendo de já se tinha apropriado em proveito próprio dos bens que, com toda a normalidade, constituíram a herança”. Por isso diz sobre o irmão AA: “A cadeia parece-me ser o local certo. É minha absoluta convicção de que justiça será feita”.
De acordo com o maestro, esta alegada apropriação de bens familiares “envolve dinheiro, acções, seguros e imóveis”. “Isto é o que eu conheço. Pode haver mais coisas que desconheça. Mas aquilo que eu conheço, só em dinheiro, faltam cerca 10 milhões de euros [2 milhões de contos] na herança”, explica.
“A CADEIA PARECE-ME SER O LOCAL CERTO”,
“Hoje em dia conheço-os suficientemente bem para saber que me esperam queixas-crime por difamação. É assim que actuam. Como se fossem pessoas muito respeitáveis. Corro esse risco porque sei que, neste caso, não se trata de um crime perfeito e que, pelo menos o dinheiro, mesmo em offshores e contas no estrangeiro, deixa sempre rasto”, afirmou ao 24Horas.
AA e GG não quiseram prestar quaisquer declarações ao 24Horas sobre este assunto, tendo remetido os esclarecimentos para os seus advogados……….”, Conforme documento de fls. 23;
15- O Jornal 24 Horas é distribuído e lido por milhares de pessoas, diariamente, em todo o território nacional e da União Europeia;
16- E, pelo relevo que tem no seio da comunicação social, é citado por extractos de afirmações nele reproduzidas, por outros meios de comunicação social, concretamente na televisão, na rádio, na imprensa escrita e na Internet, onde diariamente perante milhares de pessoas, são lidos tais extractos, e exibidas ou lidas as primeiras páginas nas rubricas “os principais títulos dos jornais diários”,
17- Como sucede, designadamente na TSF, Rádio Renascença, Rádio Nova, RTP1, RTPN, SIC, SIC Notícias, TVI, portal SAPO;
18- As fotos dos AA. foram publicadas naquele jornal, no contexto da notícia, sem o seu consentimento;
19- Do texto da notícia e das fotos era possível identificar-se claramente que se referiam aos AA.;
20- O 2º R enquanto director do jornal 24 horas deu plena cobertura ao teor da notícia, nos precisos termos em que foi divulgada, especialmente no que diz respeito à primeira página daquela edição;
21- O jornal publicou, no texto, 3 colunas com a versão dos factos do A. que lhe foi dada pelo seu D. Mandatário, onde é narrada a versão do A. de que as acusações do irmão Maestro GG são totalmente infundadas.
22- O A. Marido é médico especialista, dedica-se ao exercício da medicina quer em regime de profissional livre no seu consultório, em empresas e numa clínica, quer como funcionário público, sendo hoje chefe num dos serviços da ARS do Norte;
23- A A. Mulher é economista e exerceu funções em duas instituições bancárias, Banco Português do Atlântico, como chefe de gabinete e no Finibanco como directora de serviços, na área do crédito;
24- A 2ª A. exerceu, até Julho de 2006, funções de delegada de informação médica até 31 de Maio de 2006, na empresa identificada a fls. 159;
25- O jornal 24 horas teve, em Junho de 2006, uma tiragem média de 70754 exemplares;
26- A tiragem aumentou no mês de Agosto, que é tempo de férias;
27- Os factos supra referidos em 16 e 17 aumentam o número de pessoas que tomam conhecimento apenas dos títulos das primeiras páginas dos jornais, tal como sucedeu com a edição de 10 de Agosto de 2006 do jornal 24 Horas, tendo sido noticiada a primeira página daquele jornal em algumas televisões e rádios;
28- Há leitores que lêem e retêm apenas as “letras gordas” e títulos das notícias e que não lêem o seu conteúdo;
29- Os títulos e o contexto da notícia transmitem ao leitor a ideia de que o A. marido descaminhou, em proveito próprio, avultadíssimas quantias em dinheiro, em prejuízo do 4º R., com a colaboração da A. mulher e da 2ª A.;
30- O 4º R. sabia que as informações que prestou ao 3º R. com o fim de serem divulgadas no jornal 24 horas constituíam imputações da consumação de crimes por parte dos AA. e pretendeu dar divulgação pública deles, com indicação expressa de que tais condutas foram efectivamente consumadas;

31- Os três primeiros RR pretenderam fazer passar uma mensagem que quiseram que captasse a atenção dos leitores causando sensação;
32- O 3º R. não procedeu a consulta dos processos judiciais cíveis que se encontravam pendentes;
33- Dá-se aqui por reproduzido o teor dos documentos de fls. 414 e ss. 160 e ss e 168 e ss;
34- Dá-se aqui por reproduzido o teor dos documentos de fls.183 e ss e 186 e ss;
35- Os 1ºs AA no dia 10 de Agosto de 2006 encontravam-se em gozo de férias em Vilamoura no Algarve, zona onde passam férias inúmeros amigos e conhecidos dos AA que os encontram diariamente;
36- Aquela zona é frequentada em época de férias por pessoas do Porto e do Norte do País, sendo que algumas das quais, conhecem os autores;
37- Os 1ºs AA ficaram vexados, envergonhados e muito chocados com o teor da notícia acompanhada da sua foto;
38- Viram-se os AA conotados pela opinião pública, conhecidos, amigos, familiares e colegas de trabalho, com a prática de crimes graves, designadamente de furto e abuso de confiança no valor superior a dois milhões de contos;
39- E com o estigma que a expressão “cadeia” cria quando aliada a condutas ilícitas;
40- A 2ª A. sentiu-se envergonhada e chocada com a publicação da notícia;
41-Os 1ºs AA nesse dia e nos dias seguintes quase não saíram de casa;

42- A notícia publicada lança a dúvida sobre a idoneidade e seriedade dos AA;
43- Muitos dos leitores e espectadores sem espírito crítico, aceitam por verdadeiro o que os jornais e a televisão difundem como sendo um facto;
44- A vida familiar dos AA ficou afectada no seu dia a dia com a publicação da notícia, passando os 1ºs AA a evidenciar nervosismo e angústia;
45- O primeiro A necessitou de cuidados médicos;
46- O 1º A sofrera anteriormente um enfarte do miocárdio e o impacto psicológico da notícia tem efeitos negativos na saúde dos doentes com esse quadro;
47- Ficou prejudicado o repouso dos 1ºs autores nos dias de férias que se seguiram á publicação da notícia;
48- Os AA são reputados no meio onde vivem, pelas pessoas das suas relações, como pessoas rectas e sérias;
49- Gozam os 1ºs AA de reputação social elevada;
50- Tanto o A. marido como a A. mulher são profissionais que exercem cargos que impõem elevada confiança;
51- Ambos são reconhecidos como profissionais competentes íntegros, idóneos e sérios, e sempre pautaram o seu trabalho ao longo das suas carreiras profissionais com plena rectidão, atributos e qualidades que lhes são reconhecidos por colegas de trabalho, superiores hierárquicos, clientes e terceiros que com eles contactam;
52- O A. marido foi durante cerca de sete anos Director do Centro de Saúde da Trofa, onde gozou ainda de estima e consideração das entidades locais, designadamente do Presidente da Câmara;
53- É médico adjunto do comando dos Bombeiros Voluntários Portugueses;
54- É autarca enquanto membro da Assembleia de Freguesia da Foz do Douro, estando a cumprir o terceiro mandato;
55- É membro da Assembleia Geral da Associação Contra a Tuberculose do Porto (ACTP);
56- O 4º R conhecia as actividades referidas em 52 e 54;
57-A 2ª A. é uma jovem em início de carreira que pautou a sua actividade profissional com seriedade;
58- Os títulos da notícia e a foto dos autores no contexto em que é publicada afectam a dignidade, reputação e credibilidade dos AA., aos níveis pessoal, profissional e social;
59- Com a referida publicação foi imposto aos AA o estigma de prática de crime grave que determina até a privação da liberdade;
60- Os cargos exercidos pelos 1ºs autores exigem confiança, a qual pode ser posta e causa com a imputação ou suspeição da prática de actos ilícitos e de crimes contra o património,
61 - É importante para uma jovem em início de carreira, conseguir manter ou arranjar emprego não estar conotado com prática de crimes;
62 - Ainda hoje todos os AA têm o seu quotidiano alterado;
63- Sentem-se vexados e envergonhados no seu círculo de conhecimentos pessoais e profissionais, quando sabem que o assunto é comentado e falado na sua ausência, e os questionam sobre o estado dos processos;
64-Os autores experimentam sensações de angústia e mal-estar e tristeza;
65- Os autores ficaram psicologicamente afectados, desgostosos e tristes;
66 – A autora mulher sentiu desgosto com a imputação de crimes feita com publicidade ao marido;
67- Sentindo angústia com o risco para a saúde que a mesma sabia representar;
68- A 2ª A. ficou transtornada e chorou, tudo por causa da publicação da notícia;
69- O A. marido fiou muito abalado e preocupado não só com o seu estado de saúde, tendo recebido assistência médica no dia em que tomou conhecimento da notícia e nos dias que se lhe seguiram;
70- Como por ver o seu nome enxovalhado na praça pública;
71- Resulta da notícia que o 4º R mostrou ter plena consciência que estava a difamar os AA;
72- O 4º R. teve intenção de criar imagem pública de que seu irmão cometera um grave crime em seu prejuízo da família;
73- O 4º réu sabia e os demais réus não podiam ignorar que, com a publicação da notícia, o nome e reputação dos autores era prejudicado junto da opinião pública;
74 - Todas e cada um dos factos narrados, ou afirmações feitas, são a transcrição fiel e exacta das afirmações feitas pelo entrevistado, o Maestro GG;
75- Dá-se aqui por reproduzido o teor do documento de fls. 421 e ss;
76- O réu jornalista tentou obter junto dos autores a versão dos mesmos, sendo que aqueles informaram que não pretendam prestar quaisquer esclarecimentos.
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São estes os factos.
E se os factos são o que são, se o facto é o que é, vejamos agora o direito. Que é - como se sabe e resulta do estipulado na Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais ( art.26º da Lei nº3/99, de 13 de Janeiro e, agora, art.33º da Lei nº52/2008, de 28 de Agosto ) e nos arts.722º e 729º, nº1 do CPCivil - o que em princípio e em regra nos está reservado, tribunal de revista que é este Supremo Tribunal de Justiça.
Vejamos então.
São, como também se sabe e resulta do disposto nos arts.660º, nº2, 684º, nº3 e do art.690º do CPCivil, as conclusões da alegação de recurso, e não a alegação em si mesma, que fixam o âmbito e o objecto de cada recurso.
Não interessa tanto, pois, considerar aquilo que consta dos pontos 19 e 20 das alegações dos apelantes, mas antes aquilo que desses pontos veio a transparecer – se foi o caso – nas conclusões respectivas que, definindo o objecto do recurso, exigiam uma concreta pronúncia por parte dos julgadores.
Sucede que, por remissão embora para o decidido em 1ª instância – mas a remissão é uma faculdade inteiramente admitida pelo disposto no nº5 do art.713º do CCivil – o acórdão recorrido pronuncia-se expressamente sobre as questões que têm a ver sobre o montante indemnizatório fixado com base nos factos tidos como assentes em 1ª instância e absorvidos, sem alteração, pela Relação.
Não se verificam, portanto, as nulidades por omissão de pronúncia que os recorrentes pretendem ter-se por verificadas.
Dito isto.
A Constituição da República regula, no seu art.37º, nº1, as liberdades ( e os direitos ) de expressão e informação garantindo que todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações.
E o art.38º regula em especial esses direitos quando exercidos através da imprensa, estabelecendo no seu nº1 – É garantida a liberdade de imprensa.
O exercício desses direitos, maxime do direito de informar, ou seja, o direito de transmitir e difundir informações, é livre, sem impedimentos nem discriminações - di-lo expressamente a parte final do nº1 do art.37º do mesmo art.37º. Que, no seu nº2, estabelece que tal exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
Esses direitos não são, todavia, direitos inteiramente absolutos, vivendo por si e para si como se fossem únicos.
Há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem que definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e à relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.
No confronto do direito à informação com o direito à integridade pessoal do art.25º, nº1 da Constituição – a integridade moral e física das pessoas é inviolável e com o direito ao bom nome reputação do art.26º, nº1 – a todos são reconhecidos o(s) direito(s) … ao bom nome reputação – se há-de definir, em concreto, a medida do sacrifício de cada qual para que, a final, todos esses direitos, com igual consagração e protecção constitucional, possam coabitar numa sociedade democrática baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária – art.1º da Constituição.
Por isso, e no que à imprensa diz respeito, a Lei de Imprensa ( Lei nº 2/99, de 13 de Janeiro ) estabelece limites – a liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma salvaguardar o rigor e objectividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.
A liberdade de imprensa não é uma criação pela criação, mas uma exigência em ordem á defesa do interesse público e à consolidação da sociedade democrática.
De modo que, quando se confrontam os direitos à liberdade de expressão e informação, exercido através da imprensa, com outros direitos constitucionalmente garantidos, maxime o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação, não posa deixar de reflectir-se na verdadeira dimensão do exercício desses direitos – se há uma dimensão pública a respeitar, porque há um interesse público a caminho da dignidade da pessoa humana e da construção da sociedade democrática, na informação produzida ou se essa informação é tudo menos isso.
Se há um qualquer interesse público a prosseguir, com a informação a contribuir para a formação dos destinatários dela ou para o grau de exigência e rigor que entidades públicas e privadas devem pôr no respeito pela comunidade, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e a liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais;
se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão e de informação.
Ora, que interesse público pode ter a informação de que uma determinada família ( como tantas outras ), três irmãos, se desentenderam quanto à partilha dos bens de seus pais e que um acusa o outro de subtrair determinados bens à herança comum, esperando o primeiro que o destino do segundo “ seja a cadeia “?
Sabe-se – sabe-o o jornal 24 horas que o escreve na sua notícia – que a questão da divisão de heranças é sempre complicada. E quando um dos herdeiros suspeita – e acusa – outros de se terem apropriado indevidamente dos bens a dividir, ainda pior.
Que isso que acontece há dois anos com a família do maestro GG não é nada que o diferencie de muitas outras heranças.
E como em tantas outras também – de novo a notícia - GG apresentou várias queixas na Justiça contra os seus irmãos (GG e AA) para “averiguar, em profundidade, a extensão dos actos praticados” por eles “no que diz respeito à apropriação ilícita de dinheiros e outros bens” do pai ... E, garante, vai fazer tudo “para que sejam punidos de acordo com a gravidade dos actos que tenham eventualmente praticado”.
É aí, na Justiça, que a questão pode ter interesse porque é aí, só aí, que a questão pode ser resolvida, se os interessados não encontrarem a vontade necessária para a resolver por si.
Claro que no jornalista e no jornal deve radicar o direito de saber se a notícia tem ou não interesse – é um direito seu e só respeitando esse direito se respeita a liberdade de expressão e de informação, e de imprensa.
Mas apurar da dimensão pública ( ou da ausência dela ) na sua publicação para, no juízo sobre essa dimensão, se procura a harmonia dos direitos, é tarefa que nos compete. E diremos – já o dissemos – que essa dimensão não existe.
Que o maestro GG seja ( tivesse sido ), no país, uma figura pública é figura pública porque se dedica à composição e direcção musical, há longos anos.
É figura pública enquanto compositor e músico. E o que se pode dizer é que nem mesmo as figuras públicas escapam ao desatino das questões privadas. Que, todavia, privadas são, a menos que de sua própria natureza venham a incorporar um reflexo público que ao comum dos cidadãos possa ser importante conhecer.
Mas que importa saber que o maestro GG tem uma pendência com os irmãos a propósito da herança de seus pais sobretudo quando, na notícia, o maestro é a “ vítima “ e não o “ réu “ a quem possa ser imputado um qualquer comportamento que possa denegrir a figura pública de que publicamente beneficia?
Em causa, na notícia, não está a figura pública de qualquer um dos autores de modo a que o que estivesse em causa fosse informar – aproveitam-se os autores de uma imagem pública que não merecem porque a não sabem respeitar.
Ao contrário, o que acontece na notícia é aproveitar-se o noticiador da dimensão pública do maestro GG, porque é uma figura pública, potenciando a desvalorização da figura privada de três pessoas que, na sua dimensão inteiramente privada, estão em questão … privada com o maestro. E que o maestro reconduziu ao lugar apropriado para lhe ser reconhecida a sua razão – os tribunais.
Era perfeitamente possível respeitar a liberdade de expressão e de informação, e de imprensa, do jornal 24 Horas se o jornal se limitasse a noticiar isso mesmo.
Mas o jornalista, o director e o jornal escolheram um outro caminho:
em vez de noticiarem, por exemplo, aquilo que em letras de menor dimensão, em subtítulo, no topo da primeira página diziam “ maestro em guerra com a família por causa da herança milionário do pai “ eventualmente acompanhada da foto do maestro, ou o que escreveram na base da mesma página “ o maestro sentiu-se enganado depois da morte do pai: queixa-se da ganância do dinheiro e denuncia uma traição dos irmãos. O caso está em tribunal “,
preferiram publicar na primeira página a mesma notícia, com o destaque da mais importante do dia, com foto do 4º R, sob o título de grandes dimensões, “ GG QUER IRMÃO NA CADEIA POR ROUBO DE 2 MILHÕES DE CONTOS “.
No exercício da sua liberdade de expressão, o que os jornalistas e o jornal quiseram, a grandes dimensões, não foi afinal a notícia, mas recuperar afirmações do maestro GG proferidas sobre a notícia: PÔR O IRMÃO NA CADEIA POR ROUBO e dizer que A CADEIA FINAL PARECE O LOCAL CERTO.
E estas frases são manifestamente atentatórias do bom nome e reputação do autor AA.
Objectivamente.
E nelas arrastaram, com letra branca sob cor negra para aumentar o realce, a autora BB, e a autora CC – é o grande arquitecto deste golpe, havendo fortes indícios de que se terá servido da mulher e da própria filha CC para o levar a cabo.
Acrescendo que:
as fotos dos AA. foram publicadas naquele jornal, no contexto da notícia, sem o seu consentimento.
do texto da notícia e das fotos era possível identificar-se claramente que se referiam aos AA.
Nenhuma dúvida, portanto, quanto à informação e difusão, sobre quem “arquitectara” um golpe traduzido num roubo de 2 milhões de contos, alguém cujo lugar certo era a cadeia, e quem foram os seus cúmplices.
Qualquer um dos destinatários do jornal, e para além por referência a ele, podia identificá-los quer pelos nomes quer pela imagem.
Ora bem:
O jornal publicou esta notícia, esta agressão ao património moral dos autores, apesar até da advertência do réu GG – “ hoje em dia conheço-os suficientemente bem para saber que me esperam queixas-crime por difamação”.
São os jornalistas e o jornal a assumir a publicitação de algo que o próprio maestro GG receia – a qualificação da sua “fala” como difamação.
Sendo certo – e isso é facto notório, que não pode ser ignorado quer pelos jornalistas quer pelo jornal – que há leitores que lêem e retêm apenas as “letras gordas” e títulos das notícias e que não lêem o seu conteúdo.
E – provou-se também - os títulos e o contexto da notícia transmitem ao leitor a ideia de que o A. marido descaminhou, em proveito próprio, avultadíssimas quantias em dinheiro, em prejuízo do 4º R., com a colaboração da A. mulher e da 2ª A.
E os três primeiros réus pretenderam exactamente fazer passar uma mensagem que quiseram que captasse a atenção dos leitores, causando sensação.
É aliás esta dimensão sensacionalista que torna mais nítida ( e mais pesada ) a solidariedade que a lei, o art.29º, nº2 da Lei de Imprensa – no caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director do seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiver causado - comina na responsabilidade de jornal e jornalistas com o réu GG.
Porque é uma dimensão assumida expressamente com esse intuito – causar sensação – captando uma atenção de leitores que se sabe irem ler apenas as letras gordas e os títulos da notícia.
Se alguma dessintonia houvesse que criar entre as culpas dos iguais responsáveis solidários, tal como o pudesse permitir o nº2 do art.497º do CCivil, essa seria em desfavor do jornal e dos jornalistas que potenciaram o carácter ofensivo da notícia localizando nas “letras gordas” e nos títulos ( que são responsabilidade sua ) o que de mais agressivo podia transitar do que foi dito pelo réu GG.
Jornal e jornalistas são solidários na prática dos factos que transportam a ilicitude por ofensa da integridade moral dos autores – eles estão a … difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa … E assim, solidariamente uns com os outros, e com quem o afirmou , todos e cada um deles responde pelos danos causados – art.484º do CCivil.
Uma coisa é a responsabilidade civil – e na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais ( art.29º, nº1 da Lei de Imprensa ), outra coisa é a responsabilidade criminal: não há aplicação analógica do disposto no nº4 do art.31º da Lei de Imprensa à determinação da responsabilidade civil do jornal e jornalistas que difundem os factos ainda que traduzam rigorosamente ( e aqui já se viu que não é o caso, a construção da notícia tem um imagem, uma dinâmica e uma intenção exclusivas do jornal e jornalistas, vivendo do sensacionalismo daquilo que é uma situação do domínio privado, sem qualquer exigência e interesse públicos de informação ) a declaração original do original declarante.
A liberdade de expressão e criação sensacionalista não está contida, não pode estar contida no direito dos jornalistas consagrado na al. a ) do art.22º da Lei de Imprensa quando, como é o caso, atinge outros direitos fundamentais dos cidadãos, como sejam a reserva da intimidade da vida privada e o direito ao bom nome e reputação, à honra.
Os jornais não podem ser agentes, nem suporte, de atentados ao património moral de quenquer que seja, a menos que exigências concretas de interesse público exijam, na concreta situação vivida, o sacrifício desses mesmos direitos em defesa desse interesse.
Nenhum resquício de interesse público impunha ou permitia sequer a publicação de uma notícia que a sua origem qualificava, ela própria, como uma difamação.
Sendo certo que, podendo obviamente fazê-lo, o 3º R. o jornalista FF não procedeu a consulta dos processos judiciais cíveis que se encontravam pendentes.
A construção da notícia passa por cima da própria existência dos processos – um processo é uma controvérsia e o jornalista, e o seu Director e o jornal, preferiram passar ao lado dessa controvérsia trazendo às letras goras e aos títulos aquilo que de mais ofensivo havia em relação aos autores. Para fazer passar uma mensagem … causando sensação.
Acresce que a elaboração da notícia não tem sequer a configuração de uma “entrevista”.
Na verdade,
ocupando duas páginas inteiras do jornal, o 3º R. escreve um extenso artigo …
e com maior destaque publica a frase …
e com letra branca de cor negra para aumentar o realce escreve …
o jornalista escolhe as expressões … o jornalista dedica um espaço com desenho do tipo árvore genealógica …
o jornalista faz referências a várias afirmações feitas pelo réu GG.
E só posteriormente:
Contactado pelo 24horas, o maestro confirmou a situação …
Ou seja:
o maestro confirma a notícia do 24 horas.
o 24 horas elabora a notícia e depois o maestro confirma a notícia. A notícia não é uma entrevista.
Formalmente é assim, pese embora a notícia incorpore as frases obtidas no contacto com o maestro que expressivamente traduz isto mesmo na frase – “ Lamentavelmente, é verdade”.
Se se aceita que lamentavelmente, é verdade é porque, antes, se afirmou algo cuja verdade ( ou inverdade ) se procura.
O Jornal, o seu Director e o jornalista que elaborou a notícia são co-autores do ilícito que conduziu directamente, como causa adequada, à ofensa à honra e é integridade moral dos autores, à ofensa – gravíssima – ao seu bom nome e reputação.
São solidários entre si e solidários com o réu GG que garantiu o suporte da notícia, confiando-lhes o lamentavelmente é verdade e espraiando-se depois na sucessão de afirmações incorporadas qua tale no texto dela..
Mas não se limitaram a isso mesmo. Sobre isso, e nos termos que já se relataram, construíram a notícia à procura da sensação, bem sabendo – sobre tudo o mais que já se disse – que muitos dos leitores e espectadores sem espírito crítico aceitam por verdadeiro o que os jornais e a televisão difundem como sendo um facto.
Há um facto, uma ilicitude, a imputação do facto aos RR, o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos no património moral pelos autores. Por todos e por cada um dos autores.
Estão cumpridos os pressupostos legais da obrigação de indemnizar, maxime o disposto no art.563º do CCivil
É inadequado concluir, como fazem os recorrentes, pela inadequação de uma indemnização de 50 000,00 euros, quando se vem fixando comummente nos tribunais portugueses a indemnização de 25 000,00 euros por “dano de morte”.
Nem isto é assim – o tal “dano de morte” há muito tem sido tratado no montante mínimo de 50 000,00 / 60 000,00 euros; nem aquilo é assim – os 50 000,00 euros são o somatório das indemnizações e os RR não se coibiram de atingir o património moral de três pessoas distintas.
Na fixação do(s) montante(s) indemnizatório(s) haveremos que manter o quantitativo fixado nas instâncias. Porque nos parecem perfeitamente adequados dentro dos parâmetros de equidade que aqui nos devem guiar – art.566º, nº3 do CCivil – os quantitativos fixados, porque o acórdão recorrido mantém os valores fixados em 1ª instância por apelo à remissão prevista no art.713º, nº5 do CCivil ( à qual também nós fazemos apelo para importar aqui as considerações que suportam a quantificação desses danos ), porque – como se escreveu no acórdão deste STJ ( Lopes do Rego ) que o ora Relator também subscreveu, no proc. nº381/2002.S1, de 5 de Novembro de 2009 - « o juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade ».
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D E C I S Ã O
Na improcedência do recurso, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos recorrentes.
Lisboa, 14 de Janeiro de 2010

Pires da Rosa (Relator)
Custódio Montes
Alberto Sobrinho