Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B3003
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: TRIBUNAL ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL COMUM
COMPETÊNCIA MATERIAL
EMPREITADA DE OBRAS PÚBLICAS
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
Nº do Documento: SJ200410070030032
Data do Acordão: 10/07/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I. Para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos, é decisivo o critério constitucional plasmado no artº 212º, nº 3 da Lei Fundamental, nos termos do qual compete aos tribunais dessa jurisdição especial o "julgamento de acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas "
II. Estão excluídos da jurisdição administrativa as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.
III. Para efeitos da apreciação/avaliação de um certo acto, ou facto, causador de prejuízos a terceiros (particulares) numa ou noutra das categorias (gestão privada/ gestão pública) reside em saber se as concretas condutas alegadamente ilícitas e danosas se enquadram numa actividade regulada por normas comuns de direito privado (civil ou comercial) ou antes numa actividade disciplinada por normas de direito público administrativo.
IV. Os tribunais comuns são os competentes para o julgamento de uma acção para efectivação da responsabilidade civil extracontratual de uma empresa de empreitada de construção de uma estrada nacional - obra essa foi adjudicada pelo ICOR (hoje IEP) - cuja causa de pedir se traduz numa conduta alegadamente ilícita e produtora de danos para um terceiro particular directamente lesado.
V. Se um dos segmentos do pedido reclamar em abstracto a intervenção dos tribunais administrativos - tal controvérsia - se meramente "consequente" ou "dependente" da reclamada (e eventual) responsabilidade (directa) da entidade privada adjudicatária/concessionária, perderá a sua autonomia para efeitos de apreciação jurisdicional, assim se perfilando-se uma hipótese em tudo semelhante à da "extensão da competência " ou de "competência por conexão " do tribunal comum, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 96º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A" e B moveram ao Instituto para a Construção Rodoviária (C), e a D e E, acção ordinária pedindo a condenação solidária das RR a pagarem-lhes 20.478,15 €, a título de danos patrimoniais sofridos na sua casa de habitação, em virtude de uma obra levada a cabo pela 2ª R no âmbito de uma empreitada de obras públicas que lhe foi adjudicada pela 1ª Ré, e ainda na quantia que se viesse a liquidar em execução de sentença a título de danos resultantes da privação da referida casa para sua reparação.
2. Na sua contestação veio o C deduzir a excepção de incompetência do tribunal comum para decidir a acção, entendendo competentes os tribunais administrativos.
3. Na réplica os AA opuseram-se à procedência da excepção.
4. No despacho saneador, datado de 26-5-03, o Mmo Juiz da Comarca de Felgueiras julgou improcedente a deduzida excepção, concluído pela competência material dos tribunais comuns.
5. Dessa decisão agravou o C, mas o Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão de 12-5-04, negou provimento ao recurso.
6. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, ainda quanto à questão da competência, recorreu o C para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
a)- A fiscalização da execução da empreitada "Variante à E.N. 101 em Felgueiras entre a E.M. 562 e a E.M. 564" adjudicada ao "Consórcio D, S.A/ Construções E, S.A." insere-se no âmbito das atribuições do ex C (actual) IEP, nos termos do estatuído no artigo 4° dos Estatutos do Instituto publicados em anexo ao DL 237/99 de 25/6;
b)- Os actos ou omissões relacionados com a fiscalização, imputados inserem-se no âmbito do desempenho das atribuições do C, com vista à prossecução dos seus fins, pelo que os actos praticados no âmbito dessas atribuições e delas decorrentes são necessariamente actos de gestão pública;
d)- A responsabilidade do ex C (actual IEP) terá pois que ser apurada no âmbito do estipulado no DL 48051 de 21-11-67, responsabilidade civil por actos de gestão pública;
e)- Por determinação da al.h) do n°1 do artigo 51° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e n°1 do artigo 7° do DL 227/02 de 30/10, é da competência dos tribunais administrativos de círculo conhecer das acções sobre responsabilidade do IEP ou dos seus órgãos de gestão, por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública;
f)- O acórdão recorrido, não considerando competente para o julgamento da acção interposta o Tribunal Administrativo, não observa o estatuído no n°3 do artigo 214° da Constituição da República Portuguesa, o artigo 66° do CPC, o artigo 3 ° e a al. h) do n.°1 do artigo 51° do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, bem como o n°1 do artigo 7° do DL 227/02 de 30/10 e também o artigo 4° da L 13/2002 de 22/2, estando em contradição com a jurisprudência dominante. Neste sentido Ac da Relação de Guimarães de 22-5-2002, CJ Ano XXVII,T,III, pág. 281; Ac. Proc. 2132/03-2 de 29-1-2004, AC. Relação de Lisboa de 8-2-2001, CJ Ano XXVI, Tl,pag. 108; Ac. do STJ de 19-11-2002- Proc n.° 3291-02-6; Ac. do STJ de 19-3-1998 - Proc. N.° 800/97; Ac do STJ de 21-5-2002 - proc. 1045102; Ac. da Relação do Porto de 7-10-2002 proc. N.° 1376. Tribunal de Conflitos, Conflito n°10 de 05.03.04.
7. Contra-alegaram os AA sustentando a correcção do julgado, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:
1ª- Nos presentes autos estamos perante actos de gestão privada do C (actualmente IEP), uma vez que o mesmo, actuando no âmbito das anteriores competências da F (cujos direitos e obrigações assumiu), uma empresa pública que desenvolvia a sua actividade despida do poder público, "(...) se encontra e actua numa posição de paridade com os particulares a que os actos respeitam e, portanto, nas mesmas condições e no mesmo regime em que poderia proceder um particular, com submissão às normas de direito privado.", sendo certo que não estamos no âmbito de relações jurídico-administrativas, uma vez que entre os Autores e a Administração não existe qualquer vínculo emergente no exercício da função administrativa;
2ª- Os actos praticados pela F eram de gestão privada e passaram a ser praticados por um Instituto que conforme refere o DL 237/99, "assume as competências previstas para a "F - Construção, S.A.", ao qual se aplica subsidiariamente o regime das empresas públicas (artigo 1.°, n.° 2 do referido diploma legal) e prevê a aplicação do direito privado (artigo 6°, nº 2, do mesmo diploma), não podem simplesmente ter ganho uma natureza diferente, pelo que apenas podem ser qualificados como actos de gestão privada;
3ª- De acordo com o disposto no n° 2 do art 6° do DL 237/99, de 25/6, o disposto no n° 1 deste mesmo preceito legal "não prejudica o conhecimento pelos tribunais comuns das questões que sejam da sua competência em razão da matéria, designadamente os litígios decorrentes das relações regidas pelo direito privado nas quais sejam parte o IEP, o C ou o ICERR» estabelecendo ainda o artº 4°, n° 1, al. f) do DL 129/84, de 27/4 (ETAF) que "1- Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto: (...) f) Questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.", tudo isto em consonância com o estabelecido no art. 18.°, n.° 2 do DL 558/99, de 17/12;
4ª- "Quanto aos pedidos indemnizatórios, é seguro que os actos violadores do direito de propriedade e geradores da alegada obrigação de indemnizar se não integram em qualquer relação jurídica administrativa, regulada pelo direito público, embora destinadas à execução de obra-construção de estradas-atribuição do C" - Cfr. Ac. STJ, de 19/11/02;
5ª- "Sendo tais obras efectuadas por um particular com base em contrato de empreitada de obras públicas, a natureza administrativa do respectivo contrato é relevante para efeitos de inclusão do conhecimento das questões dele emergentes no âmbito da jurisdição administrativa, mas a existência desse contrato não implica que os actos ou omissões praticados na sua execução que lesem terceiros, emergentes de outros factos jurídicos, sejam considerados como actos de gestão pública." Ac. do STA de 27/02/2002;
6ª- "A competência material depende do "tema decidendum" concatenado com a causa de pedir.
Destarte, a decisão competirá aos tribunais administrativos quando se esteja perante um facto ilícito, gerador de danos, mas inserido na gestão pública do Estado ou de outras entidades equiparadas ou englobadas no conceito mais amplo de Estado; e é atribuído aos tribunais comuns, i. é, aos tribunais judiciais, o julgamento das acções que respeitem à gestão privada daquelas entidades.";
7ª- Não faria sentido que a presente causa fosse decidida simultaneamente no Tribunal Judicial e no Tribunal Administrativo;
8ª- O douto acórdão recorrido analisa bem a questão quando considera as defesas apresentadas pelos Réus, sendo que o C se defende "dizendo que a responsabilidade é do Consórcio que assumiu contratualmente os danos decorrentes da execução da obra, estando em causa a violação dos seus deveres contratuais", assim como a defesa apresentada pelo Réu Consórcio que "defende-se dizendo que a responsabilidade é apenas do C, que é a quem se deve a concepção da obra, que ele consórcio, se limitou a executar conforme ao projecto.";
9ª- Em qualquer um destes casos, como bem descreve e justifica o acórdão recorrido, estamos sem margem para dúvidas perante actos de gestão privada, e como tal, da competência dos tribunais judiciais, sendo que não faria qualquer sentido que esta mesma questão fosse julgada em dois tribunais distintos, quando ambos os réus se procuram desresponsabilizar.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

9. Para a decisão do recurso tomou a Relação em consideração a seguinte factualidade emergente dos articulados:
1º- O "C" adjudicou ao consórcio D e "E, SA", a empreitada para a construção da Variante A EN 101 em Felgueiras entre a EM 562 e a EM 564;
2º- Na realização dessa empreitada, o referido consórcio teria utilizado cilindros compactadores e máquinas de grande porte, com grande poder vibratório, cujas vibrações vieram a provocar danos vários no prédio dos AA, sito junto da Rotunda da Circular Urbana de Felgueiras, na confluência da saída para Lousada, sendo que antes da realização da obra em causa aquele prédio estava em perfeito estado de conservação;
3º- O consórcio R não teria tomado as devidas precauções para evitar os danos, bem sabendo que exercia uma actividade perigosa;
4º- ao Réu C cabia fiscalizar e acompanhar o empreendimento em causa.
5º- O Réu C alega que a responsabilidade é do Consórcio que assumiu contratualmente os danos decorrentes da execução da obra, estando em causa a violação dos seus deveres contratuais;
6º- O Réu Consórcio imputa tal responsabilidade apenas do C, que é a quem se deve a concepção da obra, que ele Consórcio se limitou a executar conforme ao projecto.
Passemos agora ao direito aplicável.
10. Depara-se-nos uma típica questão de determinação de competência "ratione materiae" para a dirimência de uma questão de responsabilidade civil no âmbito de uma empreitada de obras públicas, a cuja execução alegadamente subjaz uma conduta ilícita e culposa causadora de danos em propriedade de terceiros, na circunstância os AA.
A questão da competência absoluta é de ordem pública, pelo que o seu conhecimento deve preceder o de outra qualquer questão - artºs 288º nº 1 al. a) e 494º do CPC, sendo que a competência do tribunal em razão da matéria é, em princípio, de aferir pela pretensão ou pedido concretamente formulados pelo autor.
Sem dúvida que a uma tal empreitada se aplica o regime do DL 55/99 de 2/3, mas não é o regime jurídico da empreitada, mormente nas relações entre a entidade pública dona da obra e a empresa adjudicatária - inquestionavelmente reguladas por normas de direito público - de que ora curamos.
Os AA na petição inicial radicam a sua causa de pedir na realização/execução da obra e nos danos da mesma para si resultantes, sem especificarem de modo preciso a qual das entidades RR imputam (realmente) a responsabilidade por tais danos.
É certo que a Ré Consórcio executou materialmente a obra, sendo que o Réu C forneceu (concebeu e elaborou) o respectivo projecto, cuja execução lhe competia fiscalizar.
As RR nas respectivas defesas imputam-se reciprocamente a responsabilidade final pelos prejuízos invocados pelos AA.
Mas terão os invocados danos resultado (sempre "in abstracto") unicamente da própria natureza ou concepção da obra, do "modus" da respectiva execução ou simultaneamente de uma e outra causa?
No 1 ° caso, a responsabilidade civil seria do R C, no 2° caso, do R Consórcio e no 3º de ambas as RR.
O problema põe-se apenas porque a 1ª Ré - o C (actual IEP) é uma entidade pública, o que logo levaria a questionar se a intervenção do C nessa empreitada constituía ou não um acto de gestão pública, na terminologia utilizada no próprio artº 51°, al h), do ETAF 84 (DL 129/84 de 27/4 -Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais) e no próprio artº 6°, nº 1 do DL 237/99, de 25/6 (Estatutos do C).
O primeiro desses preceitos - ao tempo aplicável - referia precisamente que "compete aos tribunais administrativos de círculo conhecer das acções sobre responsabilidade civil do Estado, dos demais entes públicos e dos titulares dos seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos de gestão pública, incluindo acções de regresso".
A Administração responderia, pois, e em princípio, pelos danos causados no desempenho da actividades de gestão privada perante os tribunais judiciais e pelos danos causados no desempenho de actividade de gestão pública perante os tribunais administrativos.
Perante uma conduta atribuível a um dado órgão público há, desde logo, que saber se o mesmo exerce ou não um poder público enquanto entidade integrada na Administração directa ou indirecta do Estado, ou se age despido dessa qualidade "status" tal como se fosse uma entidade privada.
O "C" - mesmo sendo, como é, um instituto público - pode limitar-se a exercer as suas atribuições em pleno pé de igualdade com os particulares, portanto desprovido do poder de supremacia que em princípio lhe advém da sua qualidade de ente público administrativo. Os actos assim praticados já seriam de qualificar como de "gestão privada" - cfr Marcelo Caetano, in "Manual de Direito Administrativo", Tomo I, 10ª ed, Almedina, pág 430.
Nos actos de gestão privada - reitera-se - o Estado ou a pessoa colectiva pública intervêm como simples particulares, despidos da sua "potestas" ou "auctoritas, ao passo que nos actos de gestão pública o Estado ou a pessoa colectiva pública agem munidos do seu "jus imperii " - conf., neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in "Código Civil Anotado " vol II, 4ª ed. Pág 443.
O verdadeiro "distinguit" - para efeitos da apreciação/avaliação de um certo acto, ou facto, causador de prejuízos a terceiros (particulares) numa ou noutra das aludidas categorias (gestão privada/ gestão pública) reside em saber se as concretas condutas alegadamente ilícitas e danosas se enquadram numa actividade regulada por normas comuns de direito privado (civil ou comercial) ou antes numa actividade disciplinada por normas de direito público administrativo - cfr Freitas do Amaral, "Direito Administrativo" III, 88/89, pág 487.
Mas a "pedra de toque" para efeitos de determinação da competência material dos tribunais administrativos não reside propriamente na dicotomia "actos de gestão pública - actos de gestão privada", mas sim no critério constitucional plasmado no artº 212º, nº 3 da Lei Fundamental, ou seja compete aos tribunais dessa jurisdição especial o "julgamento de acções que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas "
Âmbito assim definido com apelo ao mesmo critério na legislação infra-constitucional (conf. artºs 3º do ETAF 84 e 1º do ETAF 2002).
Abra-se aqui um parêntesis para salientar que se não se trata, nesta sede, de responsabilizar o empreiteiro, adjudicatário da empreitada, por violação dos seus deveres contratuais para com o órgão público adjudicante (competia-lhe, além do mais, caso verificasse a necessidade de trabalhos de protecção não definidos no projecto, avisar o dono da obra propondo as medidas a tomar, e interromper os trabalhos afectados até decisão daquele, (clausula 10.1.2. do Caderno de encargos). Não se cura de analisar as relações contratuais (execução da empreitada versus a observância das respectivas cláusulas) entre a entidade pública adjudicante e a entidade privada adjudicatária.
Do que se trata é de uma actividade, acto, comportamento ou conduta, vista da perspectiva de um lesado (terceiro) particular, cuja avaliação, para efeitos do apuramento da respectiva responsabilidade civil é regulada, por normas de direito privado, que não por normas, princípios e critérios de direito público.
Ora, a uma tal apreciação/avaliação não subjaz qualquer relação jurídico-administrativa, uma relação jurídica regulada pelo direito público, mas uma mera relação jurídico-privada, como tal regulada pelo direito privado.
Rege, neste domínio, o princípio de que os tribunais de jurisdição ordinária, na circunstância os tribunais de comarca, são os tribunais-regra por força da delimitação negativa do nº 1 do artº 18º da LOFTJ 99 aprovada pela L 3/99 de 32/1 e do artº 66º do CPC, nos termos dos quais " são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional".
Regra/princípio ainda hoje aplicável a título subsidiário, tal como resulta do artº 7º do novo ETAF aprovado pela L 13/2002 de 19/2.
Trata-se, no fundo, da apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual vasados no artº 483º e ss do C. Civil.
Reconduz-se, pois, a questão dirimenda central a uma relação jurídica de direito privado (actividade por sua natureza potencialmente geradora de danos), como tal regulada pelas normas e princípios do direito civil comum, sem embargo de, a montante, na fase da concepção/adjudicação e, ulteriormente, no exercício dos seus poderes de fiscalização nela haver intervindo - na sua veste de "autorictas publica" - um instituto público (o C, actual IEP).
Trata-se, no fundo, de uma "questão de direito privado" - aquela que as partes submeteram à apreciação do tribunal - ainda que uma das entidades putativamente responsáveis, isto é uma das "partes", seja uma pessoa de direito público, para utilizar a expressão contemplada na al. f) do nº 1 do artº 4º do ETAF 84 (DL 129/84 de 27/4).
Questão essa que deve ser aferida por normas, princípios e critérios próprios do direito privado, e, como tal, a respectiva dirimência encontrar-se-á, por sua própria natureza, arredada da jurisdição especial dos tribunais administrativos.
Ainda que um dos segmentos do pedido se pudesse consubstanciar (também) no uso ilícito e danoso dos aludidos poderes de autoridade por banda da entidade pública dona da obra - a reclamar em abstracto a intervenção dos tribunais administrativos - " ex-vi" dos artºs 3º e 51º nº 1 al. g) do citado (ETAF 84) - já que se trataria de dirimir um litígio emergente de uma relação jurídica administrativa " (conf artº 212º nº 3 da Constituição da República) não é menos certo que tal controvérsia - porque meramente "consequente" da reclamada (e eventual) responsabilidade (directa) da entidade privada adjudicatária/concessionária, perderia a sua autonomia para efeitos de apreciação jurisdicional, apresentando-se, "qua tale ", como meramente secundária ou dependente.
Perfilar-se-ía, assim, uma hipótese em tudo semelhante à da "extensão da competência" ou de "competência por conexão" do tribunal comum, nos termos e para os efeitos do nº 1 do artº 96º do CPC, cuja "ratio essendi" reside precisamente em evitar a suspensão da causa principal até ao julgamento no tribunal próprio das questões prejudiciais ou incidentais ou mesmo um julgamento duplo ou paralelo conforme a natureza (pública ou privada) do ente demandado, com a consequente possibilidade de julgados contraditórias ou entre si total ou parcialmente conflituantes.
Tudo isso, pois, para que a decisão dessa questão "dependente" pudesse constituir caso julgado dentro do respectivo processo " inter partes" e, por essa via, conferir plena eficácia executiva à eventual decisão judicial relativa à relação jurídica fundamental.
E daí que sendo o tribunal da comarca o competente, em razão da matéria para o conhecimento da "questão" principal ou fundamental pelos AA. submetida ao escrutínio judicial, será também ele o competente para o conhecimento das restantes questões conexas deduzidas na petição inicial e, outrossim, das questões deduzidas pelos RR nas respectivas contestações, ainda que para alguma delas, enquanto isoladamente consideradas, pudesse ser em abstracto competente o foro administrativo. 11. Nesta conformidade, se conclui ser de manter o sentido decisório do acórdão "sub-judice", com atribuição da competência em razão da matéria ao tribunal comum de jurisdição ordinária.

12. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar provimento ao agravo;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Sem custas, por delas estar isento o C (actual IEP).

Lisboa, 7 de Outubro de 2004
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Ferreira Girão