Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
287/12.6TBAMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: INQUÉRITO JUDICIAL
SOCIEDADE ANÓNIMA
SÓCIO
DIREITO A SER INFORMADO
RECUSA
Data do Acordão: 04/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - SOCIEDADES ANÓNIMAS / OBRIGAÇÕES E DIREITOS DOS ACCIONISTAS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 215.º, N.º2, 216.º, N.º1, 288.º, N.º1, 290.º, 291.º, N.ºS 2 E 4, 292.º, N.º1.
Sumário :

E ilícita a recusa por parte de uma sociedade anónima em prestar informações sobre assuntos sociais pedidas por um acionista titular de pelo mesmo 10% do capital social, pedidas com a invocação que as mesmas se destinavam a apurar responsabilidades dos membros do órgão de administração se a sociedade não lograr provar que não era esse o fim visado pelo sócio.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2012.06.01, no Tribunal Judicial da Comarca de Amares, AA veio, ao abrigo do disposto no artigo 1479.º, do Código de Processo Civil, intentar a presente ação especial de inquérito judicial à sociedade anónima BB S.A. e CC.

Alegou

em resumo, que

- a sociedade requerida foi constituída em 23 de agosto de 1999, tendo como objeto social o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos;

- o requerido CC, além de presidente do conselho de administração da ré, é um dos sócios maioritários e gerente de todas as outras sociedades comerciais acionistas da sociedade requerida;

- o requerido, na qualidade de presidente do conselho de administração da sociedade requerida recusa fornecer informações solicitadas pelo requerente;

- o autor detém 10,71% do capital social da ré;

- pelo menos, desde 2007, que o autor não tem conhecimento de alguns aspetos da vida financeira da sociedade requerida;

- tendo interpelado várias vezes os réus para o fornecimento de informações, tem visto o seu pedido ser parcialmente recusado;

- com efeito, o requerente, não tem na sua posse o dossier fiscal dos períodos findos em 2009.12.31, 2010.12.31 e 2011.12.31; os balancetes analíticos de grau elevado (com todos os clientes, fornecedores, devedores e credores) dos anos 2009 a 2011; mapas de antiguidade de saldos dos exercícios dos anos de 2009 a 2011; mapa de antiguidades de saldos dos clientes considerados de cobrança duvidosa; mapa do modelo oficial do movimento das provisões, perdas por imparidade em créditos e ajustamentos efetuados nos anos de 2009 a 2011; listagem nominativa dos créditos considerados incobráveis dos anos de 2009 a 2011; dossier dos preços de transferência dos anos de 2009 a 2011 relativo a empresas com relações especiais; livros de atas da sociedade desde o seu início; originais de todas as presenças nas assembleias gerais; tabela de reclassificação de todas as contas POC para SNC na data da transição, ou seja de 2010.01.01 e 2011.01.01; extratos de 2009.01.01 a 2011.12.31 dos clientes e fornecedores; cópia da fatura mensal de valor mais elevado por cada um dos principais clientes; cópia do respetivo meio de pagamento dessa fatura; cópia da respetiva nota de crédito do desconto efetuado nessa fatura; extratos de 2009, 2010 e 2011 da conta “rendas e alugueres”; extratos de 2009, 2010 e 2011 das contas “adiantamentos por conta de compras” discriminado por fornecedor a quem foram efetuados os adiantamentos; contratos de arrendamento das instalações que não são propriedade da empresa; relação nominativa dos “financiamentos obtidos”, constantes do balanço, acompanhada de tipo de financiamento, data da contratação, termo do prazo para pagamento, finalidade do empréstimo, garantias prestadas e fotocópias de todos os contratos de empréstimo em vigor;

- não ocorrem as razões de sigilo e de concorrência invocadas pelos réus para impedir o acesso do autor  à documentação em causa, propondo-se ele, com base em tais documentos, confirmar a existência de irregularidades cometidas pelo presidente do conselho de administração, no âmbito da gestão exclusiva e abusiva que faz na ré, designadamente em violação do disposto nos artigos 397º, nº s 2 e 3, e 398º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais.

Pediu

que o processo seguisse “os seus termos, conforme disposto nos artigos 1407º e seguintes do Código de Processo Civil, para serem efetuadas as diligências pertinentes à averiguação dos factos alegados”.

Contestando

e também me resumo, os réus alegaram que

- o autor tem pedido e obtido, permanentemente, abundante informação sobre a ré, como o comprovam, desde logo, os documentos juntos pelo próprio, sendo este apenas um expediente para causar perturbação na vida social e tentar obter benefícios com prejuízos para a demandada;

- já foi facultada ao autor grande parte dos elementos sobre os quais versa o pedido de informação pretensamente recusada;

- o autor é o maior acionista e Presidente do Conselho de Administração das sociedades DD, S.A. e EE – Empresa de ..., S.A;

- a sociedade DD, S.A. tem como objeto social a indústria de serralharia de construção civil e estruturas metálicas;

- e a sociedade EE, S.A. tem como objeto social a ... e quinagem de chapa zincada e pré-lacada e estamparia de vários perfis em chapa, bem como a comercialização de painéis e outros materiais concernentes à colocação de produtos da empresa;

- essas sociedades são, desde logo, grandes clientes da ré e fornecedoras de chapa perfilada e remates, sendo que as compras que a ré lhes fez nos últimos anos ascenderam aos seguintes valores:

2008 - € 253.190,74;

2009 - € 206.072,50;

2010 - € 270.325,13;

2011 - € 141.123,80.

- além disso, essas sociedades são concorrentes da ré e de todos os clientes desta, terceiros relativamente a esta lide;

- essas empresas, em 2011.12.31, eram responsáveis por mais de três milhões de euros de dívida à ré;

- todos os pedidos de informação que o autor tem feito visam exclusivamente, chegar ao conhecimento de listas de clientes e fornecedores, com respetivas condições de pagamento, para que o autor possa, nas suas empresas, tirar benefício disso, com eventuais prejuízos para a ré e para os seus clientes terceiros;

- a prestação de algumas das informações solicitadas poderá ser divulgada e utilizada pelo autor junto de outros fornecedores e clientes da ré com vista a obter benefícios para as sociedades que o mesmo administra;

- a divulgação de negócios em curso, preços de compra e de venda, condições de venda e de compra praticados, são obviamente matéria que não pode nem deve ser divulgada pela ré;

- fornecer essa informação ao autor significaria fornecer à concorrência trunfos decisivos para se poder apropriar de clientes da ré e dar a conhecer a um cliente e fornecedor elementos decisivos para negociar em seu favor as condições contratuais que pretendesse (preços, condições de pagamento, etc…);

- se a ré tivesse de fornecer ao autor todas as informações sobre todos os seus clientes estaria a divulgar elementos de sociedades terceiras, que são completamente estranhas à ré e que são concorrentes das sociedades de que o autor  é administrador e sócio maioritário, com inevitáveis prejuízos para aquelas;

- os balancetes, quando solicitados, foram oportunamente fornecidos ao autor, mas não os de grau mais elevado, porque revelam pormenores sobre clientes e fornecedores que não são relevantes para a análise da atividade da empresa e que devem ser mantidos sob reserva, sob pena de poderem vir a ser utilizados em prejuízo da mesma;

- os mapas de antiguidade de saldos de clientes, a relação nominativa de créditos incobráveis, os extratos de contas de clientes, com cópias de todas as faturas, meios de pagamento, notas de crédito, a relação nominativa de fornecedores e tudo o mais em pormenor também não foram fornecidos, por a administração da ré ter entendido serem matéria que deve ser mantida sob reserva, pelos motivos supra referidos;

- em 2009, o não envio de alguns elementos foi justificado pelo seguinte:

1. relativamente a alguns elementos contabilísticos remeteu-se para as atas da sociedade, nomeadamente as de aprovação de contas, de onde constavam os elementos pedidos;

2. relativamente às contas das sociedades participantes, a R. informou que não tem acesso às mesmas, nem estava obrigada a prestar tais informações;

3. Relativamente aos pedidos de mapas de amortizações e mapa fiscal, a ré questionou a autora sobre a finalidade de obtenção dessas informações;

- em 2009.09.16, o autor teve acesso a atas, listas de presenças, convocatórias e livros de registos de ações;

- em 2011, o autor  teve acesso e pôde consultar os livros de atas da assembleia geral e do conselho de administração, as listas de presença, a tabela de reclassificação das contas POC, os extratos das contas relativas a despesas de representação, deslocações e estadas, os extratos das contas “trabalhos especializados e comissões”, os extratos da conta “rendas e alugueres”, extratos das contas “descontos de PP concedidos” e relação dos financiamentos obtidos;

- a informação contabilística solicitada e negada sempre foi aquela informação que é extremamente detalhada, com identidade de clientes e fornecedores, quantidades e preços praticados, e que foi considerada pela ré como informação comercial e estratégica, que pode e deve manter-se sigilosa, porquanto, se chegasse ao conhecimento do autor e de outros concorrentes, poria em causa os interesses da ré e até de terceiros, seus clientes;

- existiu e existe, pois, o justo receio de que o autor utilize as informações em causa para fins estranhos à sociedade, com prejuízo desta;

- num primeiro pedido de informação, o autor não indicou que as informações solicitadas se destinavam a responsabilizar o órgão de administração;

- só perante a recusa da ré, invocando motivos válidos para manter a informação sob reserva, é que o autor se lembrou de invocar essa intenção de responsabilização do Conselho de Administração e do órgão de fiscalização;

- sempre foram prestadas pela ré as informações exigíveis;

- as recusas de informação fundaram-se precisamente no justificado receio de que o acionista, ora autor, utilizasse essas informações em seu benefício e de terceiros, com fins estranhos à sociedade e em prejuízo desta;

- e ainda porque a divulgação desses elementos é suscetível de prejudicar a ré e terceiros, clientes da ré, completamente estranhos à sociedade.

- Concluíram no sentido do indeferimento do pedido de inquérito, por o A. ter tido acesso a toda a documentação relevante e a recusa da restante informação ter sido licitamente efetuada.

O tribunal inquiriu testemunhas arroladas pelas partes.

Em 2013.02.27, foi proferida sentença em que indeferiu a realização do inquérito.

O autor apelou, com êxito, pois a Relação de Guimarães, por acórdão de 2013.11.25, revogou a decisão recorrida e abrindo inquérito, determinou que os réus, em sessenta dias, facultassem ao autor os elementos documentais de informação por ele pretendidos, referenciados no artigo 67º da petição inicial.

Novamente inconformados, os requeridos deduziram a presente revista, apresentando as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.

Cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

a única questão posta consiste em saber se foi lícita ou ilícita a recusa de informação por parte da requerida sociedade.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados na Relação, após alteração da matéria de facto por ela introduzida:

1.- A sociedade requerida foi constituída em 23 de Agosto de 1999, tendo como objeto social o fabrico e comércio de painéis para coberturas e revestimentos, conforme resulta do teor da certidão da conservatória do registo comercial de fls. 22 e ss., cujos dizeres se dão aqui com integralmente reproduzidos.

2.- O requerido CC, além de Presidente do Conselho de Administração da ré, é um dos sócios de outras sociedades comerciais acionistas da sociedade requerida.

3.- Teor do pacto social da sociedade requerida junto a fls. 32, cujos dizeres se dão aqui com integralmente reproduzidos.

4.- Teor da carta dirigida pelo ora requerente à administração da sociedade requerida, datada de 14 de Maio de 2009, junta a fls. 53, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

5.- Resposta à carta identificada em 4 pela administração da sociedade requerida, datada de 5 de Junho de 2009, junta a fls. 59, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

6.- Teor da carta dirigida pelo ora requerente à administração da sociedade requerida, datada de 04 de Setembro de 2009, junta a fls. 59, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

7.- Resposta à carta identificada em 6. pela administração da sociedade requerida, datada de 25 de Setembro de 2009, junta a fls. 61, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

8.- Teor da carta dirigida pelo ora requerente à administração da sociedade requerida, datada de 28 de Março de 2011, junta a fls. 62, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

9.- Resposta à carta identificada em 8. pela administração da sociedade requerida, datada de 08 de Abril de 2011, junta a fls. 64, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

10.- Teor da carta dirigida pelo ora requerente à administração da sociedade requerida, datada de 13 de Maio de 2011, junta a fls. 73, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

11.- Resposta à carta identificada em 10. pela administração da sociedade requerida, datada de 27 de Maio de 2011, junta a fls. 76 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

12.- Teor da carta dirigida pela mandatária do ora requerente à administração da sociedade requerida, datada de 29 de Junho de 2011, junta a fls. 115 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

13.- Resposta à carta identificada em 12. pela administração da sociedade requerida, datada de 25 de Julho de 2011, junta a fls. 119 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

14.- Teor da carta dirigida pelo requerente à administração da sociedade requerida, datada de 26 de Agosto de 2011, junta a fls. 136 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

15.- Resposta à carta identificada em 14. pela administração da sociedade requerida, datada de 26 de Agosto de 2011, junta a fls. 141 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

16.- Teor do fax dirigido pela mandatária do requerente à administração da sociedade requerida, datado de 14 de Setembro de 2011, junto a fls. 142 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

17.- Resposta ao fax identificada em 16. pela administração da sociedade requerida, datada de 21 de Setembro de 2011, junta a fls. 147 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

18.- Teor da carta dirigida pela administração da sociedade requerida ao requerente, datada de 05 de Março de 2012, junta a fls. 151 cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

19.- Teor do fax dirigido pelo requerente à administração da sociedade requerida, datado de 15 de Março de 2012, junto a fls. 154 cujos dizeres se dão aqui como reproduzidos.

20.- Teor do documento junto a fls. 181, nos termos do qual o ora requerente, por meio da sua representante, declara que recebe em mão os balancetes analíticos de terceiro grau relativo ao exercício de 2011 e uma página do relatório de contas de 2011.

21.- Teor do relatório de contas da sociedade requerida junto a fls. 324 e ss., cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

22.- Balancete de grau 3 da sociedade requerida junto a fls. 430 e ss..

23.- O requerido CC possui exatamente as mesmas participações de capital que o sócio FF, com as percentagens que se passam a indicar: - 40% da GG – ..., Lda.; - 45% da HH– Companhia …, Lda; - 24, 95% da II, LDA; - 50% da JJ, LDA, conforme cópia das certidões permanentes juntas pelo requerente como doc. n.ºs 4 a 7, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

24.- O Autor é o maior acionista e Presidente do Conselho de Administração das sociedades DD, S.A. e EE – EMPRESA DE ..., S.A., conforme documentos nºs 20 e 21 juntos com a petição inicial, cujos dizeres se dão aqui como integralmente reproduzidos.

25.- A sociedade DD, S.A, tem como objeto social a indústria de serralharia de construção civil e estruturas metálicas.

26.- E a sociedade EE, S.A., tem como objeto social a ... e quinagem de chapa zincada e pré-lacada e estamparia de vários perfis em chapa, bem como a comercialização de painéis e outros materiais concernentes à colocação de produtos da empresa.

27.- Essas sociedades são grandes clientes da Ré.

28.- E são fornecedoras de chapa perfilada e remates, sendo que as compras que a Ré lhes fez nos últimos anos ascenderam aos seguintes valores: 2008 - € 253.190,74; 2009 - € 206.072,50; 2010 - € 270.325,13; 2011 - € 141.123,80.

29.- A prestação de algumas das informações solicitadas poderá ser divulgada e utilizada pelo A. em benefício das sociedades que administra e que são clientes e fornecedoras da R.

30.- Os balancetes, quando solicitados, foram oportunamente fornecidos ao Autor, mas não os de grau mais elevado.

31.- Os mapas de antiguidade de saldos de clientes, a relação nominativa de créditos incobráveis, os extratos de contas de clientes, com cópias de todas as faturas, meios de pagamento, notas de crédito, a relação nominativa de fornecedores e tudo o mais em pormenor não foram fornecidos, por a administração da Ré ter entendido serem matéria que deve ser mantida sob reserva.

32.- Em 2009, o não envio de alguns elementos foi justificado pelo seguinte: - Relativamente a alguns elementos contabilísticos remeteu-se para as atas da sociedade, nomeadamente as de aprovação de contas, de onde constavam os elementos pedidos; - Relativamente às contas das sociedades participantes, a Ré informou que não tem acesso às mesmas, nem estava obrigada a prestar tais informações. - Relativamente aos pedidos de mapas de amortizações e mapa fiscal, a Ré questionou a Autora sobre a finalidade de obtenção dessas informações.

33.- Em 16.09.2009, o Autor teve acesso a atas, listas de presenças, convocatórias e livros de registos de ações.

34.- Em 2011, o Autor teve acesso e pôde consultar os livros de atas da assembleia geral e do conselho de administração, as listas de presença, a tabela de reclassificação das contas POC, os extratos das contas relativas a despesas de representação, deslocações e estadas, os extratos das contas “trabalhos especializados e comissões”, os extratos da conta “rendas e alugueres”, extratos das contas “descontos de PP concedidos” e relação dos financiamentos obtidos.

35.- A informação contabilística solicitada e negada sempre foi aquela informação que é extremamente detalhada, com identidade de clientes e fornecedores, quantidades e preços praticados, e que foi considerada pela Ré como informação comercial e estratégica.

36.- Em 2012, o A. teve acesso à informação preparatória da assembleia geral de 23 de março.

37.- Com a carta de 6 de Março, a Ré enviou ao Autor o Relatório e Contas, incluindo o Relatório de Gestão, o Anexo ao Relatório de Gestão, as Demonstrações Financeiras e anexos, a Certificação Legal de Contas e o Relatório e Parecer do Fiscal Único.

38.- Pelo menos, desde 2007 que o A. não tem conhecimento de alguns aspetos da vida financeira da R. sociedade.

Os factos, o direito e o recurso

Na sentença proferida na 1ª instância entendeu-se que da matéria de facto então dada como provada se tinha que concluir que o “requerente não só está devidamente informado sobre a situação económica e financeira da sociedade requerida, como as demais informações requeridas por este podem ser recusadas pela requerida ao abrigo do (…) artigo 291º, nº4, alíneas  a) e b) “ – do Código das Sociedades Comerciais – “pois são legítimas as desconfianças que essa informação não cedida pela requerente ao requerido possa ser utilizada por este, dada a atividade desenvolvida pelas sociedades que ele representa e administra, em prejuízo da sociedade requerida e com fins estranhos à sociedade”.

No acórdão recorrido julgou-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto deduzida pelo autor apelante e assim, alterou-se a matéria dos pontos nºs 23º, 30º, 37º elencados na 1ª instância, no sentido de não se dar como provada a matéria daquele primeiro ponto – “o autor tem pedido e obtido, permanentemente, abundante informação sobre as vidas económica e financeira da ré” – e alterou-se as respostas ao outros pontos, no sentido expresso nos pontos 29º e 36 º do elenco da matéria de facto feita na Relação, acima transcrita.

Mais se entendeu dar como provada a matéria constante do nº 38 deste elenco, que tinha sido dada como não provada na 1ª instância.

Quanto ao mérito da causa, entendeu-se ser de abrir o inquérito porque, por um lado, não era de excluir a possibilidade de o réu CC se estar a servir da ré “KK “, da qual o autor também é acionista, ocultando ao autor o seu conhecimento de pormenores da gestão, em benefício de empresas que concorrem no mercado com as empresas que o autor administra e, indiretamente do próprio réu, o que bem justificava a recolha da informação pormenorizada relativa aos clientes da demandada, para eventual apuramento de responsabilidades.

E por outro lado, porque “objetivamente, não se verifica um receio razoavelmente fundado de que a informação recusada fosse utilizada pelo autor para fins estranhos à ré, sobrando a mera possibilidade de tirar partido dessa informação em benefício das sociedades que administra (mas nem por isso um benefício injusto ou excessivo, face à informação que o 2º réu pode estar a utilizar nas sociedade que administra e que são também clientes da 1ª R.), sempre sem demonstração de que dali resulte prejuízo, ou haja suscetibilidade de prejudicar de modo muito relevante a KK, S.A. ou algum dos seus acionistas, sejam eles pessoas singulares ou coletivas.”

Concluiu-se que se afigurava “ilegítima a recusa em prestar a informação por parte dos réus” e, como tal, não podia “ser recusada, nos termos quer da al. a) quer da al. b) do nº 4 do art.º 291º do Código das Sociedades Comerciais, devendo proceder-se a inquérito”.

Os recorrentes entendem que que não deve ser admitido o inquérito porque a “recorrente prestou ao recorrido abundantes informações sobre a sua vida económica e financeira e que há motivo legítimo para recusar as informações prestadas”.

Cremos que não têm razão e se decidiu bem.

Segundo Carlos Maria Pinheiro Torres “in” O Direito à Informação nas Sociedades Comerciais, “1998, a página s 121 e seguintes – obra que seguiremos de perto – o direito "à informação, como direito de um sócio de uma sociedade comercial, desdobra-se, na perspetiva do Código das Sociedades Comerciais, em quatro direções:

- um direito em obter informações;

- um direito de consulta de livros e documentos da sociedade;

- um direito de inspeção dos bens sociais;

- um direito de requerer um inquérito judicial.

O direito a obter informações consiste na possibilidade de solicitar ao órgão de uma sociedade habilitado para tal - que entre nós, é normalmente o órgão de gestão da sociedade – esclarecimentos, dados, elementos, notícias, descrições sobre factos, atuais e futuros, que integrem a vida e a gestão da sociedade.

Quanto ao direito de consulta dos livros e documentos de uma sociedade anónima, como direito mínimo de um acionista, o artigo 288º do Código das Sociedades Comerciais, além de exigir a titularidade desse direito, exige que o acionista alegue motivo justificado para a consulta e limita-a a certos documentos, taxativamente indicados no nº1 daquele artigo.

O direito a um inquérito judicial nasce em função da recusa de cumprimento das obrigações de informação que recaem sobre a sociedade e como contrapartida das demais faces do direito do sócio à informação, acima referidas.

Existe recusa de informação, no sentido de recusa ilícita de informação, quando o órgão competente para a sua prestação, face a uma solicitação feita por um ou mais sócios, nas condições de legitimidade estabelecidas na lei, ou no contrato, denegue essa mesma prestação ou forneça informação falsa, incompleta ou não elucidativa – para as sociedade anónimas, com a ré, ver os artigos 292º, nº1 e 291º, nºs 2 e 4, do Código das Sociedades Comerciais.

A lei equipara à recusa de informação “strito sensu”, os casos de prestação de informação não verdadeira, incompleta ou não elucidativa – cfr. artigos 215º, nº2 e 216º, nº1, do mesmo Código.

Para que haja recusa (ilícita) de informação, é necessário que a sua solicitação tenha sido feita nas condições de legitimidade estabelecidas na lei e, quando admissível, no contrato.

Há casos em que a recusa da prestação de informação é admitida, ainda que a sua solicitação se tenha contido nos limites legais e contratuais aplicáveis.

São os casos de recusa lícita de informação.

Essa recusa fundamenta-se, em termos gerais, numa espécie de cláusula de salvaguarda ou de proteção assente na tutela do interesse da sociedade e visando permitir ao órgão de administração recusar a informação quando haja receio de que a sua prestação pudesse atentar contra qualquer daquele interesse.

Relativamente às sociedades anónimas, as circunstâncias que tornam lícita a recusa de informação vêm previstas, para a informação solicitada em assembleia geral, no artigo 290º do Código das Sociedades Comerciais, e para a informação requerida fora da assembleia geral, no artigo 291º do mesmo Código.

No nº2 deste artigo 291º estabelece-se uma regra importante: a recusa de prestação de informação é ilícita se no pedido de informação for mencionado que se destina a apurar responsabilidades de membros do órgão de administração (conselho de administração ou direção) do conselho fiscal ou do conselho geral – salvo se resultar o centeúdo do pedido ou de outras circunstâncias ser patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação.

Para além dessa situação, a recusa de informação só será lícita nos casos previstos no nº4 do mesmo artigo 291º.

Em primeiro lugar, quando for de recear que o acionista utilize a informação para fins estranhos à sociedade e com prejuízo desta ou de algum acionista.

Aqui, o elemento marcante é o receio de utilização da informação para fins estranhos à sociedade, desde que ocorram simultaneamente prejuízos para esta ou para algum acionista.

Em segundo lugar, a recusa é lícita quando a divulgação da informação, embora sem fins estranhos à sociedade, seja suscetível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas.

Aqui o elemento preponderante é o prejuízo (relevante) da sociedade ou dos acionistas, uma vez que pressupõe que a divulgação não visa fins estranhos à sociedade.

Em terceiro lugar, a recusa é lícita quando sua prestação ocasione violação de segredo imposto por lei.

O interesse da sociedade em confronto com o interesse do acionista deve ser aferido em concreto e deve prevalecer sobre o direito à informação quando for de concluir que a prestação da informação prejudica mais a sociedade do que favorece o acionista que a requereu.

Posto isto, voltemos ao caso concreto em apreço.

1. Em primeiro lugar e tal como é referido nas instâncias, parece não haver dúvidas que face ao disposto nos artigo 288º e 291º do Código das Sociedades Comerciais, assiste ao autor o direito à informação como titular pelo menos de 10%do capital social da sociedade requerida.

E assim e tal como já ficou acima dito, assiste-lhe o direito de obter informações e consulta de livros e documentos da sociedade.

2. A questão que se levanta agora é se a sociedade requerida forneceu todos os documentos referidos nas cartas de 14 de Maio de 2009, 4 de Setembro de 2009, 28 de Março de 2011, 13 de Maio de 2011, 29 de Junho de 2011, 26 de Agosto de 2011, 14 de Setembro de 2011 e 15 de Março de 2012.

Parece evidente que não.

Isso resulta não só das cartas enviadas pelo autor à requerida, mas também das respostas dadas por esta à mesma carta, nomeadamente, das cartas de 25 de Setembro de 2009, de 25 de Julho de 2011 e 21 de Setembro de 2011.

Naquela carta de 25 de Julho de 2011, refere nomeadamente que a informação requerida, por ser extremamente detalhada e sensível, “permitiria, se porventura chegasse ao conhecimento de concorrentes nossos, dar-lhes informação comercial e estratégica que lhe seria da maior utilidade, em prejuízo dos interesses da nossa empresa. Está em causa a identidade de cientes e fornecedores, de quantidades e preços praticados, que devem ser mantidos sob reserva, por razões óbvias.

Sendo assim, lamentando embora não poder satisfazer este pedido de informação complementar, (para além da informação já oportunamente fornecida), somo forçados a fazê-lo, não só devido ao receio de que o Cliente de V. Exª utilize essa informação para fins estranhos à sociedade, com prejuízo desta, como também pela suscetibilidade de divulgação dessa informação prejudicar relevantemente a nossa sociedade e nossos clientes.”

3. Assente que a sociedade requerida não forneceu ao autor todas as informações e documentação por ele pretendidas, surge agora questão de se saber se aquela estava obrigada a dar as informações.

Ora aqui entronca a questão de se saber se a recusa das informações por parte da requerida foi lícita ou ilícita.

A requerida é uma sociedade anónima.

Embora na carta inicial não tenha feito referência a isso, nas cartas de 4 de Setembro de 2009 e 26 de Agosto de 2011, o autor refere expressamente que “a intenção de exercer o direito à informação se destina a apurar responsabilidades civis e criminais, quer do conselho de administração, quer do órgão de fiscalização”.

Sendo assim e conforme já foi referido, face ao disposto no nº 2 do artigo 291º do Código das Sociedades Comerciais, as informações só poderiam ser recusadas sepelo seu conteúdo ou outras circunstâncias, seja patente não ser esse o fim visado pelo pedido de informação”.

Ora, face ao factos dados como provados, não temos elementos seguros que nos levem a concluir que o fim visado pelo autor – ou um dos fins visados pelo autor – não fosse o de determinar a responsabilidade dos mencionados órgãos da requerida, prova essa que, de acordo com os critérios de repartição do ónus da prova, impendia sobre a requerida.

Primeiro, porque do simples facto de o autor ser o maior acionista e presidente do Conselho de Administração de duas sociedades que são grandes clientes da requerida e fornecedores de material para o fabrico dos seus produtos, não tem necessariamente que se concluir que o fim visado não era aquela determinação de responsabilidades, mas antes outro qualquer, nomeadamente, de obter informações para beneficiar aquelas sociedades ou prejudicar a requerida.

Depois, porque face à alteração da matéria elencada na 1ª instância sob o nº 30 da matéria de facto dada como provada, não ficou provado que a intenção do autor fosse obter benefícios para as sociedades que administrava e que são clientes e fornecedoras da requerida.

Temos, pois, que concluir que, não tendo a requerida logrado provar que o fim visado pelo pedido de informação não era o de apurar as responsabilidades dos citados órgãos de administração da requerida, não podia esta se recusar a dar aos informações pretendidas e ainda não prestadas.

Pelo que desde logo há que concluir que a requerida tem que prestar todas as informações pretendidas pelo autor.

De qualquer forma, mesmo que se não considerasse o caráter ilícito dessa recusa, acima referido, mesmo assim entendemos que ela não se justificava, uma vez que não se verificavam quaisquer dos casos previstos no nº4 do artigo 291º do Código das Sociedades Comerciais acima referidos para a sua justificação.

Assim, não existem factos que nos levem a concluir, face a uma análise objetiva dos mesmos, que seja de recear que o autor utilize a informação para fins estranhos à sociedade requerida e com prejuízo desta ou de algum dos seus acionistas.

Pode, evidentemente, a requerida ter esse receio.

Mas como vimos, a consideração deste receio tem que ter como base uma análise objetiva dos factos em concreto e não meras suposições abstratas que poderiam ser utilizadas em quaisquer outras circunstâncias.

Era necessário que existissem factos concretos dos quais se revelassem os fundamentos daquele receio.

E não existem esses elementos.

O que existe tão só e apenas é que a prestação de algumas das informações solicitadas poderá ser divulgada e utilizada pelo autor em benefício das sociedades que administra e que são clientes e fornecedoras da ré – cfr. facto 29.

Mas daí não resulta que o autor vá necessariamente utilizar essas informações para prejudicar a requerida.

Por outro lado, em rigor, não há concorrência entre a requerida e as sociedades de que o autor é administrador.

Sabendo-se que para haver concorrência necessário é que exista uma certa proximidade entre as atividades dos agentes económicos em causa, o certo é que, sendo o objeto social da requerida o fabrico e comércio de painéis para cobertura e revestimentos, as sociedades administradas pelo autor são tão só clientes e fornecedora de materiais da requerida, sendo pois de concluir que não há concorrência entre elas e a requerida.

O que se pode dizer, como se refere no acórdão recorrido, é que haver concorrência é entre as sociedades administradas pelo autor e pelo réu CC.

Mas desta última concorrência não pode resultar, obviamente, qualquer prejuízo para a requerida.

O que pode resultar é a suspeição de que aquele réu, como presidente do conselho de administração da requerida, beneficie aquelas sociedades de que é administrador em detrimento das sociedades de que o autor é administrador.

Da inexistência da demonstração deste prejuízo decorre que a requerida não podia invocar também o motivo de recusa referido na alínea b) do nº4 do artigo 291º do Código das Sociedades Comerciais para a justificar.

Na verdade e como acima ficou dito, para que existisse este motivo necessário era que a divulgação da informação, embora sem fins estranhos à sociedade, fosse suscetível de prejudicar relevantemente a sociedade ou os acionistas.

E como vimos, essa suscetibilidade não pode ser considerada face aos factos dados como provados.

Quanto à hipótese de a prestação da informação ocasionar violação de segredo imposto por lei, a mesma não se verifica no caso concreto em apreço, até porque não invocada.

Finalmente, face aos factos dados como provados, não se pode concluir que, na sua globalidade, a prestação da informação solicitada pelo autor prejudica mais a sociedade requerida do que favorece aquele.

5. Sendo assim e tendo em conta o disposto no nº1 do artigo 292º do Código das Sociedades Comerciais, havendo sido ilicitamente recusada a informação por parte da requerida sociedade, pode o autor acionista da mesma sociedade pedir a realização de um inquérito judicial.

Pelo que bem se andou no acórdão recorrido em determinar a sua abertura.

6. Concluindo: é ilícita a recusa por parte de uma sociedade anónima em prestar informações sobre assuntos sociais pedidas por um acionista titular de pelo menos 10% do capital social, pedidas com a invocação que as mesmas se destinavam a apurar responsabilidades dos membros do órgão de administração, se a sociedade não lograr provar que não era esse o fim visado pelo sócio.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes

Lisboa, 24 de Abril de 2014

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues