Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | VASQUES DINIS | ||
| Descritores: | ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE DESPEDIMENTO CAUSA DE PEDIR RETRIBUIÇÕES INTERCALARES LIMITES DA CONDENAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | SJ200804230039051 | ||
| Data do Acordão: | 04/23/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Sumário : | I - Ao apreciar o pedido o tribunal tem de considerar a causa de pedir enunciada na petição inicial e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor – artigo 660.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC). II - Os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho (CPT) – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais. III - O uso do poder de condenação extra vel ultra petitum, consagrado no artigo 74.º do CPT não permite ao tribunal, ainda que esteja em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, alterar ou substituir os factos jurídicos invocados como fundamento do pedido, de modo a apreciar e decidir um pedido com fundamento numa causa de pedir que não foi submetida à sua decisão. IV - Extrapola a causa de pedir enunciada na petição inicial a sentença proferida em acção de impugnação de despedimento que, considerando inverificado o despedimento (por se não terem provado os factos que o poderiam configurar), julga procedente o pedido relativo às retribuições vencidas depois da data do alegado despedimento, com fundamento na vigência do contrato após aquela data. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, em acção com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, proposta em 2 de Agosto de 2005, no Tribunal do Trabalho de Águeda, “BB, Lda.”, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 21.533,78, acrescida das retribuições vincendas até à data da sentença, com juros de mora. Em síntese, fundou a sua pretensão na alegação de que foi admitido ao serviço da Ré, em 2 de Janeiro de 1982, para o exercício das funções de instrutor de condução, actividade que prestou de forma continuada até ao dia 31 de Março de 2005, data em ela lhe comunicou a intenção de o despedir, por extinção do seu posto de trabalho, alegando motivos económicos, de mercado e estruturais relativos à empresa, sem que tivesse adoptado o adequado procedimento administrativo e sem pôr à disposição do Autor a compensação prevista no artigo 401.º do Código do Trabalho, e, ainda, sem que lhe tivesse sido instaurado processo disciplinar, sendo, por conseguinte, ilícito o despedimento. 2. Na contestação, a Ré invocou a caducidade do contrato e, à cautela, impugnou os factos articulados pelo Autor, alegando que, na sequência de uma cessão de quotas, sendo os novos titulares das participações sociais pessoas habilitadas ao exercício das funções desempenhadas pelo Autor, dada a idade avançada deste e a desconfiança, em relação a ele, de alguns clientes, a Ré negociou com o Autor a possibilidade de cessação do contrato por mútuo acordo, passando pela entrega ao Autor de uma compensação monetária e da documentação bastante para que pudesse também aceder ao subsídio de desemprego, nomeadamente uma carta de despedimento e o modelo 346, devidamente preenchido e assinado pela Ré. Acordado o valor da compensação, e entregue a referida documentação ao Autor, este, no dia seguinte ao da conclusão das negociações, quando o sócio da Ré, CC, se prontificava para lhe entregar a quantia combinada, o Autor afirmou que já não estava interessado no acordo, que iria para Tribunal reclamar a indemnização por despedimento sem justa causa, para o que utilizaria os documentos que lhe haviam sido entregues no dia anterior. O Autor respondeu à contestação. 3. Realizada a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se decidiu sobre a matéria de facto em litígio, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, resolveu: [...] a) Declarar inexistente a cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito ou por qualquer outro fundamento, subsistindo tal contrato; b) Absolver a ré dos pedidos de condenação no pagamento da indemnização por antiguidade e dos proporcionais de férias e subsídios de férias do ano da cessação; c) Condenar a ré a pagar ao autor as retribuições vencidas entre 31 de Março de 2005 e o trânsito em julgado da sentença, incluindo os subsídios de férias e de Natal, mas levando-se em conta o que o autor, entretanto, tenha recebido. [...] Esta decisão foi impugnada pela Ré, em recurso de apelação, ao qual o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu conceder provimento, absolvendo a apelante da condenação a que respeita a alínea c) do dispositivo da sentença. Veio o Autor pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas: I - O Tribunal de 1.ª instância decidiu, o que não foi posto em causa por nenhuma das partes, pela manutenção do contrato de trabalho. II- Significando, assim, que o ora recorrente não deixou de ser trabalhador da recorrida desde 31 de Março de 2005. III - Partindo desta premissa o Tribunal condenou a então Ré ao pagamento das retribuições vencidas desde aquela data até ao trânsito da sentença, com a dedução do que o Autor entretanto tenha recebido, inclusive a título de subsídio de desemprego, o que consta da alínea c) da sentença. IV - O Tribunal a quo revogou essa parte da decisão, absolvendo a recorrida do pagamento daquelas retribuições. V - A nosso ver ao fazê-lo violou o conceito de retribuição e respectivos princípios decorrentes quer do art.º 249.º do Código de Trabalho, quer dos restantes preceitos que o delimitam. VI - Com efeito, o carácter sinalagmático do contrato de trabalho determina para o trabalhador não a efectiva prestação de trabalho, mas a disponibilidade para o mesmo. VII - Esta concepção, que se encontra aliás espelhada em várias normas laborais, por exemplo de faltas justificadas, implica que à inactividade do trabalhador (mesmo à originada por factos a este respeitantes) nem sempre pode corresponder a ausência de retribuição. Inactividade, para a qual na situação em causa concorreu também a conduta da entidade patronal. VIII - Ora, mantendo-se a situação laboral, o trabalhador embora não tenha prestado efectivamente trabalho, nem por isso deixou de estar vinculado à prestação de trabalho, pelo que lhe são devidas, com as necessárias deduções, as retribuições desde 31 de Março de 2005. IX - Mais, estando-se perante uma situação de vigência do contrato de trabalho e não se verificando, no caso em apreço, nenhuma causa que legitime o não pagamento daquelas retribuições, a absolvição da entidade patronal do respectivo pagamento ofende os princípios decorrentes do conceito de retribuição, nomeadamente da indisponibilidade, continuidade, irredutibilidade, etc, derivados da natureza alimentícia do salário. X - No acórdão da Relação considera-se que a decisão da 1.ª instância, carece de falta de fundamentação de direito e que condenou em objecto/pedido diverso do peticionado e numa causa de pedir diferente da invocada. XI - Para que se verifique a situação prevista no art.º 668.º, n.º 1, b), é necessário que a decisão padeça de absoluta falta de fundamentação, quer referente aos factos ou ao direito, não bastando uma fundamentação insuficiente ou errada. XII - Acontece que a sentença de 1.ª instância, para além da identificação das partes, do objecto em litígio, das questões a resolver e dos factos provados, especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão efectuando a respectiva subsunção, observando, assim, o art.º 659.º do Código de Processo Civil. XIII - Na realidade, face aos factos provados, conclui-se que as partes simularam um despedimento por extinção do posto de trabalho, quando o que queriam era revogar o contrato de trabalho. Pelo que, havendo simulação o negócio é nulo. Nulidade de conhecimento oficioso, de acordo com o disposto no art.º 240.º do Código Civil. XIV - Considera-se, ainda, nos termos do art.º 241.º, n.º 1, do citado Código, que não é possível a conversão do negócio atendendo à natureza formal da revogação que exige documento escrito assinado pelas duas partes para a sua validade. XV - Face à inexistência de qualquer forma válida de cessação do contrato de trabalho, o Tribunal de 1.ª instância conclui pela subsistência da relação laboral. Sendo a partir desta premissa, bem como da ausência de causa que legitime o seu não pagamento que decide pela condenação das retribuições, vencidas e vincendas desde 31 de Março de 2005. XVI - Assim, no nosso entendimento, a sentença não só não enferma de falta de fundamentação, como se encontra suficientemente fundamentada quer de facto, quer de direito. XVII - Também entendemos, salvo o devido respeito, que não se verificou a condenação em pedido/objecto diverso do peticionado ou por diferente causa de pedir. XVIII - Com efeito, o autor alegou efectivamente um despedimento ilícito. Mas, também, pediu a condenação da então Ré no pagamento daquelas retribuições, que considera serem-lhe devidas. XIX - Ora, se na realidade não se provou o despedimento, a verdade é que os restantes factos, já referidos, dados como provados, relativamente aos quais o Tribunal é livre de qualificar e de aplicar as normas jurídicas que julgue adequadas, permitiram-lhe condenar a entidade patronal. Portanto face à factualidade dada como provada, que levaram à conclusão da subsistência da relação laboral e ao peticionado pelo trabalhador, a condenação no pagamento das retribuições não extravasa os factos alegados pelas partes nem condena em objecto/pedido diverso. XX - Acresce que o Tribunal de 1.ª instância concluiu, face à matéria dada como provada, pela subsistência do contrato de trabalho. Quer isto dizer, que a relação laboral se manteve plenamente vigente, não tendo o recorrente deixado de ser trabalhador da recorrida em momento algum. XXI - Verificando-se a vigência do contrato de trabalho, as retribuições em causa inserem-se no âmbito dos direitos indisponíveis, estando-se, assim, perante preceitos inderrogáveis de leis. XXII - Pelo que, nos termos do art.º 74.º do Código de Processo de Trabalho, desde que tal resulte da aplicação dos referidos preceitos à matéria dada como provada, o juiz deve condenar em objecto diverso. XXIII - Em face do exposto, ao absolver a recorrida do pagamento das mencionadas retribuições, o Tribunal da Relação de Coimbra interpretou erradamente o disposto nos art.os 661.º, 659.º, 664.º e 668.º do Código de Processo Civil e o art.º 74.º do Código de Processo Trabalho. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência deve o Acórdão da Relação ser revogado, mantendo-se a alínea c) (condenação da recorrida no pagamento das retribuições vencidas entre 31 de Março de 2005 e o trânsito em julgado da sentença, incluindo os subsídios de férias e de Natal, mas levando-se em conta o que o Autor, entretanto, tenha recebido) da sentença proferida em primeira instância. Não houve contra-alegação da Ré e, neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público, em parecer a que as partes não reagiram, pronunciou-se no sentido de ser negada a revista. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Os factos materiais da causa foram pelas instâncias, sem discordância das partes, fixados nos seguintes termos: 1. O A. foi admitido ao serviço da R. através de um contrato de trabalho verbal, sem termo, em 2 de Janeiro de 1982; 2. Sob as ordens, fiscalização e direcção da R. e mediante remuneração mensal desempenhou as funções de instrutor de condução; 3. O A. prestou trabalho de forma continuada até 31 de Março de 2005; 4. A R. entregou ao A. o documento n.º 1, junto com a P.I. (do qual consta uma comunicação ao A. de alegada deliberação da R. no sentido de promover a extinção do seu posto de trabalho, com efeitos imediatos) e o documento n.º 2, também junto com a P.I. (declaração de situação de desemprego correspondente), ambos datados de 31 de Março de 2005; 5. A R. não instaurou ao A. qualquer processo disciplinar para averiguação de justa causa de despedimento, nem desencadeou qualquer processo administrativo para extinção de posto de trabalho ou de despedimento colectivo; 6. Com efeito, a R. não efectuou as comunicações exigidas pelos arts. 419.º e/ou 423.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto; 7. Não foi colocada à disposição do A. parte da quantia que se calcularia por aplicação do disposto no art. 401.º do Código do Trabalho; 8. O A. auferia, à data de 31 de Março de 2004, o vencimento base de € 672,00, acrescido de subsídio de alimentação de € 3,74 por dia, diuturnidades no valor de € 110,00 e ainda subsídio de produtividade no valor de € 90,00; 9. A R. não pagou ao A. os montantes relativos às férias e subsídio de férias vencidas em 1.1.2005 e relativas ao trabalho prestado no ano anterior (2004), no montante de € 1.744,00 (€ 872,00 X 2); 10. Bem como aos proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação, no montante de € 654,00 que a R. também não pagou ao A.; 11. Por comunicação emitida em 23.5.2005 pelo Instituto de Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões, foi a sociedade R. notificada do deferimento do requerimento apresentado pelo A. para efeitos de concessão de pensão de velhice, a produzir efeitos desde 24.1.2005; 12. Por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Oliveira do Bairro em 6.05.2005, os então sócios BB, DD e EE, que detinham em conjunto quotas que representavam a totalidade do capital social da sociedade R., cederam as suas quotas a FF, GG e a HH, que assim passaram a deter, em conjunto, a totalidade das quotas que compõem o capital social da R.; 13. Atento o facto de todos os actuais sócios se encontrarem habilitados ao exercício das funções que eram desempenhadas pelo A. enquanto empregado da R.; 14. Aliado ao facto de ser necessário promover medidas para redução dos encargos da sociedade, necessidade motivada pela crescente actividade das sociedades concorrentes da R. na região; 15. Bem como o A. ser já pessoa de idade avançada, não merecendo a confiança de alguns dos clientes da sociedade R.; 16. Tudo se conjugou no sentido de os actuais sócios terem manifestado aos anteriores a vontade de estes promoverem com o autor negociações tendentes a resolverem o contrato de trabalho por mútuo acordo; 17. Nesse sentido, entre os sócios anteriores e o A. foi discutida a possibilidade de chegarem a um acordo para resolução amigável do contrato de trabalho, o que passava pela entrega a este de um valor a título de compensação; 18. Além desta compensação, sempre foi exigência do A. que lhe fossem facultados os documentos necessários para instruir requerimento para a concessão de subsídio de desemprego, nomeadamente uma carta de despedimento, bem como o modelo 346, devidamente preenchido e assinado pela Entidade Empregadora; 19. Na expectativa de que as negociações relativamente ao valor compensatório a pagar ao A. resultassem bem sucedidas, os anteriores sócios solicitaram ao seu advogado – e subscritor da contestação – que lhes preparassem aqueles documentos de modo a estarem prontos para serem entregues ao A. na conclusão das negociações; 20. O que aconteceu, tendo ficado depositados no escritório da R. os documentos juntos pelo A. com a P.I. e aí identificados como documentos 1 e 2, sendo que este último documento se encontrava em branco, tendo aposta apenas a assinatura do então gerente da R., Jorge Baptista da Silva; 21. Em dia que não foi possível apurar, mas que se situa no final do mês de Março de 2005, e não tendo os anteriores sócios da R. conseguido chegar a um acordo com o A. quanto à resolução por mútuo acordo do contrato de trabalho, o actual sócio, CC, conversou com o A. com o propósito de o convencer a aceitar o proposto, ao que o A. anuiu; 22. Porque, naquele momento, o CC não possuía o valor acordado para entregar ao A., ficou assente entre os dois que o CC lhe fazia entrega, naquele dia, dos documentos juntos com a P.I. sob os n.os 1 e 2, ficando marcado para o dia seguinte novo encontro para o A. receber a quantia negociada a título de compensação; 23. Para espanto e surpresa do CC, no dia seguinte, quando se encontrou com o A. nas instalações da R., e quando se preparava para lhe fazer entrega do valor acordado para a resolução por mútuo acordo do contrato de trabalho, o A. afirmou que já não estava interessado no acordo, pelo que iria apresentar acção em Tribunal contra a sociedade, reclamando indemnização por despedimento sem justa causa, e servindo-se para o efeito dos documentos que o CC lhe havia entregue na véspera, convicto que o estava a fazer no âmbito de um acordo para a resolução do contrato de trabalho; 24. Efectivamente, em Janeiro de 2005 o A. apresentou requerimento junto do Instituto da Segurança Social para o efeito de concessão de pensão por velhice; 25. Porém, após meditar sobre a sua decisão e temendo as consequências do seu afastamento da vida activa, acabou por ser arrepender da decisão tomada e, em inícios do mês de Março de 2005 – ainda não tinha o A. sido notificado da decisão de deferimento da pensão – procedeu à desistência da pensão requerida; 26. Nesta sequência, por carta enviada ao A. pelo Instituto da Segurança Social I.P. – Centro Nacional de Pensões – datada de 13.5.2005, foi este informado de que se havia procedido à suspensão cautelar da referida pensão e que a revogação do acto de atribuição da pensão e a sua exclusão do ficheiro de pensionistas ficava condicionado à devolução das pensões que entretanto lhe haviam sido pagas, no valor de 1.791,66 Euros; 27. Posto isto, o A., no dia 19 de Maio de 2005, procedeu à devolução das pensões que lhe haviam sido pagas, na valor indicado, através do envio à Tesouraria do Centro Nacional de Pensões, por carta registada com A/R, do cheque n.º ............., sobre a Caixa Geral de Depósitos, no valor de 1.791,66 Euros; 28. No momento em que foi emitida a comunicação junta com a contestação como documento n.º 1, (23.4.2005), o A. havia já enviado ao Centro Nacional de Pensões, na primeira metade de Março de 2005, uma carta em que solicitava a desistência da pensão antecipada por velhice que havia requerido, a qual foi suspensa a 13.5.2005, ficando a revogação do acto de atribuição da pensão e a sua exclusão do ficheiro de pensionistas condicionada à devolução das pensões que entretanto lhe foram pagas, devolução que só ocorreu em 19.5.2005. 2. O objecto de controvérsia, na revista – como já sucedera no recurso de apelação, então, por inconformismo da Ré –, reporta-se à subsistência (ou insubsistência) do segmento decisório da sentença da 1.ª instância que condenou a Ré no pagamento ao Autor das retribuições vencidas entre 31 de Março de 2005 e o trânsito em julgado da sentença, segmento esse que veio a ser revogado pela Relação. 2. 1. Para concluir que aquele segmento decisório não podia subsistir, o douto acórdão impugnado discorreu assim: [...] Às partes cabe alegar/provar os factos que integram a causa de pedir…e aqueles em que se baseiam as excepções… só podendo o Juiz, por via de regra, servir-se dos factos articulados para fundar a decisão. E, embora não esteja sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de Direito, tem de lidar com essa forte limitação …sem prejuízo da abertura condicionada prevista no art. 264.º – cfr. art. 664.º do C.P.C. Além disso, não pode, também por via de regra, condenar em objecto diverso do que se pedir – ‘ex vi’ do n.º 1 do art. 661.º do C.P.C. – excepção feita, concretamente neste Foro, à possibilidade de condenação ‘extra vel ultra petitum’, consagrada no art. 74.º do C.P.T. Nos termos desta norma, todavia, só deve condenar em objecto diverso do pedido …quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art. 514.º do C.P.C., de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho. Ora, 'in casu', não só não se fundamenta minimamente a solução eleita, como não vemos que a mesma seja juridicamente sustentável, ‘hic et nunc’. Com efeito, não se reagindo ao decidido nas alíneas a) e b) do dispositivo (onde se declarou …inexistente a cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito ou por qualquer outro fundamento, subsistindo tal contrato …e se absolveu a R. dos pedidos de condenação no pagamento da indemnização por antiguidade e dos proporcionais de férias e subsídios de férias do ano da cessação – sic), os efeitos e/ou consequências da ajuizada subsistência da relação juslaboral estão logicamente para além do objecto da presente acção, nada explicando ou justificando por que haveria de condenar-se a R. num pedido não formulado, relativo à subsistência (ora jurisdicionalmente proclamada, ‘malgré tout’, e, nessa medida, teórica/formal) de um contrato sem existência real, ('maxime' na pressuposta efectivação do correspondente sinalagma) que nem o A. quiçá imaginaria subsistente e de que nada mais se sabe, nem sequer se – e em que medida – o A. pretenderá dele servir-se, seja retomando efectivamente a actividade profissional, seja como ‘causa petendi’ para quaisquer eventuais direitos daí decorrentes, sabido que deixou de estar ao serviço da R. a partir de 31.3.2005 e…, ao que tudo indica, por opção sua (em Janeiro de 2005 apresentou requerimento junto da Segurança Social para efeito de reforma/concessão de pensão por velhice)! A fundamentação acima expendida vai aliás no sentido do decidido já nesta Relação, num caso de contornos semelhantes, (cfr. Acórdão relatado pelo Exm.º Desembargador Serra Leitão na Apelação n.º 1142/2004, da Sessão de 20 de Maio, citado pela apelante), onde expressamente se escreveu, na verdade, que, mantendo-se válido o contrato de trabalho, (ainda que de facto tenha terminado há muito…), … ‘nesta acção a causa de pedir foi a existência de um despedimento, parecendo-nos evidente que a mesma tem que improceder, não podendo o Tribunal extrapolar para uma outra situação de (eventual) condenação no pagamento de salários, até porque não se sabe se devidos, dada também a correspectiva ausência de prestação laboral por parte do A.’ [...] Em suma, o acórdão recorrido entendeu que a sentença, em desrespeito pelo princípio consignado no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, condenou em objecto diverso do que fora pedido, uma vez que a causa de pedir invocada na acção era um despedimento ilícito, e não a situação de subsistência do contrato de trabalho que suportou a condenação. O recorrente contrapõe o entendimento de que, resultando dos factos provados que as partes, visando a revogação do contrato, simularam um despedimento por extinção do posto de trabalho, daí que, face à inexistência de qualquer forma válida de cessação do contrato de trabalho, ele continuou a ser trabalhador da Ré, com direito a perceber as retribuições vencidas e vincendas desde 31 de Março de 2005; por outro lado, conquanto tenha alegado um despedimento ilícito, também pediu a condenação da Ré naquelas retribuições e, embora não se tenha provado o despedimento, os factos provados, que o tribunal é livre de qualificar, permitem, ao abrigo do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, por se tratar de matéria relativa ao direito à retribuição, indisponível na vigência do contrato, a condenação em objecto diverso do pedido. 2. 2. Sobre o problema dos limites da condenação, em processo laboral, teve este Supremo Tribunal ensejo de se pronunciar, no Acórdão de 6 de Fevereiro de 2008 (em www.dgsi.pt, Documento n.º SJ200802060028984), onde se pode ler: [...] A causa de pedir é, no dizer do Professor Manuel R. Domingues de Andrade, “o acto ou facto de jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o Autor invoca e pretende fazer valer (art. 498.º, n.º 4)” (*). Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido. Ensina aquele Professor que, segundo a nossa lei, independentemente, da natureza do direito deduzido em juízo, “tem de declarar-se qual o acto ou facto jurídico donde provenha, e a sentença apenas tomará em conta tal acto ou facto”, o que significa que “vale entre nós a chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (acto ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo Autor”, e conclui que “o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva da autoridade do caso julgado que lhe corresponde – se identifica através do pedido e da causa de pedir (arts. 497.º e 498.º)” (*). A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Por isso, o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença – artigos 660.º, n.º 2 e 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC. Por isso, também, a sentença de mérito que vem a ser proferida só vincula no âmbito objectivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 498.º, n.º 1, do CPC). Mesmo a regra emergente do disposto no artigo 664.º do CPC, segundo o qual “[o] juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito; mas só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264.º” tem como pressuposto que tal livre actuação do julgador se encontra balizada pela causa de pedir enunciada na petição inicial (*). É certo que, no âmbito do processo laboral, são reconhecidos ao juiz especiais poderes inquisitórios atribuindo-lhe a lei o poder-dever de diligenciar pelo apuramento da verdade material, relegando para um plano mais secundário a denominada “justiça formal”, atenta a natureza dos interesses conflituantes. Mas, mesmo neste domínio, a enunciação da causa de pedir continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela jurisdicional. É ao autor que cabe delinear a causa de pedir da sua pretensão. Assim, os poderes inquisitórios emergentes do artigo 72.º do CPT – que incluem os emergentes da regra geral do artigo 264.º do CPC e permitem ao juiz atender aos factos essenciais ou instrumentais que resultam da discussão da causa, mesmo que não tenham sido articulados –, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais (*). Como se referiu no Acórdão de 7 de Maio de 2003 (*), em processo laboral o juiz pode ampliar a base instrutória, aditando-lhe quesitos com matéria não alegada ou, não havendo base instrutória, levar em consideração factos não articulados pelas partes; mas tal só pode ocorrer se esses factos surgirem no decurso da produção de prova, se não alterarem a causa de pedir, se sobre eles tiver incidido discussão e se os mesmos se afigurarem relevantes para a boa decisão da causa. Igualmente o uso do poder de condenação extra vel ultra petitum, consagrado no artigo 74.º do CPT, que constitui uma das mais significativas limitações ao princípio do dispositivo, ao impor ao juiz o dever de condenar para além ou em objecto diferente do pedido, quando isso resulte de aplicação, à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, de preceitos inderrogáveis, como decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade de determinados direitos subjectivos do trabalhador, está limitado pela causa de pedir. O legislador estabeleceu aqui uma verdadeira especialidade face ao processo civil comum [no âmbito do qual a sentença não pode condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que se pedir, sendo nula se o fizer – artigo 661.º, n.º 1 e 668, n.º 1, alínea e), ambos do CPC] ao impor ao juiz a obrigação de definir o direito material fora ou para além dos limites constantes do pedido formulado, mas não estabeleceu igual especialidade no que diz respeito à causa de pedir. O juiz laboral pode condenar ultra petitum, mas, sempre, no âmbito da causa de pedir delineada pelo autor. É esta que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispositivo. Apenas podem, eventualmente, ser considerados na acção laboral factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os artigos 60.º, n.º 2 e 28.º do CPT), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório. [...] À luz destas considerações, que aqui se acolhem, será apreciado o caso dos presentes autos. 2. 3. A presente acção, tal como o Autor a configurou na petição inicial, funda-se na existência de um contrato de trabalho e na sua cessação por despedimento ilícito. Com efeito, o Autor, ora recorrente, alegou que: a Ré, por carta de 31 de Março de 2005, lhe comunicou a intenção de o despedir por extinção do seu posto de trabalho, ao abrigo do disposto no artigo 402.º do Código do Trabalho, alegando, para o efeito, motivos económicos de mercado e estruturais relativos à empresa (n.º 4 da petição); não instaurou qualquer processo disciplinar “nem desencadeou qualquer processo administrativo para extinção do posto de trabalho ou de despedimento colectivo” (n.º 6 da petição); e não cumpriu as formalidades exigidas pelos artigos 419.º a 425.º do Código do Trabalho, nem pôs à disposição do Autor a compensação prevista no artigo 401.º do mesmo diploma (n.os 6 a 8 da petição). Disto fez decorrer o pedido de declaração de ilicitude do despedimento e de “ver ingressar no seu património” os direitos previstos no artigo 439.º do referido Código, “por cuja indemnização opta em substituição da reintegração” (n.os 11 e 12 da petição), bem, como, nos termos do artigo 437.º, o direito à retribuição referente aos 30 dias anteriores à propositura da acção e às retribuições “que se vierem a vencer até à data da sentença” (n.º 16 da petição). Os actos ou factos jurídicos de que procede a pretensão do Autor são os factos concretos que ele alegou para descrever a actuação da Ré, que, na óptica daquele, pôs termo à relação laboral que entre ambos existia, designadamente a carta de 31 de Março de 2005. Os factos que poderiam configurar o despedimento não se provaram e a decisão que declarou “inexistente a cessação do contrato de trabalho por despedimento ilícito ou por qualquer outro fundamento, subsistindo tal contrato” passou em julgado. Ora, a condenação proferida na 1.ª instância teve por fundamento uma situação de facto não compreendida na causa de pedir – a vigência do contrato após 31 de Março de 2005 –, situação essa, aliás, não compaginável com os fundamentos da acção, em que, além do mais, o Autor logo optou por uma indemnização, em substituição do direito à reintegração no seu posto de trabalho, pressupondo, por conseguinte, a extinção da relação contratual, facto este com base no qual – e só nele – fez assentar o pedido que deduziu, no qual incluiu o das retribuições objecto do segmento decisório em causa. Como, bem, observa a Exma. Magistrada do Ministério Público, no douto parecer que exarou nos autos – e decorre, também, das considerações acima reproduzidas do Acórdão de 6 de Fevereiro de 2008 – “o artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho não permite ao tribunal, ainda que esteja em causa a aplicação de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, alterar ou substituir os factos jurídicos invocados como fundamento de uma pretensão, de modo a resolver um litígio, apreciando e decidindo um pedido com fundamento numa causa de pedir que não foi submetida à sua decisão”. Em suma, estava vedado ao tribunal de 1.ª instância julgar procedente o pedido relativo às retribuições vencidas depois de 31 de Março, com fundamento na vigência do contrato após aquela data. Tendo-o feito, a sentença extrapolou a causa de pedir enunciada na petição inicial. Não pode, assim, imputar-se ao acórdão impugnado incorrecta interpretação dos artigos 661.º, 659.º, 664.º e 668.º do Código de Processo Civil, e 74.º do Código de Processo do Trabalho. Nesta conformidade, improcedem as conclusões e pretensão formulada no recurso. III Em face do exposto, decide-se negar a revista. Custas a cargo do Autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. Lisboa, 23 de Abril de 2008.
Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira |