Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P4553
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
NULIDADE
EFEITO À DISTÂNCIA
BUSCA
APREENSÃO
IN DUBIO PRO REO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
MEDIDA CONCRETA DA PENA
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
ESCOLHA DA PENA
PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: SJ200802200045533
Data do Acordão: 02/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :


I - Em nome de uma «exigência de superioridade ética» do Estado, das suas «mãos limpas» na veste de promotor da justiça penal, a violação da proibição de provas – que significaria o «encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o próprio crime» – é hoje uma questão de actual e premente abordagem, uma vez que, sob a égide de uma justiça penal eficaz, se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um «clima de moral panic», um «estado de necessidade de investigação», de que fala Hassemer, assistindo-se, segundo este autor, a uma «dramatização da violência» que «encosta a sociedade à parede» e induz a «colonização da política criminal por lastros de irracionalidade», escreve o Prof. Costa Andrade (Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, págs. 68 e 73).

II - As proibições de prova são autênticos limites à descoberta da verdade material, «barreiras colocadas à determinação do objecto do processo», no dizer de Gössel; as regras sobre a produção das provas configuram, diversamente, meras prescrições ordenativas da produção de prova, cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias (Processo Penal, pág. 446).

III - As provas obtidas, além do mais, mediante o recurso à intromissão na correspondência são nulas, nos termos do art. 32.º da CRP, com a consequência da invalidade do acto em que se verificarem, bem como dos que dele dependerem e aquelas puderem afectar – art. 122.º, n.º 1, do CPP. A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos ou ordena, sempre que possível e necessário, a sua repetição (n.º 2), e ao declará-la o juiz aproveita todos os actos que ainda possam ser salvos, de acordo com o princípio utile per inutile non vitiatur – n.º 3 daquele preceito.

IV - O art. 122.º do CPP é um afloramento do problema denominado de «efeito à distância», ou seja, quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova.

V - Uma longa evolução jurisprudencial, de que dá nota o Ac. do TC n.º 198/04, de 24-03-2004 (DR, II Série, de 02-06-2004), exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projecta, os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar, por não verificação da árvore venenosa, reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam: a chamada limitação da fonte independente, a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula «(nódoa) dissipada» – cf. Criminal Procedure, Jerold H. Israel e Wayne R. Lafave, 6.ª Ed., St. Paul, Minnesota, 2001, págs. 291-301.

VI - A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido, ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua da descoberta de novos factos.

VII - O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da «árvore envenenada» tem lugar quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado, ou seja, quando, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.

VIII - A terceira limitação da «mácula dissipada» (purged taint limitation) leva a que uma prova, não obstante derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta, em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.

IX - Resultando dos autos, além do mais, que:
- a investigação desencadeada nos autos teve início com uma denúncia anónima de que o arguido se dedicava ao tráfico de heroína e cocaína, com utilização de correios, coadjuvado por familiares, servindo a residência do arguido ou de uma mulher com quem mantinha uma relação amorosa, sita na T…, como depósito;
- uma fonte anónima, em 22-03-2004, revelou que o arguido, com a irmã e a sua companheira, se deslocou ao Brasil, e uma outra que seria usada uma morada da irmã em B…, para guardar estupefacientes;
- atentas as dificuldades de indagação do tráfico denunciado e de localização dos seus presumíveis agentes e colaboradores, foi ordenada judicialmente a intercepção telefónica aos postos telefónicos n.ºs 9675… e respectivo IMEI, 9698… e respectivo IMEI e 9677… e respectivo IMEI;
- em sequência foi obtida a informação, em 16-04-2004, de que estaria a ser preparada a chegada de um contentor do Brasil, e de outros n.ºs de telemóvel, cuja intercepção foi judicialmente autorizada;
- em 30-04-2004 foi lavrada a informação de que foi detectada na Alfândega do Aeroporto de Lisboa uma encomenda destinada a MS, que foi vistoriada e tinha estupefaciente, na sequência do que foi estabelecida uma operação no Aeroporto a fim de seguir quem a levantasse, solicitando-se buscas, que não incluíam a casa da Rua R…;
- a autoridade judiciária abriu a encomenda – fls. 88 – e substituiu as 18 embalagens de cocaína por outras tantas de farinha de trigo;
- esta encomenda – já com produto inócuo – foi depois levantada por terceiro e entregue na Quinta … na residência da MS, sendo depois transportada para a Rua R…, numa mala tipo trolley, pelo arguido, onde, em 11-05-2004, foi apreendida conjuntamente com uma outra com estupefacientes, devidamente fechada a cadeado e cuja chave estava na posse do arguido; a Relação, ao determinar a nulidade da busca e apreensão da cocaína vinda do Brasil e a que se faz alusão no auto – falso – de fls. 88, de 10-05-2004, definiu o âmbito do alcance da nulidade não só à busca e apreensão de 29-04-2004 mas também a outras dela dependentes, particularmente à apreensão da farinha, à determinação da pertença da impressão digital existente no saco de plástico a que se reporta o exame de fls. 1008-1018 e ao exame do estupefaciente apreendido, não se suscitando dúvidas de que aquela invalidade derivada da busca sem autorização judicial contamina as demais provas postuladas ao nível da investigação e em estrita conexão com elas, pois que subsiste um evidente nexo de antijuridicidade entre a prova principal e a secundária, mercê de um nexo causal informativo entre elas que não pode ser usado contra o arguido.

X - Já quanto ao demais produto estupefaciente e à caçadeira apreendidos na casa da Rua R…, e ao revólver contido no interior do veículo do arguido JS, essa busca e apreensão inscrevem-se no âmbito de uma persistente e prévia actividade investigatória que, a partir da denúncia de que o arguido, familiares e seus correios, estavam ligados ao tráfico, levou a intercepções telefónicas prévias à busca e apreensão a fim de não o deixar escapar à malha penal, em qualquer caso, pelo que se pode concluir que tal obtenção de prova não se mostra contaminada pela busca e apreensão nulas.

XI - A prática dos factos obedecendo a um só dolo de acção nada tem que ver com a ligação entre as provas, entre a prova inválida e a subsequente em termos de aquela inquinar a validade da última, mas com a redução do facto a uma só fattispecie criminal, a um único modelo de acção típica.

XII - Relativamente à violação do princípio in dubio pro reo, do ponto de vista em que se afirma que quer a encomenda fosse aberta e o estupefaciente apreendido antes da entrega pela Alfândega, quer a encomenda fosse entregue e seguido o transportador e depois dele o arguido JS, sem prévia abertura e apreensão, o resultado seria sempre o mesmo, face aos elementos objectivos antes e autonomamente recolhidos, à normalidade indagatória pelos órgãos de polícia criminal, não havendo dúvidas sobre o envolvimento do arguido no tráfico, a este STJ, enquanto tribunal de revista, não cabe censurar a asserção de certeza sobre a autoria a que o colectivo, em sua livre convicção, chegou.

XIII - O STJ só pode censurar o princípio quando verifique pela decisão recorrida que, tendo sucumbido a um estado de dúvida, decidiu contra o arguido; fora deste contexto rege o princípio da livre convicção probatória previsto no art. 127.º do CPP, cuja sindicância lhe escapa. O estado de dúvida é matéria de facto, e as conclusões fácticas tiradas pelas instâncias, sendo matéria de facto, não podem ser censuradas pelo STJ.

XIV - Dentro da moldura penal abstracta correspondente ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, ou seja, a de 4 a 12 anos de prisão, e tendo em consideração que:
- o arguido apenas tem que ser responsabilizado penalmente pela posse de 1672,836 g de heroína e 34, 979 g de cocaína, destinados à venda a terceiros, dispondo de vários produtos fármacos para operações de corte e rentabilização do negócio;
- não tem antecedentes criminais e mostra-se inserido socialmente;
- o crime em causa é dos mais graves do ordenamento jurídico, de alcance polimórfico, já pelo seu carácter altamente criminógeno, estando na origem de graves crimes, já pela perturbação social grave a que conduz, arruinando a saúde física e psíquica do viciado, a sua liberdade individual, causando instabilidade familiar e social, absentismo laboral, levando a gastos financeiros de todos em vista da recuperação e cura;
- o arguido determinou-se, ao deter os estupefacientes, dos mais perniciosos, por um fim altamente reprovável, a ganância do lucro, visado intencionalmente, actuando com dolo intenso;
- detendo produtos de corte, viciando a genuinidade do produto, em vista de maior ganho, o arguido mostra que não é um iniciado no mundo do tráfico, um miserável dealer de rua, mas alguém com vincada inserção nesse comércio repugnante, uma personalidade desconforme em grau elevado ao direito e a regras salutares de convivência comunitária;
- perfilam-se, deste modo, sentidas necessidades de pena, já pela importância dos bens jurídicos a proteger, já pela frequência da prática do crime de tráfico de estupefacientes entre nós, como forma de actuação dissuasora e tranquilidade colectiva;
- o próprio arguido carece de emenda cívica, de interiorização do mal que se propunha fazer, pois a quantidade de heroína detida é significativa, considerando que, apesar de inserido socialmente, não deixou de enveredar por uma prática das mais repugnantes e que socialmente é das que mais alarme causa;
- a ausência de antecedentes criminais não significa sequer bom comportamento anterior, de muito reduzida valia se apresentando; a pena de prisão aplicada, de 8 anos de prisão, justifica, não obstante o grau de nocividade extrema da heroína e a sua quantidade, a posse de cocaína e os demais critérios de formação da pena, uma ligeira redução a 7 anos e meio de prisão.

XV - A detenção ilegal de armas (in casu, um revólver de calibre 9 mm e 52 mm de comprimento, apto a disparar) atenta contra a segurança colectiva e a tranquilidade social, associando-se à prática de graves crimes, de modo que, para prevenção destes inconvenientes, a pena de multa se mostra inadequada ao juízo de reprovação social que merece o uso de armas de fogo fora do controle das autoridades competentes.

XVI - E quando numa pena de concurso entra uma pena de prisão e uma de multa em alternativa registam-se os inconvenientes das «penas mistas», devendo nesse caso optar-se por uma pena homogénea de prisão – cf. Ac. deste STJ de 21-10-2004, Proc. n.º 2947/04 - 5.ª.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

No processo comum n.º 46/04.0 JELSB da 1ª Vara Mista de Sintra , com intervenção do tribunal colectivo , foram submetidos a julgamento ( o segundo derivado da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa) :

AA e BB, vindo , a final , a ser :
- absolvida a arguida BB
- condenado o arguido AA em :
- oito (8) anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21°, nº 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, e
- nove (9) meses de prisão por um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelos artigos 1º, nº 1 al. d), e nº 2, e 6º, nº 1, da Lei 22/97, de 27 de Junho, na redacção da Lei 98/01, de 25 de Agosto , em cúmulo jurídico na pena unitária de 8 anos e 3 meses de prisão .

I . O arguido interpõs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que , por seu acórdão de 2.10.2007 , manteve o acórdão proferido em último lugar .

II O arguido AA interpôs recurso dirigido ao STJ que motivou com as seguintes conclusões:

O Tribunal da Relação apenas se limitou a desenvolver e defender o acerto da decisão recorrida , sem abordar detalhadamente todas questões antecedentemente colocadas .

A realidade contida nos autos que respeita ao “ efeito à distância “ , assente na decisão da 1.ª instância, revela-se acentuadamente de forma diferente .
Contrariamente ao determinado no acórdão recorrido não pode deixar de se dar como assente que no que tange às apreensões na residência de CC, a obtenção de prova não se relaciona , apenas , acidentalmente , mas directamente com a informação recolhida através de actos nulos praticados e dos deles decorrentes não podendo a mesma deixar de ser afectada pelo desvio sofrido .
É patente que , na especificidade do caso concreto submetido a julgamento , é evidente a conexão causal entre a prova obtida mediante o método proibido e a prova secundária , porquanto sem as diligências de busca e apreensão de droga anuladas , isto é sem a prova inquinada não se teriam alcançado as demais provas chegadas ao processo .
Não é , pois , caso de excluir o “ efeito á distância “ .
Aliás , sem margem para dúvidas , não é de excluir com fundamento na inexistência de um nexo de antijuridicidade entre a prova nula e a prova subsequente , não contendo os autos elementos bastantes para seguramente legitimarem tal entendimento preconizado .
Considerando que a busca e apreensão realizadas na residência de CC não são provenientes de uma actividade investigatória levada a cabo autonomamente pela PJ , que não foi possível apurar a origem do estupefaciente contido na mala verde ; que no que respeita ao tráfico mais abrangente , prolongado no tempo , levado a cabo pelo recorrente nada se provou no acórdão condenatório e que a conduta imputada ao arguido não integra a prática de dois crimes de tráfico de estupefacientes em concurso real , mas um crime desta natureza a punir segundo as regras do crime continuado , não se podendo até deixar de colocar questões relacionados com o princípio da “ reformatio in pejus “ .
Por virtude de o acórdão da Relação não ter apreciado o recurso com toda a extensão assiste-se a omissão de pronúncia , sendo nulo , nos termos dos art.ºs 428.º n.º 1 , 431.º a) , 425.º n.º 4 e 379.º n.º 1 c) , do CPP .
Cumulativamente se mostram comprovadas e reunidas todas as condições de que depende o reconhecimento entre nós do efeito á distância , pelo que a prova obtida através da apreensão e buscas realizadas pela autoridade de polícia em 11.5.2004 devia ter acabado por ser declarada nula pela Relação com o mesmo vício de prova resultante da busca e apreensão efectuadas na Alfândega do Aeroporto de Lisboa no dia 29 de Abril de 2004.

O Colectivo considerou como afastado esta asserção com o fundamento em que quer a encomenda tivesse sido aberta e o estupefaciente apreendido antes da entrega pela Alfândega , quer a encomenda tivesse sido entregue e seguido o transportador e depois dele o arguido AA , sem prévia abertura e apreensão , o resultado seria o mesmo e por outro lado quanto às apreensões na casa do Cacém verifica-se a excepção da mácula dissipada na medida em que a obtenção da prova não se relaciona directamente com a informação recolhida através da prática de actos nulos , mas antes está correlacionada com um conjunto investigatório anterior independente e com uma intervenção volitiva de terceiro , a de CC ao autorizar a busca , o que se não verifica .

Na verdade relativamente ao primeiro fundamento porque a 1.ª instância não dispunha de elementos de facto decorrentes da audiência que lhe permitissem dá-lo como comprovado e muito menos como seguramente certo , funcionando o princípio “ in dubio pro reo “ .
Relativamente ao segundo ponto , porque , tal como os factos derivam da acusação pública , torna-se evidente que toda a actividade foi desenvolvida pelo recorrente a coberto de um só dolo , único e inicial , ao abrigo de um único plano previamente traçado ao longo do tempo , objecto de uma única actividade investigatória por banda dos órgão policiais , como sucede neste tipo de crimes .
Ao contrário do defendido na decisão recorrida verifica-se a manutenção de um nexo de antijuridicidade entre a prova nula e a subsequente , permitindo concluir que em caso algum a cadeia de desvalor não foi em caso algum quebrada e que a busca e apreensão efectuada em 11.5.2004 na residência de CC , não é propriamente fruto de uma actividade investigatória autónoma , sendo portanto fruto do tronco principal, sadio que a investigação conduzida até à encomenda constitui .

A prova inquinada foi causa directa da efectivação da busca àquela residência , nada tendo sido apurado quanto à origem da droga que , então , aí acabou por ser apreendida no interior daquela mala de cor verde .

Só não seria de julgar assim se se demonstrasse que a busca e apreensão efectuadas , enquanto carreadoras de diferente prova , eram absoluta e processualmente independentes da apreensão que foi efectuada na Alfândega do Aeroporto de Lisboa em 29.4.2004 , por este meio ilegal não ter virtualidade para inquinar toda a restante prova produzida nos autos .
Cristalinamente se comprova que foi o conhecimento prévio e ilegítimo do conteúdo do volume que compunha a encomenda aérea na qual foi encontrado o estupefaciente que foi a única causa que desencadeou a posterior acção policial .

Não se verificando essa independência entre a apreensão pela Alfândega e todas restantes , não se pode concluir pela irrelevância dos “ efeitos “ jurídicos das demais , admitindo-se como válidas toda a prova obtida com posteriores apreensões .
A este respeito o Prof. Costa Andrade , in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , pág. 65 , quando diz que tal efeito se não verificará quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório .

Não devia ser atendida a prova contida no processo quanto a qualquer um dos crimes por que foi condenado , devendo ser absolvido , sob pena de grosseira violação dos art.ºs 18.º , 32.º , n.º 8 , 34.º n.ºs 1 e4 , da CRP , 118.º , 122.º , 126.º e 359.º , do CPP .

É , por outro lado , excessiva a pena unitária de 8 anos e 3 meses imposta , quando comparativamente com casos análogos .
Nenhuma prova se fez de venda de heroína e de cocaína e nem nenhuma actividade delituosa se mostra relacionada com o uso do revólver , para além de não ser detido com ele e a sua prisão ocorreu sem violência , mostrando-se violado o princípio da proporcionalidade , considerando-se as pertinentes molduras penais quanto aos crimes de detenção ilegal de arma e tráfico de estupefacientes .
Não existe razão para condenação em pena de prisão antes de multa quanto à detenção ilegal de arma .
Pede , ainda , que seja valorada a ausência de antecedentes criminais , a sua inserção social e o seu débil estado de saúde.

Mostra-se violado o princípio “ in dubio pro reo “ e o disposto nos art.ºs citados da CRP e CPP , bem como os art.ºs 40.º , 70.º e 71.º , do CP .

III A Exm.ª Procuradora Geral-Adjunta na Relação entende que deve ser mantida a decisão recorrida .

IV. E neste STJ a Exm.ª Procuradora Geral Adjunta propende a defender o acerto da decisão recorrida e a aplicação de uma pena de , pelo menos , 7 anos e 3 meses de prisão .
V. Colhidos os legais e após o segundo julgamento realizado , por determinação anterior da Relação que declarou nulas a busca e apreensão efectuadas em 29.04.2004, pelas autoridades aduaneiras, considerando falso o auto de fls. 88 e como tal nulo, bem como nula a prova dele decorrente foram considerados provados os factos seguintes :

A) O arguido AA é conhecido pela alcunha de "Tchum Tchum" e de nacionalidade caboverdiana;---

B) No dia 29 de Abril de 2004, chegou por via aérea ao aeroporto de Lisboa uma encomenda de roupas, proveniente do Brasil, encomendada pelos arguidos AA e BB;---

C) O anexo 1, do nº..., da Rua Ribeira das Jardas, no Cacém, encontrava-se arrendado à arguida CC, em 10 de Maio de 2004;---
D) Em 11 de Maio de 2004, os arguidos AA e BB encontravam-se ambos na residência sita no primeiro andar esquerdo do Lote ... do bairro da Quinta do Mocho, em Loures, quando lhes foi detectado e apreendido: dois telemóveis (um do arguido AA e outro da arguida BB); dois passaportes (um do arguido AA e outro da arguida BB); documentação alfandegária referente a uma carga aérea recebida; bilhetes de avião referentes a viagens ao Brasil e a Amsterdão; extractos de hotéis referentes a estadias no Brasil em nome de AA; documentos referentes a outras cargas provenientes do Brasil; talões de câmbio de moeda do Banco do Brasil; várias facturas referentes a aquisição de vestuário no Brasil; cartões de visita com referências a hotéis e lojas no Brasil; dois cartões de segurança da TMN referentes aos números 96... e 96..., este correspondente ao número utilizado pela arguida BB;---
E) No mesmo dia 11 de Maio de 2004, na Rua Ribeira das Jardas, nº..., no Cacém, no anexo 1, arrendado a CC, foi encontrada no interior da residência de CC, no quarto de cama, uma mala de cor verde, fechada com um cadeado, cuja chave estava na posse do arguido AA; no interior desta mala encontravam-se diversos sacos contendo: heroína com o peso líquido de 1.672,836 gramas (mil seiscentos e setenta e dois gramas e oitocentos e trinta e seis miligramas); cocaína com o peso líquido de 34,979 gramas (trinta e quatro gramas e novecentos e setenta e nove miligramas); bicarbonato de sódio com o peso líquido de 2,630 gramas (dois gramas e seiscentos e trinta miligramas); paracetamol e cafeína com o peso líquido de 3.385,100 gramas (três mil trezentos e oitenta e cinco gramas e cem miligramas); ácido bórico com o peso líquido de 2.348,900 gramas (dois mil trezentos e quarenta e oito gramas e novecentos miligramas), produtos estes utilizados no corte do estupefaciente; e, ainda, uma colher com resíduos de cocaína e duas balanças digitais destinadas a pesar o estupefaciente, com resíduos de cocaína e heroína;---
F) Na residência referida (anexo 1 do nº... da Rua Ribeira das Jardas, Cacém), encontrava-se também uma espingarda caçadeira de calibre 12, com a coronha e os canos serrados, e respectivas munições (cartucho de caça) em número de 123, sem que tenha sido possível apurar se se encontrava no interior do roupeiro, sem mais, ou no interior da mala verde;---
G) A caçadeira de canos serrados encontrava-se em condições de efectuar disparos e, após a serragem dos canos e da coronha, ficou reduzida a 57cm de comprimento, o que permitia efectuar disparos a curta distância, com maior impacto e dispersão dos chumbos;---
H) No dia 11 de Maio de 2004, ao arguido AA foi apreendido um revólver de marca Amadeo Rossi, calibre 38, ou 9 mm, com cerca de 52 (cinquenta e dois) milímetros de cano, com o número de série rasurado, carregado com seis munições, em boas condições de funcionamento e apto a efectuar disparos, sem estar registado; dez munições calibre 38 para o referido revólver; um telemóvel com um chip da Optimus; dois cartões de segurança da operadora TMN, referentes aos números 96... e 96..., sendo este último o número utilizado pelo arguido AA nos seus contactos; um passaporte em nome do arguido AA; talões de bagagem, cartão de embarque, bilhete de avião relativos a viagens Lisboa/São Paulo e São Paulo/Lisboa, em nome do arguido AA; uma pulseira e um fio em ouro; uma chave pequena em metal de cor amarela, chave esta correspondente ao cadeado da mala verde apreendida em casa da CC, contendo o produto estupefaciente; um porta-chaves contendo um total de seis chaves, sendo uma delas correspondente à residência de CC;---
I) O arguido AA não tinha licença para uso e porte de qualquer arma de defesa ou outra;---
J) No dia 21 de Maio de 2004, foram encontradas na Avenida Aristides de Sousa Mendes, lote ... B, Tapada das Mercês, Sintra, instalações de firmas indicadas do arguido AA, sete documentos de vendas a dinheiro referentes a pagamentos relacionados com viagens e uma agenda telefónica;---
L) Nos anos fiscais de 2001, 2002 e 2003, o arguido AA declarou em sede de IRS rendimentos auferidos em território português na categoria A (trabalho dependente) no montante de € 18.580,23 (dezoito mil, quinhentos e oitenta euros e vinte e três cêntimos) e de € 13.168,32 (treze mil, cento e sessenta e oito euros e trinta e dois cêntimos) e de € 7.182,72 (sete mil, cento e oitenta e dois mil e setenta e dois cêntimos), respectivamente;---
M) A arguida BB procedeu à entrega de declarações em sede de IRS para os anos fiscais de 2001 e 2003, tendo declarado rendimentos auferidos em território português na categoria A (trabalho dependente) no montante de € 2.076,60 (dois mil e setenta e seis euros e sessenta cêntimos) e de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), respectivamente;---
N) Entre 20 de Novembro de 2003 e 10 de Maio a arguida BB efectuou em seu nome diversas importações de mercadorias, todas provenientes do Brasil;---
O) No mesmo período de tempo, os arguidos BB e AA efectuaram diversas viagens ao Brasil;---
P) O arguido AA era dono de um cabeleireiro na Avenida Embaixador Aristides Sousa Mendes, ...-B, Cacém, tendo ainda associadas a esta morada como aí sedeadas outras firmas, como a firma “S... e S... – Comércio de Comidas e Bebidas, Lda”, das quais o arguido se apresentava como sócio-gerente;---

Q) Os arguidos conheciam as características estupefacientes da heroína e da cocaína;---
R) O arguido AA, detinha a heroína e cocaína existentes na mala verde apreendida em casa de CC, com o objectivo de vender a terceiros os produtos referidos, e tinha consciência de que a sua conduta constituía crime e que era punida, mas mesmo assim quis praticá-la, com intuito lucrativo;---
S) O arguido AA sabia que não podia deter o revólver de marca "Amadeo Rossi", de 9 mm, por não ser possuidor de licença para uso e porte de arma de defesa e que a sua conduta constituía crime;---
T) Dos certificados de registo criminal dos arguidos nada consta;-
U) O arguido AA desenvolve actividade empresarial na área da construção civil;--
V) A arguida BB vive em Portugal e trabalha como empregada de refeitório ; tem duas filhas de cerca de nove e onze anos de idade , recebeu o rendimento mínimo garantido e tem atribuido pela Cãmara Municipal de Loures um espaço para instalação de um estabelecimento comercial ; mantinha uma relação amorosa com o arguido AA .


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VI . Uma breve exposição factual auxiliará à compreensão da tese do recorrente ,tendo como ponto de partida que em 29.4 .2004 as autoridades aduaneiras , a mando da PJ , procederam nas instalações do Aeroporto de Lisboa a uma busca e apreensão , sem autorização do M.º JIC , a uma encomenda de roupa , remetida do Brasil , tendo como destinatários , seus importadores , os arguidos AA e BB .
Datado de 10.5.2004 procedeu-se à elaboração de um denominado auto de verificação e abertura de encomenda aérea , presidido pela Exm.ª JIC , na presença do M.º P.º e de órgãos de polícia criminal , do qual consta que , abertos os pacotes de roupa , se achavam , no meio daquela , 18 embalagens contendo 9, 250 Kgs. de cocaína , então apreendida , produto entretanto substituído por outras tantas embalagens , desta feita por produto inócuo , mais concretamente farinha de trigo , tudo como figura a fls . 88.

Em 11 de Maio de 2004 , mediante busca na residência de ambos os arguidos , sita no primeiro andar esquerdo do Lote ... do Bairro da Quinta do Mocho , em Loures , onde ambos se achavam , foram encontrados dois telemóveis , dois passaportes , documentação alfandegária referente a várias cargas aéreas recebidas do Brasil , talões de câmbio de moeda brasileira , bilhetes de avião referentes a viagens ao Brasil e a Amsterdão , extractos de hóteis referentes a estadias no Brasil por parte do arguido e facturas de aquisição de vestuário no Brasil e dois cartões de segurança da TMN , um dos quais reportado à arguida .

Nesse mesmo dia 11 de Maio de 2004 , na Rua Ribeira das Jardas , n.º... , em Cacém , no Anexo 1 , arrendado a CC foi encontrada no interior , no quarto de dormir daquela , uma mala de cor verde , fechada a cadeado , cuja posse se achava em poder do arguido , contendo um saco com o peso líquido de 1, 672836 Kgrs. de heroína e 34,979 grs. de cocaína , 2, 630 grs. de bicarbonato de sódio , 3.385, 100 Kgrs .de paracetamol , 2,348900 Kgs . de ácido bórico , usados no corte de estupefacientes , uma colher de resíduos de cocaína e duas balanças destinadas a pesar estupefacientes , com resíduos da heroína e cocaína .

A Relação de Lisboa , em recurso da condenação primitivamente imposta , anulou aquela busca e apreensão de 29.4.2004 , por força do disposto nos art.ºs 174.º , 178.º e 179.º , do CPP , e mais declarou ser falso , procedendo o incidente de falsidade deduzido , aquele auto de verificação e abertura de encomenda aérea na Alfândega de Lisboa , ou seja tal meio de prova bem como a prova dele decorrente , anulando o julgamento .

A Relação na sequência repete o julgamento , de que , de novo , é interposto recurso , decidindo –se neste segundo julgamento , absolver a arguida e condenar o arguido AA nas penas já antes referenciadas , movendo-se as questões suscitadas pelo arguido , em primeira mão , em torno de uma errada valoração das provas obtidas através das buscas e apreensões realizadas em 11 de Maio de 2004 em íntima conexão , derivadas mesmo , daquela busca e apreensão ilegal de 29.4.2004 , concretizada pelas autoridades aduaneiras , sob directrizes da PJ , e, subsidariamente , num excesso de pena .

VII . Em nome de uma” exigência de superioridade ética “ do Estado , das suas “ mãos limpas “ na veste de promotor da justiça penal , a violação das proibição de provas , que significaria o “ encurtamento da diferença ética que deve existir entre a perseguição do crime e o prório crime “ , é hoje uma questão de actual e premente abordagem , uma vez que sob a égide de uma justiça penal eficaz , se vem mobilizando a doutrina e a jurisprudência para um “ clima de moral panic “ , um “ estado de necessidade de investigação “ , de que fala Hassemer , assistindo-se segundo este autor , a uma “ dramatização da violência “ que “ encosta a sociedade à parede “ e induz a “ colonização da política criminal por lastros de irracionalidade “ , escreve o Prof. Costa Andrade , in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal , págs. 68 e 73 .
As proibições de prova são autênticos limites à descoberta da verdade material , “ barreiras colocadas à determinação do objecto do processo” , no dizer de Gössel ; as regras sobre a produção das provas , configuram , diversamente , meras prescrições ordenativas da produção de prova , cuja violação não poderia acarretar a proibição de valorar como prova , no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias , Processo Penal , pág. 446 .
As provas obtidas , além do mais , mediante o recurso à intromissão na correspondência , são nulas , nos termos do art.º 32 .º , da CRP , com a consequência da invalidade do acto em que se verificarem , bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar –art.º 122.º n.º 1 , do CPP .
A declaração de nulidade declara quais os actos que passam a considerar-se inválidos ou ordena sempre que possível e necessário a sua repetição ( n.º 2 ) e ao declará-la o juíz aproveita todos os actos que ainda podem ser salvos , de acordo com o princípio “ utile per inutile non vitiatur “ –n.º 3 , daqele preceito .
O preceito em causa é um afloramento do problema “ desesperadamente controverso “ , no dizer de Rogall , citado pelo Prof. Costa Andrade , op. cit . , pág. 61 , denominado de “ efeito à distância ( Fernwirkung ) , ou seja quando se trata de indagar da comunicabilidade ou não da valoração aos meios secundários da prova tornados possíveis à custa de meios ou métodos proibidos de prova .
Quando , parafraseando-se , ainda , o Prof. Costa Andrade , op.cit . , pág. 61, encarando-se certo crime , que uma prova não é válida –caso da busca e apreensão ilegais de 29.4.2004-, tudo se passando-se como não existisse , importa apurar em que medida , complementarmente , essa proibição se projecta prospectivamente ou não nos factos ou provas ulteriores ( buscas de 11.5.2004) , de que modo a anomalia refrange , comunicando-se , a outros meios de prova , à distância “ , tendo sempre presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança colectiva e a afirmação do primado da lei sob o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança , não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras préestabelecidas sem atropelo às garantias de defesa em favor do acusado .
O efeito à distância das provas inválidas sobre outras pressupõe e não abdica da indagação dicotómica sobre a verificação ou não “ de um “ nexo de antijuridicidade “ que aquele fundamente ou de um grau de independência , de autonomia , da prova relativamente à primeira, desta se destacando e se subtraindo .

VIII Historicamente o “ efeito à distância “ , já reconhecido como vigente entre nós por Figueiredo Dias , antes do CPP actual –cfr. Para uma Reforma Global do Processo Penal , in Para uma Nova Justiça Penal , Coimbra , 1983 , 208- aparece pela primeira vez proclamado na sentença do juíz Oliver Wendell Holmes, em 1920 , a propósito do caso Silverthorne Lumber Co .v. United States ( 251 U . S . , 385) dela se extraindo que foi pensamento cristalino o de que se o conhecimento de factos obtidos ilegalmente o Governo não os pode aproveitar ,já , e ,diversamente , se “ o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente ( independent source ) podem ser provados , como quaisquer outros …” .
Em torno desta ideação construiu , em 1939 , o Juíz Félix Frankfurter , do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos , no caso Nardone v. United States , ( 308, U S , 338 ) a metáfora , não mais abandonada , irradiando , desde logo para os direitos continentais , do “ fruto da árvore venenosa “ ( Fruit of the poisonus tree ) , podendo dizer-se constituir o meio de prova inválido a árvore venenosa , importando saber se flui dela a prova ulterior , como “ fruto “ envenenado “ ou são .

IX Uma longa evolução jurisprudencial , de que dá nota o Ac. do TC , n.º 198/04 , de 24/3/2004 , in DR , II Série, de 2.6.2004 ,exemplificou os casos em que aquele efeito à distância se não projecta , os casos em que a indissolubilidade entre as provas é de repudiar , por não verificação da árvore venenosa , reconduzindo-os a três hipóteses que o limitam : a chamada limitação da fonte independente , a limitação da descoberta inevitável e a limitação da mácula “ ( nódoa) dissipada” -cfr. Criminal Procedure , Jerold H .Israel e Wayne R. Lafave , 6.ª Ed., St . Paul , Minnesota , 2001 , págs. 291 a 301 .

A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido , usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir , probatoriamente , aquele a que originário tendia , mas foi impedido ; ou seja quando a ilegalidade não foi “ conditio sine qua “ da descoberta de novos factos .
O segundo obstáculo ao funcionamento da doutrina da “ árvore envenenada “ tem lugar quando se se demonstre que uma outra actividade investigatória , não levada a cabo , seguramente iria ocorrer na concreta situação , não fora a descoberta através da prova proibida , conducente inevitavelmente ao mesmo resultado , ou seja quando inevitavelmente , apesar da proibição , o resultado seria inexoravelmente alcançado .

É sintomático desta limitação o caso Williams II , de 1983 , em que o interrogatório do arguido não foi precedido da leitura dos Miranda Warnings , todavia aquele localizou o cadáver da vítima , que viria , porque simultâneamente , corriam buscas , mais tarde , a ser descoberto . Estando em causa meios legais de descoberta de crimes , então a dissuasão para não uso dos meios ilegais , pela preponderância de outros meios , tendo os ilegais uma base tão reduzida , não justifica o seu afastamento .

A terceira limitação da “ mácula dissipada “ ( purged taint limitation ) leva a que uma prova , não obstante derivada de outra prova ilegal , seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela representem uma forte autonomia relativamente a esta , em termos tais que produzam uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente . Foi o caso Wong Sun e al.v. United States ( 371 , US ., 471 , em 1962 ) , resumindo situações em que a ilegalidade de uma prova anterior se não projecta numa actividade posterior porque assente em decisões autónomas e produto de livre vontade em que se quebra o nexo de antijuridicidade entre a prova ilegal e a confissão .

X Estes critérios provindos do direito anglo -saxónico , mais norte-americano , nem por isso deixam de servir de caminhos de orientação no direito europeu , que apontam para um esforço cuidado de interpretação dos factos com vista à fixação do “ efeito à distância “ , com consagração entre nós , como dito , no art.º 122.º n.º 2 , do CPP , cuja não aceitação equivaleria a neutralizar “ a expressividade cultural e jurídica da proscrição dos meios proibidos de prova “ e a “ compelir o arguido a cooperar na sua própria condenação “ – cfr . , ainda , Prof. Costa Andrade , op . cit . , pág. 315 .

XI A investigação desencadeada nos autos permite aferir da ilegalidade da busca pelas autoridades aduaneiras , corroboradas pela PJ , mas , também , que ela tem por começo uma denúncia anónima de que o arguido se dedicava ao tráfico de heroína e de cocaína , com utilização de correios , coadjuvado por familiares , servindo a residência do arguido ou de uma mulher com quem mantinha uma relação amorosa , sita na Tapada das Mercês , como depósito .

Uma fonte anónima , em 22 de Março de 2004 , revela que o arguido , com a irmã e a sua companheira , se deslocou ao Brasil e uma outra que seria usada uma morada da irmã em Barcarena , para guardar estupefacientes .

Atentas as dificuldades de indagação do tráfico denunciado , localização dos seus presumíveis agentes e colaboradores foi ordenada judicialmente a intercepção telefónica aos postos telefónicos n.ºs 967552026 e respectivo IMEI , 969881352 e respectivo IMEI e 967775190 e respectivo IMEI .
Em sequência obtém-se a informação em 16.4.2004 de que estaria a ser preparada a chegada de um contentor do Brasil e de outros n.ºs de telemóvel , cuja intercepção foi judicialmente autorizada .

Em 30 de Abril de 2004 é lavrada a informação de que foi detectada na Alfândega do Aeroporto de Lisboa uma encomenda destinada a Maria BB , que foi vistoriada e tinha estupefaciente , na sequência do que é estabelecida uma operação no Aeroporto a fim de seguir quem a levantasse , solicitando-se buscas , que não incluem a casa da Rua da Ribeira das Jardas .
A autoridade judiciária abriu a encomenda –fls . 88 –e substituiu a cocaína ( 18 embalagens ) por outras tantas de farinha de trigo .
Esta encomenda -já com produto inócuo - foi depois levantada por terceiro e entregue na Quinta do Mocho na residência da BB , sendo depois transportada para a Rua da Ribeira das Jardas , numa mala , tipo trolley , pelo arguido onde , em 11 de Maio de 2004 , foi apreendida conjuntamente com uma outra com estupefacientes , devidamente fechada a cadeado e cuja chave estava na posse do arguido.
A Relação ao determinar a nulidade da busca e apreensão da cocaína , vinda do Brasil e a que se faz alusão no auto –falso –de fls . 88 , de 10.5.2004 , definiu o âmbito do alcance da nulidade não só à busca e apreensão de 29.4.2004 mas também a outras dela dependentes , particularmente à apreensão da farinha , à determinação da pertença da impressão digital existente no saco de plástico a que se reporta o exame de fls . 1008 a 1018 e ao exame do estupefaciente apreendido , não se suscitando dúvidas de que aquela invalidade derivada da busca sem autorização judicial contamina as demais provas postuladas ao nível da investigação e em estrita conexão com elas.
Subsiste um evidente nexo de antijuridicidade entre a prova principal e a secundária , mercê de um nexo causal informativo entre elas que não pode ser usado contra o arguido .

XII . Outra questão é de indagar se o efeito à distância por virtude de tal busca e apreensão , enquanto meios de prova proibidos se verifica quanto ao demais produto estupefaciente e caçadeira apreendida na casa da Rua de Ribeira das Jardas n.º... e ao revólver contido no interior do veículo do arguido AA .

Essa busca e apreensão inscrevem-se no âmbito de uma persistente e prévia actividade investigatória , consequente daquele estado de necessidade de investigação em que o mundo se vê imerso mercê do flagelo à escala mundial que representa o tráfico de estupefacientes , que , partindo da denúncia de que o arguido , familiares e seus correios, estavam ligados ao tráfico , levou a intercepções telefónicas prévias à busca e apreensão a fim de o não deixar escapar à malha penal , em qualquer caso , de onde poder concluir-se que , face à informação sobre uma encomenda vinda do Brasil , país sul americano de onde , ensina a experiência é frequente a remessa de cocaína para o nosso País , que a apreensão criminalmente perseguida se mostra sustentada por meios de prova que a busca inicial não contaminou , apresentando-se não “ como “ fruto” daquele ramo da árvore que a abertura e apreensão anuladas constituem , mas tronco principal e sadio , consequência a que o arguido estava inelutavelmente condenado , mesmo sem a apreensão invalidada .

A premência na luta entre nós contra o crime de tráfico de estupefacientes , face à posição privilegiada que Portugal nele ocupa enquanto plataforma para a Europa , ao nível de infiltração de correios , já não só sul-americanos mas agora também nigerianos e guineenses , à fragilidade costeira nacional , levaria inexoravelmente ao resultado alcançado e à limitação da descoberta inevitável , face à autorização da busca pela Maria José Tavares .
“… Conhecida como era a chegada da encomenda e a data e a proveniência da mesma e suspeitando-se da natureza do seu conteúdo , como resulta das informações policiais existentes no inquérito obtidas através das intercepções telefónicas e outras diligências , sempre seria razoável supõr que a investigação iria incidir sobre a mesma , através da vigilância e perseguição do seu transportador e posteriormente em relação à pessoa de AA , mesmo que tal abertura não tivesse acontecido, como aconteceu , e no momento em que foi levada a cabo “ , escreveu-se no acórdão recorrido , com o que se concorda plenamente .
A fonte independente , enquanto limitação ao efeito à distância , colhe pleno cabimento na medida em que se desencadeou um meio de prova anterior que permite induzir , probatoriamente , o efeito aquele a que originário tendia , mas foi impedido ou seja que a ilegalidade não foi “ conditio sine qua “ da descoberta de novos factos.
A terceira limitação derivada da “ mácula dissipada “ ( purged taint limitation ) também se concretiza na medida em que os meios de prova usados representam uma forte autonomia relativa ao meio ilegal , dela suficientemente distintos , em termos tais que , vistos os objectivos a prosseguir , ele se torna tão longínqua que a “ mácula “ se atenua .
A apreensão baseia-se em investigação anterior de ordem tal que a ilegalidade de permeio cometida pelo órgão de polícia criminal se dilui , que concorreria , a ser outro o entendimento , para uma autêntica impunidade , um efeito “ dominó” que arrasta todas as provas que , em quaisquer circunstâncias , se hajam produzido em momento posterior à prova produzida e possam ter com ela alguma relação
A obtenção da prova em casa de CC não resulta directamente da informação recolhida através da busca e apreensão nulas , ou seja que estas sejam causa necessária ou determinante daquela , o que é visível em relação à arma encontrada no veículo do arguido .

XIV Por outro lado a prática dos factos obedecendo a um só dolo de acção nada tem que ver com a ligação entre as provas , entre a prova inválida e a subsequente em termos de aquela , na óptica do arguido , inquinar a validade da última , mas com a redução do facto a uma só fattispecie criminal , a um único modelo de acção típica .
Relativamente à violação do princípio “ in dubio pro reo “ do ponto de vista em que se afirma que quer a encomenda fosse aberta e o estupefaciente apreendido antes da entrega pela Alfândega , quer a encomenda fosse entregue e seguido o transportador e depois dele o arguido AA , sem prévia abertura e apreensão , o resultado seria sempre o mesmo , face aos elementos objectivos antes e autonomamente recolhidos , à normalidade indagatória pelos órgãos de polícia criminal , não havendo dúvidas sobre o envolvimento do arguido no tráfico , a este STJ , enquanto tribunal de revista , não cabe censurar a asserção de certeza sobre a autoria a que o Colectivo , em sua livre convicção chegou .

O princípio é alienígeno à questão da validade das provas e funciona no plano da apreciação dos factos materiais que proporcionam em termos de consentirem a emissão de um juízo de certeza válido intraprocessualmente , não já ontologicamente , em termos de uma inatingível verdade absoluta , excludente em absoluto de os factos terem ocorrido diversamente
A autonomia que autoriza a subsistência de prova subsequente é produto de um confronto entre os diversos meios de prova recolhidos ao longo das várias fases processuais e não já de convicções concernentemente aos factos que aquelas canalizam para o processo sobre as quais se não afirma qualquer dúvida e nem ela é visível , havendo que declará-la para justa decisão de direito .
Este STJ só pode censurar o princípio quando verifique pela decisão recorrida que ,tendo sucumbido a um estado de dúvida , decidiu contra o arguido ; fora deste contexto rege o princípio da livre convicção probatória previsto no art.º 127.º , do CPP , cuja sindicância lhe escapa .
O estado de dúvida é matéria de facto e as conclusões fácticas tiradas pelas instâncias sendo elas matéria de facto não podem ser censuradas pelo STJ .
Este STJ , no seu Ac. de 7.6.2006 , P.º n.º 06P650 , acessível in www.dgsi.pt , acentuou o carácter não automático da refracção da prova inválida sobre a sequente , havendo que , no caso de efeito à distância indagar se existe uma vincada autonomia , que destaque , de forma substancial , o meio de prova posterior ; se o efeito à distância foi formado sobre uma regra de exclusão por força da qual uma prova que atente contra direitos fundamentais do acusado não pode volver-se contra ele , comportando as excepções da prova obtida por fonte independente , descoberta inevitável ou mácula limitada .cfr., ainda , o Ac. da RL , de 12.12.2006 , da sua 5.ª Sec.

XV. A Relação , aderindo em boa parte da sua fundamentação , ao acórdão da 1.ª instância , não é por esse facto que , acolhendo , reflexivamente , em parte , as razões do acórdão da 1.ª instância , deixa de tomar posição sobre todas as questões suscitadas , pese embora o arguido discordar da argumentação do acórdão recorrido , mas a discordância da argumentação nada tem que ver com a omissão de pronúncia , enquanto causa de nulidade do acórdão .

XVI . Quanto à medida concreta da pena :

O arguido apenas tem que ser responsabilizado penalmente pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes pela posse de 1.672836 grs. de heroína e 34, 979 grs. de cocaína , destinados a venda a terceiros , dispondo de vários produtos fármacos para operações de corte e rentabilização do negócio e pela detenção ilegal de arma ( um revólver de calibre de 9 mm e 52 mm de comprimento apto a disparar ) .

O arguido não tem antecedentes criminais e mostra-se inserido socialmente .

A medida concreta da pena traduz a opção do legislador em matéria de fins e filosofia das penas ; é pela determinação dos fins que se determina a medida concreta da pena .

Na concepção utilitarista de pena , consagrada no art.º 40.º n.º 1 , do CP , visando a protecção dos bens jurídicos e , se possível , a reinserção social do agente criminoso , é a medida da necessidade da pena imposta para tranquilidade do tecido social , que sobressai na sua função preventiva , de dissuasão de potenciais delinquentes , porém quaisquer que sejam as necessidades de prevenção geral e especial em caso algum a medida da pena poder exceder a medida da culpa , que funciona como antagonista da prevenção .
A culpa funciona assim como moldura de topo dentro da qual se situam as submolduras de prevenção geral e especial , esta propondo-se afastar da reincidência o agente do crime , de modo a que respeite, de futuro , o tecido social que hostilizou , intervindo , ainda , as circunstâncias indicadas no art.º 71.º n.º 2 , do CP , que não fazendo parte do tipo agravam ou atenuam a responsabilidade do agente .
Há , na vertente da formação da pena , segundo o art.º 71.º , n.º 1 , do CP , um limite óptimo da pena , mas abaixo deste outros são possíveis de conformar , até se atingir um limite mínimo abaixo do qual a pena se torna comunitariamente insustentável , deixando de corresponder ao sentimento jurídico tornada puro desperdício e inutilidade .

O crime de tráfico de estupefacientes é dos mais graves do ordenamento jurídico , de alcance polimórfico , já pelo seu carácter altamente criminógeno , estando na origem de graves crimes já pela perturbação social grave a que conduz , arruinando a saúde física e psíquica do viciado , a sua liberdade individual , causando instabilidade familiar e social , absentismo laboral , levando a gastos financeiros de todos em vista da recuperação e cura .
O traficante não se compadece , em via de regra , com a miséria humana que causa , atentando contra a dignidade do seu semelhante , por isso o crime de que é autor também é contra a humanidade , que está doente .

O arguido AA, detinha a heroína e cocaína existentes na mala verde apreendida em casa de CC, com o objectivo de vender a terceiros os produtos referidos, e tinha consciência de que a sua conduta constituía crime e que era punida, mas mesmo assim quis praticá-la, com intuito lucrativo.
O arguido AA sabia que não podia deter o revólver de marca "Amadeo Rossi", de 9 mm, por não ser possuidor de licença para uso e porte de arma de defesa e que a sua conduta constituía crime.

Determinou-se , ao deter os estupefacientes , dos mais perniciosos , por um fim altamente reprovável , pela ganância do lucro , visado intencionalmente , actuando com dolo intenso .
O arguido , detendo produtos de corte, viciando a genuinidade do produto, em vista de maior ganho , mostra que não é um iniciado no mundo do tráfico , um miserável “ dealer “ de rua , mas alguém com vincada inserção nesse comércio repugnante , uma personalidade desconforme em grau elevado ao direito e a regras salutares de convivência comunitária , de que a ida
Perfilam-se , deste modo , sentidas necessidades de pena , já pela importância dos bens jurídicos a proteger , já pela frequência da prática do crime de tráfico de estupefacientes entre nós , com as consequências apontadas , como forma de actuação dissuasora e tranquilidade colectiva .

O próprio arguido carece de emenda cívica , de interiorização do mal que se propunha fazer , pois a quantidade de heroína detida é significativa -1.672836 grs. ; bastante menos a de cocaína - 34, 979 grs. , considerando que , apesar de inserido socialmente , não deixou de enveredar por uma prática das mais repugnantes e que socialmente é das que mais alarme causa .
A posse de fármacos , nas quantidades descritas , para “ corte” , situa o tráfico num escalão que ultrapassa uma mínima dimensão .
A ausência de antecedentes criminais não significa sequer bom comportamento anterior , de muito reduzida valia aquela se apresentando .

XVII . A pena de prisão aplicada numa moldura penal de 4 a 12 anos foi a de de 8 ( oito ) anos , que justifica , não obstante o grau de nocividade extrema da heroína e a sua quantidade e a posse de cocaína e os demais critérios de formação da pena , uma ligeira redução a 7 anos e meio de prisão.
Quanto à proposta pena de multa para a detenção ilegal do revólver sendo um crime punido , como é , com prisão e multa , deve dar-se preferência à última , já que a aprendizagem da liberdade do delinquente se faz em liberdade , salvo quando se comprometerem os fins das penas.

A detenção ilegal de armas atenta contra a segurança colectiva e a tranquilidade social associando-se à prática de graves crimes , de modo que para prevenção destes inconvenientes a pena de multa , se mostra inadequada ao juízo de reprovação social que merece o uso de armas de fogo fora do controle das autoridades competentes .
Quando numa pena de concurso entra uma pena de prisão e uma de multa em alternativa registam-se os inconvenientes das “ penas mistas “ , devendo nesse caso optar-se por uma pena homogénea de prisão –cfr. AC. deste STJ , de 21.10.2004 , in P.º n.º 2947/04 -5.ª Sec. -, com o que se desatende à pretensão .

XVIII . Assim , provendo-se em parte ao recurso , e revogando-se nessa medida o acórdão recorrido , se condena como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes , p . e p . pelo art.º 21.º n.º 1 , do Dec.º -Lei n.º 15/93 , de 22/1 , em 7 anos e meio de prisão e , como autor material de um crime de detenção ilegal de arma , p . e p . pelo art.º 6.º n.º 1 da Lei n.º 22/97 , de 27/6 na redacção da Lei n.º 98/01 , de 25/8 - numa moldura mais favorável do que a prevista nos art.ºs 2.º n.º 1 p) , 3.º n.º 3 e 86.º n.º 1 c) e 90 .º da Lei n.º 5/06 , de 23/2 -com pena de prisão de 30 dias a 2 anos ou multa de 10 a 240 dias na pena de 9 meses de prisão e cúmulo jurídico numa pena unitária , considerando os factos e a sua personalidade , de 8 ( oito ) anos de prisão .

Condena-se ao pagamento de 12 Uc,s , acrescendo ½ de procuradoria a favor dos SSMJ

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Fevereiro de 2008

Armindo Monteiro (Relator)
Santos Cabral
Pereira Madeira

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