Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS FUTUROS DANOS NÃO PATRIMONIAIS JUROS DE MORA | ||
| Nº do Documento: | SJ200710250030262 | ||
| Data do Acordão: | 10/25/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
| Sumário : | 1. Na fixação da indemnização por danos futuros, no caso de incapacidade permanente, vem sendo entendido que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir e que se extinga no final do período provável de vida. 2. Os resultados a que este critério conduz não podem, porém, ser aceites de forma abstracta e mecânica, devendo ser temperados por juízos de equidade sempre que se mostrarem desajustados relativamente ao caso concreto. 3. A sentença, proferida em finais do ano de 2005, que elegeu, como elemento de referência para calcular a perda de ganho da lesada a partir do ano seguinte, o vencimento de 60.000$00 que ela auferia, como operária fabril, à data do acidente, ocorrido em 1997, descurou um elemento ponderativo adicional, que deveria ter tido em conta, não valorando o facto notório de que, em 2006, o vencimento daquela seria necessariamente superior. Deveria ter sido considerado, para o cálculo efectuado, na falta de outro elemento, o valor do salário mínimo nacional vigente em 2005, de € 374,70. 4. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, porque não visa propriamente ressarcir ou tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica. 5. Mas indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária, já que ela deve ser fixada de acordo com critérios de equidade, tendo em conta as circunstâncias enunciadas no art. 494º do CC e as demais circunstâncias do caso concreto, o que significa que o juiz deve, na sua fixação, procurar um justo grau de “compensação”. 6. Se, no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros de mora serão devidos, não desde a citação, mas da data do trânsito em julgado da decisão, não sendo aplicável o n.º 3 do art. 805º do CC; nos casos em que a actualização não for possível ou não tenha sido operada na decisão final, os juros são devidos desde a citação. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Em acção com processo ordinário intentada por AA, em 06.09.1999, no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial da comarca de Loures, contra a COMPANHIA DE SEGUROS ..., S.A. (actualmente COMPANHIA DE SEGUROS Empresa-A, S.A.), reclamando desta o pagamento de uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência de acidente de viação, ocorrido em 30.04.1997, e provocado pelo condutor de um veículo automóvel segurado na ré – acção em que o Centro Nacional de Pensões (a que sucedeu o Instituto de Solidariedade e Segurança Social) veio deduzir pedido de reembolso de prestações da Segurança Social – foi proferida sentença condenando a ré - a pagar à autora as quantias de € 522,56, de despesas médicas e com deslocações, de € 14.004,41, de perdas salariais, de € 442,89, também de perdas salariais, e de € 42.010,52, por danos patrimoniais futuros, a que haverá que deduzir o valor das pensões que o ISSS venha a pagar-lhe até ao trânsito em julgado da sentença, e ainda € 50.000,00, por danos não patrimoniais – tudo acrescido de juros às taxas legais desde a citação até integral pagamento; - a pagar ao ISSS a quantia de € 16.677,82, bem como as prestações que o Instituto vier a pagar à autora até ao trânsito em julgado da sentença. A ré, em recurso de apelação, reagiu contra esta decisão, no que concerne aos montantes atribuídos à autora a título de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais, bem como no que tange à fixação da data da citação como dies a quo da contagem dos juros moratórios. Não logrou, porém, qualquer êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente a apelação, mantendo intocada a sentença recorrida. Ainda inconformada, a ré traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, rematando as respectivas alegações com a enunciação de um leque conclusivo recondutível às seguintes proposições: 1ª - As indemnizações – de € 42.010, 52 a título de incapacidade permanente parcial, e de € 50.000,00 por danos não patrimoniais – são manifestamente excessivas, não se ajustando aos critérios jurisprudenciais seguidos, nem sendo conformes com a equidade, que deve presidir à sua fixação; 2ª - Ao fixá-las naqueles montantes o Tribunal a quo violou os arts. 483º, 464º, 496º, 562º, 564º e 566º, todos do Código Civil, arbitrando quantias superiores às que resultam dos pressupostos das referidas normas jurídicas, devendo o respectivo acórdão, quanto a estas questões, ser revogado, elaborando-se nova decisão na qual a recorrente seja condenada no pagamento à autora das quantias de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais, e de € 20.000,00 (vinte mil euros), como compensação por danos não patrimoniais; 3ª - Ao fixar os montantes ora em discussão, a sentença da 1ª instância operou a sua actualização à data da sua prolação, aplicando os critérios do art. 562º do CC, pelo que não poderia condenar em juros moratórios desde a citação, mas sim desde aquela aludida data; 4ª - A Relação, mantendo o assim decidido, fez errada aplicação e interpretação dos arts. 494º, 496º, 562º, 564º, 566º e 805º do CC, e do acórdão uniformizador de jurisprudência do STJ n.º 4/2002, de 9 de Maio, devendo o acórdão recorrido ser, nessa parte, revogado, determinando-se que os juros de mora são devidos apenas desde a data em que foi proferida a sentença da 1ª instância. Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos legais, cumpre agora conhecer e decidir. 2. São os seguintes os factos que vêm provados das instâncias:1) No dia 30 de Abril de 1997, cerca das 20 horas, na Estrada de Casal de Cambra-Caneças (no cruzamento com o Casal Novo), do concelho de Loures, ocorreu um acidente de viação; 2) Na altura estava bom tempo e o piso estava seco; 3) Foram intervenientes neste acidente o veículo ligeiro de mercadorias de marca Toyota Dina, de matrícula RQ, conduzido pela autora, e o veículo ligeiro de passageiros de marca Renault LT, de matrícula LQ, conduzido pelo segurado da ré, BB; 4) O veículo conduzido pela autora circulava dentro do cruzamento, virando à esquerda atento o seu sentido de marcha, 5) Enquanto que o Renault LT, conduzido por BB, circulava no sentido Caneças-Casal de Cambra, tendo entrado no referido cruzamento não respeitando o veículo da autora, que se lhe apresentava pela direita; 6) Assim foi que o segundo veículo, que seguia a velocidade excessiva e apesar de ter feito uma travagem de vários metros, não conseguiu evitar a colisão, tendo embatido com a frente do lado esquerdo na parte lateral esquerda da cabine e carroçaria do veículo da autora; 7) A ré aceitou que este embate é imputável ao condutor do LQ e pagou algumas despesas médicas no valor de 66.900$00, bem como 57.499$00 da reparação do veículo da autora; 8) A responsabilidade pelos danos causados pelo veículo LQ havia sido transferida para a ré através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º 43-021512/02; 9) Por causa do embate, a autora sofreu traumatismo craniano com contusão cerebral e perda de conhecimento e traumatismo do membro inferior direito, tendo de imediato sido transportada para o Hospital de Santa Maria, onde recebeu os primeiros tratamentos; 10) A autora, à data do acidente, tinha 34 anos de idade e gozava de boa saúde, não sofrendo de qualquer doença física ou psíquica, com uma grande alegria de viver e constante boa disposição; 11) Como consequência das lesões sofridas, a autora ficou permanentemente portadora de tremor fino, disartria e ataxia moderadas com alterações marcadas do equilíbrio e na marcha que se encontram afectados por alterações constantes e irregulares do tónos dos membros inferiores, alguns tiques e intenso desequilíbrio, bem como síndrome comocional pós-traumático caracterizado por cefaleias, tonturas, alterações mnésticas, ansiedade, depressão, irritabilidade, insónia, alterações do comportamento e impulsividade aumentada, tudo causador de uma incapacidade permanente de 28% para as tarefas comuns e indiferenciadas da vida, nomeadamente tarefas domésticas, e de uma incompatibilidade total com o exercício da sua actividade profissional, bem como com todas as profissões no âmbito da sua preparação técnico-profissional; 12) A autora sofre com as dores que sente e com o facto de não se sentir bem sozinha, devido às suas perdas de equilíbrio, dificuldade em coordenar os movimentos e dificuldade em se expressar; 13) A autora sofre muito com a sua dificuldade em tomar conta da sua filha menor; 14) A autora é operária fabril e encontrava-se a trabalhar à data do acidente, tendo ficado de baixa desde a data deste, deixando de receber o seu vencimento de cerca de 60.000$00 mensais e passando a receber apenas a pensão mensal prestada pelo CNP; 15) Para além do valor pago pela ré a título de despesas médicas, a autora tem tido outras despesas médicas em valor não inferior a 54.763$00; 16) Das deslocações às consultas bem como à fisioterapia a autora despendeu quantias não inferiores a 50.000$00; 17) A autora é a beneficiária n.º ... do Centro Nacional de Pensões; 18) Em 28.04.00 a referida beneficiária requereu ao Centro Nacional de Pensões a pensão de invalidez; 19) Realizada a (reunião da) CVIP (Comissão de Verificação da Incapacidade Permanente) em 07.07.00, foi a beneficiária considerada incapaz definitivamente para o exercício da sua profissão, por acidente de viação; 20) Em consequência dessa verificação e porque a beneficiária reunia os requisitos legalmente exigidos, em 21.10.00 foi-lhe deferida pelo Centro Nacional de Pensões a pensão de invalidez a partir de 29.04.00; 21) Desde Abril de 2000 a Janeiro de 2001 foram pagas à beneficiária ora autora pensões no valor total de 466.780$00, sendo o valor mensal da pensão, em Janeiro de 2001, de 39.960$00, ascendendo o valor total das pensões pagas até 31.05.05 a 15.025,75 euros e sendo o valor actual da pensão de 236,01 euros. 3. São três as questões a decidir no âmbito da revista – duas delas relacionadas com a fixação do montante indemnizatório devido à autora pelo dano patrimonial futuro (a primeira) e pelo dano não patrimonial (a segunda), e a terceira respeitante ao momento temporal a partir do qual são devidos os juros de mora fixados nas decisões das instâncias. Nada, pois, de diferente daquilo que constituiu o thema decidendum do recurso de apelação. Vejamos, pois, cada uma delas. 3.1. Na decisão da 1ª instância, as quantias de € 14.004,41 e € 442,89, atribuídas à autora, foram-no a título de perdas salariais até ao final do ano de 2005. O montante de € 42.010,52 foi fixado a título de danos patrimoniais futuros que a autora suportará a partir do ano de 2006. É esta a questão que está em aberto. Para chegar àquele montante, a Ex.ma Juíza que proferiu a sentença – depois de considerar que a perda de ganho anual da autora se cifra em € 4.189,92, correspondente ao vencimento mensal de € 299,28 (60.000$00) vezes 14 meses – apresentou a seguinte fundamentação: Passando a calcular-se a perda de ganho da autora a partir do ano de 2006, verifica-se que, nesse ano de 2006, a autora há-de perfazer 43 anos, pelo que, considerando-se que a esperança de vida activa pode ir até aos 70 anos, são 27 os anos em que terá uma perda anual de 4.189,92 euros, a que corresponde o índice de 10,026570 para o cálculo do capital correspondente à perda de ganho durante a sua vida activa. Deverá, portanto, fixar-se a indemnização pelos danos patrimoniais futuros em 42.010,52 euros (4.189,92x10,026570). A esta quantia deverá ser sempre deduzido o valor de prestações que eventualmente lhe sejam pagas pela Segurança Social até ao trânsito em julgado desta decisão. A Relação considerou adequada a aludida indemnização, realçando embora que o fazia essencialmente, no quadro factual apurado, por apelo a juízos de equidade, “ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos, já que as fórmulas financeiras utilizadas na determinação do quantum indemnizatório por danos patrimoniais futuros apenas relevam como meros elementos instrumentais”. Que dizer? Constitui entendimento pacífico o de que o lesado que vê diminuída, em termos definitivos, a sua capacidade laboral por força do facto lesivo de outrem, tem direito a ser ressarcido pelo prejuízo que daí lhe advém. Tal diminuição acarreta, em termos de normalidade, a diminuição do resultado do seu trabalho e a consequente redução da retribuição desse trabalho; e mesmo que não haja diminuição salarial, vem este Supremo Tribunal entendendo que a IPP (incapacidade permanente parcial) dá lugar a indemnização por danos patrimoniais, ponderando que o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado do trabalho. O entendimento primeiramente enunciado tem, aliás, expressa consagração legal. Na verdade, estabelece o art. 564º/2 do CC (1) que “na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”. Pois bem! 4. Nos termos expostos, concede-se a revista apenas no que concerne ao montante que vem firmado para os danos não patrimoniais, que se fixam em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), confirmando-se, no mais, o acórdão recorrido.Custas, aqui e nas instâncias, por autora e ré, na proporção do vencido. Lisboa, 25 de Outubro de 2007 Santos Bernardino Bettencourt de Faria Pereira da Silva ------------------------------------------------------------------------------- (1) São deste Código os preceitos citados na exposição subsequente sem indicação de origem. (2) Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdãos deste Tribunal, de 25.06.02, Col. Jur.- Acs. do STJ, X, 2, 132, de 19.10.2004 (revista n.º 2897/04, da 6ª Sec.), e de 16.12.2004 (revista n.º 3839/04, da 2ª Sec.). (3) Tal como sucedia na data do acidente, em que o salário mínimo nacional então em vigor era de 56.700$00. (4) Conforme informa o jornal Público, na página 38 da edição de 17 de Setembro, neste momento já se encontram taxas de depósitos a prazo de 4% e 5% e a taxa dos certificados de aforro da Direcção-Geral do Tesouro foi, em Setembro, fixada em 3,546%. Sobre este ponto, cfr. também o estudo do Juiz Conselheiro Sousa Dinis, Dano Corporal em Acidentes de Viação, Separata da Col. Jur. - Acs. do STJ, X, 1, pág. 9. (5) Estudo citado, pág. 9. (6) Ac. de 30.09.2003, na rev. 1949/03, da 6ª Secção. (7) Das Obrigações em Geral, 7ª ed., vol. I, pág. 600. (8) Cf. autor citado, Das Obrigações em Geral, 2ª ed., vol. I, pág. 486. |