Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | GIL ROQUE | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ20070131036327 | ||
Data do Acordão: | 01/31/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário : | 1. A sustação da execução por estar pendente mais do que uma execução sobre os mesmos bens (art.º 871.º do CPC), só pode ser levada a efeito em relação aos bens que já tenham penhora anterior, devendo a execução prosseguir em relação aos restantes bens penhorados. 2. Quando o juiz profira despacho a declarar a instância interrompida, por não a ter impulsionado, há mais de um ano, é esse despacho que demarca o prazo dos cinco anos e um dia para habilitar o juiz a declarar deserta a instância sem necessidade de averiguações, acerca da conduta da parte eventualmente prejudicada. 3. O prazo para que seja declarada a deserção da instância nos termos do art.º 291.º do CPC, conta-se a partir da data do despacho que declarou interrompida a instância. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I-RELATÓRIO: 1. No processo de execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, que Construções AA, Ldª moveu contra BB Futebol Club foi proferido despacho em 28 de Abril de 2005 a declarar a deserção da instância, com a consequente extinção desta, nos termos do disposto nos artigos 291° e 287° al. e) do Código de Processo Civil. Inconformada com a decisão dela interpôs recurso de agravo a exequente, que foi admitido e na sequência desse recurso, foi proferido acórdão que negou provimento ao agravo e em consequência confirmou a decisão recorrida. * 2 - De novo inconformada com a decisão, agravou dela a exequente e admitido o recurso, foram apresentadas as alegações tirando delas as seguintes conclusões: la O Tribunal só pode ordenar a sustação da execução quando "pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens", tenham sido objecto de penhora bens já anteriormente penhorados, mas apenas quanto a estes (v. art. 871° do CPC); 2a A sustação da execução apenas se verificou relativamente a parte dos bens penhorados (art.871° do CPC), devendo o presente processo ter prosseguido relativamente à verba n° 3; 3a O recebimento dos embargos de terceiro relativamente à verba nº3 (ver Proc. 267/1995-B), ocorrido em 1977, suspendeu a execução até 2004.12.15 impedindo a ora recorrente de praticar qualquer acto neste processo (arts. 283º,284º/1/d e 356 do CPC cfr. Ac.STJ de 1974.03.22, Proc.065150 e Ac.TRP de 2005.05.30, Proc.0553029), ambos in www.dgis.pt); 4ª- A interrupção da instância sempre teria cessado com os actos praticados no Proc. 267/1995-B, dos embargos de terceiro, do qual dependia o andamento do processo principal, bem como com o requerimento apresentado pela exequente, em 2005.01.24, em que se peticionou a venda dos bens penhorados (art.286º do CPC); 5a A execução foi instaurada em 1995.05.17, pelo que, como se reconhece no acórdão recorrido, é-lhe aplicável o artigo 291° do CPC, na versão anterior ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro (v. arts. 16° e 26° do DL 329-A/95, de 12/12); 6ª A execução “sub júdice” não esteve interrompida durante cinco anos, maxime no que se refere aos bens que integram a verba n.º3, pelo que nunca haveria lugar à cessação da instância, pois a ora recorrente promoveu o andamento dos embargos de terceiro e, indirectamente, do processo principal, tendo ainda requerido em 2005.01.24, após o termo da suspensão da execução relativamente à referida verba, a venda dos imóveis penhorados e os demais termos dos arts. 886° e segs. do CPC (arts, 286° e 291° do CPC); 7a O despacho recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado o disposto no art. 291° do CPC, na redacção anterior ao DL 329-A/95, de 12 de Dezembro. Termos em que deverá dar-se provimento ao recurso, revogando-se o despacho de fls. 184 dos autos e o acórdão recorrido, com as legais consequências. Não houve contra alegações. No tribunal recorrido foi mantida a decisão. Corridos os vistos e tudo ponderado cabe apreciar e decidir. II- Fundamentação: A) Factos: A matéria dada como assente que serviu de base ao acórdão recorrido é a seguinte: a) A presente execução foi instaurada em 17 de Maio de 1995. b) Em 2 de Abril de 1996 foram penhorados os seguintes prédios: “ Verba n°. 1 – Prédio urbano com a área de 16.730, 00 m2 descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°. 04357/190196 e inscrito na matriz sob o art. 7693, Quinta da...; Verba n°. 2 – Prédio urbano com a área de 24.615,00 m2 sito na Quinta da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora sob o n°. 03012/280292, omisso na respectiva matriz; Verba n 3 – Três lotes de terreno na Quinta da ... com as áreas de 240 m2, 204 m2 e 240 m2 a destacar do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o número 6.637 do Livro B-18 e inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo n°. 23 da secção Z” (v. fls. 46 dos autos). c) Em 4 de Maio de 1998 a exequente requereu, ao abrigo do disposto no artigo 886°-A do Código de Processo Civil, a venda dos prédios que constituem as verbas 1 e 2, mediante propostas em carta fechada (fls. 112). d) Por despacho de 4 de Junho de 1998 foi sustada a execução relativamente aos imóveis penhorados descritos na Conservatória do Registo Predial da Amora sob os n°s. 04357/190196 e 03012/280292 (verbas 1 e 2) por incidirem sobre os mesmos bens “penhoras anteriores registalmente inscritas” (fls. 118). e) Em 2 de Julho de 1998 a exequente requereu a notificação do executado para prestar informação “sobre os processos de execução pendentes e cujas penhoras se encontram registadas sobre os prédios…” que constituem a ditas verbas 1 e 2, o que foi deferido (fls. 119 a 121). f) A exequente foi notificada, por carta registada expedida em 30 de Setembro de 1998, da informação e documentos juntos pelo executado (fls. 161). g) Seguidamente, como nada foi promovido pela exequente, foi determinado, por despacho proferido em Outubro de 1998, que os autos aguardassem o impulso processual do exequente, sem prejuízo do disposto no artigo 285° do Código de Processo Civil (fls. 161). h) Em 28 de Novembro de 2002 foi proferido despacho a declarar interrompida a instância, por “inércia da exequente em promover os seus termos” (fls. 172). i) Em 6 de Dezembro de 2002 a exequente requereu o esclarecimento desse despacho, o que foi apreciado por despacho proferido no dia 13 de Janeiro 2003, considerando estarem “reunidos os pressupostos legais que determinam a interrupção da instância” (fls.174 a 176). j) Em 7 de Abril de 2003 foi proferido despacho que determinou: "aguardem os autos o decurso do prazo previsto no art. 291 ° do CPC" (fls. 180). l) Em 24 de Janeiro de 2005, a exequente apresentou requerimento, junto a fls. 182, a peticionar o prosseguimento da execução, com a venda dos imóveis penhorados. m) Em 28 de Abril de 2005 foi proferido o despacho recorrido, a fls. 184, do qual consta, além do mais, o seguinte:"O requerimento de fls.182 não faz cessar os motivos que levaram à sustação da execução, nos termos do art. 871° do C.P.C, sendo que, decorridos 2 anos sobre o despacho que declarou a interrupção da instância, verifica-se a deserção da instância, nos termos do art. 291º do C.P.C, pelo que devem os autos ser arquivados. ". B) Direito: Sabendo-se que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões que os recorrentes tiram das alegações, a elas nos cingiremos na apreciação do recurso. Da análise das conclusões verifica-se que o objecto do recurso consiste em apreciar e decidir sobre a oportunidade do despacho que julgou deserta a instância nos termos do disposto do art.º 291.º do CPC. Atendendo a que a execução foi instaurada em 1995.05.17 e que as disposições aplicáveis sofreram modificações substanciais no decurso da tramitação processual, com a publicação do Dec.-Lei n.º 329-A/95 de 12 de Dezembro, impõe-se que previamente se determine se à questão a decidir devem ser aplicadas as disposições do CPC com a redacção anterior ou com a redacção actual que lhes foi dada pelo referido diploma legal. Como se dispõe nos art.ºs16.º e 18.º do diploma preambular deste Decreto-Lei, o Código de Processo Civil com as alterações entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1997, só se aplica aos processos iniciados a partir dessa data e no que respeita aos prazos processuais em curso ou já fixados. Os restantes processos, continuam a reger-se pelas normas anteriormente vigentes, salvo em relação às situações previstas no art.º 26.º, que não cabem na situação gizada nos presentes autos. Nestes termos, são aplicáveis à questão em apreciação neste recurso as normas legais com a redacção anterior à revisão do CPC, levada a efeito pelo aludido diploma legal. * 1 – Definida a lei aplicável à situação dos autos, passaremos à apreciação das conclusões que a agravante tira das alegações, uma vez que são elas, como se referiu, que caracterizam o objecto do recurso. A questão essencial a apreciar consiste em determinar se no caso em discussão, face às circunstâncias concretas, o despacho que julgou deserta a instância, nos termos do disposto no art.º 291.º do CPC, foi o adequado e oportuno. A agravante começa por sustentar, logo na primeira conclusão que a sustação da execução nos termos do disposto no artº 871.º do CPC, só podia ser levada a efeito em relação aos bens que já tivessem penhora anterior à efectuada neste processo. É verdade que assim deve acontecer e não consta dos presentes autos que assim não tenha acontecido, uma vez que a exequente, ao contrário do que parece resultar das suas alegações, pelo facto da execução ter sido sustada, não ficou impedida de requerer a prossecução da execução sobre a 3.ª verba penhorada pelo menos até ao recebimento dos embargos de terceiro que ocorreu em, 11/06/97, ou a eventual penhora sobre outros bens do executado. Foi para isso que lhe foi notificado o despacho de sustação, proferido nos termos do art.º 871.º do CPC. De qualquer modo, com o recebimento da oposição por embargos de terceiro à penhora da 3ª verba, suspendeu-se a execução na sua totalidade, até à decisão final desse processo, uma vez que já estava suspensa em consequência da existência de duas penhoras sobre as 1ª e 2.ª verbas e, por isso não se considera que seja muito clara a inércia ou negligência da exequente pela falta de impulso processual na execução. Apesar disso, sempre se dirá que a exequente nada requereu, embora dela dependesse o impulso processual nos termos do disposto nos art.º 264º do CPC. Alinhadas estas considerações, há agora que definir se independentemente de considerar se o despacho de 28/11/2002, que declarou a instância interrompida nos termos do art.º 285.º do CPC, tem natureza declarativa ou constitutiva, se ele marca ou não o início do decurso do prazo da interrupção da instância para que depois de decorrido o prazo de cinco anos seja considerada deserta a instância, nos termos do disposto no art.º 291 do CPC, com a redacção anterior ao Dec-Lei n.º329-A/95 de 12 de Dezembro, como aconteceu. Referiu-se no acórdão recorrido, que em relação ao critério de contagem do prazo para a interrupção da instância por inércia das partes e consequente deserção da mesma, entendem uns que é o despacho que declara interrompida a instância que determina o início desse prazo, e outros que, como foi entendido no acórdão recorrido, que o início da contagem do prazos dos cinco anos resulta da análise da tramitação processual e consequente verificação da falta de inércia da parte a quem cabe impulsionar o processo e não do despacho que determina a interrupção da instância. Pelas razões que julgamos ter deixado claras ao descrever o historial dos autos em apreciação, em que ocorreram duas suspensões. Embora se mostre claro quando se iniciou o prazo da suspensão e da interrupção, não é possível saber quando terminaram, nem saber se a falta de impulso caracterizaria negligência notória da exequente, face à situação processual. Entendemos assim que, se o Juiz profere um despacho a declarar a instância interrompida em virtude da parte sujeita ao princípio do dispositivo não a ter impulsionado há mais de um ano e entretanto nada requereu para que fosse movimentado é esse despacho que demarca o prazo dos cinco anos e um dia para habilitar o juiz a declarar deserta a instância, sem necessidade de novas averiguação acerca da conduta diligente ou não da parte eventualmente prejudicada com as consequências do despacho proferido nos termos do disposto no art.º 291.º do CPC. O Juiz julga, assim, deserta a instância na sequência do despacho anterior que a declarou interrompida. Tanto mais que hoje a deserção da instância não está dependente de despacho, mas mantém-se a necessidade do despacho que a declara interrompida por inércia da parte. Já J.Alberto dos Reis, entendia, a propósito da extinção da instância decorrente de ter sido declarada deserta “ A extinção da instância não se produz automaticamente pelo simples facto de ter decorrido o lapso de tempo marcado no art.º 296º (hoje 291º); tem de haver uma declaração jurisdicional” - (1). Recorde-se que foi o Ministro Manuel Rodrigues quem propôs a inovação por razões de ordem prática, por : “ não ser conveniente que os processos, cuja instância estivesse interrompida ficassem pendentes nas secções por tempo indeterminado” - (2). Entendemos nesta perspectiva, que não se pode deixar de ter em consideração a razão histórica do surgimento deste preceito legal tal como hoje se apresenta. Por tudo o que se vem alinhando, entendemos que o prazo para que seja declarada a deserção da instância ao abrigo do disposto no art.º 291.º do Código de Processo Civil, deve contar-se a partir da data do despacho que declarou interrompida a instância, que no caso em apreciação ocorreu no dia 28 de Novembro de 2002. Nestes termos, só decorridos cinco anos (lei anterior), após ter sido declarada interrompida a instância, nos termos do art.º 285.º do CPC, poderia ser declarada deserta a instância. Pelas razões alinhadas, o agravo merece provimento. III- DECISÃO: Em face de todo o exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo, e em consequência revoga-se o acórdão recorrido e o despacho da 1.ª instância que julgou deserta a instância. Custas pela executada. Lisboa, 31 de Janeiro de 2007 Gil Roque (Relator) Salvador da Costa Ferreira de Sousa _____________________________ (1) - J.Alberto dos Reis – Código de Processo Civil – Anotado –Vol. I – pgs. 399– 2ª Edição –Reimpressão, Coimbra Editora. (2) - Ver Jacinto Rodrigues de Bastos- Notas ao art.º 291.º do Código de Processo Civil – Vol. II, pgs.45. |