Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A3399
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: TRESPASSE
COMUNICAÇÃO AO SENHORIO
Nº do Documento: SJ200811250033996
Data do Acordão: 11/25/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I – No caso de trespasse, quem deve notificar ao senhorio, nos termos do art. 1038, al. g) do C.C., a cedência do gozo da coisa locada é o arrendatário cedente.

II – O beneficiário da cedência pode fazer tal comunicação, como resulta do art. 1049 do C.C., mas não está obrigado a isso.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo tribunal de Justiça:


AA instaurou a presente acção ordinária contra BB pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 28.930,57 euros, acrescida de juros legais, desde a citação e até efectivo pagamento.
Para tanto, alega que a ré lhe deu de trespasse o estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma designado pela letra B), correspondente ao rés do chão esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida ........, nº.., freguesia e concelho do Barreiro, tendo ele pago o preço de 5.800.000$00.
A fracção onde o estabelecimento funcionava era arrendada.
A respectiva proprietária ( senhoria ) intentou contra os ora autor e ré acção de despejo, com fundamento na omissão do dever da ré, então arrendatária -trespassante, em comunicar à senhoria, no prazo de 15 dias, a realização do trespasse efectuado.
Tal acção veio a proceder, tendo sido declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a senhoria e a ré BB e a mesma ré e o ora autor condenados a restituir o arrendado à sua proprietária, livre e devoluto.
Na sequência disso, o autor procedeu a essa entrega.
Por isso, entende o autor que a ré está obrigada a devolver-lhe o montante do trespasse que dele recebeu, recusando-se a ré a fazer essa devolução.
A ré contestou.
Defende que a escritura pela qual ela trespassou o locado ao autor foi eficaz entre ambos, o que fez com que, após a outorga da escritura, o arrendatário passasse a ser o autor.
Era sobre este, enquanto locatário, que recaía a obrigação de comunicar à locadora, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa, nos termos do art. 1038, al. g), do C.C.
Se assim não for entendido, a ré considera ter direito a alguma mercadoria e equipamento, incluídos no trespasse, pelo que o valor do pedido deve ser reduzido para 21.430,28 euros.
O autor replicou.

No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção peremptória da extinção do crédito do autor, na interpretação desejada pela ré de que seria aquele quem devia realizar a comunicação ao senhorio, imposta pelo art. 1038, al. g), do C.C.

A ré recorreu desta decisão, tendo o recurso sido admitido como sendo de apelação, com subida a final.

Organizada a base instrutória, realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 25.930,57 euros, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a da restante parte do pedido.

Desta sentença não houve recurso, mas os autos foram remetidos à Relação para apreciação da apelação interposta do saneador.

A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 8-5-08, julgou improcedente a apelação do saneador e manteve a decisão impugnada.

Continuando inconformada, a ré pede revista, onde resumidamente conclui:
1 – Dentro das obrigações do locatário, consta a de comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa locada – art. 1038, al. g) do C.C.
2 – O contrato de trespasse é um dos meios permitidos para a cedência do gozo da coisa – art. 115 do RAU, então vigente.
3 – Tornada perfeita a escritura de trespasse, este é valido e eficaz entre as partes – arts 405, nºs 1 e 2, 874 e 949 do C.C. a 115 do RAU.
4 – Assim sendo, o estatuto de “locatário” passou para o adquirente da posição da arrendatária, ou seja, da cedente ou ex-locatária.
5 – A ex-locatária não se obrigou a efectuar a comunicação ao senhorio da cedência do gozo da coisa, perante o adquirente, da sua posição de arrendatária, o que poderia fazer nos termos do art. 405 do C.C.
6 – Por isso, é o novo locatário que tem o ónus de tornar o seu contrato eficaz perante o senhorio, efectuando a comunicação referida na citada alínea g) do art. 1038 do C.C.
7 – Não pode a cedente ser responsabilizada pelas consequências dessa falta de comunicação e ser condenada a restituir o preço recebido do locatário, aquando da escritura do trespasse.

O recorrido contra-alegou em defesa do julgado.

Corridos os vistos, cumpre decidir:


Remete-se para os factos que foram considerados provados pelas instâncias, que aqui se dão por reproduzidos, nos termos dos arts 713, nº5 e 726 do C.P.C.
Dentre eles, só importa salientar o seguinte:
- por escritura de 30-8-96, no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, a ré cedeu, em trespasse, ao autor, o estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés do chão esquerdo, do prédio urbano sito na ..................., nº.., no Barreiro, tendo o autor pago à ré pela cedência o preço de 5.800.000$00 ;
- a dona da referida fracção era CC, a quem eram pagas as rendas da fruição do imóvel que dera de arrendamento.


A questão a decidir consiste apenas em saber, no caso de trespasse, quem deve notificar ao senhorio a cedência da coisa locada, nos termos do art. 1038, al. g), do C.C. : se é o arrendatário cedente (trespassante), ou antes o adquirente (trespassário).

O locatário não pode proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar – art. 1038, al. f), do C.C.
É obrigação do locatário comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada – art. 1038, al. g) do mesmo diploma.
O trespasse é o contrato pelo qual se transmite definitiva e, em princípio, onerosamente, para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial.
O contrato de trespasse efectuado é um dos meios permitidos para a cedência do gozo da coisa, nos termos do art. 115 do RAU, diploma vigente ao tempo do trespasse e, por isso, aqui aplicável.
Com efeito, o trespasse não depende de autorização do senhorio, mas o arrendatário tem por obrigação, imposta pela alínea g) do art. 1038 do C.C., comunicar-lhe, dentro de 15 dias, a cedência do gozo do prédio, sob pena daquele poder resolver o contrato - art. 64, nº1, al. f) do RAU.
Nos termos do art. 1038, al. g), quem deve notificar ao senhorio a cedência do gozo da coisa locada é o arrendatário cedente ( Anotação de Henriques Mesquita ao Acórdão da Relação de Lisboa de 25-10-94, na R.L.J. Ano 128- 61) .
A exigência do acto notificativo “não deriva nem do carácter sublocatício do trespasse, nem da necessidade de permitir ao senhorio quer o exercício do direito de opção, quer o benefício da elevação da renda : deriva do interesse do senhorio de fiscalizar o trespasse, para saber se a cessão do arrendamento é imperativa,
A lei impõe-lhe a cessão do uso do imóvel, mas na condição de se transmitir o estabelecimento como um todo. Para controle disto, é que ele tem de saber o que se fez” ( Orlando Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento, pág. 623).
Nos termos do art. 1049 do C.C., o locador só não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g), do citado art. 1038, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este.
Tanto basta para concluir, como se conclui, que não é o adquirente do trespasse, mas antes o arrendatário cedente quem está vinculado à obrigação de comunicação do trespasse ao senhorio .
O beneficiário da cedência pode fazer tal comunicação, como resulta do citado art. 1049 do C.C., mas não está obrigado a isso.
Só o arrendatário cedente tem essa obrigação, pelo que só ele pode ser responsabilizado pela falta da comunicação do trespasse à senhoria.
Improcedem, pois, as conclusões do recurso.

Termos em que, sem necessidade de outras considerações, negam a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 25 de Novembro de 2008

Azevedo Ramos (Relator)

Silva Salazar
Nuno Cameira