Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B870
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARAÚJO BARROS
Descritores: PODERES DA RELAÇÃO
PROVAS
CONFISSÃO JUDICIAL
OBJECTO DO RECURSO
ALEGAÇÕES
CONCLUSÕES
ÂMBITO DO RECURSO
CASO JULGADO
Nº do Documento: SJ200505050008707
Data do Acordão: 05/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 2158/04
Data: 10/25/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Quando a decisão recorrida contiver decisões distintas, o objecto do recurso pode ser expressamente restringido pelo recorrente no requerimento de interposição; todavia, na falta de especificação, entende-se que o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva for desfavorável ao recorrente.
2. O recorrente pode ainda restringir, expressa ou tacitamente, nas conclusões das alegações, o objecto do recurso.
3. Pode e deve o Tribunal da Relação, na apreciação e exame da matéria de facto, nos termos do art. 659, nº 3 (ex vi do art. 713º, nº 2, do C.Proc.Civil) tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
4. De facto, como é plena a força probatória da confissão e do acordo das partes, o exame crítico das provas a que se reporta o nº 3 do art. 659º do C.Proc.Civil é o que envolve a operação do juiz (ou da relação no caso de recurso) na selecção e na consideração dos factos cobertos por algum daqueles meios de prova.
5. E isso independentemente de tais factos terem ou não sido especificados ou incluídos na base instrutória - questionário - (objecto ou não de reclamação, tidos ou não como provados nas respostas aos quesitos) os quais não produzem efeitos de caso julgado até que transite a decisão final do litígio.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", B e C instauraram, no Tribunal Judicial de Valongo, acção declarativa comum, com processo ordinário, contra "Companhia de Seguros D, SA", E, "F -- Equipamentos de Escritório L.da" e G, pedindo a condenação da 1ª ré a pagar-lhes a quantia global de 12.310.000$00, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, e bem assim das despesas que hajam de fazer por causa do acidente e que, oportunamente se liquidarão, para ressarcimento de danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de um acidente de viação ocorrido no dia 17 de Junho de 1999 em Valongo, em que intervieram os autores A e B, que se faziam transportar num veículo ciclomotor, matricula 1 VLG, propriedade do autor C, sendo o primeiro o condutor e o segundo o passageiro, e o veículo automóvel de matricula MP, propriedade da Ré "F - Equipamento de Escritório, L.da" (3ª ré), e conduzido por G (4º réu) com culpa exclusiva do condutor do automóvel.

Subsidiariamente, e para o caso de não existir, à data do acidente, seguro válido e eficaz, peticionaram a condenação solidária dos 2º, 3º e 4º réus a pagar-lhes, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais por estes sofridos em resultado do acidente, a mesma quantia acima referida.

Na sua contestação, a 1ª ré, D, sustenta que à data do acidente o veículo em causa não beneficiava de seguro válido e eficaz, porquanto o anteriormente vigente foi anulado, por falta de pagamento do prémio devido, em 10 de Maio de 1999.

O 2º réu, E, impugnou por desconhecimento a versão do acidente e os danos alegados sustentando, ainda, que tudo indica que existia seguro relativamente ao veículo MP por contrato com a 1ª ré, pelo que, se assim for, o contestante não responde pelos invocados danos dos autores.

A 3ª ré "F - Equipamento de Escritório L.da", embora reconhecendo que à data do acidente o veículo MP, de sua propriedade, não se encontrava abrangido por seguro válido pois o mesmo havia sido anulado, por não pagamento do respectivo prémio, em 10 de Maio de 1999, impugnou a versão do acidente que se ficou a dever a culpa exclusiva do condutor do ciclomotor, além de sustentar que não tinha a direcção efectiva do veículo automóvel que interveio no acidente.

O 4º réu, G, defendeu-se alegando que em caso algum poderá ser responsável pelas indemnizações reclamadas e impugnando a versão do acidente que se ficou a dever, segundo ele, a culpa exclusiva do condutor do ciclomotor, ou seja, do autor A.

Exarado despacho saneador, condensados e instruídos os autos, procedeu-se a julgamento com decisão acerca da matéria de facto controvertida, após o que foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente por provada:
a) absolveu a ré "Companhia de Seguros D, SA" do pedido (principal);
b) absolveu o réu G do pedido (subsidiário);
c) condenou os réus E e "F -Equipamentos de Escritório L.da", solidariamente, a pagar as seguintes importâncias:
I. ao Autor A a quantia de € 20.279,67, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, sem prejuízo da franquia legal de 60.000$00 de que goza o FGA;
II ao Autor B a quantia de € 1.163,86, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento;
d) absolveu os réus E e "F -Equipamentos de Escritório L.da" do demais que lhes foi pedido.

Inconformados apelaram os autores e a ré "F - Equipamento de Escritório L.da", os primeiros com parcial êxito, uma vez que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 25 de Outubro de 2004, na procedência parcial da apelação, decidiu condenar os réus E, "F - Equipamento de Escritório L.da" e G a pagarem, solidariamente, aos autores a quantia global de € 41,250,00, acrescida de juros, calculados à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento (com desconto da franquia legal de 60.000$00 do FGA).

Interpôs, então, o réu G recurso de revista, pretendendo o reconhecimento da nulidade do acórdão em crise, com todas as consequências legais, nomeadamente, a sua revogação na parte em que condenou o recorrente, mantendo-se a declaração de absolvição proferida relativamente ao mesmo na decisão da 1ª instância.

Em contra-alegações defenderam os recorridos autores a improcedência do recurso.

Verificados os pressupostos de validade e de regularidade da instância, corridos os vistos, cumpre decidir.

Nas alegações do recurso o recorrente formulou as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil):

1. A parte processual total ou parcialmente vencida em face de decisão judicial pode recorrer da mesma nos termos gerais, mas no caso de essa decisão se desdobrar no tratamento de várias questões e englobar em si vários julgados àquela parte desfavoráveis, o objecto do competente recurso pode ser objectiva e subjectivamente delimitado pelo recorrente e o mesmo recurso restringido a apenas alguma ou algumas dessas partes desfavoráveis e em que teve decaimento.

2. Essa delimitação pode ser operada de forma expressa no requerimento de interposição de recurso, ou de forma expressa ou tácita na correspondente alegação e, especialmente, nas conclusões desta.

3. O âmbito dos recursos é assim delimitado em especial pelo conteúdo das conclusões da alegação do recorrente, delimitação essa que pode ser objectiva, no sentido de pelas conclusões se definir a inclusão ou exclusão das várias questões tratadas na decisão recorrida, ou ser também de cariz subjectivo, se apresentada contendo inclusão ou exclusão de uma das partes contrárias à parte que teve decaimento e que se apresenta por isso como recorrente.

4. Muito embora o recurso seja delimitado pelo conteúdo das alegações, deve-se entender que não poderão ser consideradas como estando incluídas no objecto do recurso aquelas questões que, não obstante venham a ser constantes das conclusões, não hajam sido tratadas e incluídas no contexto da alegação, pois as conclusões são um resumo dos fundamentos que deverão constar da alegação, sob pena de ocorrer omissão das premissas necessárias àquela conclusão.

5. Tudo aquilo que não se demonstrar tratado, incluído, discutido e indicado na alegação e nas conclusões de recurso, não se pode considerar como fazendo parte do objecto desse recurso, devendo em consequência considerar-se como tendo transitado em julgado, pelo que não é lícito ao tribunal de recurso proferir decisão que abranja o que, de forma restritiva, não faz parte daquele recurso, sob pena de se dever considerar nulo tal acórdão ou decisão de recurso com base em pronúncia sobre questão que o mesmo Tribunal não podia conhecer, ou seja, nulo nos termos da 2ª parte da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil.

6. No caso sub judice, os autores interpuseram recurso da sentença de 1ª instância porque se insurgiram ou não se conformaram com o facto de nessa sentença se ter avaliado a responsabilidade meramente com base no risco ou ausência de culpa dos condutores dos veículos intervenientes, em contraponto à tese, desde logo adiantada pelos autores da responsabilidade com base na culpa efectiva ou na culpa presumida.

7. Os autores assentaram assim o objecto do seu recurso, delimitando-o, na discussão sobre a bondade da tese da sentença recorrida no sentido da atribuição de montantes indemnizatórios atendendo à sua redução face aos limites máximos permitidos pelo artigo 508° do Código Civil e atendendo também à repartição das contribuições para esse risco por parte dos veículos intervenientes no acidente, tese essa que criticaram e que pretenderam ver rejeitada pelo tribunal superior e substituída por aquela outra tese assente na responsabilidade com base na culpa presumida.

8. Os autores também decaíram na pretensão de verem condenado o réu G, aqui recorrente, no pagamento das indemnizações que peticionaram, pois foi na sentença de 1ª instância declarada a absolvição deste réu do pedido contra ele formulado pelos autores; porém, em parte alguma do texto ou contexto da alegação, das conclusões desta ou do pedido final da correspondente peça processual, os autores e apelantes se insurgiram contra a declaração de absolvição do pedido formulado contra o réu G, ou tão pouco pediram, requereram ou pugnaram pela revogação dessa declaração de absolvição e, em contrário, a prolação de decisão ou acórdão que viesse efectivamente a condenar tal réu no correspondente pedido.

9. Pelo que assim deve-se entender que os autores e apelantes excluíram do objecto do seu recurso a parte da decisão recorrida que contém a declaração de absolvição do pedido relativamente ao réu G, parte essa que, assim, transitou em julgado.

10. Por força desse trânsito em julgado, não era lícito que o acórdão ora recorrido viesse a englobar, como englobou, na condenação que proferiu esse réu G, obrigando-o ao pagamento da indemnização fixada, solidariamente e ao lado dos réus "F" - L.da" e E.

11. Daí que o acórdão recorrido seja nulo, nessa parte, por força da 2ª parte da alínea d) do artigo 668° do CPC, devendo tal nulidade no presente recurso ser conhecida e reconhecida, com todas as consequências legais, nomeadamente a revogação da respectiva parte dispositiva quanto à condenação do réu G, aqui recorrente.

12. Mesmo que assim não se entenda - isto é, sem prescindir do alegado supra - deve-se entender que não era lícito ao Tribunal da Relação, no julgamento do recurso de apelação em causa, considerar provados os factos dos quesitos 2º e 3º com base em confissão das partes, já que tal matéria foi levada ao questionário ou base instrutória, não tendo sido nunca aceite, antes da interposição do recurso e em 1ª instância, especificadamente pelos autores, os quais também não reclamaram oportunamente da sua não inserção no elenco dos factos assentes, também não o tendo feito das respectivas respostas dadas a esses quesitos.

13. Pelo que e assim, não se deve aceitar a tese do acórdão recorrido no sentido de ter sido demonstrada a culpa presumida do condutor do veículo MP, antes se devendo confirmar a decisão de 1ª instância no sentido de o acidente de viação dos autos dever ser analisado e a respectiva responsabilidade tratada na tese ou pela teoria do risco e disposições legais aplicáveis desta, por esta forma se confirmando essa tese e em todo o caso se mantendo a declaração de absolvição do pedido formulado pelos autores contra o aqui recorrente.

No acórdão recorrido foram tidos como provados os factos seguintes:

i) - no dia 17 de Junho de 1999, pelas 18,50 horas, na rua Alves Saldanha - Valongo, EN 15 (no entroncamento para a Rua da Passagem), ocorreu um acidente de viação;
ii) - o autor C, pai dos dois primeiros autores, é proprietário do veículo ciclomotor Honda, 1 VLG;
iii) - o réu G, era condutor do veículo MP, mas cuja propriedade é pertença de "F - Equipamento de Escritório, L.da";
iv) - à data do acidente os autores A e B tinham respectivamente 17 e 18 anos;
v) - em 24 de Janeiro de 2000, a ré D enviou uma carta ao Dr. H, comunicando que o seguro que cobria a responsabilidade do MP havia sido anulado em 10 de Maio de 1999 (fls. 12);
vi) - no acidente intervieram os autores A e B, que se faziam transportar no ciclomotor 1 VLG, sendo o primeiro o condutor e o segundo o passageiro, e o veículo automóvel conduzido pelo 4º réu, de matrícula MP;
vii) - o acidente ocorreu dentro de uma localidade, sendo as bermas marginadas por habitações, com muito tráfego atenta a hora do acidente;
viii) - no local a estrada desenha-se em curva para a direita no sentido Nascente/Poente (Campo / Valongo), com entroncamento para a esquerda, atento o sentido de marcha do MP;
ix) - o embate do ciclomotor deu-se na parte lateral direita do veículo MP;
x) - a via tem em toda a sua largura cerca de 9 metros;
xi) - a estrada é alcatroada, estava seca e sinalizada, tem um piso de alcatrão regular, bem pintada e iluminada;
xii) - o tempo estava bom e a visibilidade era boa;
xiii) - o autor A ficou politraumatizado no corpo, sofrendo:
a) fracturas nos membros superiores;
b) traumatismos vários pelo corpo;
c) várias escoriações espalhadas pelo corpo;
d) levou vários pontos no corpo; e) foi operado e tem de ser novamente reoperado;
xiv) - o autor A foi assistido no Hospital de Valongo, mas atendendo à gravidade da sua situação foi transferido para o Hospital S. João, no Porto, onde esteve internado 5 dias, tendo sido novamente transferido para o Hospital de Valongo, tendo obtido alta no dia 24 de Junho de 1999;
xv) - fez curativos no Hospital de Valongo, tendo andado durante um mês com uma tala; depois de a retirar ainda fez mais três semanas de tratamentos;
xvi) - durante todo este tempo, em que esteve doente e sem possibilidade de trabalhar no seu curso, sofreu muito;
xvii) - ainda hoje tem dificuldades, perdeu a força que tinha, no seu curso, ao apertar ou desapertar uma bucha, tem de recorrer aos colegas de curso para o ajudarem;
xviii) - o autor A continua a sentir dores, o que acontece nas mudanças de tempo e em esforços mais pesados;
xix) - o autor A está no último ano de um curso de formação profissional, de Metalomecânica, no Centro CENFIM de Ermesinde, e é bom aluno;
xx) - com este curso o autor A, pretendia concretizar o projecto de seguir a Carreira Militar, projecto esse que já não se pode concretizar por causa das deficiências físicas que apresenta;
xxi) - durante os tratamentos eram os pais que o levavam ao Hospital;
xxii) - o autor A apresenta as cicatrizes descritas no relatório de fls. 189 e ao nível da manipulação e preensão revela dificuldade em pegar em objectos pesados, o que lhe provoca profundos desgostos e traumas psicológicos, nomeadamente em relação ao sexo oposto, sente-se inibido junto de mulheres e tal faz com que ele tenha vergonha de ir à piscina (para mais o seu pai é funcionário das piscinas de Valongo) e quando vai para a praia;
xxiii) - o autor A padece de uma IPP de 10%;
xxiv) - uma operação plástica ao braço direito do autor A, para correcção cirúrgica das cicatrizes, importa em cerca de 600.000$00;
xxv) - o autor B foi assistido no Hospital de Valongo, tendo tido alta no próprio dia; no entanto teve de efectuar tratamentos no posto Médico do Campo, durante três semanas;
xxvi) - era o pai que o transportava aos tratamentos;
xxvii) - o autor B está no último ano de um curso de formação profissional, de Metalomecânica, no centro CENFIM de Ermesinde, é bom aluno;
xxviii) - o autor B teve dores e apresenta as cicatrizes descritas no relatório de fls. 197;
xxix) - pela reparação do ciclomotor a F pagou à oficina ... a quantia de 221.894$00;
xxx) - o veículo do Autor C esteve paralisado para reparação;
xxxi) - em consequência do acidente o ciclomotor sofreu uma desvalorização;
xxxii) - na sequência de proposta formulada por "F - Equipamentos de Escritório, L.da" a ré D aceitou a celebração de um contrato de seguro do ramo automóvel, através do qual assumia, além do mais, a responsabilidade pelo pagamento das indemnizações devidas pelos danos causados pelo veículo de matrícula MP;
xxxiii) - Para o efeito emitiu inicialmente o certificado provisório de seguro n° 2576182 e, de seguida a respectiva apólice n° 7130 650, com início em 25.01.1999;
xxxiv) - a tomadora do seguro, a identificada F, não procedeu ao pagamento do prémio de seguro relativo à anuidade entre 25.01.1999 e 24.01.2000, cujo vencimento era em 10.03.1999, pelo que a D procedeu à anulação daquele seguro em causa no dia 10.05.99;
xxxv) - ciente dessa anulação, a F nem sequer participou à Ré D a ocorrência do acidente a que os presentes autos se reportam;
xxxvi) - a ré F propôs à ré D a celebração de um novo contrato de seguro relativo ao veículo MP através da proposta de 29-60-1999, junta a fls. 58 a 61, nela reconhecendo expressamente que o veículo já estivera seguro na D através da apólice nº 7130650 e que esse contrato fora anulado no dia 10 de Maio de 1999.

O acórdão recorrido fixou a indemnização global de 41.250 Euros (com desconto da franquia de 60.000$00 do FGA) para ressarcir os danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos pelos autores.

E condenou a pagar tal quantia, solidariamente, os réus E, "F - Equipamento de Escritório, L.da" e G.

No entanto, este último, não se conformando com o referido acórdão, vem, em primeira linha, invocar a respectiva nulidade, por excesso de pronúncia, prevista na alínea d) - 2ª parte - do nº 1 do art. 668º do C.Proc.Civil.

Raciocina nos termos seguintes:

Os autores, na apelação, porque a decisão apelada se desdobrava no tratamento de várias questões e englobava em si vários julgados que lhes eram desfavoráveis, delimitaram tacitamente o objecto do recurso já que nas respectivas alegações apenas se insurgiram contra a sentença de 1ª instância porque se não conformaram com o facto de nessa sentença se ter avaliado a responsabilidade meramente com base no risco ou ausência de culpa dos condutores dos veículos intervenientes, em contraponto à tese, desde logo adiantada pelos autores, da responsabilidade com base na culpa efectiva ou na culpa presumida.

Assim sendo, os autores assentaram o objecto do seu recurso, delimitando-o, na discussão sobre a bondade da tese da sentença recorrida no sentido da atribuição de montantes indemnizatórios atendendo à sua redução face aos limites máximos permitidos pelo artigo 508° do Código Civil e atendendo também à repartição das contribuições para esse risco por parte dos veículos intervenientes no acidente, tese essa que criticaram e que pretenderam ver rejeitada pelo tribunal superior e substituída por aquela outra tese assente na responsabilidade com base na culpa presumida.

Sucede que os autores também decaíram na pretensão de verem condenado o réu G, aqui recorrente, no pagamento das indemnizações que peticionaram, pois foi na sentença de 1ª instância declarada a absolvição deste réu do pedido contra ele formulado pelos autores; porém, em parte alguma do texto ou contexto da alegação, das conclusões desta ou do pedido final da correspondente peça processual, os autores e apelantes se insurgiram contra a declaração de absolvição do pedido formulado contra o réu G, ou tão pouco pediram, requereram ou pugnaram pela revogação dessa declaração de absolvição e, em contrário, a prolação de decisão ou acórdão que viesse efectivamente a condenar tal réu no correspondente pedido.

Deverá, deste modo, entender-se que os apelantes excluíram do objecto do seu recurso a parte da decisão recorrida que contém a declaração de absolvição do pedido relativamente ao réu G, parte essa que, assim, transitou em julgado, pelo que não era lícito que o acórdão ora recorrido viesse a englobar, como englobou, na condenação que proferiu, o réu G, obrigando-o ao pagamento da indemnização fixada, solidariamente e ao lado dos réus "F - L.da" e E.

É sabido que a nulidade prevenida na 2ª parte do nº 1 do art.688º do C.Proc.Civil, está directamente relacionada com o comando do art. 660º, nº 2 - o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras - servindo para sancionar a respectiva violação.

Não vislumbramos, porém, que o acórdão recorrido haja apreciado qualquer questão que estivesse arredada do seu conhecimento.

Dispõe o art. 864º, nº 1, do C.Proc.Civil que é lícito ao recorrente, salvo no caso de litisconsórcio necessário, excluir do recurso, no requerimento de interposição, algum ou alguns dos vencedores.

Acrescentando o nº 2 que "se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas, é igualmente lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas, uma vez que especifique no requerimento a decisão de que recorre. Na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva for desfavorável ao recorrente".

Ainda no nº 3 se pode ler que "nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso".

Em face destes preceitos cumpre esclarecer que "a parte dispositiva da sentença pode ser singular ou plural, consoante contenha um ou vários julgados. Destes, só são susceptíveis de impugnação os que forem desfavoráveis ao recorrente, por só se poder recorrer daquilo em que se ficou vencido (art. 680º, nº 1). Mas, mesmo no que concerne a alguns dos julgados desfavoráveis, a parte vencida pode não estar interessada em questioná-los, ou por com eles concordar, ou por os prejuízos que daí lhe advêm não serem de grande monta, ou por não querer protelar no tempo a definição da situação jurídica submetida a juízo. Se tal acontecer, a matéria devolvida para conhecimento ao tribunal superior não coincide com a totalidade da que foi considerada como desfavorável; a não incluída na impugnação adquire a força de caso julgado". (1)

Perante os factos e incidências processuais detectados nos autos, afigura-se-nos que o recorrente não tem razão quando invoca a nulidade do acórdão.

Desde logo, havendo na sentença da 1ª instância decisões distintas - condenação da F, condenação do E e absolvição da "Companhia de Seguros D, SA" e do réu, ora recorrente - não existe restrição pelos autores apelantes de qualquer delas, pelo menos expressamente.

O que, à partida, significa que tem por impugnadas todas as decisões constantes da parte dispositiva daquela sentença, pelo que as quer ver apreciadas na totalidade.

E se é certo que nas alegações da apelação aqueles apelantes se conformaram com a decisão, na parte em que absolveu a "Companhia de Seguros D, SA", excluindo-a do recurso por evidente restrição, a verdade é que o mesmo não fizeram (pelo contrário) com relação ao ora recorrente.

Com efeito, a sentença da 1ª instância, filiando a obrigação de indemnizar dos réus na responsabilidade pelo risco, e considerando que o veículo MP não possuía seguro válido e eficaz, condenou apenas a pagar aos autores as indemnizações devidas os réus E e "F - Equipamento de Escritório, L.da", absolvendo, em contrapartida, do pedido os réus "Companhia de Seguros D, SA" e G, ora recorrente.

Dessa decisão interpuseram recurso de apelação os autores A, B e C e a ré "F - Equipamento de Escritório, L.da".

Nas alegações que os autores apresentaram, indicaram, ab initio, duas questões a decidir:
- existência de uma relação comitente/comissário (entre o réu G e a ré F) e presunção de culpa do condutor-comissário do veículo matrícula MP (erro na apreciação das provas e na aplicação do direito);
- o montante indemnizatório.
E no decurso do arrazoado alegatório, fazendo referência ao primeiro aspecto, referem, além do mais: "conclui-se que a ré F é responsável pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo automóvel de matrícula MP, de que era proprietária" (fls. 389 vº); "impendia, pois, sobre o condutor do veículo MP...uma presunção de culpa...não tendo o referido condutor do veículo MP ilidido a presunção de culpa que sobre ele recaía e não logrando provar a culpa do condutor do ciclomotor, temos que responsabilizar apenas o condutor do veículo MP" (fls. 390); "presumindo-se que houve culpa do condutor-comissário no acidente, ele responde pelos danos causados aos lesados, sem qualquer limitação fundada no risco" (fls. 590 vº);"como foi explanado nas alíneas c), d), e) e f) do presente recurso, os réus responsáveis pelo acidente e responsáveis pelo pagamento da indemnização, visto que logo nas suas contestações, terceiro réu proprietário do veículo e quarto réu condutor do veículo reconhecem que à data do acidente não possuíam seguro válido" (fls. 391).

Acresce que nas conclusões que formularam na apelação, os autores apelantes voltam a referir, sem qualquer espécie de dúvida, a responsabilidade do réu G e a sua obrigação de indemnizar.

Assim, na conclusão 14ª afirmam que "não tendo o referido condutor do veículo MP ilidido a supra presunção de culpa que sobre si recaía e não logrando provar a culpa do condutor do ciclomotor (conduzido pelo primeiro autor) temos que responsabilizar apenas o condutor do veículo MP".

E na 17ª conclusão acrescentam que "presumindo-se que houve culpa do condutor-comissário no acidente, ele responde pelos danos causados aos lesados, sem qualquer limitação fundada no risco".

Ainda na conclusão 18ª sustentam que "consequentemente, a título de culpa presumida não ilidida é o réu responsável pela totalidade dos danos sofridos pelo autor em resultado do acidente, nos termos do art. 483º do C.Civil".

Por último, na conclusão 22ª defendem que "os réus responsáveis pelo acidente e os reais responsáveis pelo pagamento da indemnização, confessaram".

E terminam as conclusões da sua alegação, aliás usando uma fórmula muito em voga, dizendo que "deverá o recurso ser julgado totalmente procedente por provado, revogando-se a decisão recorrida na medida acima assinalada", numa clara remissão para o afirmado e defendido, quer nas alegações, quer nas conclusões respectivas.

Ora, perante a situação descrita, afigura-se-nos que o acórdão recorrido se limitou a apreciar, bem ou mal não importa, o recurso, tal como delimitado pelos apelantes, não extravasando minimamente do respectivo objecto, naturalmente condenando solidariamente todos os réus por aplicação da norma do art. 497º, nº 1, do C.Civil.

Não conheceu, pois, o acórdão recorrido de questão de que não devesse conhecer, pelo que não enferma da nulidade que lhe vem assacada pelo recorrente.

Sustenta, depois, o recorrente que não era lícito ao Tribunal da Relação, no julgamento do recurso de apelação, considerar provados os factos dos quesitos 2º e 3º com base em confissão das partes, argumentado com o facto de tal matéria ter sido levada ao questionário, não tendo sido nunca aceite, antes da interposição do recurso e em 1ª instância, especificadamente pelos autores, os quais também não reclamaram oportunamente da sua não inserção no elenco dos factos assentes, também não o tendo feito das respectivas respostas dadas a esses quesitos.

Consequentemente, considerando-se tais factos como não provados, não pode aceitar-se a tese do acórdão recorrido no sentido de ter sido demonstrada a culpa presumida do condutor do veículo MP.

Não lhe assiste, em nosso entender, qualquer razão.

Os quesitos 2º e 3º tinham a seguinte redacção: "o quarto réu, G, conduzia na altura do acidente o citado veículo MP, com conhecimento, autorização, ao serviço, por conta e ordem do terceiro réu, F, sua entidade patronal, exercendo as funções de vendedor", "sendo certo que o quarto réu estava dentro do horário de trabalho".

Foi esta matéria de facto que a Relação considerou provada por confissão e acordo das partes, assim alterando as respostas dadas aos quesitos.

Em primeiro lugar é inegável que a Relação, na apreciação da matéria de facto, pode e deve, nos termos do art. 659º, nº 3 (ex vi do art. 713º, nº 2, do C.Proc.Civil) tomar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito. (2).

E isto independentemente de tais factos terem ou não sido especificados ou incluídos na base instrutória - questionário - (objecto ou não de reclamação, tidos ou não como provados nas respostas aos quesitos) os quais não produzem efeitos de caso julgado até que transite a decisão final do litígio. (3)

Ora, como é plena a força probatória da confissão e do acordo das partes, o exame crítico das provas a que se reporta o nº 3 do art. 659º do C.Proc.Civil é o que envolve a operação do juiz (ou da relação no caso de recurso) na selecção e na consideração dos factos cobertos por algum daqueles meios de prova. (4)

E bem agiu, a nosso ver, a Relação, ao considerar admitidos por confissão expressa e por acordo e tê-los feito constar da matéria de facto provada os factos incluídos nos artigos 2º e 3º do questionário, não obstante nas respostas aos quesitos terem sido tidos como não provados.

Com efeito, alegaram os autores que existia entre os réus uma relação comitente/comissário: "verifica-se uma relação de subordinação, o quarto réu é trabalhador do terceiro réu (era na data do acidente), exercendo as funções de vendedor, no momento do acidente, este agia no interesse do comitente", "isto é, a referida "F"- Equipamentos de Escritório, L.da." detinha a direcção efectiva do respectivo veículo e o mesmo era utilizado no seu próprio interesse", "o referido quarto réu, G, conduzia na altura do acidente, o citado veículo MP, com conhecimento, autorização, ao serviço, por conta e ordem do terceiro réu, sua entidade patronal", "sendo certo que o quarto réu estava dentro do horário de trabalho" (artigos 7º a 10º da petição inicial).

E tais factos apenas foram impugnados pela ré principal "D, SA", que, no artigo 25º da contestação, declarou ignorar, sem obrigação de conhecer, se corresponde ou não à verdade a matéria alegada nos arts. 7º a 10º da petição inicial.

Tendo sido expressamente considerados como verdadeiros, pela ré F (art. 1º da contestação) e pelo réu G (arts. 4º e 5º da contestação); o FGA nem se referiu à alegação de tais factos, o que permite terem-se quanto a ele como provados, nos termos do art. 490º, nº 2, do C.Proc.Civil.

Houve, assim, manifesta confissão de tais factos, por banda dos réus F e G, feita nos articulados.

Juridicamente justificada pelas disposições dos arts. 356º, n° 1, do C.Civil, em cujos termos "a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual..." e 358º, n° 1, do mesmo diploma, segundo o qual "a confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente".

Sendo evidente que o valor dessa confissão não pode ser posto em causa tão só porque a ré "D" os impugnou (por desconhecimento). Ademais, porque a mesma apenas fora demandada juntamente com os demais réus (estes subsidiariamente) em litisconsórcio voluntário e apenas na perspectiva de que era seguradora do veículo.

Na verdade, arredada a "D, SA" da lide por se ter provado que a proprietária do veículo n° MP não beneficiava, à data do acidente, de seguro válido e eficaz, temos que a sua posição nos articulados queda-se inextensível aos outros.

A confissão, para possuir eficácia probatória como tal, tem que ser feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira (art. 353º, nº 1, do C.Civil), situação que ocorreu no caso em apreço.

Ora, in casu, todos os réus litisconsortes (subsidiários) confessaram os factos integrativos da alegada existência de uma relação de comissão entre a proprietária e o condutor do veículo MP.

Por isso, não pode deixar de atribuir-se a tal confissão força probatória plena (art. 358º, n° 1, do C.Civil).

Em contrapartida os autores aceitaram tacitamente essa confissão, em nenhum momento do processo se lhe tendo oposto, tanto mais quanto é certo que a mesma lhes era favorável.

E, tal como se entendeu no acórdão recorrido, vieram a aproveitar-se dos seus efeitos no momento próprio porque, como acima vimos, o questionário, tenha ou não havido reclamação, não produz efeitos de caso julgado, podendo ser impugnada a respectiva selecção de facto no recurso interposto da decisão proferida a final, não ficando precludido o direito de impugnar a selecção dos factos ao recorrente que não haja reclamado anteriormente dessa selecção.

Em consequência, em nosso entender, não houve, quando a Relação entendeu que a matéria dos referidos quesitos estava provada por confissão e por acordo das partes, violação de qualquer norma material ou adjectiva que impusesse outra solução.

Razão pela qual o recurso não merece provimento.

Termos em que se decide:
a) - julgar improcedente o recurso de revista interposto pelo réu G;
b) - confirmar o acórdão recorrido;

c) - condenar o recorrente nas custas do recurso.

Lisboa, 5 de Maio de 2005
Araújo Barrros,
Oliveira Barros,
Salvador da Costa.
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(1) Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 4ª edição, Coimbra, 2003, pag. 140.
(2) Ac. STJ de 28/09/99, no Proc. 567/99 da 1ª secção (relator Armando Lourenço).
(3) Acs. STJ de 06/01/88, no Proc. 73974 da 2ª secção (relator Aurélio Fernandes); de 15/06/89, in BMJ nº 388, pag. 422 (relator Salviano de Sousa); e de 13/10/98, no Proc. 800/98 da 2ª secção (relator Aragão Seia).
(4) Ac. STJ de 15/04/2004, no Proc. 1023/04 da 7ª secção (relator Salvador da Costa).