Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | AZEVEDO RAMOS | ||
Descritores: | TRESPASSE COMUNICAÇÃO AO SENHORIO | ||
Nº do Documento: | SJ200811250033996 | ||
Data do Acordão: | 11/25/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Sumário : | I – No caso de trespasse, quem deve notificar ao senhorio, nos termos do art. 1038, al. g) do C.C., a cedência do gozo da coisa locada é o arrendatário cedente. II – O beneficiário da cedência pode fazer tal comunicação, como resulta do art. 1049 do C.C., mas não está obrigado a isso. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo tribunal de Justiça: AA instaurou a presente acção ordinária contra BB pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 28.930,57 euros, acrescida de juros legais, desde a citação e até efectivo pagamento. Para tanto, alega que a ré lhe deu de trespasse o estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma designado pela letra B), correspondente ao rés do chão esquerdo, do prédio urbano sito na Avenida ........, nº.., freguesia e concelho do Barreiro, tendo ele pago o preço de 5.800.000$00. A fracção onde o estabelecimento funcionava era arrendada. A respectiva proprietária ( senhoria ) intentou contra os ora autor e ré acção de despejo, com fundamento na omissão do dever da ré, então arrendatária -trespassante, em comunicar à senhoria, no prazo de 15 dias, a realização do trespasse efectuado. Tal acção veio a proceder, tendo sido declarado resolvido o contrato de arrendamento celebrado entre a senhoria e a ré BB e a mesma ré e o ora autor condenados a restituir o arrendado à sua proprietária, livre e devoluto. Na sequência disso, o autor procedeu a essa entrega. Por isso, entende o autor que a ré está obrigada a devolver-lhe o montante do trespasse que dele recebeu, recusando-se a ré a fazer essa devolução. A ré contestou. Defende que a escritura pela qual ela trespassou o locado ao autor foi eficaz entre ambos, o que fez com que, após a outorga da escritura, o arrendatário passasse a ser o autor. Era sobre este, enquanto locatário, que recaía a obrigação de comunicar à locadora, dentro de 15 dias, a cedência do gozo da coisa, nos termos do art. 1038, al. g), do C.C. Se assim não for entendido, a ré considera ter direito a alguma mercadoria e equipamento, incluídos no trespasse, pelo que o valor do pedido deve ser reduzido para 21.430,28 euros. O autor replicou. No despacho saneador, julgou-se improcedente a excepção peremptória da extinção do crédito do autor, na interpretação desejada pela ré de que seria aquele quem devia realizar a comunicação ao senhorio, imposta pelo art. 1038, al. g), do C.C. A ré recorreu desta decisão, tendo o recurso sido admitido como sendo de apelação, com subida a final. Organizada a base instrutória, realizado o julgamento e apurados os factos, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 25.930,57 euros, acrescida de juros de mora, contados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a da restante parte do pedido. Desta sentença não houve recurso, mas os autos foram remetidos à Relação para apreciação da apelação interposta do saneador. A Relação de Lisboa, através do seu Acórdão de 8-5-08, julgou improcedente a apelação do saneador e manteve a decisão impugnada. Continuando inconformada, a ré pede revista, onde resumidamente conclui: 1 – Dentro das obrigações do locatário, consta a de comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa locada – art. 1038, al. g) do C.C. 2 – O contrato de trespasse é um dos meios permitidos para a cedência do gozo da coisa – art. 115 do RAU, então vigente. 3 – Tornada perfeita a escritura de trespasse, este é valido e eficaz entre as partes – arts 405, nºs 1 e 2, 874 e 949 do C.C. a 115 do RAU. 4 – Assim sendo, o estatuto de “locatário” passou para o adquirente da posição da arrendatária, ou seja, da cedente ou ex-locatária. 5 – A ex-locatária não se obrigou a efectuar a comunicação ao senhorio da cedência do gozo da coisa, perante o adquirente, da sua posição de arrendatária, o que poderia fazer nos termos do art. 405 do C.C. 6 – Por isso, é o novo locatário que tem o ónus de tornar o seu contrato eficaz perante o senhorio, efectuando a comunicação referida na citada alínea g) do art. 1038 do C.C. 7 – Não pode a cedente ser responsabilizada pelas consequências dessa falta de comunicação e ser condenada a restituir o preço recebido do locatário, aquando da escritura do trespasse. O recorrido contra-alegou em defesa do julgado. Corridos os vistos, cumpre decidir: Remete-se para os factos que foram considerados provados pelas instâncias, que aqui se dão por reproduzidos, nos termos dos arts 713, nº5 e 726 do C.P.C. Dentre eles, só importa salientar o seguinte: - por escritura de 30-8-96, no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, a ré cedeu, em trespasse, ao autor, o estabelecimento comercial instalado na fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao rés do chão esquerdo, do prédio urbano sito na ..................., nº.., no Barreiro, tendo o autor pago à ré pela cedência o preço de 5.800.000$00 ; - a dona da referida fracção era CC, a quem eram pagas as rendas da fruição do imóvel que dera de arrendamento. A questão a decidir consiste apenas em saber, no caso de trespasse, quem deve notificar ao senhorio a cedência da coisa locada, nos termos do art. 1038, al. g), do C.C. : se é o arrendatário cedente (trespassante), ou antes o adquirente (trespassário). O locatário não pode proporcionar a outrem o gozo total ou parcial da coisa por meio de cessão onerosa ou gratuita da sua posição jurídica, sublocação ou comodato, excepto se a lei o permitir ou o locador o autorizar – art. 1038, al. f), do C.C. É obrigação do locatário comunicar ao locador, dentro de quinze dias, a cedência do gozo da coisa por algum dos referidos títulos, quando permitida ou autorizada – art. 1038, al. g) do mesmo diploma. O trespasse é o contrato pelo qual se transmite definitiva e, em princípio, onerosamente, para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial. O contrato de trespasse efectuado é um dos meios permitidos para a cedência do gozo da coisa, nos termos do art. 115 do RAU, diploma vigente ao tempo do trespasse e, por isso, aqui aplicável. Com efeito, o trespasse não depende de autorização do senhorio, mas o arrendatário tem por obrigação, imposta pela alínea g) do art. 1038 do C.C., comunicar-lhe, dentro de 15 dias, a cedência do gozo do prédio, sob pena daquele poder resolver o contrato - art. 64, nº1, al. f) do RAU. Nos termos do art. 1038, al. g), quem deve notificar ao senhorio a cedência do gozo da coisa locada é o arrendatário cedente ( Anotação de Henriques Mesquita ao Acórdão da Relação de Lisboa de 25-10-94, na R.L.J. Ano 128- 61) . A exigência do acto notificativo “não deriva nem do carácter sublocatício do trespasse, nem da necessidade de permitir ao senhorio quer o exercício do direito de opção, quer o benefício da elevação da renda : deriva do interesse do senhorio de fiscalizar o trespasse, para saber se a cessão do arrendamento é imperativa, A lei impõe-lhe a cessão do uso do imóvel, mas na condição de se transmitir o estabelecimento como um todo. Para controle disto, é que ele tem de saber o que se fez” ( Orlando Carvalho, Critério e Estrutura do Estabelecimento, pág. 623). Nos termos do art. 1049 do C.C., o locador só não tem direito à resolução do contrato com fundamento na violação do disposto nas alíneas f) e g), do citado art. 1038, se tiver reconhecido o beneficiário da cedência como tal, ou ainda, no caso da alínea g), se a comunicação lhe tiver sido feita por este. Tanto basta para concluir, como se conclui, que não é o adquirente do trespasse, mas antes o arrendatário cedente quem está vinculado à obrigação de comunicação do trespasse ao senhorio . O beneficiário da cedência pode fazer tal comunicação, como resulta do citado art. 1049 do C.C., mas não está obrigado a isso. Só o arrendatário cedente tem essa obrigação, pelo que só ele pode ser responsabilizado pela falta da comunicação do trespasse à senhoria. Improcedem, pois, as conclusões do recurso. Termos em que, sem necessidade de outras considerações, negam a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 25 de Novembro de 2008 Azevedo Ramos (Relator) Silva Salazar Nuno Cameira |