Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
Relator: | SANTOS CARVALHO | ||
Descritores: | ACÓRDÃO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA OPOSIÇÃO DE JULGADOS INTERESSE EM AGIR ACORDÃO FUNDAMENTO MATÉRIA DE DIREITO MATÉRIA DE FACTO | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 01/07/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Indicações Eventuais: | | ||
Sumário : | I - Como os tribunais não existem para dirimir questões meramente teóricas ou académicas, não basta ao recorrente, para demonstrar a sua legitimidade, indicar no recurso que determinada decisão foi proferida contra si, mas ainda que da decisão do mesmo pode vir a obter um determinado benefício. Só tem legitimidade para recorrer, por isso, quem, para além da sua qualidade processual, demonstrar interesse em agir. II - Ora, no caso em apreço, o recorrente não demonstra tal interesse em agir. Com efeito, o acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso do M.º P.º interposto contra o despacho que na 1ª instância rejeitou a acusação deduzida contra o ora recorrente, onde lhe era imputada a autoria de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no art.º 292.º, n.º 1, do C. Penal, por ter o juiz considerado que não se indiciava uma TAS de 1,2 g/l, mas de 1,14 g/l, esta resultante da dedução da margem de erro possível no aparelho utilizado, de acordo com certas normas regulamentares de conhecimento oficioso. III - Quer isto dizer que, na sequência do acórdão recorrido, já transitado em julgado, o juiz da 1ª instância recebeu a acusação do M.º P.º e o processo prosseguiu para julgamento. Agora, de duas uma, ou o recorrente foi (ou irá ser) absolvido, nomeadamente por se acolher a tese inicial do juiz da 1ª instância, caso em que o recurso extraordinário se mostra inútil para o recorrente, ou foi (ou será) condenado de acordo com a tese do acórdão da Relação, caso em que ainda poderá interpor recurso ordinário e não recurso extraordinário. IV - Seja como for, portanto, o recorrente não demonstra interesse em agir, pois o eventual «ganho» na decisão da uniformização de jurisprudência não lhe acarretaria qualquer efeito útil, já que, entretanto, a decisão final do seu processo estaria lavrada e o processo já não iria voltar à fase em que se encontrava no momento da prolação do acórdão recorrido (rejeição ou recebimento da acusação). V - Tem sido pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que é de exigir a indicação de apenas um acórdão fundamento e de que a menção de mais de um acórdão fundamento produz a rejeição do recurso. O que bem se compreende, dada a necessidade de uma delimitação precisa da questão a decidir, o que, se fossem indicados diversos acórdãos em oposição ao recorrido, tornaria ciclópica a tarefa de verificar os pontos em oposição. VI - Por fim, a alegada oposição de acórdãos não se verifica quanto à “questão de direito”, nomeadamente quanto à interpretação da Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro ou de outra norma legal, mas sobre o efeito que essa Portaria pode ou não ter no raciocínio que o juiz percorre para estabelecer os factos provados (ou indiciados), de acordo com a sua livre convicção (art.º 127.º do CPP). Há uma oposição, portanto, quanto a questão “de facto”. VII - Na verdade, enquanto que uns dizem que a prova indiciária vai no sentido da medição tal como feita pelos aparelhos que estabelecem a TAS pelo ar expirado, tanto mais que não foi pedida a contraprova, outros afirmam que, por razões de mera prudência, com suporte no princípio “in dubio pro reo”, será de fazer um desconto em tal medição, correspondente à margem de erro possível, tal como configurada nos regulamentos legais respectivos, ainda que não tenha sido pedida contraprova. VIII - A divergência põe-se, portanto, no domínio do facto e não do direito, no plano em que a livre convicção do julgador pode e deve ser objectivada para melhor compreensão dos destinatários, mas em que, portanto, se torna discutível e passível de crítica, nomeadamente pela via do recurso, pois um determinado raciocínio pode ser mais convincente do que outro. IX - A questão, em suma, é a de saber se a TAS é a de “x” ou a de “y”, conforme se desconte ou não uma margem de erro “z”, portanto, uma pura questão de facto e não de direito, tanto mais que os dois acórdãos concordam quanto à circunstância de tal margem de erro “z” dever ser ponderada no âmbito do princípio da livre convicção das provas e não como uma prova vinculada. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A vem, por requerimento de 22/10/2009, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 1054/08.7GCMFR.L1-A, datado de 15 de Setembro de 2009 e transitado em julgado em 6/10/2009, concluindo as suas alegações do seguinte modo: 1. Na primeira instância o Tribunal não admitiu a acusação do arguido A por à taxa de alcoolemia apurada 1,2 haver a deduzir a EMA, fixada na Portaria 1556/2007. 2. O Ministério Público interpôs recurso alegando que não podem ser corrigidos os valores apurados pelo alcoolímetro aprovado e porque o arguido não requereu contraprova e desta forma confessou os factos. 3. O Tribunal da Relação de Lisboa proferiu Acórdão que, em suma, confere razão ao Ministério Público e assim ordena a baixa do processo à 1ª Instância a fim de ser designada data para julgamento do arguido. 4. A decisão carreada para o Acórdão recorrido está em contradição com vários Acórdãos proferidos pelas Relações, a saber: - Acórdão da Relação de Lisboa de 7 de Maio de 2008 (Relator Desembargador Carlos Almeida); - Acórdão da Relação do Porto de 4 de Fevereiro de 2009 (Relator Desembargadora Paula Barradas Guerreiro); - Acórdão da Relação do Porto de 19 de Dezembro de 2007 (Relator Desembargador Pinto Monteiro); - Acórdão da Relação do Porto de 2 de Abril de 2008 (Relator Desembargador José Carreto); - Acórdão da Relação do Porto de 7 de Maio de 2008 (Relator Desembargador Luís Teixeira); - Acórdão da Relação de Guimarães de 26 de Fevereiro de 2007 (Relator Desembargador Anselmo Lopes). Todos publicados in www.dgsi.pt. 5. A contradição carece de decisão que uniformize a jurisprudência. 6. Embora nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só possam ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária, sendo a aprovação precedida de homologação de modelo a efectuar de modelo, a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico de Alcoolímetros» (n.ºs 1 e 2 do artigo 14.º), regulamento esse que impõe o respeito pela Recomendação n.º 126 da Organização Internacional da Metrologia Legal (OIML R 126), os valores determinados pelos aparelhos não são completamente precisos, havendo sempre uma determinada margem de erro que não obsta à aprovação do modelo e à certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações sucessivas. 7. Também assim, a falta de pedido de contraprova por parte do arguido não constitui confissão dos factos por violação do disposto nos art.ºs 344.º, 127.º, 128.° do CPP. 8. Assim, importa firmar Jurisprudência nos termos seguintes: "Ao resultado (taxa) do exame de pesquisa de álcool no ar expirado realizado por autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito, deve ser deduzida a margem de erro admissível nos alcoolímetros fixada pela Portaria n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro, em face do Decreto Regulamentar 24/1998 de 30 de Outubro, da Portaria 748/1994 de 13 de Agosto e da Lei 18/2007 de 17 de Maio. E a falta de pedido de contraprova por parte do arguido não constitui confissão dos factos nos termos dos art.ºs 344.°, 127.° e 128.° todos do CPP".
2. O M.º P.º na Relação não apresentou resposta ao recurso, mas junto do Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se e concluiu assim: a. Conforme é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser indicado mais de um acórdão fundamento, no recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nem é de formular o convite a eventual correcção da petição, em caso de indicação de vários acórdãos fundamento, como no caso acontece. b. Termos em que o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência deverá ser rejeitado - artigo 441° n.º 1 do C. P. Penal. c. Mesmo na eventualidade de se seguir entendimento diferente e de se concluir que a situação de facto e o respectivo enquadramento jurídico eram idênticas, sempre haveria de se ter presente que, debruçando-se sobre situações idênticas [decisões contraditórias sobre a questão de saber se a taxa de álcool no sangue a levar em consideração, para efeitos do disposto no artigo 292° n.º 1 do C. Penal, é a correspondente ao valor indicado pelo alcoolímetro ou, antes, a correspondente a tal valor deduzido o valor de erro máximo admissível a que alude o n.º 6 do Regulamento de Controlo Metrológico de Alcoolímetros], o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, de forma uniforme - cf. os Acórdãos referidos no ponto 4. - pela ausência de oposição relevante de acórdãos.
3. Colhidos os vistos e realizada a conferência com o formalismo legal, cumpre decidir.
O Ministério Público, o arguido, o assistente ou as partes civis podem recorrer, para o pleno das secções criminais, quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas. O recurso é interposto do acórdão proferido em último lugar (n.º 1 do art. 437.º do CPP), sendo ainda necessário que o acórdão fundamento seja anterior e tenha transitado em julgado (n.º 4). Ora, se em relação à questão de saber se deve ou não ser efectuado um desconto na medição feita pelos aparelhos que verificam a taxa de álcool no sangue através do ar expelido, o recorrente baseou a sua fundamentação exclusivamente no acórdão da Relação do Porto de 4 de Fevereiro de 2009, proc. n.º 16424/08, que assim se poderia tomar como acórdão fundamento, já quanto à questão de saber se o facto do arguido não ter pedido a contraprova equivale à confissão dos factos, o recorrente foi completamente omisso quanto ao acórdão em oposição. Fixa-se em 6 UC a taxa de justiça a cargo do recorrente, com metade de procuradoria, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Janeiro de 2010 Santos Carvalho (Relator) Rodrigues da Costa |