Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A2507
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: ARBITRAGEM COMERCIAL INTERNACIONAL
COMPETÊNCIA CONVENCIONAL
Nº do Documento: SJ200510110025071
Data do Acordão: 10/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 478/05
Data: 03/15/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : - A arbitragem comercial internacional representa uma via alternativa e resolução de litígios que, por isso, exclui que essa mesma resolução possa ter lugar na jurisdição estadual comum em que se integram os tribunais judiciais;
- Se validamente convencionado o recurso à arbitragem, a determinação do direito aplicável à resolução do litígio "rege-se principalmente por regras e princípios próprios do Direito da Arbitragem Comercial Internacional", sendo permitido que as partes remetam para um Direito estadual, para o Direito Internacional Público, para a lex mercatoria, para "princípios gerais" ou para a equidade;
- Havendo convenção arbitral válida a questão que pode colocar-se é de competência convencional dela derivada e seus efeitos e não de competência jurisdicional, por aplicação ou não do princípio da coincidência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. - "A" - Sociedade de Representações, L.da" intentou, no Tribunal Cível do Porto, acção declarativa contra "B", com sede em Nova Dehli - União Indiana, pedindo a condenação da Ré no pagamento de US$ 25.677 ( 5.725.971$00), quantia correspondente a comissões em dívida, indemnização por denúncia sem respeito pelo prazo de pré-aviso e indemnização de clientela, por ter posto termo ao contrato mediante o qual a A. detinha a agência exclusiva e representação da casa e produtos da R. em Portugal.

Ao que aqui interessa referir, a Ré arguiu a excepção da incompetência do Tribunal, por preterição do Tribunal Arbitral, em virtude de o contrato celebrado conter uma cláusula de arbitragem deferida à "Câmara Internacional de Comércio", em Paris.

Na procedência dessa excepção a R. foi absolvida da instância, decisão que a Relação manteve.

Agrava novamente a Autora, pedindo a revogação do acórdão ao abrigo das seguintes conclusões:
- Na acção estão em causa a denúncia de um contrato de agência e o apuramento das consequências indemnizatórias que daí advêm, relevando o art. 38º do DL n.º 178/86, de 3 de Julho, que dispõe sobre o regime e cessação dos contratos que se desenvolveram exclusivamente em território português, como o "sub judice", norma que se reveste de natureza imperativa,
- E que tem reflexos na própria determinação do tribunal competente, o que significa que se os Contratantes optaram por uma Jurisdição estrangeira - no caso pela Câmara de Comércio de Paris - haveria que provar que este Tribunal Arbitral iria aplicar uma legislação mais vantajosa para o Agente do que a legislação portuguesa, prova que não se fez e que incumbia à Ré;
- Dada a sua qualidade de Agente, a R. tem um interesse objectivo e manifesto em que o pleito seja apreciado por um tribunal português e segundo a legislação nacional, o que deve ser respeitado, atento o falado Princípio do Melhor Tratamento, consagrado no referido art. 38º, tese que se mostra confirmada pelo comando do art. 19 g) do DL n.º 446/85, de 25/10 (Regime das Cláusulas Contratuais Gerais), sendo de concluir que a jurisdição portuguesa é competente para julgar a acção.

A Recorrida não apresentou resposta.

2. - Tal como vem colocada no recurso, a questão a resolver consiste em saber se a norma do art. 38º do DL n.º 178/86, de 3/7 (regime do contrato de agência) determina a competência exclusiva dos tribunais portugueses para conhecer dos efeitos da denúncia do contrato que vigorou entre as Partes, com a inerente ineficácia da convenção de arbitragem.

3. - A factualidade relevante para o conhecimento do objecto do recurso é a seguinte:

- Em 1 de Junho de 1992, a Autora foi nomeada pela Ré sua agente exclusiva para Portugal, por períodos de um ano renováveis, mediante retribuição;
- A R. passou a obter, com o contrato em causa, um grande volume de negócios em Portugal;
- Por carta de 16 de Fevereiro de 1999, com efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 1999, a R. pôs termo imediato ao contrato celebrado;
- No contrato celebrado entre as Partes consta que "Para qualquer problema a "Câmara Internacional de Comércio", em Paris, será árbitro".

4. 1. - Autora e Ré clausularam, no contrato que reduziram a escrito, que qualquer "problema" referente ao contrato, que não se põe em dúvida ser um contrato de agência, seria árbitro a "Câmara Internacional de Comércio", em Paris.

Está-se perante uma convenção de arbitragem tendo por objecto eventuais litígios emergentes da execução e cessação da relação jurídica contratual constituída entre as Partes, designada cláusula compromissória (art. 1º-2 da Lei n.º 31/86, de 29/8 - LAV).
De uma tal convenção pode ser objecto qualquer litígio que não respeite a direitos indisponíveis e que não esteja submetido exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária (art. 1º-1 LAV).

Para além destas limitações, que no caso não ocorrem, a lei atribui relevância à vontade das partes na determinação do tribunal competente para dirimir os seus litígios, respeitando os seus interesses e a autonomia da vontade nessa escolha. Trata-se de admitir a relevância e atribuir efeitos - que, a um tempo, retiram competência, internacional e interna, às jurisdições estaduais para o julgamento de determinada questão, atribuindo--a à arbitragem voluntária, ad hoc ou institucionalizada - a negócios com eficácia num processo pendente ou futuro, que se apresentam como "contratos processuais" (M. TEIXEIRA DE SOUSA, "A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns", 100).

Também não está em causa a validade e eficácia da convenção, enquanto pacto privativo da jurisdição portuguesa, desde logo por inquestionado o concurso dos requisitos de que a faz depender o conjunto das alíneas do n.º 3 do art. 99º CPC.
Quando referida a interesses do comércio internacional, como aqui acontece, a arbitragem designa-se por arbitragem internacional, podendo as partes escolher o direito a aplicar pelos árbitros, sendo que, na falta de escolha, o tribunal aplica o direito mais apropriado ao litígio - arts. 32º e 33º da LAV.
A arbitragem comercial internacional é, muito frequentemente, a via escolhida pelos operadores do comércio internacional para a resolução dos respectivos conflitos.
Se validamente convencionado o recurso à arbitragem, a determinação do direito aplicável à resolução do litígio "rege-se principalmente por regras e princípios próprios do Direito da Arbitragem Comercial Internacional", sendo permitido que as partes remetam para um Direito estadual, para o Direito internacional Público, para a lex mercatoria, para "princípios gerais" ou para a equidade. Não havendo designação expressa, "não há, em princípio, razão para as partes suporem que os árbitros decidirão o fundo da causa segundo o Direito em vigor no lugar da arbitragem". (L. LIMA PINHEIRO, "DIP - Parte Especial (Direito de Conflitos", 291).

4. 2. - A Recorrente põe em causa a eficácia da cláusula compromissória a pretexto de contrariar o imperativamente estipulado pelo art. 38º do DL n.º 178/86.

Aí se dispõe, efectivamente, que o regime da lei portuguesa sobre os contratos de agência que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só não será aplicável se outra legislação se revelar mais vantajosa para o agente.
Trata-se, claramente, de uma norma de conflitos sobre o regime substantivo aplicável ao contrato de agência.

Determinando-se a competência internacional dos tribunais portugueses também pela coincidência com a regras de competência territorial interna aplicáveis ao caso - princípio da coincidência (art. 65 n. 1 a) CPC) - , não pode pôr-se em dúvida que uma norma como a do citado art. 38º tem efectiva repercussão na determinação do tribunal internacionalmente competente.
E, perante ela, subscreve-se, sem reservas, a posição da Recorrente enquanto sustenta que se verificam todos os pressupostos de atribuição de competência aos tribunais portugueses, pois que, o lugar do cumprimento das obrigações ajuizadas é, face à disciplina da lei portuguesa, a do domicílio do credor (art. 774º C. Civil) .
De resto, acrescente-se, é a mesma a solução a que se chega por aplicação da Convenção de Haia sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Mediação e Representação, de 1978 (Dec.-Lei n.º 101/79, de 18/9), Convenção com carácter universal e, como tal, aplicável mesmo que a lei
designada como aplicável seja a de um Estado não contratante (art. 4º), na qual se estabelece que, na falta de lei designada pelas partes, as relações entre o "representado" e o "intermediário" são reguladas pela lei do Estado no qual este tenha o seu estabelecimento profissional - arts. 5º, 6º e 8º-e) e
f) -, designação que se mantém eficaz perante a, também de carácter universal, Convenção de Roma sobre a Lei Aplicável às Obrigações Contratuais, como ressalvado pelo art. 21º desta última.

4. 3. - Ora, o que sucede é que o problema não é de competência do Tribunal judicial português em confronto com outros tribunais pertencentes a jurisdição estrangeira. Este seria, seguramente, resolvido a favor da competência internacional do primeiro.

Diferentemente, antes acontece que estamos perante uma convenção arbitral válida que, antes de mais, afasta a via judicial.

A arbitragem representa uma via alternativa de resolução dos litígios que, por isso, exclui que essa mesma resolução possa ter lugar na jurisdição comum em que se integram os tribunais judiciais.
A questão é, então, de competência convencional derivada de convenção arbitral e seus efeitos e não de competência jurisdicional, por aplicação ou não do princípio da coincidência.

A norma do art. 38º invocada, na sua função de norma de conflitos, resolve um problema de determinação do direito substantivo aplicável pelos tribunais como órgãos jurisdicionais estaduais, podendo, por essa via, determinar indirectamente o tribunal internacionalmente competente.
Porém, porque se trata de questão que precede tal determinação, carece de idoneidade para suprimir os efeitos do pacto processual validamente estabelecido entre as Partes de designação dum tribunal arbitral, cuja competência tem de haver-se como exclusiva, no exercício da autonomia de escolha da entidade que haveria de apreciar os eventuais litígios.

Com efeito, contrariamente, ao que parece pressupor a Recorrente, nada permite supor que, embora a tal possa não estar vinculada, a Câmara Internacional de Comércio de Paris venha a aplicar lei diferente da portuguesa, tanto mais que, como referido, para ela apontam Convenções Internacionais de carácter universal.

De qualquer modo, e, agora, contrariamente ao que sustenta a Agravante caber-lhe-ia a si, e não à Ré, alegar e demonstrar eventuais factos susceptíveis de integrarem fundamentos de invalidade ou ineficácia do pacto compromissório, a que livre e voluntariamente se vinculou, como factos impeditivos do respectivo cumprimento, o que, manifestamente, não fez - art. 342 n. 2 C. Civil.

5. - Termos em que, na improcedência das conclusões do recurso, se nega provimento ao agravo e se condena a Recorrente nas custas.

Lisboa, 11 Outubro de 2005
Alves Velho,
Moreira Camilo,
Lopes Pinto.