Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
592/11.9TTFAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: FERREIRA PINTO
Descritores: ABANDONO DO TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO DE ANTIGUIDADE
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PRESCRIÇÃO / CONCESSÃO DO CONTRATO / CADUCIDADE / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / RESOLUÇÃO / DESPEDIMENTO COLECTIVO / DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DE POSTO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais do Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 1072/1074.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 663.º, N.º 2, 679.º E 682.º, N.º 3.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 381.º, 391.º, 401.º E 403.º, N.º 2.
Sumário :

1. Para que haja abandono do trabalho são necessários dois requisitos:

- Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja pela sua não comparência voluntária e injustificada no local e tempo de trabalho a que estava obrigado;


- Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de comparência definitiva do local de trabalho.


2. Não existe abandono do trabalho quando um trabalhador se apresenta no local indicado pela empregadora para reiniciar as suas funções, após decisão judicial que a manda reintegrá-lo, e deixa de comparecer no dia seguinte, informando a sua empregadora, de imediato e por escrito, que a sua ausência se devia ao facto de não ter sido colocado no seu local de trabalho e nem lhe terem sido atribuídas as funções que detinha antes do despedimento, e que, por isso, ficava a aguardar a sua reintegração de acordo com o determinado pela decisão judicial e uma nova comunicação que o informasse quando e aonde se devia apresentar.


3. É de reputar como equilibrada, justa e adequada uma indemnização, em substituição da reintegração, de 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, quando existiu um despedimento ilícito, sem ter havido procedimento disciplinar, em que o grau de ilicitude não passa da mediania e em que o trabalhador tem cerca de 30 anos de antiguidade e cuja retribuição mensal é superior à retribuição geral média dado equivaler, sensivelmente, a 3 RMMG’s.

Decisão Texto Integral:



Processo n.º 592/11.9TTFAR.E1.S1 (Revista) – 4ª Secção[1]

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

AA propôs, em 13 de setembro de 2011, no, então, Tribunal do Trabalho de ..., a presente ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “BANCO BB” pedindo que fosse:

a. Declarado ilícito o seu despedimento concretizado por uma declaração, de 14 de julho de 2011, de abandono do trabalho e que lhe foi notificada em 18 de julho de 2011;

b. A ré condenada a reintegrá-lo, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade ou, caso opte pela indemnização de antiguidade, no pagamento de uma indemnização que tenha em conta o disposto no n.º 4 do artigo 331.º do Código do Trabalho;

c. A Ré condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o dia 18 de julho de 2011 até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida de juros de mora;

d. A ré condenada a pagar-lhe uma indemnização, a título de danos não patrimoniais, no valor de € 25.000,00.

Resumidamente, alegou, para o efeito, que foi admitido ao serviço da Ré em 01 de junho de 1985 e que por comunicação, que recebeu em 16 de outubro de 2006, foi por esta despedido com fundamento em justa causa.

Impugnada judicialmente essa decisão, por sentença de 08 de janeiro de 2008, confirmada por acórdão de 15 de fevereiro de 2011, transitado em julgado, foi esse despedimento declarado ilícito e, em consequência, foi, entre o mais, decretada a subsistência do vínculo laboral e a Ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e ao seu serviço, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e desde a data da decisão do despedimento.

Apesar desta condenação, alegou que a Ré não o reintegrou nos termos ordenados dado que foi colocado noutro local de trabalho e que lhe atribuíram outras funções.

Por essa razão informou a Ré de que não iria comparecer no local que lhe fora indicado para o exercício das suas funções.

Na sequência dessa informação, a Ré declarou que entendia que o Autor abandonara o posto de trabalho e, consequentemente considerava extinto o contrato de trabalho.

Dada a factualidade articulada, concluiu o Autor que a Ré não cumpriu a decisão judicial, transitada em julgado, que a condenara a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, na mesma categoria e com as mesmas funções, caso não tivesse sido despedido.

Deste modo, a sua posterior não comparecência no local de trabalho, onde a Ré o colocara, não pode ser tida por abandono do mesmo.

Pelo que, subsequentemente, a declaração de 14 de julho de 2011 por ela emitida, e que lhe foi notificada em 18 de julho de 2011, de que considerava extinto o contrato de trabalho, por abandono deste, consubstancia um despedimento ilícito, por não ter sido precedido do respetivo procedimento disciplinar.

Por fim, alegou também que o comportamento da Ré lhe criou um ambiente «intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador», que lhe afetou a sua saúde.

Por isso, peticionou, a título de danos não patrimoniais, uma indemnização no valor de € 25.000,00.

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Realizada a audiência de partes, frustrou-se a conciliação.

Contestou a Ré, sustentando, que cumpriu a decisão judicial de reintegração do Autor, tendo-lhe atribuído funções que se integram na sua categoria profissional e que o Autor se recusou a comparecer no local de trabalho que lhe foi indicado, em razão do que considerou extinto o contrato de trabalho, por abandono do trabalho.

Concluiu o articulado pugnando pela improcedência da ação e pela condenação do Autor por falta de aviso prévio na denúncia do contrato de trabalho, e ainda por litigância de má-fé, por entender que o Autor alterou a verdade dos factos, alegando em juízo uma factualidade que não corresponde à verdade.

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Respondeu o Autor dizendo que o pedido reconvencional não era admissível, por não ter sido deduzido expressa e separadamente na contestação, que não se verificara abandono do trabalho e que não devia ser condenado por litigância de má-fé.

Concluiu pedindo a inadmissibilidade do pedido reconvencional ou, se assim se não entendesse, a sua improcedência.

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Dispensada a realização da audiência preliminar, foi proferido despacho saneador e foram fixados os factos assentes e a base instrutória.

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Finda a audiência de julgamento, em 12 de outubro de 2012, atribuiu-se à causa o valor de € 32.483,80 [€ 28.870,70 correspondentes ao pedido do Autor e € 3.613,10 correspondentes à reconvenção que havia sido admitida].

Decidida a matéria de facto, da qual não houve reclamações, em 09 de agosto de 2013, foi proferida a seguinte sentença:

a. Julgar a ação totalmente improcedente por não provada, absolvendo-se a Ré «BANCO BB» de tudo o contra si peticionado pelo Autor AA;

b. Julgar a Reconvenção parcialmente procedente por provada condenando-se o Autor/reconvindo AA a pagar à Ré/reconvinte “BANCO BB” o montante de € 3.045,92 (três mil e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos);

c. Absolver o Autor/reconvindo AA do demais contra si peticionado pela Ré/reconvinte “BANCO BB”;

d. Absolver o Autor AA do pedido de litigância de má-fé deduzido pela Ré “BANCO BB”;

e. Condenar o Autor AA no pagamento das custas da ação;

f. Condenar o Autor/reconvindo AA e a Ré/reconvinte “BANCO BB.” no pagamento das custas relativas à reconvenção, na proporção do decaimento, ou seja de 84,30% e 15,70%, respetivamente.

II

Inconformado com o teor da sentença, o Autor AA dela interpôs recurso de apelação.

Concluiu a sua alegação pedindo a revogação da sentença recorrida na parte em que decidiu não ter ocorrido despedimento ilícito, que a Ré tinha cumprido o dever de o reintegrar e que ele tinha abandonado o trabalho.

Mais pediu que a sentença fosse igualmente revogada na parte em que julgou a reconvenção parcialmente procedente e o condenou a pagar à Ré o montante de € 3.045,92, com todas as demais consequências legais decorrentes dessa absolvição.

A Ré contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso e, consequentemente, pela manutenção da sentença recorrida.

Por acórdão de 07 de janeiro de 2016 decidiu-se julgar procedente o recurso interposto pelo Autor AA e, em consequência:

a. Revogou-se a sentença recorrida, na parte em que julgou a ação improcedente e absolveu a Ré dos pedidos e, em sua substituição, declarou-se ilícito o despedimento promovido pela Ré “BANCO BB”, consubstanciado na declaração de abandono do trabalho de 14 de Julho de 2011, notificada ao Autor no dia 18 de Julho de 2011, e condenou-se a mesma Ré a:

1) Reintegrar o Autor, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade;

2) Pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o dia 14 de Agosto de 2011 até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescidas de juros de mora até efetivo pagamento, retribuições essas deduzidas, no entanto e por força da lei, do subsídio de desemprego de que, porventura, o Autor haja beneficiado durante aquele período de tempo e que a Ré deve entregar à Segurança Social, relegando-se a liquidação das mencionadas retribuições para incidente próprio, dado que, de momento, se desconhecem os valores a deduzir às mesmas nos referidos termos.

b. Revogar-se a sentença recorrida, na parte em que condenou o Autor a pagar à Ré a quantia de € 3.045,92, dela se absolvendo o Autor.

c. Em tudo o mais, exceto quanto à condenação em custas, manteve-se a sentença recorrida.

III

Notificado do teor deste acórdão, o Autor AA, nos termos do artigo 616º, n.º 2, alíneas a) e b), e 666º, ambos do Código de Processo Civil, requereu a sua reforma porque, na audiência de julgamento realizada em 12 de outubro de 2012, tinha optado pela compensação em substituição da reintegração.

A Ré não se pronunciou sobre o requerimento.

Por acórdão de 30 de março de 2016, ao abrigo do disposto nos artigos 616º, n.º 2, alínea b), e 666º, ambos do Código de Processo Civil, decidiu-se:

. Reformar o acórdão proferido nos autos em 07 de Janeiro de 2016, substituindo-se a condenação de “reintegrar o Autor, sem prejuízo da categoria profissional e antiguidade”, pela seguinte condenação: “pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade, correspondente a 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, contada até ao trânsito em julgado da decisão final do processo e a liquidar no respetivo incidente”.

. No mais, manteve-se o decidido no referido acórdão.

IV

Inconformadas ficaram ambas as partes com esta decisão e por ambas foi interposto recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça.

Assim;

§ A Ré por considerar que o Autor abandonou o trabalho e, em consequência, dever ser condenado a indemnizá-la nos termos dos artigos 403º e 401º, ambos doo Código do Trabalho.

§ O Autor por entender que a indemnização a fixar deve ser em 35 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fração de antiguidade.

No seu recurso a Ré “BANCO BB” formulou as seguintes conclusões:

           

A. O Recorrido interpôs recurso da Sentença do Tribunal do Trabalho de ..., de 09 de Agosto de 2013, proferida nos autos de processo comum, que correram termos na Secção Única, daquele Tribunal, sob o n.º 592/11.9TTFAR.

B. Tal recurso abrangeu a parte da sentença através da qual decidiu o Tribunal de 1.ª instância "(J)ulgar a Reconvenção parcialmente procedente por provada, condenando-se o "Autor/reconvindo AA a pagar à Ré/reconvinte [aqui Recorrente] «BANCO BB» o montante de 3.045,92 € (três mil e quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos)".

C. O pedido reconvencional apresentado pela Ré, aqui Recorrente, consubstanciou-se na condenação do Autor, aqui Recorrido, ser condenado a pagar à Ré, aqui Recorrente, indemnização nos termos das disposições conjugadas do n.º 5, do artigo 403° e artigo 401° do Código do Trabalho, fixada no montante de € 3.045,92 e corresponde a uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta.

D. Decidiu o Acórdão recorrido que «Revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou o Autor a pagar a Ré a quantia de € 3.045,92, dela se absolvendo o Autor

E. Para o efeito, considerou o Acórdão recorrido que «tendo-se concluído que não se verificou a cessação do contrato por abandono do trabalho, falta o pressuposto para condenação (denúncia do contrato sem aviso prévio), pelo que terá, forçosamente, que improceder a reconvenção e, por consequência, e de revogar a referida condenação do Autor

F. Mais considerou o Acórdão recorrido que «independentemente de ter havido ou não reintegração no posto de trabalho — já se concluiu supra que não existiu essa reintegração —, não se verificou intenção do Autor de não mais retomar o trabalho e, por consequência, não se verificou abandono do trabalho

G. Não pode, porém, concordar-se com o Acórdão recorrido, o qual, com o devido respeito, consubstancia uma incorreta aplicação das normas jurídicas ao caso em concreto.

H. Afigura-se que o Acórdão recorrido efetua uma série de presunções judiciais legalmente inadmissíveis, que se baseiam exclusivamente em factos desconhecidos, para daí retirar conclusões que não têm qualquer aderência à realidade dos factos, incorrendo numa incorreta aplicação do direito.

I. Com efeito, anos antes de decidida a reintegração do Autor Recorrido, as instalações da sede da Recorrente sofreram obras de remodelação, as quais determinaram a falta de espaço para outro trabalhador (cf. artigo 36º da matéria de facto dada como assente na sentença recorrida).

J. Por mera impossibilidade material, a Recorrente reintegrou o Autor Recorrido no seu balcão de ... que dista apenas 23 quilómetros do balcão de ... (Cf. artigo 23º da matéria de facto dada como assente).

K. Sobre a falta de espaço na agência de ... foi produzida prova categórica, quer documental, quer testemunhal, conforme resulta (designadamente) do depoimento prestado pela testemunha Leonor Afonso (questões e respostas dos 31m57s a 32m54s, inclusive).

L. Por outro lado, não foi produzida qualquer prova nos presentes autos que, indicie sequer que, a aqui Recorrente tenha feito obras na sua sede, em ..., com o intuito de não lhe ser possível materialmente reintegrar naquele espaço o Recorrido.

M. É absolutamente ilegítima, e não encontra qualquer respaldo nos factos provados, a conclusão constante do Acórdão recorrido de que, relativamente às obras efetuadas nas instalações da Recorrente, «não podendo a Ré ignorar as consequências que poderiam advir caso fosse declarado ilícito o despedimento, a situação foi diretamente por ela criada, por essa via procurando inviabilizar a colocação do Autor no mesmo local de trabalho».

N. Vai, aliás, contra o senso comum que a Recorrente gastasse largos milhares de euros na remodelação das suas instalações, implicando, até, a reestruturação dos postos de trabalho, com o único propósito - porque é nesse pressuposto que o Acórdão recorrido assenta - de «inviabilizar a colocação do Autor no mesmo local de trabalho».

O. Contrapõe o Acórdão recorrido, com base em meras suposições e factos desconhecidos, invocando que «o afirmar-se no facto n.º 36, tout court, que alguns anos antes de decidida a reintegração, as instalações da sede da Ré, em ..., sofreram obras de remodelação e em virtude dessa remodelação deixaram de ter espaço para outro trabalhador, também não permitem concluir, com segurança, que a Ré não pudesse colocar o Autor no seu "antigo" local de trabalho».

P. Tal conclusão vai contra as mais elementares regras do senso comum pois que se em virtude das obras de remodelação a Recorrente deixou de ter espaço para outro trabalhador é evidente que a Ré não tinha espaço para alocar ao Recorrido.

Q. Sem prescindir, na tese do Acórdão recorrido, sempre estaríamos perante uma situação em que a Relação deveria mesmo oficiosamente ordenar a produção de novos meios de prova, conforme determina a al. b) do n.º 2 do art.º 662.° do CPC.

R. O Acórdão recorrido assenta, nesta matéria, em três factos assumidamente desconhecidos:

I. Que as obras de remodelação não permitem concluir, com segurança, que a Ré - aqui Recorrente - não pudesse colocar o Autor no seu "antigo" local de trabalho;

II. Que se desconhece em que data foram realizadas as obras e, por isso, se antes ou depois do despedimento;

III. Que se desconhece a concreta orgânica do estabelecimento/sede da Ré, máxime a situação laboral dos outros trabalhadores e a sua inserção na organização da Ré, aqui Recorrente.

S. Porém, a resposta a todas aquelas questões afigura-se suficientemente respondida pela prova produzida, sendo, aliás, manifestamente contraditório afirmar como assente que em virtude das obras de remodelação a Recorrente deixou de ter espaço para outro trabalhador e, do mesmo passo, questionar se isso impediria colocar o aqui Recorrido no seu antigo posto de trabalho, como se não estivéssemos sempre em presença do mesmíssimo espaço, qual seja a sede da Recorrente.

T. Caso assim não entendesse, o Acórdão recorrido haveria que ter lançado mão dos mecanismos previstos no n.º 2 do art.º 662º do CPC, quer ordenando a produção de novos meios de prova, conforme referido, ou, em alternativa, sendo caso disso, ordenando a renovação da produção da prova ou determinar que o tribunal de 1.ª instância melhor fundamentasse a decisão proferida quanto ao facto de considerar que em virtude das obras de remodelação a Recorrente deixou de ter espaço para outro trabalhador e, consequentemente, para colocar o Recorrido no seu antigo local de trabalho.

U. Nada disto, porém, fez o Acórdão recorrido, antes optando por assentar exclusivamente em factos desconhecidos.

V. Porém, a chamada prova por presunções (judiciais), permitida pelo art.º 349º e segs. do Código Civil, apenas pode consistir em ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, não sendo admitidas as ilações retiradas de factos desconhecidos, como é o caso.

W. A noção de "posto de trabalho" não pode, nem deve, ser confundida com "local de trabalho".

X. O facto de o Autor Recorrido ter sido colocado a exercer funções nas instalações da Recorrente sitas em ... em nada colide com a sua legal reintegração, porquanto a reintegração no posto de trabalho não implica a reintegração do trabalhador no último local de trabalho no qual o mesmo prestou serviço.

Y. Como, aliás, bem o fundamentou a Sentença recorrida quando ali se reportou ao acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 12 de Maio de 1999: "É legítima a ordem da entidade patronal que, na reintegração do trabalhador, lhe indica outro local para prestação da atividade, desde que esta implique o exercício de funções da sua categoria profissional e lhe mantenha o estatuto”.

Z. No caso concreto, ao contrário daquilo em que assenta o Acórdão recorrido, ficou devidamente comprovada nos autos a impossibilidade material de a Recorrente reintegrar o Recorrido no seu antigo local de trabalho físico.

AA. A questão que se coloca, e a que o Acórdão recorrido não dá resposta, é sobre o que sucederia se a Recorrente tivesse, pura e simplesmente, encerrado as suas instalações em .... Tornar-se-ia impossível a reintegração do trabalhador, já que o seu «posto de trabalho» - na aceção que lhe é dada pelo Acórdão recorrido - teria desaparecido fisicamente?

BB. E mesmo que a Recorrente tivesse encerrado tais instalações - nas palavras do Acórdão recorrido - «por essa via procurando inviabilizar a colocação do Autor no mesmo local de trabalho», tornar-se-ia também impossível a reintegração do trabalhador? Ou seria a Recorrente condenada a reintegrá-lo nas novas instalações?

CC. O Recorrente foi reintegrado no seu posto de trabalho, tendo-lhe sido distribuídas funções/tarefas inerentes à sua categoria profissional (Cf. resulta da conjugação da matéria de facto dada como assente nos artigos 8º, 10º, 20º, 21º e 22º da douta sentença recorrida).

DD. Posto isto, temos ainda que o Acórdão recorrido não alterou a decisão proferida sobre a matéria de facto.

EE.Estando, portanto, assente - facto 36º - que «Alguns anos antes de decidida a reintegração do Autor, as instalações da sede da Ré em ..., sofreram obras de remodelação e em virtude dessa remodelação deixaram de ter espaço para outro trabalhador».

FF. Mais estando assente - facto 33º - que «Em momento anterior à reintegração do Autor encontrava-se naquelas instalações um outro trabalhador da Ré, o qual exercia as suas funções nas mesmas condições que foram fornecidas ao Autor».

GG. Considerando o exposto, é absolutamente ilegítima e infirmada pelos factos provados a conclusão de que «não permitem concluir, com segurança, que a Ré não pudesse colocar o Autor no seu "antigo" local de trabalho», pois ficou provado que a Recorrente não tem espaço nas suas instalações de ... para o Recorrido.

HH. De igual modo, é absolutamente ilegítima e infirmada pelos factos provados a conclusão de que, na hipótese desconhecida de as obras terem sido realizadas após o despedimento do Recorrido a impossibilidade de colocar o Recorrido no mesmo local físico de trabalho foi criada pela Recorrente «procurando inviabilizar a colocação do Autor no mesmo local de trabalho», já que resulta provado que outro trabalhador da Recorrente exercia as suas funções no mesmíssimo local físico atribuído ao Autor, aqui Recorrido.

II. O Acórdão recorrido incorreu, assim, em evidente erro de julgamento, e ainda em violação do art.º 622°, n.º 2, als. a), b) e d), do CPC, bem como do art.º 349º do Código Civil.

JJ. Das funções/tarefas que lhe foram atribuídas no único dia em que se apresentou no seu posto de trabalho - 21 de Junho de 2011 - o Autor recorrido não executou nenhuma (cf. artigo 28º da matéria de facto dada como assente pelo Tribunal a quo).

KK. Resulta dos presentes autos que o Autor Recorrido foi efetivamente reintegrado (no seu posto de trabalho), tendo, em momento posterior, abandonado o posto de trabalho onde foi reintegrado.

LL.Depois de se ter apresentado um único dia ao trabalho, o Recorrido manifestou junto da Recorrente a sua intenção de não comparecer no local de trabalho "em virtude de" alegadamente lhe "causar uma situação psicológica insuportável' (Cf. artigo 11º da matéria de facto dada como assente).

MM. Por outro lado, a ausência do Recorrido ao serviço prolongou-se por mais de 10 (dez) dias úteis seguidos, sem que a Recorrente fosse informada de um motivo justificativo que mostrasse válido.

NN. No caso, o Recorrido ausentou-se voluntária e injustificadamente, não comparecendo quer no local, quer no tempo de trabalho a que, perante a Recorrente, se encontrava obrigado,´

OO. Por outro lado, ainda, o Recorrido manifestou por escrito a sua intenção de não retomar o serviço,

PP. O que se retira não só das comunicações remetidas pelo Recorrido à Recorrente - vide a comunicação de fls. 65 a 66 dos autos - como de todo o enquadramento que envolve a reintegração do Recorrido,

QQ. Designadamente, das várias "reivindicações" do Recorrido, bem espelhadas nos presentes autos, a respeito das funções que lhe foram atribuídas, da falta de acesso à internet e telefone, das condições das instalações onde foi reintegrado, do percurso que teria que percorrer até àquelas mesmas instalações, da câmara de videovigilância, dos danos psicológicos sofridos num único dia de trabalho.

RR. Pelo exposto e no caso dos presentes autos, importava concluir, como (bem) o fez o Tribunal de 1.ª instância que se encontra demonstrado o abandono do trabalho, por parte do Recorrido, com a correspondente eficácia extintiva do vínculo laboral, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 403º, do CT.

SS. E, assim sendo, bem andou o Tribunal de 1.ª instância quando condenou o aqui [Recorrido] no pagamento à [Recorrente] do montante de € 3.045,92 (três mil, quarenta e cinco euros e noventa e dois cêntimos), a título de indemnização, pela falta de aviso prévio, nos termos das disposições conjugadas do n.º 5, do artigo 403º e artigo 401º, do Código do Trabalho.

TT. Não pode, assim, concordar-se com o Acórdão recorrido ao considerar que «entende-se que a não comparência ao serviço por parte do Autor no período indicado não configura uma recusa definitiva em retomar o trabalho: o que existe e uma recusa temporária, tendo em vista a pretendida reintegração nas funções e local que tinha antes do despedimento.»

UU. A recusa do Recorrido era definitiva, já que assentava no pressuposto de não aceitar a reintegração efetuada pela Recorrente.

VV. Não pode considerar-se como temporária a ausência do trabalho quando o trabalhador efetua uma exigência ilegítima para retomar o trabalho.

WW.Concomitantemente, não pode aceitar-se que o Acórdão recorrido tenha considerado não existir abandono do trabalho, invocando, por um lado, que «independentemente de ter havido ou não reintegração no posto de trabalho — já se concluiu supra que não existiu essa reintegração —, não se verificou intenção do Autor de não mais retomar o trabalho e, por consequência, não se verificou abandono do trabalho», e invocando, do mesmo passo, que a reintegração efetuada pela Recorrente o não foi nos termos da lei.

XX.Tudo visto e devidamente ponderada a prova produzida, há que concluir que (i) a Recorrente integrou o recorrido nos termos que a lei determina, (ii) a recusa do Recorrido de se apresentar ao trabalho foi, portanto, manifestamente ilegítima e (iii) condicionando o Recorrido o regresso ao trabalho em condição ilegítima e não devida, há que se concluir ser sua intenção não mais regressar ao trabalho e, consequentemente, verificado abandono do trabalho, com o inerente direito da Recorrente ser indemnizada pelo Recorrido, conforme foi seu pedido reconvenciona!.

YY.Pelo exposto e no caso dos presentes autos, importava concluir, como (bem) o fez o Tribunal de 1.ª instância que se encontra demonstrado o abandono do trabalho, por parte do Recorrido, com a correspondente eficácia extintiva do vínculo laboral.

ZZ.Termos em que mal andou o Acórdão recorrido, devendo, por isso, o mesmo ser revogado, julgando-se provado o abandono do trabalho do Recorrido e, em consequência, o mesmo condenado a indemnizar a Recorrente nos termos dos artigos 403º e 401º do Código do Trabalho.

Termina pedindo:

§ Que o presente recurso deve ser julgado totalmente procedente e, em consequência, o acórdão recorrido revogado, mantendo-se o teor do decidido pelo tribunal da 1ª instância, designadamente julgando-se provado o abandono do trabalho do recorrido e, em consequência, o mesmo ser condenado a indemnizá-la nos termos dos artigos 403º e 401º, do Código do Trabalho, tudo com as necessárias consequências legais.

Por sua vez, o autor AA no recurso por si interposto apresentou estas conclusões:

1) O presente Recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de … em 07.01.2016, reformado pelo douto Acórdão de 07.01.2016, que recaiu sob a Sentença do Tribunal do Trabalho de ..., quanto à decisão da matéria de direito, na parte em que decidiu condenar a Ré Recorrida a "pagar ao Autor uma indemnização de antiguidade, correspondente a 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, contada até ao trânsito em julgado da decisão final do processo e a liquidar no respetivo incidente".

2) Entendeu o douto Tribunal a quo no Acórdão recorrido que a ilicitude do comportamento da empregadora pode considerar-se média, tendo em conta que fez cessar o contrato de trabalho com fundamento em inexistente abandono do trabalho, pelo que, considerando que a retribuição base mensal do Recorrente era de € 1.318,96 (valor ligeiramente superior à média nacional), e a sua antiguidade superior a 30 anos, é adequado fixar uma indemnização inferior à média prevista na lei (30 dias);

3) Porém, o Venerando Tribunal recorrido possuía elementos amplamente suficientes para, aplicando corretamente os artigos 391º/1 e 381º do CT, e mostrando-se verificadas duas das alíneas deste último preceito, poder considerar que a ilicitude do comportamento da empregadora é superior à média e que, face à retribuição e à antiguidade do Autor Recorrente, e, em consequência, que se mostra adequada, equitativa e razoável a condenação da Recorrida a pagar uma indemnização de antiguidade superior à média prevista da lei, com a base de cálculo de, no mínimo, 35 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano completo ou fração de ano de antiguidade, da ocorrência de despedimento ilícito;

4) Na verdade, o douto Acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, violou a lei substantiva, por erro na aplicação das normas constantes dos artigos 381º/b) e c) e 391º/1 do CT;

5) E isto porque, atenta a factualidade assente nos pontos 1 a 10, 21, 23 e 26 da Sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de ..., resulta claro que a ilicitude do comportamento da empregadora é superior à média, porquanto foi dado como provado nos autos que (i) a empregadora Recorrida já havia despedido ilicitamente o Trabalhador/Recorrente em 2006, razão pela qual foi condenada a reintegrá-lo, (ii) a empregadora/Recorrida incumpriu com a decisão judicial de reintegrar o Trabalhador/Recorrente, (iii) tendo colocado o Trabalhador/Recorrente, Técnico Oficial de Contas, a exercer funções de mero preenchimento de livro selado "Diário, Razão e Balancete" no ano de 2006 (sendo que tal deixou até de ser necessário em junho desse ano), (iv) funções que o próprio Tribunal a quo considerou no seu Acórdão de 07.01.2016, a fls. 29, de menor relevância, de menor dignidade, funções não prestigiantes para um trabalhador com mais de 20 anos de antiguidade, e (v) tudo isto a 23 km de distância do seu anterior local de trabalho, (vi) sem acesso a telefone, nem email, (vii) com uma câmara de vigilância apontada para a sua secretária, (viii) atento esse incumprimento da Empregadora Recorrida, o Trabalhador Recorrente foi obrigado a recusar apresentar-se ao serviço e, por essa razão, e embora estivesse consciente de que o Trabalhador não tinha intenção de não retomar o serviço, apenas aguardando a sua correta reintegração após um primeiro despedimento ilícito, (ix) a Empregadora Recorrida considerou a sua ausência como faltas injustificadas, não instaurou procedimento disciplinar com esse fundamento e, antes, comunicou ao Trabalhador a cessação do seu contrato por abandono do trabalho que bem sabia ser falso;

6) A ilicitude da empregadora Recorrida é ainda superior à média porque estão preenchidas as alíneas b) e c) do artigo 381º do CT, verificando-se duas causas de ilicitude do despedimento: o motivo justificativo do despedimento foi declarado improcedente e o despedimento não foi precedido do respetivo procedimento;

7) Mais acresce que, ainda que o grau de ilicitude do comportamento da Recorrida não fosse superior ao médio, o que se prevê sem conceder, por mera cautela de patrocínio, nunca seria adequado fixar uma indemnização de antiguidade inferior à média prevista na lei;

8) Efetivamente, considerando o disposto no artigo 391º/1 do CT, resulta claro que, (i) atento o grau de ilicitude do comportamento da Empregadora Recorrida, (ii) o facto de a retribuição do Trabalhador Recorrente ser ligeiramente superior à média nacional (conforme reconhecido pelo douto Tribunal a quo, a p. 3 do Acórdão de 30.03.2016) e que (iii) a sua antiguidade é superior a 30 anos, a fixação da indemnização de antiguidade em valor inferior à média prevista na lei não se mostra, de todo, adequada;

9) Na verdade, resulta da factualidade assente e supra transcrita que se mostra adequada, equitativa e razoável a condenação da Recorrida a pagar uma indemnização de antiguidade superior à média prevista da lei, com a base de cálculo de, no mínimo, 35 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano completo ou fração de ano de antiguidade, da ocorrência de despedimento ilícito.

10) Pelo que não andou bem o Venerando Tribunal a quo ao decidir que a ilicitude da empregadora é média e que, atenta a retribuição e antiguidade do Trabalhador, é adequado fixar uma indemnização inferior à média prevista na lei, designadamente em 25 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.

Termina pedindo:

· Que deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida na parte em que decidiu fixar uma indemnização de 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo e fração de antiguidade, e, em sua substituição, ser a recorrida condenada a pagar-lhe uma indemnização superior de, no mínimo, 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo e fração de ano de antiguidade.

           

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O Autor apresentou contra-alegações sobre o recurso da Ré e concluiu dizendo que o acórdão recorrido deve ser confirmado ”igual e consequentemente” quanto às consequências da inexistência de abandono e quanto à improcedência do pedido reconvencional, à exceção da parte sobre a qual também interpôs recurso.

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Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ex.º Sr.º Procurador-Geral Adjunto, nos termos do artigo 87º, n.º 3, do CPT, emitiu douto parecer no sentido de ser negada a revista da Ré e de ser concedida a do Autor, devendo, no seu entendimento, ser-lhe fixada uma indemnização em substituição da reintegração de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, tendo em conta o elevado grau de ilicitude do comportamento da Ré.

Notificado o mesmo às partes, não mereceu resposta de qualquer uma delas.

V

A ação foi interposta a 13 de setembro de 2011.
O acórdão recorrido foi proferido em 07 de janeiro de 2016.

Nessa medida, é aqui aplicável:

§ O Código de Processo Civil (CPC), anexo e aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

§ O Código de Processo do Trabalho (CPT) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março (retificado pela Declaração de Retificação n.º 5-C/2003, de 30 de abril) e 295/2009, de 13 de outubro (retificado pela Declaração de Retificação n.º 86/2009, de 23 de novembro).

Questões a resolver:

A) - No recurso da Ré:

1. Se a reintegração do Autor foi efetuada de acordo com o determinado na decisão judicial;
2. Se foram retiradas presunções judiciais indevidas e ilegais por se basearem em factos desconhecidos;
3. Se houve abandono do trabalho por parte do Autor;
4. Se o Autor deve ser condenado a pagar à Ré a indemnização peticionada, ou seja de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período do aviso prévio não efetuado.

B) - No recurso do Autor:

- Se a Ré deve ser condenada a pagar ao Autor uma indemnização, em substituição da reintegração, superior à fixada e que, no mínimo, deverá ser de 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.

Cumpre, pois, julgar o objeto de ambos os recursos.

IV

O Tribunal da Relação deu como provados os seguintes factos:

1. O Autor celebrou com a Ré um acordo denominado “Contrato de trabalho” e nela foi admitido em 01 de Junho de 1985, auferindo em 2011 a remuneração mensal base de 1.318,96 € (mil trezentos e dezoito euros e noventa e seis cêntimos), diuturnidades no valor de 204,00 € (duzentos e quatro euros) e de valor compensatório 283,59 € (duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos);

2. A Ré instaurou contra o Autor no ano de 2006 um procedimento disciplinar, no qual foi proferida decisão despedindo o Autor com justa causa;

3. O Autor reagiu contra a decisão tomada pela Ré no referido procedimento disciplinar, correndo a competente ação sob o nº 534/06.3 TTFAR no Tribunal do Trabalho de ...;

4. O Tribunal do Trabalho de ... no âmbito dos autos nº 534/06.3 TTFAR decidiu:

1. «a) Declaro a nulidade do despedimento do Autor, por ilícito (caducidade do direito da Ré aplicar a sanção de despedimento do Autor), decreto a subsistência do vínculo laboral e condeno a Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e ao serviço, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e desde a data da decisão do despedimento; b) Condeno a Ré a pagar as retribuições e subsídios do Autor já vencidas desde a data do despedimento (…), acrescidos de juros, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal (…); c) Condeno-a ainda a pagar-lhe as prestações pecuniárias vincendas, relativas às retribuições e subsídios que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, acrescidas de juros de mora (…)»; d) foi ainda a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de € 5.000,00 a título de reparação dos danos não patrimoniais que lhe causou, acrescida de juros de mora;

5. A Ré, inconformada com o decidido pelo Tribunal do Trabalho de ... interpôs recurso para o Tribunal da Relação de ..., o qual por acórdão de 15 de Fevereiro de 2011 confirmou a decisão da 1ª instância negando provimento ao recurso;

6. A Ré emitiu e remeteu ao Autor o escrito de fls. 59 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “(…) 28/04/2011. Assunto: Reintegração de posto de trabalho. Exmo. Senhor, Serve a presente para informar V. Exa que, na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ..., no âmbito do processo judicial que correu termos sob o n.º 534/06.3TTFAR, deverá V. Exa apresentar-se ao serviço no próximo dia 31 de Maio de 2011, junto dos recursos humanos da BANCO BB, com vista à reintegração do seu posto de trabalho. Com efeito, após o decidido pelo referido Acórdão, foi deliberado pelo Conselho de Administração no passado dia 28 de Março que V. Exa deverá ser reintegrado na área de Suporte – a qual já se inseria em momento prévio ao processo judicial que teve lugar – exercendo funções nas instalações complementares e contíguas ao balcão de ..., onde também funciona aquele serviço. Aproveitamos a oportunidade para informar V. Exa que a sua reintegração não ocorrerá antes de 31 de Maio próximo por razões que se prendem designadamente, com a cessação de funções de um funcionário que desempenhava funções em regime de prestação de serviços, sendo que até essa data não se verificará qualquer perda de retribuição pelo não exercício efetivo das funções que lhe competem (…)”;

7. O Autor subscreveu e remeteu à Ré o escrito de fls. 140 a 141 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “... 10, de Maio de 2011. Assunto:

Reintegração. Retribuições. Indemnização por danos não patrimoniais.

Relativamente aos assuntos identificados em epígrafe, venho por este meio comunicar a V. Exas o seguinte: Quanto à reintegração, acuso receção da carta de V. Exas de 28/04/2011 sendo que procederei em conformidade com o que me foi transmitido, designadamente quanto á data da apresentação. No que respeita às funções a desempenhar, cabe salientar que a sentença proferida no processo judicial em causa, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de ..., determinou que fosse reintegrado no meu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido, nesta conformidade, solicito, desde já, que me comuniquem quais as exatas funções me serão atribuídas (…);

8. Por instruções expressas da Ré, o Autor iniciou funções no dia 21 de Junho de 2011, distribuindo a Ré ao Autor as funções de preenchimento do livro selado “Diário, Razão e Balancete” da BANCO BB do ano de 2006;

9. À data do despedimento declarado ilícito, primeiro pelo Tribunal do Trabalho de ... e depois pelo Tribunal da Relação de ..., o Autor tinha o seu posto de trabalho na sede da BANCO BB, em ...;

10. As funções correspondentes à categoria profissional do Autor são, de acordo com o Contrato Coletivo de Trabalho «Técnico de grau IV – É o trabalhador que adapta os seus conhecimentos técnicos à prática quotidiana da instituição e executa ou colabora em estudos e análises de natureza técnica ou científica adequados à sua formação académica ou currículo profissional, designadamente o técnico de contas, inscrito na Direcção-Geral dos Impostos, e que, nomeado pela instituição, assuma a responsabilidade pela contabilidade da mesma; exerce as suas funções sobre a orientação e controlo. Pode representar a instituição em assuntos da sua responsabilidade”;

11. O Autor subscreveu e remeteu à Ré, o escrito de fls. 65 a 66 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “(…) Na sequência da vossa comunicação de 28 de Abril de 2011 para que me apresentasse nas instalações complementares contíguas ao balcão de ... onde funciona, alegadamente, o serviço de suporte, compareci no referido local no dia 20 de Junho de 2011, após período de doença. Por instruções expressas, apenas iniciei funções no dia 21 de Junho de 2011, tendo-me sido distribuídas as funções de preenchimento do livro selado “Diário, Razão e Balancete” da BANCO BB do ano de 2006. Estas instruções pretendiam dar execução à decisão do Tribunal de Trabalho de ... proferida no processo nº 534/06.3TTFAR de 7 de Maio de 2008, fls. 286, confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de ... de 15 de Fevereiro de 2011, nos termos da qual essa instituição foi condenada a reintegrar-me no meu posto de trabalho e ao seu serviço com a categoria, antiguidade e retribuição que teria, se não tivesse sido despedido. Contudo, verifica-se que não foi dado cumprimento à decisão judicial, porquanto não foi feita a reintegração no meu posto de trabalho. Quer o local de trabalho, quer as funções que me foram atribuídas não correspondem ao posto de trabalho que me estava atribuído à data do despedimento ilicitamente declarado. Com efeito, o meu posto de trabalho é na sede da BANCO BB e as minhas funções não correspondem a uma atividade de preenchimento do livro selado “Diário, Razão e Balancete” da BANCO BB do ano de 2006, mas sim de técnico de nível IV da área da contabilidade. Por outro lado, verifica-se que o local de trabalho que me foi indicado não tem quaisquer condições de trabalho, pois para além de não ter telefone, internet ou outro meio de comunicação com o exterior situa-se numa dependência isolada, existindo uma câmara de vídeo apontada para o local onde se encontra a secretária que me foi indicada para realizar a tarefa distribuída. Para além do facto de ter estado ilicitamente ausente da instituição durante vários anos, é-me atribuído um local e funções que não correspondem ao meu posto de trabalho mais grave é que a situação é gravemente atentatória da minha dignidade profissional e pessoal e causa-me graves [problemas] do foro psicológico. Revelador desta atitude persecutória é o facto de me terem atribuído uma tarefa repetitiva e sem qualquer utilidade.

Verifica-se que se está a criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se torna insuportável, com graves consequências ao nível psicológico, configurando uma situação de assédio. Esta situação pelos efeitos ao nível psicológico que me causa impede-me de comparecer no local e tempo de trabalho indicado, para realizar as funções que ilicitamente me estão distribuídas. Esta situação ocorreu no passado dia 24 de Junho e mantém-se, sendo que informo da mesma apenas hoje porque o dia 24 de Junho foi feriado na sede da empresa e onde se deveria localizar o meu posto de trabalho. Nestes termos, informo que irei recorrer aos meios judiciais adequados para que seja efetivamente integrado no meu posto de trabalho, bem como a ser ressarcido dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos, embora não compareça no local de trabalho indicado em virtude de a situação me causar uma situação psicológica insuportável. Aguardo por isso nova comunicação que reponha a legalidade e me reintegre efetivamente no meu posto de trabalho (…)”;

12. A Ré subscreveu e remeteu ao Autor o escrito de fls. 67 a 68 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “(…) Assunto: Reintegração de posto de trabalho. 28/06/2011. Exmo. Senhor; Na sequência do seu fax de 27 de Junho, cumpre-me informar V. Exa que entendendo estes serviços que aquela comunicação não consubstancia qualquer justificação para o facto de não se apresentar ao trabalho, as suas ausências serão consideradas como faltas injustificadas, com todas as consequências legais que daí possam resultar. Com efeito, uma vez mais aproveitamos a oportunidade para informar V. Exa que esta instituição nunca questionou a decisão judicial que determinou a reintegração do seu posto de trabalho, tendo procedido na exata medida e termos determinados pelo Tribunal. Nesse sentido, foi V. Exa (na qualidade de trabalhador desta instituição) reintegrado com a categoria, antiguidade e retribuição que teria na circunstância de não ter sido despedido. Assim, sendo, muito estranhamos o teor da sua comunicação e das várias “queixas” ali expressas. Com efeito, e na sequência de lhe terem sido transmitidos os trabalhos que, inicialmente lhe cabiam por conta das suas funções, foram-lhe disponibilizados todos os meios necessários para o efeito, no respeito das condições de trabalho que se apresentam compatíveis com a sua categoria, antiguidade e retribuição. Por outro lado, e no que em particular se refere à câmara de videovigilância de que fala na sua comunicação, impõe-se informar que a mesma se encontra naquelas instalações por questões de segurança, já que como V. Exa bem sabe, nas instalações contíguas funciona uma dependência bancária. Alias, com a sua reintegração, foi redirecionada a orientação da câmara existente na sala onde exerce funções por forma a cobrir, exclusivamente, a área imediatamente a seguir à porta de entrada dessa sala, não visualizando o seu posto de trabalho. Não compreendemos, pois, o que possa contribuir para aquela que refere como sendo “uma situação psicológica insuportável” mais ainda quando V. Exa apenas exerceu funções durante um único dia, na sequência da sua reintegração, aguardamos que se apresente, conforme (entendemos) lhe compete, ao trabalho (…)”;

13. A Ré subscreveu e remeteu ao Autor o escrito de fls. 69 dos autos, no essencial com o seguinte teor: “(…) Assunto: Reintegração de posto de trabalho. 14/07/2011. Exmo. Senhor, Verificámos que a ausência ao serviço por parte de V. Exa se prolonga desde 24 de Junho, até à presente data. Nessa sequência e atento, por um lado, o seu fax de 27 de Junho passado, através do qual manifestou a sua intenção de não retomar o serviço e, por outro lado, ainda, o facto de ter trabalhado apenas um dia na sequência da sua reintegração, consideramos que V. Exa abandonou o seu posto de trabalho, nos termos e com as consequências previstas no artigo 403º, do Código do Trabalho. Nesta sequência, procederemos em conformidade com a denúncia do contrato de trabalho efetuada por V. Exa, na decorrência, como se disse, do abandono do seu posto de trabalho (…)”;

14. O Autor não se apresentou junto dos recursos humanos da BANCO BB, no dia 31 de Maio de 2011, tal como determinado pela Ré no escrito referido em 6), tendo apresentado o escrito que faz fls. 62 dos autos, denominado “Atestado Médico”;

15. As instalações disponibilizadas pela Ré ao Autor não dispunham de telefone nem acesso à internet e nas mesmas estava instalada uma câmara de vigilância;

16. O Autor intentou uma providência cautelar de suspensão do despedimento que corre termos no Tribunal do Trabalho de ... sob o número 494/11.9 TTFAR;

17. No dia 21 de Junho de 2011 (na 1.ª instância refere-se o mês de Julho, mas trata-se de manifesto lapso, face ao mês, Junho, alegado pela Ré no artigo 64.º da contestação, ao documento n.º 2 que juntou e à sequência cronológica dos factos), após solicitação do Autor, a Ré solicitou a comparência de técnicos da empresa “CC” nas instalações os quais redirecionaram a câmara de vídeo de molde a não abranger a zona da secretária onde o Autor deveria exercer as suas funções;

18. O Autor é filiado no Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários;

19. O serviço de preenchimento dos livros selados já se encontra efetuado através de cadernos com mapas retirados do sistema informático, e no final de cada mês, depois de se considerar encerrado o mês, o sistema dá as situações analíticas e o Diário, razão e Balancete;

20. O preenchimento dos livros selados “Diário, Razão e Balancete” apenas deixou de ser obrigatório de 30 de Junho de 2006 em diante;

21. A coordenadora da contabilidade da Ré entregou ao Autor os documentos de suporte de todo o ano de 2006, para preenchimento dos livros selados “Diário, Razão e Balancete”;

22. Os auditores externos (FENACAM) tinham alertado a Ré para a necessidade de preencher os livros selados “Diário, Razão Balancete”;

23. A distância entre as cidades de ... onde reside o Autor e a cidade de ... onde se situam as instalações onde a Ré colocou o Autor distam entre si cerca de 23 Kms;

24. Na época balnear verifica-se uma maior afluência de turistas na região do Algarve com aumento de tráfego nas estradas;

25. Resulta da Autorização nº 7241/2001 da Comissão Nacional de Proteção de Dados Para o Tratamento de Dados Pessoais Mediante Videovigilância que faz fls. 149 a 151 que a BANCO BB notificou aquela comissão um tratamento de dados pessoais resultante de videovigilância, com a finalidade de proteção de pessoas e bens, a realizar nas suas instalações no endereço Rua …, n. º 000 0000-000 ..., sendo o sistema composto por 5 câmaras, colocadas nos seguintes locais: pontos de acesso a partir do exterior/locais de atendimento ao público/área de cofre/zona de ATM s/zonas internas de circulação. Zonas técnicas, autorizando a comissão o tratamento notificado, correspondendo as instalações disponibilizadas pela Ré ao Autor ao número de policia 006;

26. A câmara de videovigilância foi instalada naquele local cerca de 3 semanas antes da vinda do Autor;

27. O Autor após ter comparecido no local de trabalho em ... indicado pela Ré para executar as tarefas de preenchimento do livro selado “Diário, Razão e Balancete”, manifestou perante o seu agregado familiar, nomeadamente a filha DD que se sentia perseguido, humilhado e insatisfeito com a decisão da Ré;

28. No dia 21 de Junho de 2011 o Autor não fez uma única das tarefas que lhe tinham sido ordenadas pela Ré;

29. Para desempenhar as funções que lhe foram atribuídas pela Ré (preenchimento do livro selado “Diário, Razão e Balancete) o Autor não necessitava de usar o telefone ou a internet;

30. A Ré disponibilizou ao Autor o acesso ao telefone junto da dependência bancária contígua às instalações onde se encontrava, sempre que tal se revelasse profissionalmente necessário;

31. A Ré já tinha decidido entregar ao Autor um telemóvel para uso profissional;

32. À esmagadora maioria dos trabalhadores da Ré também não é disponibilizada internet, disponibilizando a Ré aos seus trabalhadores apenas os instrumentos que se mostrem aptos e necessários ao desempenho das funções que lhe são atribuídas;

33. Em momento anterior à reintegração do Autor encontrava-se naquelas instalações um outro trabalhador da Ré, o qual exercia as suas funções nas mesmas condições que foram fornecidas ao Autor;

34. O telemóvel que estava destinado a ser entregue pela Ré ao Autor era o telemóvel que tinha sido anteriormente usado pelo outro trabalhador da Ré que prestara funções naquelas instalações;

35. As instalações indicadas pela Ré para o exercício de funções pelo Autor mostravam-se limpas e asseadas, com todos os meios necessários ao desempenho das suas funções, com uma secretária, uma cadeira, um computador, numa sala arejada, com janela diretamente direcionada para a rua, com luz natural;

36. Alguns anos antes de decidida a reintegração do Autor, as instalações da sede da Ré em ..., sofreram obras de remodelação e em virtude dessa remodelação deixaram de ter espaço para outro trabalhador;

37. As instalações disponibilizadas pela Ré ao Autor são contíguas ao balcão da BANCO BB e na parede que separa as ditas instalações do balcão estão colocadas as máquinas “ATM” e “Balcão 24” e nas instalações do balcão está instalado o cofre-forte ao qual se tem acesso se for aberta uma passagem na parede que separa o balcão das instalações disponibilizadas pela Ré ao Autor;

38. Antes do descrito em Q) da matéria assente a câmara de vídeo estava colocada de modo que abrangia o local onde se encontrava a secretária indicada para a realização das tarefas distribuídas ao Autor;

39. A Ré tinha planeado que o Autor frequentasse ações de formação com vista a atualizar conhecimentos.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3, do artigo 682º, do CPC, peço que será com base neles que se haverão de resolver as questões suscitadas nos recursos.

Tendo os factos, relativos ao abandono do trabalho, ocorrido em 2011 é aqui aplicável o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 2/2009, de 12 de fevereiro [doravante CT/2009].


V
Recurso da Ré “BANCO BB”:

           

           

A Ré defende que o Autor abandonou o seu trabalho.

Para fundamentar esse entendimento e, consequentemente, para que o acórdão recorrido seja revogado e repristinada a sentença da 1ª instância, invoca o seguinte;

a. Reintegrou o recorrido nos termos que a lei determina.

b. Foi, pois, manifestamente ilegítima a recusa do Recorrido em se apresentar ao trabalho.

c. Há que concluir ser intenção do Autor não mais regressar ao trabalho e, consequentemente verificar-se abandono do trabalho por sua parte, pois condicionou o regresso ao trabalho a uma condição ilegítima e não devida.

d. O acórdão recorrido, para concluir pela não reintegração do Autor, efetuou uma série de presunções judiciais legalmente inadmissíveis, que se baseiam exclusivamente em factos desconhecidos, para daí retirar conclusões que não têm qualquer aderência à realidade dos factos, incorrendo numa incorreta aplicação do direito.

e. Ora, esses factos, assumidamente desconhecidos, são os seguintes:

- “Que as obras de remodelação não permitem concluir, com segurança, que a Ré - aqui Recorrente - não pudesse colocar o Autor no seu "antigo" local de trabalho;

- Que se desconhece em que data foram realizadas as obras e, por isso, se antes ou depois do despedimento;

- Que se desconhece a concreta orgânica do estabelecimento/sede da Ré, máxime a situação laboral dos outros trabalhadores e a sua inserção na organização da Ré, aqui Recorrente.”          

Ora, a questão fulcral, no caso concreto, é saber se a ausência do Autor ao trabalho, depois de se ter apresentado no dia e local indicados pela empregadora, configura uma situação de abandono, ou seja, se com a não comparência, após essa data, teve a intenção, concreta e inequívoca, de fazer cessar o contrato de trabalho.

Na verdade, caso se conclua que inexistiu essa vontade ficam prejudicadas as demais questões, nomeadamente, saber se a Ré reintegrou o Autor de acordo com o determinado pela decisão judicial e se foram feitas presunções judiciais indevidas e ilegais por se basearem em factos desconhecidos.

           

Por tal motivo, começar-se-á por conhecer dessa questão, ou seja a do abandono do trabalho pelo Autor.

~~~~~~

ASSIM:

           

a) – Abandono do trabalho pelo Autor AA:

Diz o artigo 403º, do CT/2009:

1. Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador ao serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelem a intenção de o não retomar;

2. Presume-se abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência;

3. O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste;

4. A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação da ausência;

5. Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401º.

Determina, por sua vez, o artigo 401º, do CT/2009, que o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no artigo anterior [30 ou 60 dias conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade] deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta.

São, pois, dois os requisitos para haver abandono do trabalho:

i. Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja a sua não comparência no local e tempo de trabalho a que estava obrigado, não comparência essa voluntária e injustificada;

ii. Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de comparência definitiva do local de trabalho.

Ora, resulta da própria lei que, para haver abandono do trabalho, não basta a verificação das faltas injustificadas pois a elas têm que acrescer factos que, com toda a probabilidade, indiquem que o trabalhador não tem intenção de retomar o trabalho.

Essa intenção, de não retoma do trabalho, tem que revelar-se com toda a probabilidade, não sendo, pois, suficiente uma mera verosimilhança.

Com efeito, equivalendo o abandono do trabalho à “denúncia do contrato”, a vontade de o “denunciar”, ainda que tacitamente manifestada, deve ser séria e inequívoca.  

Por outro lado, como diz Júlio Manuel Vieira Gomes[2] “a vontade extintiva não pode considerar-se a regra, mas antes a exceção, e como tal deve ser interpretada restritivamente, exigindo-se mais do que uma omissão”.

Como exemplo de poderem existir faltas injustificadas e não se poder falar em abandono do trabalho refere Júlio Gomes, entre outros, o caso do trabalhador não comparecer ao novo local de trabalho “[po]r entender erradamente que a sua transferência foi ilícita”.

O que significa que o empregador pode, em certos casos, ter conhecimento de que a ausência do trabalhador, embora injustificada, não corresponde à intenção de fazer cessar o contrato de trabalho.

Vejamos o caso concreto:

Da factualidade dada como provada resulta que o Autor deixou de comparecer ao trabalho a partir do dia 21 de junho de 2011, data em que se apresentou ao serviço, no balcão da Ré sito em ..., como lhe havia sido transmitido e determinado pela Ré, a fim de o reintegrar como ordenado por decisão judicial – factos n.ºs 8º, 11º, 12º, 13º, 14º e 28º dos factos provados.

Conclui-se, portanto, que no caso concreto se verificou a existência do elemento objetivo do abandono do trabalho.

Todavia, o Autor, após ter deixado de comparecer ao trabalho, enviou à Ré, em 27 de junho de 2011, o “faxe”, cujo conteúdo consta do n.º 11º dos factos provados, através do qual a informou que a sua ausência se devia a ela não o ter colocado no seu local de trabalho e nem lhe ter atribuído as funções correspondentes às que detinha antes do despedimento, que o local que lhe fora indicado para se apresentar ao serviço não tinha quaisquer condições de trabalho, que a situação criada era gravemente atentatória da sua dignidade pessoal e profissional e que esta lhe causava problemas “graves do foro psicológico”.

Mais a informou que se estava “[a] criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante e desestabilizador que se torna insuportável, com graves consequências ao nível psicológico, configurando uma situação de assédio”, que essa situação lhe estava a causar efeitos e problemas a nível psicológico, o que o impedia “de comparecer no local e tempo de trabalho indicado, para realizar as funções que ilicitamente [lhe estavam] distribuídas”, que iria recorrer aos meios judiciais adequados para que fosse efetivamente reintegrado no seu posto de trabalho “[e]mbora não compareça no local de trabalho indicado em virtude de a situação me causar uma situação psicológica insuportável” e que ficava a aguardar uma sua nova comunicação que repusesse “ a legalidade” e que o reintegrasse “ efetivamente” no seu posto de trabalho”.

Está, assim, também provado que o Autor informou a sua entidade empregadora do motivo da ausência ao serviço.

Mas já não resulta do teor dessa comunicação, ao contrário do concluído e decidido pela Ré, que era intenção do Autor extinguir ou fazer cessar o contrato de trabalho que ambos haviam celebrado.

Ora, o que dela se retira é exatamente o contrário, isto é, o que ela mostra é a vontade do Autor em conservar o contrato de trabalho.
Na verdade, o seu conteúdo é revelador de uma clara e inequívoca intenção de regressar e retornar ao trabalho, dizendo à sua empregadora que ficava a aguardar que ela o contactasse novamente, repondo a legalidade que consistia em reintegrá-lo efetivamente.
Acresce que, da prova tida como assente, nada existe que infirme e contrarie esta intenção do Autor.
Em resposta a esta comunicação, a Ré remeteu-lhe uma carta, datada de 28 de junho de 2011, na qual o informava que as suas ausências seriam consideradas como faltas injustificadas, com todas consequências daí decorrentes – n.º 12º dos factos provados.

Por último, em 14 de julho de 2011, a Ré enviou outra carta ao Autor, que este recebeu em 18, com a declaração de que considerava que tinha havido abandono do trabalho, dada a sua ausência injustificada desde 24 de junho, e que, por conseguinte, considerava, também, como denunciado o seu contrato de trabalho.

Nessa declaração emitida pela Ré, consta que, para ela, a ausência do Autor configurava uma situação de abandono do trabalho por dois motivos:

- Primeiro: Porque através do faxe que ele lhe enviara, em 27 de junho, manifestara “a sua intenção de não retomar o trabalho”;

- Segundo: Porque tinha trabalhado “apenas um dia na sequência da sua reintegração” - n.º 13º dos factos provados.

Ora, como já se disse, e ao contrário do pretendido pela Ré, dos factos provados e da comunicação que o Autor lhe fez, em 27 de junho, mediante “faxe”, não resulta que tenha havido, por parte deste, qualquer manifestação inequívoca de pretender a extinção do seu contrato.

Por último, também não chegou a existir a presunção estabelecida no artigo 403º, n.º 2, do CT [Presume-se abandono do trabalho a ausência de trabalhador ao serviço durante, pelo menos, dez dias úteis seguidos, sem que o empregador tenha recebido comunicação do motivo da ausência] porque antes do decurso dos 10 diais úteis o Autor informou a Ré dos motivos da sua ausência.

Conclui-se, portanto, pela inexistência, no caso em apreço, do elemento subjetivo, ou seja da intenção de, com toda a probabilidade, o Autor não voltar definitivamente ao seu posto de trabalho, independentemente de ter havido, ou não, uma sua reintegração efetiva.

Improcede, assim, esta questão.

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b) – Efetiva reintegração do Autor; Existência de presunções judiciais ilegais por se basearem em factos desconhecidos e Pagamento à Ré pelo Autor da indemnização por abandono do trabalho:

Como anteriormente se explicitou, uma conclusão negativa sobre o abandono do trabalho pelo Autor prejudicaria o conhecimento de todas as outras questões.

Ora, tendo-se concluído que, no caso concreto, não se verificou abandono do trabalho pelo Autor, ficou prejudicado o conhecimento das outras questões enunciadas e suscitadas pela Ré.

De facto, o n.º 2, do artigo 608º, do CPC, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nas normas conjugadas dos artigos 663º, n.º 2, e 679º, do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Deste modo, improcede o recurso da Ré.

VI


Recurso do Autor AA:

a) - Condenação da Ré no pagamento de uma indemnização, em substituição da reintegração, superior à fixada, e que deve ser, no mínimo, de 35 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade:

No artigo 391º, do CT/2009, está consignada e estabelecida a indemnização em substituição da reintegração a pedido do trabalhador.

Dispõe:
1. Em substituição da reintegração, o trabalhador pode optar por uma indemnização, até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, cabendo ao tribunal determinar o seu montante, entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente da ordenação estabelecida no artigo 381º.
2. Para efeitos do número anterior, o tribunal deve atender ao tempo decorrido desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
3. A indemnização prevista no n.º 1 não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.

Por sua vez, o artigo 381º, do CT, referente aos fundamentos gerais de ilicitude de despedimento, determina que sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:


a. Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b. Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c. Se não for precedido do respetivo procedimento;
d. Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Ora, no caso concreto, o motivo justificativo da cessação do contrato invocado pela Ré foi declarado improcedente, o despedimento do Autor foi efetuado sem ter havido procedimento disciplinar e a Ré tinha conhecimento das razões da ausência do trabalhador e da sua intenção de regressar ao trabalho porque o mesmo lhas transmitiu através do “faxe” enviado em 27 de junho.

Daqui resulta que o grau da ilicitude da conduta da Ré é médio como, aliás, entendeu o Tribunal “a quo” [a ilicitude a considerar é apenas a referente ao comportamento da Ré relativo ao indevido abandono do trabalho].

Acresce que o Autor iniciou funções ao serviço da Ré em 01 de junho de 1985 e que em 2011 auferia mensalmente a retribuição base de € 1.318,96, acrescida de diuturnidades de € 204,00.

O Autor tem, pois, mais de 30 anos de antiguidade e a sua retribuição mensal equivale sensivelmente a 3 RMMG’s [a RMMG era de € 485,00 em 2011], sendo, deste modo, de valor acima da média.

Ora, “[p]onderando estes elementos, máxime a antiguidade e a retribuição do Autor” entendemos, tal como o fez o acórdão recorrido, que a indemnização a fixar deve ser ”[u]m pouco inferior à média prevista na lei (30 dias) ”.

Assim sendo, é de reputar como equilibrada, justa e adequada a indemnização fixada pelo Tribunal “a quo, de 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.

Improcede, deste modo, também o recurso do Autor.

~~~~~~.

VII

Pelo exposto, delibera-se negar ambas as revistas e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido.

Custas: Cada recorrente pagará as do seu recurso.

Notifique.

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Anexa-se o sumário do acórdão.

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                                                                                                          Lisboa, 2016.12.06

João Fernando Ferreira Pinto - Relator

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

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Abandono do trabalho

Indemnização de antiguidade

SUMÁRIO



1. Para que haja abandono do trabalho são necessários dois requisitos:

- Um elemento objetivo, constituído pela ausência do trabalhador ao serviço, ou seja pela sua não comparência voluntária e injustificada no local e tempo de trabalho a que estava obrigado;
- Um elemento subjetivo, constituído pela intenção de não retomar o trabalho, isto é, a intenção de comparência definitiva do local de trabalho.

2. Não existe abandono do trabalho quando um trabalhador se apresenta no local indicado pela empregadora para reiniciar as suas funções, após decisão judicial que a manda reintegrá-lo, e deixa de comparecer no dia seguinte, informando a sua empregadora, de imediato e por escrito, que a sua ausência se devia ao facto de não ter sido colocado no seu local de trabalho e nem lhe terem sido atribuídas as funções que detinha antes do despedimento, e que, por isso, ficava a aguardar a sua reintegração de acordo com o determinado pela decisão judicial e uma nova comunicação que o informasse quando e aonde se devia apresentar.

3. É de reputar como equilibrada, justa e adequada uma indemnização, em substituição da reintegração, de 25 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, quando existiu um despedimento ilícito, sem ter havido procedimento disciplinar, em que o grau de ilicitude não passa da mediania e em que o trabalhador tem cerca de 30 anos de antiguidade e cuja retribuição mensal é superior à retribuição geral média dado equivaler, sensivelmente, a 3 RMMG’s.




Lisboa, 06 de dezembro de 2016

(Ferreira Pinto – Relator)
(Pinto Hespanhol)
(Gonçalves Rocha)

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[1] - N.º 006/2016 – (FP) – PH/GR
[2] - Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais do Trabalho, Coimbra Editora, 2007, páginas 1072/1074.