Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3461/16.2T8BRG.G2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA
GONÇALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
PRESCRIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
FACTOS ESSENCIAIS
Data do Acordão: 10/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I-Para que exista responsabilidade civil do intermediário financeiro torna-se necessário que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

II- A confiança que se estabelece entre o cliente e o seu gestor de conta (própria da relação entre o cliente e o seu gestor de conta, como se referiu), o facto de a aplicação corresponder (nos termos que lhe foram indicados pelo gestor de conta) ao que a Autora sempre havia comunicado os termos em que pretendia investir, conduz-nos à conclusão que a Autora não agiu com culpa.

III-O prazo de prescrição de dois anos só começa a correr na data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

IV-A questão sobre o interesse contratual positivo suscitada pelo Recorrente no recurso de apelação não é uma questão nova pois está no âmbitodo apuramento do dano que os Autores sofreram.

Decisão Texto Integral:

Acórdão


I. Relatório

1. AA, e marido, BB intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BEST – Banco Electrónico de Serviço Total, S.A., e Novo Banco, S.A., pedindo:

a) a título principal: a condenação dos Réus a pagar-lhes o montante de €100.000,00, acrescido dos juros convencionados no período de subscrição de seis meses, no montante de €2.050,00 e dos juros de mora contados à taxa legal, sobre o montante de €102.050,00, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento;

b) subsidiariamente: a anulação do negócio celebrado com o 1º. Réu e a condenação de ambos os Réus na devolução do montante de €100.000,00, acrescido de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese, que são titulares de uma conta bancária numa dependência do 1º. Réu e que, em janeiro de 2014, o seu gestor de conta apresentou à Autora uma proposta de investimento pelo prazo de seis meses, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital, equiparável a um depósito a prazo, o que a levou a efetuar uma aplicação de €100.000,00 nesse produto financeiro.

Porém, nem na data do vencimento da aplicação, nem posteriormente, aquela quantia foi colocada à disposição dos Autores, invocando o 1º Réu a situação de insolvência da entidade emissora do produto financeiro subscrito por aqueles, concluindo os mesmos que o 1º Réu agiu com dolo e má-fé, pois à data da intermediação financeira no negócio sabia da situação financeira do Grupo Espírito Santo a que pertencia e, para além disso, não cumpriu, de forma grosseira, com as obrigações e deveres, nomeadamente de informação, a que está adstrito na qualidade de intermediário financeiro, tendo-lhes vendido um produto sem as características por si transmitidas.

Por fim, invocaram a existência de erro sobre o objeto do negócio e defenderam a responsabilização também do 2º Réu pelos prejuízos causados, dada a relação de domínio total existente entre este último e o 1º Réu, que é integralmente detido por aquele.

2. Citados, os Réus apresentaram contestação, invocando, em primeiro lugar, a incompetência em razão do território e excecionando a prescrição do direito a que os Autores se arrogam, bem como a ilegitimidade do 2º Réu.

Defenderam-se, ainda, por impugnação, negando grande parte da factualidade alegada pelos Autores, nomeadamente aquela através da qual estes últimos lhe atribuem responsabilidade civil, pois o 1º Réu apenas se limitou a executar uma ordem de subscrição dada pela Autora e prestou-lhe todas as informações legalmente exigíveis, nunca tendo garantido o reembolso do capital investido.

Concluíram, pedindo a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

3. Os Autores apresentaram resposta às exceções deduzidas pelos Réus.

4. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia. Foi elaborado despacho saneador, no qual foi negada improcedente a exceção de incompetência territorial deduzida pelos Réus e a exceção de ilegitimidade, tendo o conhecimento da exceção perentória de prescrição sido relegado para decisão final.

Foi fixado o objeto do litígio e foram enunciados os temas da prova.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que decidiu:

“Por tudo o exposto, decide-se julgar procedente a presente acção e, em consequência:

- condenar solidariamente o 1º e o 2º Réu no pagamento aos Autores da quantia de €102.050,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor legal, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento.”

6. Não se conformando com esta decisão, os Réus interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.

7. A Relação de Guimarães veio a julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, confirmaram a decisão recorrida.

8. Inconformados com tal decisão, os Réus interpuseram recurso de revista “excecional”.

9. Por despacho de fls.341/346, o Relator entendeu que se verificava a dupla conforme, não se admitindo “o recurso de revista normal assente na reapreciação da matéria de facto provada por se verificar o obstáculo da dupla conforme, na medida em que não está em causa qualquer situação de violação de lei processual ou outra que justifique a sua sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça”.

10. A Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil veio a admitir o recurso de revista excecional.

11. O STJ, em decisão singular, veio a anular o Acórdão recorrido e determinar que deve “o Tribunal da Relação proceder, se possível com os mesmos Juízes, ao atrás apontado (afastar as contradições e proceder à ampliação da matéria de facto”.

12. O Tribunal da Relação de Guimarães proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto acordam os juízes da Relação em suprir as contradições às respostas à matéria de facto, com a alteração da resposta ao ponto de facto 12 nos termos acima expostos e em ampliar a matéria de facto para efeitos do nexo de causalidade, com a integração do teor do artigo 133 e 134 da petição inicial nos termos referidos pelo STJ, que deve ser objeto de julgamento, seguido de decisão.”

13. O Tribunal de 1.ª instância veio a proferir a seguinte decisão: “Por tudo o exposto, decide-se julgar procedente a presente acção e, em consequência:

- condenar solidariamente o 1º e o 2º Réu no pagamento aos Autores da quantia de €102.050,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor legal, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento.”

14. Inconformadas com esta decisão, as Rés interpuseram recurso de apelação, tendo impugnado, também, a matéria de facto.

15. O Tribunal da Relação de Guimarães veio a julgar o recurso improcedente, e confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sem voto de vencido, e com a mesma fundamentação, tendo mantido, no essencial, os factos dados como provados e não provados pelo Tribunal de 1.ª instância.

16. Novamente inconformada, as Rés vieram interpor recurso de revista excecional, invocando o disposto nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, nos mesmos termos em que o havia feito anteriormente e em que foi admitida a revista excecional.

17. A Formação de Juízes a que alude o nº3 do artigo 672º do Código de Processo Civil veio a admitir o recurso de revista excecional.

18. Os Recorrentes formularam, as seguintes (transcritas) conclusões:

A. À semelhança do que se concluiu a propósito do primeiro recurso de Revista Excepcional interposto em 03.05.2018, o presente recurso deve ser admitido como de Revista Excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC,

B. As questões “cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” mantêm-se no cerne da decisão constante do Acórdão recorrido.

C. Obter deste Colendo Tribunal o seu entendimento relativamente ao valor probatório das declarações de parte não é só premente neste caso concreto, em que as declarações de parte da Recorrida foram o único meio de prova com base no qual se provou em grande medida a factualidade com que chegamos a esta fase do processo,

D. Como também, estamos em crer, essencial para a boa aplicação do Direito, sempre que um qualquer tribunal se veja confrontado com a necessidade de apreciar e valorar declarações de parte, em especial quando favoráveis ao interesse processual da parte que as presta e relativamente a alegações sobre as quais nenhum outro meio de prova seja produzido por quem tem o ónus da prova.

E. A disparidade de soluções que podem resultar do entendimento de cada tribunal sobre a força probatória das declarações de parte deve, por si só, justificar a admissibilidade do presente recurso, o que expressamente se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a).

F. A exigência probatória que recai sobre o cliente não pode fazer impender sobre o intermediário financeiro a prova de que os deveres de informação foram devidamente cumpridos, invertendo-se o ónus da prova legalmente previsto quanto à ilicitude.

G. Uma das questões fundamentais que têm sido discutidas perante os tribunais prende-se com o conflito entre, (i) por um lado, as declarações que os clientes prestam, assinando, na documentação de suporte à subscrição de instrumentos financeiros, e, (ii) por outro, a insuficiência do conhecimento que os clientes alegam posteriormente, em manifesta contradição com as declarações por si prestadas e assinadas naquela documentação.

H. Na presente acção, de um lado, temos um intermediário financeiro a ser severamente afectado na sua reputação, embora munido de toda a documentação que a Lei impõe em termos de prova do cumprimento dos seus deveres de informação, do outro, uma cliente com um perfil muito particular, com uma carreira de Procuradora da República com décadas de duração, que nem sequer nega a assinatura daquela documentação, limitando-se a alegar que a assinou sem ler e que, ora não lhe foi transmitida informação, ora lhe foi transmitida informação em sentido absolutamente contrário àquele que declarou por escrito.

I. A questão é saber se (i) é efectivamente sobre o cliente que impende o ónus da prova do alegado incumprimento de deveres de informação, (ii) se esse ónus se pode considerar satisfeito por via de declarações de parte contrariadas por prova documental e se, (iii) a ser assim, um tal entendimento não acarreta uma inadmissível – e não prevista legalmente – inversão daquele ónus.

J. Em face da relevância social da questão, e por ser precisamente essa a questão central de Direito discutida nestes autos, deve considerar-se preenchido o requisito de admissibilidade da Revista Excepcional previsto no artigo 672.º, n.º 1, alínea b), do CPC, sendo o recurso admitido por V. Exas.

K. O Acórdão de 20.03.2018, a que se refere o TRG, foi anulado pela Decisão Sumária deste Colendo Tribunal de 31.05.2019, e o certo é que daquele Acórdão do TRG não consta qualquer referência às questões suscitadas em sede de alegações de Apelação.

L. Tanto a decisão que viesse a ser tomada em primeira instância após nova sessão de julgamento, como a decisão a proferir pelo TRG em sede de Apelação, poderiam ser diversas, e até opostas às decisões anteriormente proferidas por essas instâncias, consoante a resposta que fosse dada àqueles concretos pontos de facto (artigos n.ºs 133 e 134 da PI, actuais factos n.ºs 36 e 37).

M. A decisão da primeira instância tem forçosamente de ser vista como uma nova decisão integral, com aplicação do Direito a um novo conjunto global de factos, decorrente da inclusão de matéria nova em resultado da reabertura do julgamento, não se vislumbrando por que razão o TRG considera que havia questões relacionadas com o objecto do mais recente recurso de Apelação que devessem ter sido – nem em que quadro – suscitadas em impugnação do Acórdão do TRG de 20.03.2018.

N. Nesse Acórdão do TRG não foi decidida nenhuma das questões que os Recorrentes haviam suscitado em sede de (primeira) Apelação, pelo que as questões que os Recorrentes voltam a suscitar não cabiam no âmbito da impugnação desse Acórdão de 20.03.2018.

O. O TRG devia ter conhecido, desde logo, das questões relacionadas com impugnação da matéria de facto no âmbito da (mais recente) Apelação, a saber, no que toca aos pontos 6, 8, 9, 12, 14, 26, 29, 31 e 32 da matéria de facto considerada provada em primeira instância.

P. O argumento relacionado com o interesse contratual positivo interfere, com especial ênfase, com a aferição do nexo de causalidade, tratando-se de reconhecer que, ao defenderem que, se não fosse a alegada violação de deveres de informação, não teriam subscrito os produtos, os Recorridos reconhecem que o seu dano é o relacionado com a subscrição, e não com a falta de reembolso do investimento – que afirmam não terem pretendido.

Q. Relativamente a estas matérias, os Recorrentes entendem que o TRG incorreu em omissão de pronúncia, fulminando o Acórdão recorrido com nulidade, nos termos previstos no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), aplicável ex vi do artigo 674.º, n.º 1, alínea c), ambos do CPC, o que se requer.

R. Na sua impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os Recorrentes requereram que fosse alterada a redacção do ponto 6 da matéria de facto, uma vez que a alteração se impunha em resultado de confissão.

S. Trata-se de impugnação da decisão do TRG no Acórdão recorrido, ao fazer prevalecer meios de prova sujeitos à sua livre apreciação sobre as declarações de parte da Recorrida, na parte em que configuram confissão, a saber, a que consta ao minuto 05:15 das declarações de parte da Recorrida (na sessão de 12.09.2017).

T. Quanto à questão de saber de quem foi a iniciativa do contacto telefónico para subscrição da aplicação financeira, as declarações de parte da Recorrida, em sentido que lhe é desfavorável, deviam ter prevalecido sobre os demais meios de prova.

U. Não o tendo feito, o TRG violou o disposto, nos artigos 355.º e 361.º (a contrario) do Código Civil, que dispõem sobre a força probatória plena da confissão, requendo-se a V. Exas. que, corrigindo esse lapso do TRG, reconheçam a força probatória plena da confissão da Recorrida em sede de declarações de parte e, em consequência, alterem a redacção do ponto 6 da matéria de facto para a seguinte:

“Em Janeiro de 2014, após solicitação da autora, esta foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco Best que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%”.

V. Nos termos do n.º 1 do artigo 376.º do Código Civil, o documento particular (sendo reconhecida, como é neste caso, a sua autoria) faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor – in casu, à Recorrida.

W. Nos termos do n.º 2 desse artigo 376.º, em resultado de os factos contidos nessas declarações serem contrários aos interesses da Recorrida, os mesmos consideram-se provados nos termos prescritos para a prova por confissão, de onde decorre que, nos termos do disposto no artigo 358.º, n.º2, do Código Civil, por ter sido feita perante a parte contrária, a declaração tem força probatória plena.

X. Nos termos do disposto no artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, por tais factos se encontrarem provados plenamente por documento, que não se admite prova testemunhal em sentido contrário.

Y. Não pode a Recorrida declarar, numa determinada data, já ter sido devidamente informada de todos os riscos e condições do investimento e, ao mesmo tempo, defender que não foi devidamente informada antes da emissão da ordem de subscrição concomitante com aquela declaração.

Z. No momento em que declarou considerar-se devidamente informada, a Recorrida colocou legalmente em causa (vide artigo 334.ºdo Código Civil) a possibilidade de alegar, em sentido contrário, não ter sido devidamente informada sobre a mesma matéria.

AA. O TRG não podia validar a decisão da primeira instância de dar este “facto” como provado, especialmente quando o fez, única e exclusivamente, com base nas declarações de parte da Recorrida, cuja valoração é, além do mais, proibida pelo disposto no artigo 393.º, n.º 3, do Código Civil.

BB. Requer-se a V. Exas. que revertam a decisão do TRG, alterando-se a redacção do “facto” 12, por o seu conteúdo conflituar, em parte, com o de documento com força probatória plena, não sendo legalmente admissível prova testemunhal em contrário, e, portanto, em virtude de a prova desse “facto”, nos termos em que foi feita, violar normas de direito probatório material e, em consequência, como Facto 12, deve considerar-se provado, como impõem os artigos 376.º, n.ºs 1 e 2, 358.º, n.º 2, e 393.º, n.º 2, todos do Código Civil, aquilo que resulta do Documento n.º 5 junto com a Contestação, ou seja, que:

“Quando emitiu validamente e assinou a ordem de subscrição do papel comercial, a A. já havia sido devidamente informada da Nota Informativa sobre as características e condições do mesmo, tinha conhecido e aceite integralmente a Ficha Técnica e tinha integral e perfeito conhecimento dos riscos do investimento, sendo a vontade e decisão de aquisição do papel comercial da sua inteira responsabilidade”.

CC. A intenção do legislador com o regime das cláusulas contratuais gerais foi apenas a de fazer impender sobre o proponente das cláusulas deveres específicos de comunicação e informação, apenas determinando a exclusão das cláusulas dos contratos em que se insiram se esses deveres deverem considerar-se incumpridos.

DD. Para efeitos da sua exclusão de um contrato, o que cumpre averiguar não é se uma determinada cláusula foi especificamente negociada entre as partes, mas sim se a parte que a apresentou cumpriu, quando aplicáveis e nessa exacta medida, os deveres de comunicação da sua existência e de informação sobre o seu teor.

EE. A parte que se vinculou a cláusulas contratuais gerais pode imputar à parte proponente a violação de deveres de comunicação e informação se (i) as circunstâncias do caso (a extensão ou complexidade das cláusulas, a sua experiência e formação, etc.) exigirem uma diligência superior, e se (ii) tiver ela própria cumprido a diligência mínima que a boa-fé lhe impõe,

FF. Mas já não pode pretender ver excluídas cláusulas de um determinado contrato se tiver prescindido conscientemente de, ou deliberadamente recusado, delas tomar conhecimento e de, sobre as mesmas, solicitar eventuais esclarecimentos à contraparte.

GG. A declaração emitida pela Recorrida consta, no documento, no espaço imediatamente anterior à sua assinatura, e numa mancha gráfica equivalente à do remanescente do documento.

HH. Não está em causa uma qualquer remissão para o conteúdo de documentos diversos daquele em que a assinatura foi aposta, mas sim uma declaração clara, perceptível, aposta no próprio documento em que a Recorrida emitiu a ordem de subscrição.

II. Nada há a censurar, em sede de alegada ilicitude, quanto ao dever de comunicação do teor das cláusulas em causa, já que a sua existência era por demais óbvia e a sua extensão absolutamente clara,

JJ. Resulta cristalinamente do teor do artigo 6.º, n.º1, do RJCCG, que esse dever não é um dever absoluto, antes abrangendo apenas os “aspectos nelas compreendidos cuja aclaração”, “de acordo com as circunstâncias”, “se justifique”.

KK. Não se vislumbra qual(is) o(s) aspecto(s) dessa declaração que poderiam carecer de aclaração, já que a linguagem utilizada na mesma é simples e clara, não fazendo referência a circunstâncias mais ou menos omissas, ou obscuras, ou subentendidas, nem a mesma se encontra redigida de forma que dificulte a sua apreensão por um cliente médio.

LL. O dever de comunicação foi devidamente cumprido pelo Recorrente BEST, tendo o clausulado relevante sido fornecido à Recorrida previamente à celebração do contrato (com a assinatura da ordem escrita de subscrição), e as cláusulas relevantes para esta discussão não apresentavam qualquer aspecto – fosse de complexidade, tecnicidade ou articulação sistemática com outras – que justificasse uma particular iniciativa de esclarecimento por parte do Recorrente BEST.

MM. Foi a Recorrida quem não usou da diligência mínima que a boa-fé impõe a um cliente com as suas características e experiência, pelo que nunca poderia proceder uma imputação como aquela que, a este respeito, fez ao Recorrente BEST.

NN. A aferição do cumprimento desses deveres não pode prescindir do contexto em que as mesmas foram propostas à Recorrida.

OO. Por as circunstâncias não exigirem actuação diversa e por a Recorrida não ter usado da diligência mínima que se impõe a um cliente comas suas características, não houve qualquer violação, pelo Recorrente BEST, do disposto nos artigos 5.º e 6.º do RJCCG.

PP. Embora o TRG procure resolver a contradição na matéria de facto ao desconsiderar os factos provados com os n.ºs 15 e 17 por confronto com os pontos 6 e 14, a verdade é que aqueles se mantêm entre a factualidade provada.

QQ. Dada a gravidade da contradição, requer-se a V. Exas. que reconheçam a mesma e que, à semelhança do que sucedeu com a Decisão Singular de 31.05.2019, ordenem ao TRG a resolução clara dessa contradição, expurgando-se factos da matéria provada, ou alterando-se expressamente a respectiva redacção, nos termos do disposto no artigo 682.º, n.º 3, do CPC.

RR. Decorre da força probatória plena das declarações prestadas pela Recorrida na ordem de subscrição que a mesma foi devidamente informada das condições do instrumento financeiro, incluindo naturalmente o risco de capital.

SS. (i) Nada há na ordem escrita de subscrição que carecesse de específica informação, (ii) todo o seu teor estava nela contido, (iii) sem remissões para outros documentos, (iv) numa mancha gráfica perceptível, (v) com ênfase nas questões mais relevantes, e tudo isso (vi) em espaços do documento anteriores ao campo de assinatura.

TT. Não pode deixar de ser considerado também o histórico de investimentos dos Recorridos que, conforme consta da factualidade provada (factos 34 e 35), inclui investimentos com risco de capital efectuados em momento anterior ao do investimento que aqui se discute.

UU. Uma vez que foi entregue à Recorrida documentação da qual constavam, não só esse, como todos os outros riscos do investimento, não há razão para desonerar a Recorrida da diligência mínima de ler essa informação e, perante eventuais dúvidas, solicitar os esclarecimentos que porventura considerasse necessários e que certamente detectaria se, como afirma, a apresentação telefónica tivesse descrito o produto em sentido diametralmente oposto ao que consta da documentação informativa.

VV. Sobre o documento que os Recorrentes juntaram aos autos, ao abrigo do disposto no artigo 425.º do CPC, junto deste Colendo Tribunal, em 23.07.2018, ao contrário do que entendeu o TRG, não cremos que a sua junção tenha sido expressamente admitida, apenas resultando do Despacho que se lhe seguiu, no qual o Colendo Relator apenas declarou que os requerimentos antecedentes não colidiam como já decidido, tendo ordenado a subida dos autos à distribuição como Revista normal.

WW. Requer-se a V. Exas. que se dignem a considerar o conteúdo daquele documento, concluindo que, obviamente, o Recorrente BEST nunca tomou conhecimento de qualquer proibição, muito menos antes da subscrição do papel comercial pelos Recorridos.

XX. Não havendo qualquer informação de que o Recorrente BEST tivesse conhecimento e que devesse ter sido transmitida aos Recorridos sem que o tivesse sido, o TRG, ao considerar terem sido praticados factos ilícitos, interpretou erradamente as normas previstas nos artigos 7.º, n.º1, 304.º, 312.º, n.º 1, alínea a), 312.º-C, n.º 1, alínea j) e 312.º-E, n.ºs 1 e 2, todos do CVM, tendo retirado das mesmas um conjunto de imposições que, em face do caso concreto, delas manifestamente não resulta.

YY. A informação prestada aos Recorridos foi completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, sem que se vislumbre que actuação diversa poderia o Recorrente BEST ter adoptado, nomeadamente de que forma se poderia considerar que este colocou em causa os legítimos interesses dos clientes, ou a eficiência do mercado, ou a transparência, ou a boa-fé, ou a lealdade, quando aliás teve em conta os conhecimentos e experiência dos Recorridos em investimentos financeiros, como lhe impunha o artigo 304.º, n.º 3, do CVM, desconhecendo qualquer risco especial concreto que devesse ter transmitido aos Recorridos.

ZZ. O Recorrente BEST adoptou, dentro dos limites do que lhe é legalmente permitido, toda a diligência que se lhe impunha no cumprimento dos seus deveres de intermediário financeiro.

AAA. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º2, alínea b), do CPC, o TRG fez uma incorrecta interpretação do critério definido no artigo 304.º, n.º 2, do CVM, quando concluiu que a diligência do Recorrente BEST correspondeu a uma actuação dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente.

BBB. Requer-se a V.Exas. que, considerando (i) toda a actuação do Recorrente BESTa té ao momento da assinatura da ordem escrita de subscrição pela Recorrida, bem como (ii) a prova (testemunhal e documental) produzida nos autos que demonstra que o Recorrente BEST não tinha, nessa data, conhecimento de qualquer risco especial de exposição de títulos de dívida de entidades do GES, revertam a decisão do TRG e reconheçam que nada há a censurar, do ponto de vista subjectivo, na actuação do Recorrente BEST, dando como não preenchido o pressuposto “culpa” da responsabilidade que lhe é imputada, reconhecendo-se também a falência de todo o juízo de responsabilidade.

CCC. Subsidiariamente, caso se considere – no que não se concede – que a sua actuação é subjectivamente censurável apenas por não se considerar ilidida a presunção de culpa, se fixe esse juízo de culpa no mínimo grau, como impõem os princípios aplicáveis, a título de mera negligência.

DDD. Verifica-se, assim, um erro quanto à interpretação do disposto nos artigos 562.º e 563.º do Código Civil, porquanto não decorre dos mesmos que exista um nexo de causalidade juridicamente relevante entre a suposta ausência de informação sobre o risco de perda de capital e a identidade daemitente e os danos, ou parte deles, alegados pelos Recorridos, o que é igualmente fundamento de recurso nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC, que expressamente se argui perante V. Exas.

EEE. Não tendo havido, como não houve, qualquer negligência grosseira do Recorrente BEST – muito menos dolo –, por efeito do disposto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM, os direitos alegados pelos Recorridos prescreveram “decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos”.

FFF. Ainda que se aceitasse a tese de que os Recorridos não sabiam aquilo em que estavam a investir, certamente tiveram esse conhecimento antes da reunião de Junho de 2014 ou, no limite, na data de vencimento em que o reembolso não teve lugar, ou seja, 28.07.2014, o que significa que, tendo o Recorrente BEST sido citado apenas em 1 de Agosto de 2016, a prescrição já tinha operado quando essa citação teve lugar (vide artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil).

GGG. Requer-se a V. Exas. que revoguem a Sentença recorrida e determinem a absolvição dos Recorrentes dos pedidos formulados pelos Recorridos, em consequência do disposto no artigo 324.º, n.º 2, do CVM.

HHH. Não se alcança como se pode pura e simplesmente desconsiderar a afirmação da Recorrida no sentido de ter prescindido de ler a documentação informativa que lhe foi entregue pelo Recorrente BEST.

III. A Recorrida não alegou ter feito qualquer pergunta ou levantado qualquer reserva quanto às condições do investimento, antes referindo que entendeu razoável deslocar-se às instalações do Recorrente BEST para, simplesmente, “assinar de cruz” a documentação de subscrição, que reconhece que nunca teve interesse em consultar, nem sequer “na diagonal”.

JJJ. Ao abrigo do referido artigo 570.º do Código Civil, é, no mínimo, de reduzir o valor da indemnização, ao abrigo de uma equitativa distribuição das “culpas” entre o agente e o lesado – sendo certo que é convicção dos Recorrentes que a indemnização devia sempre ser excluída in totum.

KKK. Ao não o ter feito, nem sequer ponderado, o TRG falhou na interpretação e aplicação da norma relevante (artigo 570.º do Código Civil), o que configura igualmente fundamento do presente recurso, conforme prescreve o artigo 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

A pretensão dos Recorridos sobre o interesse contratual positivo é incompatível com a verificação do pressuposto nexo de causalidade já que a afirmação dos Recorridos que sustenta toda a sua tese nestes autos é a de que, se o Recorrente BEST tivesse actuado como entendem que devia, com a informação que dizem não ter recebido, não realizariam o investimento.

LLL. Se não fosse a conduta que imputam ao Recorrente BEST, o investimento não teria tido lugar, de onde, obviamente, decorre que os Recorrentes não podem pretender ser remunerados nos termos de um contrato com a emitente que declaram que não pretendiam.

MMM. Requer-se a V. Exas. que reconheçam que a posição dos Recorridos assenta apenas no interesse contratual negativo, não havendo fundamento para condenar os Recorrentes a indemnizarem os Recorridos pela remuneração prevista no contrato celebrado com a emitente.

E conclui: “Termos em que:

A. Ser admitido como Recurso de Revista Excepcional, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a), do CPC.

Em consequência:

B. Deve proceder a nulidade por omissão de pronúncia prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, com todas as consequências legais, seja quanto à impugnação da matéria de facto decidida pela primeira instância, seja quanto à questão do interesse contratual positivo.

Em qualquer caso:

C. Deve proceder a arguição de violação de direito probatório material pelo TRG, na manutenção dos factos apontados na matéria de facto provada;

D. Deve ser reconhecida a existência de contradição insanável entre a matéria de facto provada e ser ordenada ao TRG a sua resolução, nos termos do artigo 683.º, n.º 2, do CPC;

Em qualquer caso, ainda

E. Deve ser o presente recurso de Revista Excepcional julgado totalmente procedente por V. Exas., por erros do TRG na interpretação e até determinação das normas aplicáveis, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC”.

19. Os Recorridos contra-alegaram, concluindo pela improcedência do recurso.

20. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pelos Recorrentes decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

- A nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia;

- A reapreciação da matéria de facto;

- A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil;

- A culpa da Autora (artigo 570º do Código Civil);

- A prescrição;

- A questão sobre o interesse contratual positivo.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. O 1.º Réu é uma sociedade financeira que se dedica às actividades de banking, asset management e trading.

1.2. No âmbito da habitual gestão das suas poupanças, em Junho de 2013 a autora AA dirigiu-se ao balcão de ... do 1.º Réu, tendo aí procedido à abertura de conta de depósitos à ordem, em co-titularidade com o Autor BB, seu marido.

1.3. Na referida conta de depósitos à ordem, os autores depositaram, numa primeira fase, o montante de €90.000,00, proveniente de depósito a prazo a 12 meses, entretanto vencido, de que eram titulares junto do Banco Popular.

1.4. No âmbito dos procedimentos prévios à referida operação, foi solicitado à autora que preenchesse um formulário próprio destinado à identificação do seu “perfil de investidor”, mediante descrição do seu comportamento financeiro passado e disponibilidade e expetativa relativamente às hipotéticas aplicações futuras.

1.5. Nesse questionário, na parte respeitante a “informação sobre conhecimentos e experiência”, perante estas perguntas a Autora colocou uma cruz na quadrícula correspondente à resposta seguinte:

- Habilitações académicas? Formação superior em áreas não económico-‑financeiras ou de gestão;

- Conhecimentos sobre instrumentos, produtos e mercados financeiros? Alguma percepção dos riscos associados aos diferentes instrumentos financeiros;

- Tipo de investimento que já efectuou ou conhece? Apenas contas de poupança e depósitos;

- Transacções efectuadas ou nos mercados de capitais? Nenhuma;

- Volume das operações com instrumentos financeiros? Nenhuma;

- Atitude face aos investimentos? A prioridade é a preservação do capital;

- Principal fonte de rendimentos? Trabalho.

1.6. Em Janeiro de 2014, a autora foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco Best que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital.

1.7. Em face da proposta apresentada, a autora acedeu ainda por telefone em efetuar a aplicação de €100.000,00 no referido produto financeiro, sendo que, para esse efeito, procedeu ao depósito na conta já identificada de €10.000,00, os quais acresceram aos €90.000,00 anteriormente depositados.

1.8. Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de ... do Banco Best para apor a sua assinatura nos documentos atinentes à operação efetuada por via telefónica.

1.9. Deslocou-se para o efeito a esse balcão, onde se limitou a assinar a documentação que lhe foi exibida para o efeito, convicta de que a operação financeira que realizara e aí descrita se tratava de um investimento num produto que não envolvia risco de capital.

1.10. Aquela documentação já se encontrava previamente elaborada e o respectivo teor não havia sido discutido e negociado com os autores, nem o conteúdo lhes foi explicado pelo 1º Réu.

1.11. A condição de o investimento a realizar não conter risco foi pela autora frisada ao longo das diversas conversas anteriores estabelecidas com o seu gestor de conta.

1.12. A Autora não foi advertida da existência de qualquer perigo de perda de capital, pelo seu gestor de conta, em quem depositava toda a confiança, aquando da operação referida em 8.

1.13. A ficha técnica por si assinada, no item relativo ao montante do reembolso, mencionava um reembolso de 100% do valor nominal subscrito, acrescido de juros remuneratórios.

1.14. A subscrição do produto em análise foi realizada telefonicamente pela autora sem jamais lhe ter sido comunicado que estaria a subscrever obrigações subordinadas de empresa do Grupo GES, designadamente da R....

1.15. Foi neste enquadramento que a autora assinou a ficha técnica respeitante ao produto, do qual consta, entre outros: a) A “R..., S.A.” como entidade emitente; b) Emissão de papel comercial por oferta particular de subscrição; c) Data de subscrição de 28 de Janeiro de 2014; d) Prazo de emissão 181 dias; e) Data de reembolso de 28 de Julho de 2014; f) Taxa de juro anual nominal de 4,10%; g) Pagamento de juros na data de reembolso; h) Montante de reembolso de 100% do valor nominal subscrito, acrescido dos respectivos juros; i) Instituição colocadora: Best-Banco Electrónico de Serviço Total, S.A..

1.16. Na parte final da ficha técnica encontra-se a menção de risco de liquidez, caso o investidor não conseguisse vender o papel comercial pelo valor da subscrição.

1.17. Na ordem de compra que assinou consta a seguinte declaração, em letras de reduzida dimensão, previamente elaborada pelo 1º Réu: “Que fui devidamente informado da Nota Informativa sobre as características e condições do título que pretendo adquirir bem como tomei conhecimento e aceito integralmente a Ficha Técnica e/ou Prospecto da emissão disponível em www.bancobest.pt e que recebi cópia da documentação relativa a esta operação. Ter integral e perfeito conhecimento dos riscos descritos acima (envolvidos na aquisição e detenção deste tipo de activos) e que a vontade e decisão de aquisição destes activos são da minha inteira responsabilidade. Confirmo ainda ter pleno conhecimento de que o rendimento do capital investido nos referidos títulos é da responsabilidade da entidade emitente, tendo lugar nos termos indicado na respectiva documentação, não assumindo o Banco Best qualquer compromisso de garantia em relação a este compromisso. Que fui informado que a actual metodologia de valorização dos títulos de dívida aplicada pelo Banco BEST é a de considerar, para os devidos efeitos, o valor nominal do papel comercial detidos em carteira pelos clientes. Ter conhecimento que o Banco Best creditará os valores relativos a juros, rendimentos e reembolsos apurados de acordo com as condições de emissão após confirmação, pelo Custo diante, de recepção dos mesmos por parte dos emitentes dos valores mobiliários.”.

1.18. Em junho de 2014, face às notícias veiculadas pela comunicação social relativamente ao Grupo BES, a autora reuniu nas instalações da 1ª ré com o seu gestor de conta, CC, manifestando o propósito de solicitar o reembolso antecipado da aplicação efectuada.

1.19. No decurso dessa reunião foi desaconselhada a fazê-lo, tendo aquele gestor de conta reafirmado que a aplicação era totalmente segura e que, no limite, se a emitente não tivesse solvabilidade para proceder ao pagamento, o montante aplicado estava acautelado por via da existência de uma provisão que servia para assegurar os pagamentos aos credores.

1.20. Perante esta explicação, os autores, uma vez mais, seguiram a indicação prestada pelo gestor de conta, mantendo a aplicação que se venceria cerca de um mês depois.

1.21. Em 25 de Julho 2014 o 1º Réu enviou à autora uma comunicação com o seguinte teor: «(…) a R... apresentou um “pedido de sujeição ao regime de gestão controlada” ao abrigo da lei luxemburguesa, referindo não estar em condições de cumprir com as obrigações decorrentes de determinadas dívidas. Não obstante e neste contexto recordamos que, segundo comunicado pelo BES e cuja cópia se anexa, o BES tem vindo a assegurar o reembolso, na maturidade, do capital investido pelos clientes não institucionais do Grupo BES em todas as emissões de papel da R.... O Banco Best é considerado no âmbito do Grupo BES.”

1.22. A 30 de Julho de 2014 a autora procedeu à emissão de um cheque sacado sobre essa conta de DO, no montante de 105.000,00, que depositou em conta igualmente por si titulada, mas no Banco BIC.

1.23. Tal cheque foi devolvido por falta de provisão, com data de 4 de Agosto de 2014, apesar de o extrato de conta à data ter por saldo final o montante de €109.369,11.

1.24. Apesar de devolvido, o título em causa não foi levado à compensação junto do banco de Portugal.

1.25. Os Autores encontram-se sem possibilidade de movimentar o dinheiro investido e os juros que se venceram no aludido prazo de maturidade.

1.26. O 1º Réu integrou o Grupo Espírito Santo até à deliberação do Conselho da Administração do Banco de Portugal que determinou a medida de resolução do Banco Espírito Santo, S.A., datada de 3 de Agosto de 2014.

1.27. Actualmente o 1º Réu é integralmente detido pelo 2º Réu.

1.28. A R..., S.A. era uma sociedade pertencente ao Grupo Espírito Santo, por ser detida pela ESI (Espírito Santo International, S.A.), com sede no ..., integrando-se no chamado sector não financeiro do Grupo Espírito Santo.

1.29. Em 3 de Dezembro o Banco de Portugal determinou e comunicou ao Grupo BES que fosse eliminada a “exposição resultante quer do financiamento directo ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas”.

1.30. A eliminação da exposição determinada pelo Banco de Portugal inclui a venda a clientes do de dívida subordinada do GES/Rio Forte.

1.31. No final do ano de 2013, os administradores do 1º Réu já estavam cientes do risco da exposição ao sector não financeiro do Grupo Espírito Santo e, não obstante, o 1º Réu não informou os Autores desse risco, nem no momento da subscrição do produto financeiro, nem posteriormente

1.32. Em 14 de Fevereiro de 2014 o Banco de Portugal determinou a “Proibição da comercialização, de forma direta ou indireta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho”.

1.33. Em Dezembro de 2014 foi decretada a insolvência da R..., S.A..

1.34. Em Julho de 2013 os Autores aplicaram €55.000,00 num fundo de investimento ES LIQUIDEZ, sem garantia de reembolso de capital.

1.35. Em Novembro de 2013 os Autores fizeram um outro investimento sem garantia de reembolso de capital, aplicando €95.000,00 num fundo de investimento BIC TESOURARIA.

1.36. Foi a ausência de risco de perda do capital que levou a Autora a contratar o serviço.

1.37. A operação foi descrita como equiparada a um depósito a prazo quanto à ausência de risco de perda capital.

2. Da nulidade

2.1. Enquadramento normativo preliminar

A violação das normas processuais que disciplinam, em geral e em particular (artigos 607.º a 609.º do Código de Processo Civil), a elaboração da sentença - do acórdão - (por força do n.º 2 do artigo 663.º do Código de Processo Civil), enquanto ato processual que é, consubstancia vício formal ou error in procedendo e pode importar, designadamente, alguma das nulidades típicas previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (aplicável aos acórdãos ex vi n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo Civil).

No caso em presença, convocam os Recorrentes, de forma expressa, a nulidade típica prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (omissão de pronúncia).

Ora, de harmonia com o disposto no artigo 608.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o juiz na sentença – Acórdão, por força do disposto no n.º2 do artigo 663.º do Código de Processo Civil - deve conhecer, em primeiro lugar, de todas as questões processuais (suscitadas pelas partes ou que sejam de conhecimento oficioso, e não se encontrem precludidas) que determinem a absolvição do réu da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

Seguidamente, devem ser conhecidas as questões de mérito (pretensão ou pretensões do autor, pretensão reconvencional, pretensão do terceiro oponente e exceções perentórias), só podendo ocupar-se das questões que forem suscitadas pelas partes ou daquelas cujo conhecimento oficioso a lei permite ou impõe (como no caso das denominadas exceções impróprias), salvo se as considerar prejudicadas pela solução dada a outras questões, de acordo com o preceituado no n.º 2 do mesmo artigo 608.º.

Nesta linha, constituem questões, por exemplo, cada uma das causas de pedir múltiplas que servem de fundamento a uma mesma pretensão, ou cada uma das pretensões, sob cumulação, estribadas em causas de pedir autónomas, ou ainda cada uma das exceções dilatórias ou perentórias invocadas pela defesa ou que devam ser suscitadas oficiosamente.

Todavia, já não integram o conceito de questão, para os efeitos em análise, as situações em que o juiz porventura deixe de apreciar algum ou alguns dos argumentos aduzidos pelas partes no âmbito das questões suscitadas. Neste caso, o que ocorrerá será, quando muito, o vício de fundamentação medíocre ou insuficiente, qualificado como erro de julgamento, traduzido, portanto, numa questão de mérito.

E a omissão de pronúncia quanto a tais questões constitui fundamento de nulidade do Acórdão, por força do disposto na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (ex vi artigo 666.º, n.º1, do mesmo diploma).

2.2. Omissão de pronúncia

As Recorrentes suscitam a nulidade do acórdão do Tribunal da relação por omissão de pronúncia, referindo, nas conclusões da sua alegação de recurso, que:

“O TRG devia ter conhecido, desde logo, das questões relacionadas com a impugnação da matéria de facto no âmbito da (mais recente) Apelação, a saber, no que toca aos pontos 6, 8, 9, 12, 14, 26, 29, 31 e 32 da matéria de facto considerada provada em primeira instância.

O argumento relacionado com o interesse contratual positivo interfere, com especial ênfase, com a aferição do nexo de causalidade, tratando-se de reconhecer que, ao defenderem que, se não fosse a alegada violação de deveres de informação, não teriam subscrito os produtos, os Recorridos reconhecem que o seu dano é o relacionado com a subscrição, e não com a falta de reembolso do investimento – que afirmam não terem pretendido.”

No Acórdão sob recurso referiu-se:

“Das conclusões do recurso ressaltam as seguintes questões:

1 (conclusão L) Se é de alterar a redação do facto 6 para o seguinte:

“Em Janeiro de 2014, após solicitação da autora, esta foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco Best que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%”.

2 (conclusão R) Se é de alterar a redação do facto 8 nos termos seguintes:

“Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de ... do Banco Best para assinar os documentos atinentes à operação pretendida e, assim, emitir validamente a ordem de subscrição”.

3 (conclusão Z) Se é de alterar o facto 9 nos termos seguintes:

“Deslocou-se para o efeito a esse balcão, onde se limitou a assinar a documentação que lhe foi exibida para o efeito, assim emitindo validamente a ordem de subscrição por si pretendida”.

4 (conclusão AAA) Se é de reverter a resposta positiva para negativa ao facto 12 por conflituar com documento com força probatória plena.

5 (conclusão GGG) Se deve ser alterada a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 14.

6 (conclusão NNN) Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 26.

7 (conclusão SSS) Se é de alterar a resposta ao ponto 29 nos termos seguintes: “Em 3 de Dezembro, o Banco de Portugal determinou e comunicou à ESFG e ao BES que fosse eliminada a «exposição resultante quer do financiamento direito ou indirecto, quer da concessão de garantias do grupo ESFG à ESI que não estivesse coberta por garantias juridicamente vinculativas e prudentemente avaliadas”.

8 (conclusão TTT) Se é de alterar a resposta ao ponto de facto 32 nos termos seguintes:

“Em 14 de Fevereiro de 2014 o Banco de Portugal determinou à ESFG e ao BES a «Proibição da comercialização, de forma directa ou indirecta (designadamente através de fundos de investimento ou outras instituições financeiras), de dívida de entidades do ramo não financeiro do GES junto de clientes de retalho»”.

9 (conclusão YYY) Se é de alterar a resposta positiva para negativa ao ponto de facto 31.

10 (conclusão JJJJ) Se é de reverter as respostas positivas para negativas aos pontos de facto 36 e 37.

11 Se é de admitir e valorizar o documento junto pelas recorrentes no recurso para o STJ. a 23/07/2018, ao abrigo do disposto no artigo 425 do CPC.

12. Se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil contratual da 1ª ré.

13. Se é de aplicar ao caso o disposto no artigo 570 do C. Civil, reduzindo-se o valor da indemnização em face da concorrência de culpas da 1ª ré e dos autores na subscrição do papel comercial.

14. Se se concretizou a prescrição do direito invocado pelos autores nos termos do artigo 324 n.º 2 do CVM por falta de prova do dolo ou culpa grave da 1ª ré.

15 Se é de condenar as recorrentes nos juros emergentes do contrato”.

E o Acórdão recorrido deu a seguinte resposta:

“Vamos conhecer das questões enunciadas.

1 a 9 – Estas questões dizem respeito ao segmento do recurso na vertente do facto. A matéria fáctica envolvida foi objeto de recurso e decidida pelo acórdão desta Relação a 20/03/2018 que fixou a respetiva matéria de facto. As recorrentes interpuseram recurso para o STJ como de revista excecional, que por decisão sumária de 31/05/2019 enunciou as questões a decidir em que incluiu a “reapreciação da matéria de facto e a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil”. Quanto à primeira questão entendeu que a matéria de facto assentava sobre a livre apreciação da prova, não vislumbrando qualquer violação das normas sobre a prova, pelo que manteve as respostas. Apenas anulou o acórdão por contradição entre os factos 12, 13, 16 e 17 e ainda o facto 8 e 12 e pela necessidade de ampliação da matéria de facto no que tange ao nexo de causalidade indicando o artigo 133 da PI.

E foi com base nestes pressupostos que ordenou que o processo baixasse à Relação para que fossem eliminadas as contradições e ampliada a matéria de facto, o que veio a acontecer pelo acórdão desta Relação de 19/09/2019, que supriu as contradições e enviou o processo à 1ª instância para ampliação da matéria de facto tendo em conta o disposto nos artigos 133 e 134 da PI.

Este acórdão não foi sujeito a reclamação ou reforma nos termos do artigo 615 e 616 do CPC, pelo que se esgotou o poder jurisdicional do TRG no que tange ao decidido (artigo 613 do CPC). Foram removidas as contradições e a matéria de facto, como não foi alterada pelo STJ, terá de ser considerada como assente porque decidida definitivamente pela Relação, com trânsito em julgado.

Daí que não nos vamos pronunciar sobre estas questões”.

Por outro lado, o Acórdão recorrido refere que:

“15. Se é de condenar as recorrentes nos juros emergentes do contrato.

As apelantes suscitam o interesse negativo que levaria a que os apelados só tivessem direito a receber o capital investido e não os juros emergentes do interesse positivo na celebração do contrato incumprido.

Esta questão não foi suscitada pelas apelantes na contestação, nas alegações do primeiro recurso para o TRG, nas alegações do recurso para o STJ, nem o tribunal, no desenrolar do processo, nas suas decisões, aludiu a tal questão. Foi, pela primeira vez, nestas alegações de recurso para o TRG que as apelantes apontaram tal questão para decidir.

O certo é que estamos perante uma questão nova, que não foi objeto de discussão ao longo do processo, nem na decisão recorrida o tribunal aludiu a tal questão, pelo que o TRG está impedido de a conhece, pelo que não o vai fazer”.

Ora, o Acórdão recorrido pronunciou-se, assim, sobre as questões que foram colocadas no recurso de apelação.

As Recorrentes discordam das soluções encontradas pelo Tribunal da Relação para as questões que colocaram, mas essa discordância não conduz à nulidade por omissão de pronúncia, bem como, não é em termos da nulidade por omissão de pronúncia que nos podemos pronunciar sobre se as soluções encontradas pelo Tribunal da Relação de Guimarães, mas se o Acórdão recorrido cometeu algum erro de julgamento.

Desta forma, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães pronunciado sobre as questões que lhe foram colocadas, não se verifica a nulidade por omissão de pronúncia.

3. A reapreciação da matéria de facto

As Recorrentes vieram impugnar a matéria de facto, relativamente aos factos provados indicados sob os pontos 6 e 12, procedendo-se à sua alteração.

Por outro lado, alegam que existe uma contradição na matéria de facto ao desconsiderar os factos provados sob os n.ºs 15 e 17 por confronto com os pontos 6 e 14.

Os Recorridos, nas suas contra-alegações, referem que a pretensão das Recorrentes deve ser indeferida.

O Acórdão recorrido refere que a anterior decisão proferida no STJ “apenas anulou o acórdão [do Tribunal da Relação de Guimarães anteriormente proferido] por contradição entre os factos 12, 13, 16 e 17 e ainda o facto 8 e 12 e pela necessidade de ampliação da matéria de facto no que tange ao nexo de causalidade indicando o artigo 133 da PI.

E foi com base nestes pressupostos que ordenou que o processo baixasse à Relação para que fossem eliminadas as contradições e ampliada a matéria de facto, o que veio a acontecer pelo acórdão desta Relação de 19/09/2019, que supriu as contradições e enviou o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto tendo em conta o disposto nos artigos 133 e 134 da PI.

Este acórdão não foi sujeito a reclamação ou reforma nos termos do artigo 615 e 616 do CPC, pelo que se esgotou o poder jurisdicional do TRG no que tange ao decidido (artigo 613 do CPC). Foram removidas as contradições e a matéria de facto, como não foi alterada pelo STJ, terá de ser considerada como assente porque decidida definitivamente pela Relação, com trânsito em julgado.”

Vejamos.

Os Autores intentaram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra BEST – Banco Electrónico de Serviço Total, S.A., e Novo Banco, S.A., pedindo:

a) a título principal: a condenação dos Réus a pagar-lhes o montante de €100 000,00, acrescido dos juros convencionados no período de subscrição de seis meses, no montante de €2 050,00 e dos juros de mora contados à taxa legal, sobre o montante de €102 050,00, desde 28 de julho de 2014 até efetivo e integral pagamento;

b) subsidiariamente: a anulação do negócio celebrado com o 1º. Réu e a condenação de ambos os Réus na devolução do montante de €100.000,00, acrescido de juros de mora, contados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Foi proferida sentença que decidiu:

“Por tudo o exposto, decide-se julgar procedente a presente acção e, em consequência:

- condenar solidariamente o 1º e o 2º Réu no pagamento aos Autores da quantia de €102.050,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor legal, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento.”

Inconformadas, as Rés interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Guimarães julgado improcedente o recurso, confirmando a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Mantendo-se inconformadas, as Rés interpuseram recurso de revista, impugnando a matéria de facto e pretendendo que a ação fosse julgada improcedência.

Por decisão no STJ proferida em 31 de maio de 2019, transitada em julgado, foi decidido que “no caso presente, e no que concerne à reapreciação da matéria de facto, e como se referiu no despacho de fls. 341/347, assentando o presente recurso de revista na apreciação de meios de prova sujeitos a livre apreciação, como é o caso das declarações de parte que não constituam confissão, conforme dispõe expressamente o artigo 466.º, n.º3, do Código de Processo civil, não é admissível a intervenção deste Supremo tribunal de Justiça.

Contudo, como atrás se afirmou, o Supremo Tribunal de Justiça intervém na decisão da matéria de facto, quando entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, e quando ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a discussão jurídica do pleito, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil.

Ora, no caso dos autos, verificam-se essas duas situações: existe contradição na matéria de facto e a decisão de facto deve ser ampliada”.

E veio a determinar que os autos baixassem ao Tribunal da Relação para afastar as contradições apontadas e decidir sobre a ampliação da matéria de facto.

De seguida, o Tribunal da Relação de Guimarães pronunciou-se sobre a “contradição da matéria de facto provada do ponto 12 com o teor dos pontos13, 16 e 17 no que se refere à leitura prévia dos documentos e ao conhecimento que se obtém com a leitura, e ainda a contradição entre o teor do ponto 8 e 12 no que tange ao momento da celebração do acordo, se ao telefone se aquando da assinatura dos documentos” e determinou que os autos baixassem ao Tribunal de 1.ª instância, no sentido de ampliar a matéria de facto, para se apurar o nexo de causalidade, concluindo da seguinte forma:

“Pelo exposto acordam os juízes da Relação em suprir as contradições às respostas à matéria de facto, com a alteração da resposta ao ponto de facto 12 nos termos acima expostos e em ampliar a matéria de facto para efeitos do nexo de causalidade, com a integração do teor do artigo 133 e 134 da petição inicial nos termos referidos pelo STJ, que deve ser objeto de julgamento, seguido de decisão”.

Notificadas desta decisão, as Rés nada disseram, não impugnando a decisão do Tribunal da Relação.

Baixados os autos ao Tribunal de 1.ª instância, este veio a proceder à ampliação da matéria de facto e a proferir a sentença, condenando “solidariamente o 1.º e o 2.º Réu no pagamento aos Autores da quantia de €102.050,00, acrescida de juros de mora, à taxa de 4% ou outra que legalmente venha a estar em vigor legal, desde 28 de Julho de 2014 até efetivo e integral pagamento.”.

Irresignadas, as Rés vieram interpor recurso de apelação, concluindo pela improcedência da ação, e impugnando a matéria de facto.

O Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão recorrido, refere que não se pronuncia sobre a matéria de facto impugnada, com exceção dos factos dados como provados relacionados com o nexo de causalidade (factos dos pontos 36. e 37.), por, no seu entendimento, a questão se mostrar resolvida com a decisão do STJ, de 31 de maio de 2019, e com o Acórdão do Tribunal da Relação quando se pronunciou sobre a contradição que o STJ apontou à decisão da matéria de facto (que não foi impugnada).

Efetivamente, o Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a matéria de facto, tendo, contudo, determinado que o Tribunal da Relação de Guimarães eliminasse as contradições entre a matéria de facto e que ampliasse a matéria de facto (nexo de causalidade).

Por outro lado, o Tribunal da Relação de Guimarães pronunciou-se sobre as contradições de matéria de facto, e as Rés não impugnaram essa decisão.

Assim, a única matéria de facto a apreciar seria relacionada com os factos dados como provados e relacionados com o nexo de causalidade (pontos da matéria de facto sob os números 36. e 37.) e eventual contradição entre a matéria de facto.

A decisão do Supremo Tribunal de Justiça, ao determinar a eliminação da contradição de parte da matéria de facto dada como provada e a ampliação da matéria de facto (mantendo a restante matéria de facto), não corresponde a colocar a possibilidade de se voltar a discutir matéria de facto já discutida e decidida, mas somente se possa impugnar os novos pontos da matéria de facto e, também, a sua eventual contradição com a outra matéria de facto já adquirida nos autos, para além do conhecimento do mérito da causa (já que existem novos factos e se afastou a contradição entre factos dados como provados).

Deste modo, a decisão do Tribunal da Relação de Guimarães não merece censura, neste ponto.

E existe a contradição da matéria de facto apontado pelas Recorrentes que alegam que “Embora o TRG procure resolver a contradição na matéria de facto ao desconsiderar os factos provados com os n.ºs 15 e 17 por confronto com os pontos 6 e 14, a verdade é que aqueles se mantêm entre a factualidade provada”?

Como se sabe, o STJ, nos termos do disposto no n.º3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, pode intervir na decisão sobre a matéria de facto quando ocorrem contradições entre os factos.

Contudo, no caso presente, não ocorre qualquer contradição, como bem refere o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão recorrido: “os pontos de facto 6 a 14 refletem as negociações e a tomada de decisão pela autora no sentido da ordem de compra via telefone, e os postos de facto 15 a 17 apenas traduzem a formalização do contrato, cujo conteúdo não corresponde ao que foi acordado, nem ao que se passou no momento da assinatura dos documentos”.

Assim, os pontos da matéria de facto reportam-se a dois momentos distintos: num primeiro momento as negociações e a celebração do acordo (tenha-se presente que está dado como provado que a celebração do acordo foi feita pelo telefone) e num segundo momento, a assinatura do documento que formalizaria o contrato celebrado e que não correspondia ao contrato celebrado entre a autora e a 1.ª Ré.

Deste modo, também nesta parte, o Acórdão recorrido não merece censura.

Por outro lado, importa ter presente que a Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, que admitiu a revista excecional delimitou a sua admissão do seguinte modo: “As divergentes respostas que vêm sendo dadas em torno da delimitação do dever de informação, versus ilicitude da conduta do intermediário financeiro, ou da distribuição do ónus de prova do nexo de causalidade ou, ainda, da qualificação do comportamento do intermediário financeiro associado ao prazo prescricional, cada uma por si e todas em conjunto justificam, mais uma vez, a admissão da revista excecional…”

Assim sendo, as Recorrentes não têm razão no que concerne à impugnação da matéria de facto.

4. A verificação dos pressupostos da responsabilidade civil

O Acórdão recorrido, confirmando a sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, veio a condenar as Rés, considerando verificados os pressupostos da responsabilidade civil.

As Recorridas alegam que não estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil, incidindo a sua argumentação, no essencial, sobre a não verificação da ilicitude e no nexo de causalidade entre a informação prestada e os danos invocados pelos Autores.

Os Autores referem que estão demonstrados nos autos todos os pressupostos da responsabilidade civil.

Vejamos.

Da alegação das Rés resulta, essencialmente, que as mesmas consideram que não se mostram verificadas a ilicitude (por, no seu entendimento, não se ter verificada a violação dos deveres de informação por parte da 1.ª Ré - Banco Best) e o nexo de causalidade.

No caso presente, pretende-se apurar da responsabilidade civil da 1.ª Ré, como intermediário financeiro: o Banco Best comercializou junto dos Autores, seus clientes, como produtos bancários obrigações subordinadas em que foi emitente a R..., S.A. (com data de subscrição de 28 de janeiro de 2014, pelo prazo de 181 dias, com data de reembolso em 28 de julho de 2014), porquanto se encontra provado que:

“1.6. Em Janeiro de 2014, a autora foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco Best que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital.

1.7. Em face da proposta apresentada, a autora acedeu ainda por telefone em efetuar a aplicação de €100.000,00 no referido produto financeiro, sendo que, para esse efeito, procedeu ao depósito na conta já identificada de €10.000,00, os quais acresceram aos €90.000,00 anteriormente depositados.

1.14. A subscrição do produto em análise foi realizada telefonicamente pela autora sem jamais lhe ter sido comunicado que estaria a subscrever obrigações subordinadas de empresa do Grupo GES, designadamente da R...”.

Isto é, o contrato foi celebrado verbalmente.

- cf. artigos 289.º, n.º1, alínea a), 293.º, n.º1, alínea a) e 290.º, n.º1, alíneas a) e b), do Código dos Valores Mobiliários –

Assim, no caso presente, está em questão a responsabilidade civil da 1.ª Ré, como intermediária financeira (artigos 304.º-A, n.º1, do CMV), o que não é questionado pelas partes, aceitando estas que o Banco Best agiu na qualidade de intermediário financeiro.

E para que exista essa responsabilidade civil torna-se necessário que se verifiquem todos os pressupostos da responsabilidade civil: o facto voluntário, a ilicitude, o dano, a culpa e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Vejamos se estão verificados tais pressupostos.

Com relevância, importa referir (dado que também aí foram apreciados os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro) que foi proferido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência (proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A) que apresenta os seguintes segmentos uniformizadores:

1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

No caso dos autos, atenta a data em que foi celebrado o contrato (28 de janeiro de 2014), são aplicáveis as disposições do Código dos Valores Mobiliários, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro e diplomas posteriores (que, como se sabe, são diversos), sendo que o último pelo que aquele Acórdão Uniformizador não é aplicável diretamente, contendo, contudo, princípios gerais de atuação dos intervenientes que se coadunam com as normas ora aplicáveis.

O intermediário financeiro encontrava-se obrigado ao cumprimento dos princípios e regras de conduta estabelecidas no artigo 312.º a 312.º- G, do CVM, na redação então em vigor.

Deveres de informação. Ilicitude.

Como se referiu no citado Acórdão: “a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.”

E, mais à frente, refere-se: “Assim, as informações não serão verdadeiras se se proceder a essa equiparação, porquanto as obrigações não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar.

Retomando a linha de pensamento já afirmada, compete ao intermediário financeiro o dever de esclarecer sobre as reais características das obrigações e sobre os riscos que a operação envolve (mesmo sem olvidar que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, mas esse risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de garantia de devolução de depósitos, pelo menos, parcialmente).

Por outro lado, exige-se que o intermediário financeiro preste uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que propõe ao investidor, designadamente, dando-lhe conta de a restituição, quer do montante investido, quer dos juros contratados depender sempre da solidez financeira da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.

Isto significa que o intermediário financeiro deve informar o investidor que o risco de não retorno do capital investido corre por conta do cliente (investidor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, tendo sempre em mente que para certo tipo de cliente (investidor) a garantia do reembolso do capital investido é essencial.

Deve, ainda, o intermediário financeiro informar o cliente que não poderá levantar o capital e respetivos juros quando assim entender, tornando claro o sentido do endosso como mecanismo de transmissão - desmobilização do investimento - do produto.

Não menos relevante: o intermediário financeiro deve informar o cliente (investidor) da sua relação com a sociedade emitente das obrigações, na medida em que possa estar em causa um potencial conflito de interesses.

Por outro lado, o intermediário financeiro deve esclarecer o cliente (investidor) no que consistem as “obrigações subordinadas”, isto é, informar que, em caso de insolvência do emitente, os obrigacionistas apenas serão reembolsados depois dos demais credores de dívida não subordinada.

Com tudo o que se referiu, não se pretende afirmar que, para prestar um melhor esclarecimento ao cliente (investidor) - atendendo ao seu nível de conhecimento -, o intermediário financeiro não possa socorrer-se de outras figuras ou produtos financeiros, comparando-os, desde que esclareça as respetivas diferenças.

Deste modo, é forçoso concluir que o intermediário financeiro que não informa o cliente (investidor não profissional) dos riscos do reembolso do capital investido, ou a sua perda significativa, sabendo que esse reembolso depende da solidez financeira do emitente das obrigações, bem como não esclarece o que sejam obrigações subordinadas, viola os seus deveres de informação”.

Por outro lado, importa referir que os deveres de informação por parte do intermediário financeiro mostram-se ainda mais aprofundados com as atuais disposições do CVM, sendo que o que consta no Acórdão Uniformizador identificado se mostra aplicável ao caso presente.

Nestes autos, perante a factualidade provada, temos de concluir que o Banco violou os seus deveres de informação quando não prestou informação detalhada à Autora sobre as características do produto que estava a apresentar-lhe, designadamente, que o reembolso do capital não era garantido, não tendo a Autora sido advertida da existência de qualquer perigo de perda de capital, pelo seu gestor de conta, em quem depositava toda a confiança, aquando da operação referida em 8. dos factos provados, bem como jamais lhe foi comunicado que estaria a subscrever obrigações subordinadas de empresa do Grupo GES, designadamente da R..., sendo certo que não está demonstrado que a Autora tivesse conhecimentos e experiência para conhecer (ou complementar) as informações (ou a falta delas) prestadas pelo empregado da Ré.

Daqui que se conclua pela verificação da ilicitude por parte da Ré.

Quanto à culpa, a mesma presume-se nos termos do disposto nos artigos 304.º-A, n.º2, do CVM e 799.º do Código Civil, não tendo o Banco Best afastada essa presunção, como lhe competia (artigo 342.º, n.º2, do Código Civil).

O dano resulta da perda do capital investido pelos Autores (€100 000,00).

Quanto ao nexo de causalidade:

Afirmou-se no Acórdão Uniformizador, “incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido, pois cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 342.º do Código Civil.”

Ora, no caso presente, e perante a factualidade dada como provada, temos de concluir que o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação por parte do intermediário financeiro e o dano consubstanciado na não devolução do valor investido pela Autora (€100 000,00) – obrigações subordinadas, emitidas pela R..., S.A. -, encontra-se demonstrado, porquanto encontra-se provado que foi somente pela ausência de risco de perda de capital e por ter sido descrita como equiparada a um depósito a prazo quanto à ausência de perda de capital que levou a Autora a contratar.

Demonstrado o nexo de causalidade, afastado está a necessidade de nos debruçar sobre se existe, como alguns defendem, uma presunção de nexo de causalidade no CVM.

Deste modo, mostram-se verificados os pressupostos da responsabilidade do Banco Best.

5. A culpa da Autora (artigo 570º do Código Civil)

As Recorrentes referem, nas suas alegações, que ao abrigo do disposto no artigo 570.º do Código Civil é de reduzir a indemnização, “ao abrigo de uma equitativa distribuição das “culpas” entre o agente e o lesado” dado que “a Recorrida não alegou ter feito qualquer pergunta ou levantado qualquer reserva quanto às condições do investimento.”

Prescreve o artigo 570.º do Código Civil que:

1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.

2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.

Em face dos factos dados como provados, só podemos concluir que não existe culpa da Autora, porquanto:

Em janeiro de 2014, a autora foi contactada telefonicamente pelo seu gestor de conta no Banco Best que lhe apresentou um investimento pelo prazo de seis meses, remunerado com uma taxa de juro anual na ordem dos 4%, descrevendo-o como um investimento isento de risco de capital.

Em face da proposta apresentada, a autora acedeu ainda por telefone em efetuar a aplicação de €100.000,00 no referido produto financeiro, sendo que, para esse efeito, procedeu ao depósito na conta já identificada de €10.000,00, os quais acresceram aos €90.000,00 anteriormente depositados.

Dias depois, a autora foi de novo contactada telefonicamente no sentido de se deslocar ao balcão de ... do Banco Best para apor a sua assinatura nos documentos atinentes à operação efetuada por via telefónica.

A condição de o investimento a realizar não conter risco foi pela autora frisada ao longo das diversas conversas anteriores estabelecidas com o seu gestor de conta.

A Autora não foi advertida da existência de qualquer perigo de perda de capital, pelo seu gestor de conta, em quem depositava toda a confiança, aquando da operação referida em 8.

A subscrição do produto em análise foi realizada telefonicamente pela Autora sem jamais lhe ter sido comunicado que estaria a subscrever obrigações subordinadas de empresa do Grupo GES, designadamente da R....

Isto é, tendo em consideração, como se encontra provado, o grau de confiança no seu gestor de conta no Banco Best, o que é normal estabelecer-se entre o cliente e o empregado bancário que gere a sua conta bancária, a Autora teve como boa a aplicação do seu capital no investimento que o seu gestor de conta sugeriu, e que correspondia ao que sempre tinha manifestado (a operação não conter qualquer risco de capital), sendo certo que a Autora não era um investidor qualificado, o que era do conhecimento do gestor de conta.

Assim, esta confiança (própria da relação entre o cliente e o seu gestor de conta, como se referiu), o facto de a aplicação corresponder (nos termos que lhe foram indicados pelo gestor de conta) ao que a Autora sempre havia comunicado os termos em que pretendia investir conduz-nos à conclusão que a Autora não agiu com culpa.

Deste modo, também nesta questão as Rés não têm razão.

6. A prescrição

As Rés invocam ainda a exceção de prescrição, que não havendo negligência grosseira do Recorrente Best, e muito menos dolo, os alegados direitos dos Recorridos prescreveram.

Vejamos.

Prescreve o n.º2 do artigo 324.º do CVM que: Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

No caso presente, importa apurar em que momento se começa a contar o prazo de prescrição.

Como se referiu no Acórdão do STJ, de 17 de março de 2016 (processo n.º70/13.1TBSEI.C1.S1), “Afirma a lei que o prazo de prescrição de dois anos só começa a correr na data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.

Ora, a data da conclusão do negócio e do conhecimento dos seus termos não pode ser a data em que o autor aceitou fazer o investimento … e subscreveu o documento …. Pois, nesta data …, a sua convicção, por violação do dever de informação do banco, era a de que este negócio tinha como elemento essencial que o investidor nunca perderia o capital investido, contrariamente ao que veio a suceder. A data a partir da qual começa a correr o prazo deve ser aquela em que ele conheceu os exatos termos do negócio, ou seja, em que tomou conhecimento da possibilidade da perda de capital.

(…) O risco associado àquela aplicação concreta não foi, na representação do autor, provocada pela informação que lhe foi prestada pelo banco, um investimento de risco”.

Quando é que os Autores tiveram conhecimento da possibilidade da perda de capital?

Ora, no caso presente, mostra-se provado que:

A ação foi intentada em 27 de julho de 2016.

O aviso de receção da citação ao Banco Best foi assinado a 1/08/2016.

A ordem de compra ocorreu em janeiro de 2014.

A 30 de julho de 2014 a Autora procedeu à emissão de um cheque sacado sobre essa conta de DO, no montante de €105.000,00, que depositou em conta igualmente por si titulada, mas no Banco BIC.

Tal cheque foi devolvido por falta de provisão, com data de 4 de agosto de 2014, apesar de o extrato de conta à data ter por saldo final o montante de €109.369,11.

Assim, como resulta destes factos, temos de considerar que a Autora só configurou a totalidade dos termos da subscrição, com o risco de perda do capital, aquando da data da devolução das quantias (capital e juros), o que ocorreu quando o cheque por si emitido foi devolvido por falta de provisão, pois até esse momento o montante de capital investido e juros constava do extrato emitido pelo banco Best.

Ora, tendo a ação sido intentada em 27 julho de 2016, sempre não tinha decorrido o prazo de 2 anos.

Deste modo, não se verifica a exceção de prescrição.

7. A questão sobre o interesse contratual positivo

As Recorrentes alegam que a pretensão dos Recorridos sobre o interesse contratual positivo é incompatível com a verificação do pressuposto do nexo de causalidade já que a afirmação dos Recorridos que sustenta a sua tese nestes autos é a de que, se o Recorrente BEST tivesse atuado como entendem que devia, com a informação que dizem não ter recebido, não realizariam o investimento.

A esta questão o Tribunal da Relação de Guimarães afirmou que não se pronunciava pois era uma questão nova.

Não se pode concordar com esta posição do Tribunal da Relação, pois esta questão está no âmbito do apuramento do dano que os Autores sofreram.

Para que o intermediário financeiro se constitua no dever de indemnizar é necessário que o cliente tenha sofrido danos ou prejuízos patrimoniais (artigos 562.º e 564.º do Código Civil), sendo que, como se sabe, o Código Civil aderiu à teoria da diferença, estipulando que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem danos (n.º2 do artigo 566.º do Código Civil).

Como se refere no Acórdão do STJ, de 4 de julho de 2023 (processo n.º3443/17.7T8LSB.L1.S1):

“Sobre o enquadramento dogmático desta indemnização, quer a doutrina, quer a jurisprudência se dividem, em torno da questão de saber se é indemnizável o interesse contratual positivo, ou seja, saber se o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido pontualmente cumprido (artigo 562.º do Código Civil) ou se a indemnização deve ser limitada ao interesse contratual negativo, ou seja, ao valor correspondente às despesas suportadas por via das negociações, ao tempo perdido e, eventualmente, aos negócios que ficaram por celebrar.

Esclarece Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol. IX, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 155), que esta dicotomia interesse contratual positivo e interesse contratual negativo nasceu no contexto da responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e visou limitar as indemnizações por incumprimento ao denominado interesse negativo, reduzindo substancialmente o seu montante.

A doutrina transpôs esta oposição para a resolução do contrato e costuma distinguir entre os chamados danos positivos ou de cumprimento e os danos negativos ou de confiança.

Como ensina Almeida Costa (Direito das Obrigações, 9ª edição, p. 548), trata-se de «(…) uma classificação particularmente ligada à responsabilidade contratual, pelo que se alude, em correspondência, à violação do interesse contratual positivo e do interesse contratual negativo».

Prosseguindo, o mesmo Autor afirma: «A indemnização pelo dano positivo destina-se a colocar o lesado na situação em que se encontraria se o contrato fosse exactamente cumprido. Reconduz-se, assim, aos prejuízos que decorrem do não cumprimento definitivo do contrato ou do seu cumprimento tardio ou defeituoso. Ao passo que a indemnização do dano negativo tende a repor o lesado na situação em que estaria se não houvesse celebrado o contrato, ou mesmo iniciado as negociações com vista à respectiva conclusão».

Aplicando estes conceitos ao caso dos autos, teríamos que, na hipótese de indemnização pelo interesse contratual positivo, o investidor seria indemnizado pelo capital investido, acrescido da totalidade dos juros remuneratórios que teria recebido até à maturidade da obrigação.

Nos termos no teor do artigo 152.º do CVM, “1 - A indemnização deve colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. 2 - O montante do dano indemnizável reduz-se na medida em que os responsáveis provem que o dano se deve também a causas diversas dos vícios da informação ou da previsão constantes do prospeto.”

Este normativo reporta-se à indemnização pelo interesse contratual positivo, devendo a indemnização colocar o lesado na exata situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospeto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º. A indemnização abrangeria, assim, quer os danos emergentes – aqueles que o investidor sofreu com a subscrição do produto financeiro – quer os lucros cessantes, isto é, os juros que era expetável vir a auferir com a subscrição daquele produto e que deixou de auferir.

Esta solução, se entendida no sentido de implicar que o investidor receberia a totalidade dos juros remuneratórios, surge como excessiva, pois o investidor, se tivesse tido conhecimento da informação correta, não teria aplicado o dinheiro naquele produto financeiro, mas num depósito a prazo, remunerado com uma taxa de juro mais baixa.

Todavia, a indemnização pelo dano negativo ou da confiança, num contexto em que se deu a celebração do contrato, pode ficar aquém daquela que o credor obteria com a aplicação de uma taxa de juro remuneratória, fosse ela a acordada no contrato, fosse a do depósito a prazo.

Assim, atendendo à boa fé do investidor e à confiança que depositou nas informações erróneas que lhe foram fornecidas pela contraparte e no contrato que foi celebrado, todo o valor por este representado poderá ser tido em conta na indemnização, atenuando-se, nestas posições matizadas, a contraposição entre o interesse negativo e o interesse positivo (Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 160-161). O que se afigura relevante não é a adoção da corrente do interesse positivo ou negativo, mas a interpretação das normas do instituto da responsabilidade civil e a sua aplicação aos factos de cada caso concreto, de acordo com uma ajustada ponderação de interesses, importando para o efeito a análise da jurisprudência.”

Deste modo, no caso presente, ficou demonstrado que a Autora não investiria nas obrigações subordinadas, se a informação tivesse sido prestada corretamente pelo Banco BEST, mas num depósito a prazo (dado que lhe foi garantido que a aplicação seria o equivalente a um depósito a prazo).

Assim, ao valor do capital investido €100 000,00, deverá acrescer a taxa de juro de um depósito a prazo para o período de imobilização do capital.

Dado que não existem elementos nos autos que possibilitem o cálculo desses juros, relega-se esse cálculo para posterior liquidação.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em conceder parcialmente a revista, e, consequentemente, condenar as Rés:

- no pagamento da quantia de €100 000,00, acrescida de juros de mora nos termos definidos pelas instâncias;

- no pagamento dos juros correspondentes ao depósito a prazo para o período de imobilização do capital, a apurar em posterior liquidação.

Custas pelas Recorrentes e pelas Recorridas, a apurar a final.

Lisboa, 31 de outubro de 2023

Pedro de Lima Gonçalves

Maria João Vaz Tomé

António Magalhães