Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S3386
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS NOTÓRIOS
ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
RETRIBUIÇÃO
PRESUNÇÃO JURIS TANTUM
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
DOAÇÃO
OBRIGAÇÃO NATURAL
Nº do Documento: SJ200802130033864
Data do Acordão: 02/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :

I - Enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar as respostas dadas aos quesitos da base instrutória quando esteja em causa a violação de regras legais sobre direito probatório material: não pode sindicar a convicção a que as instâncias chegaram sobre matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre.
II - O n.º 1 do artigo 514.º do Código de Processo Civil (CPC), na medida em que exclui os factos nela contemplados da necessidade de demonstração pelos meios de prova legalmente admissíveis, afastando-os da sujeição ao princípio da livre apreciação da prova, contém uma regra de direito probatório, cuja violação pode fundamentar o recurso de revista.
III - O conhecimento geral que torna um facto notório, para efeitos do n.º 1 do artigo 514.º do CPC, é um conhecimento de tal modo amplo, com um grau de divulgação do facto tão elevado, que permita afirmá-lo como sabido da generalidade, ou grande maioria, das pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, e por estas reputado como verdadeiro.
IV - Para fazer responder, a título principal e de forma agravada, a entidade empregadora, em virtude de o acidente de trabalho resultar da falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é necessário que os beneficiários legais do sinistrado, que pretendem tirar proveito dessa agravação, ou a seguradora, que pretende ver-se desonerada da responsabilidade pela reparação do acidente, a título principal, demonstrem a falta de cumprimento de regras de segurança por parte da entidade empregadora e o nexo de causalidade adequada entre essa falta e o evento infortunístico.
V - Violou regras de segurança no trabalho, maxime decorrentes do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, a entidade empregadora que, possuindo um estaleiro a céu aberto, onde, junto a um muro que delimita o armazém da estrada, entram, cerca de 1 a 3 metros, cabos sob tensão eléctrica de 17 Kilovoltes, situados a 9 metros de altura, não identificou o risco de contacto dos trabalhadores com a linha eléctrica e não adoptou as medidas de prevenção adequadas e eficazes a evitar esse contacto, designadamente através da proibição, na realização de trabalhos na proximidade das linhas que envolvessem a utilização de equipamentos com elevação, que esta atingisse aquela altura (9 metros) susceptível de tocar nos fios, ou, ainda, através da instrução aos trabalhadores sobre a forma como deviam laborar no local.
VI - Porém, não se verifica o nexo causal entre essa violação de regras de segurança e o acidente se apenas se demonstra que o sinistrado e um outro trabalhador da entidade empregadora procediam, nos estaleiros, à arrumação de um equipamento designado por misturadora de calda de cimento para obras, para junto ao muro de vedação que delimitava o armazém da estrada, que o equipamento se encontrava a ser movimentado por uma grua móvel de elevação de cargas que era operada por esse outro trabalhador da entidade empregadora, dotada de uma lança de cerca de 9 metros de altura, com roldanas no topo, por onde deslizavam os cabos de sustentação que tinham na extremidade os ganchos que prendiam a carga aos meios de suspensão, que quando a grua já se encontrava no local de descarga e o operador procedia à manobra de descida do equipamento, ocorreu uma ligeira oscilação do mesmo, o que, para evitar o embate no muro, levou o sinistrado a tentar puxá-lo, agarrando-o com a mãos, e, porque a lança da grua estava encostada aos cabos condutores de electricidade, o sinistrado foi atingido por uma violenta descarga eléctrica proveniente dos fios sob tensão, que determinaram a sua morte por electrocussão, mas se desconhecem as razões concretas que levaram os trabalhadores a realizar o trabalho naquelas circunstâncias e utilizando o equipamento naqueles termos, designadamente que instruções haviam sido dadas aos trabalhadores para realizarem o trabalho e o motivo da oscilação do equipamento.
VII - A “retribuição normalmente recebida” a que se refere o n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 100/99, de 13 de Setembro (LAT) contempla as atribuições patrimoniais com carácter de obrigatoriedade, fundada normativa ou contratualmente, de correspectividade com a efectiva prestação do trabalho, e de regularidade e periodicidade do seu pagamento, excluindo-se as que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação e de estada), por não poderem ser consideradas contrapartidas da disponibilidade do trabalhador para prestar o trabalho.
VIII - Não tendo a entidade empregadora ilidido a presunção decorrente dos n.ºs 2 e 3 do art. 82.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, assume natureza retributiva, para efeitos de reparação de acidente de trabalho, a importância de € 785,50, que, mensalmente, a entidade empregadora pagava ao trabalhador, e que incluía os subsídios de refeição e assiduidade, pontualidade e de deslocação.
IX - Para que possa haver lugar à compensação de créditos, tem que haver reciprocidade destes, o crédito do compensante tem que ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
X - O n.º 1 do art. 940.º do Código Civil exige três requisitos para que se verifique uma doação: (i) disposição gratuita de certos bens ou direitos, ou assunção de uma dívida, em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivo; (ii) diminuição do património do devedor; (iii) espírito de liberalidade.
XI - Integra o cumprimento de uma obrigação natural e não uma doação, animus solvendi e não animus donandi, por parte da ré/empregadora, a entrega, mensal e sucessiva, à viúva e filhos do sinistrado, após a morte deste e até que se encontrasse definida a responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho, da quantia de € 600,00 para minorar as dificuldades sentidas pelos mesmos em virtude da perda do único rendimento de que dispunham, proveniente do trabalho do sinistrado, contra a emissão pela viúva (do sinistrado) de declaração de recebimento sem referência do fim a que se dedicava essa entrega.
XII - Tratando-se de uma obrigação natural por parte da ré/empregadora, não pode a mesma ser exigível judicialmente e, consequentemente, não pode ser compensável com os créditos da viúva e filhos do sinistrado sobre aquela.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1. Em acção especial emergente de acidente de trabalho, ocorrido em 19 de Fevereiro de 2002, de que resultou a morte de AA, BB, por si e em representação de sua filha menor, CC, e DD, demandaram, com o patrocínio do Ministério Público, “EE, S.A.” e “FF, S.A.” para pedirem a condenação destas no pagamento, a cada uma das Autoras, das pensões e demais prestações indemnizatórias, correspondentes ao invocado estatuto de beneficiárias, na qualidade de viúva, a primeira, e de filhas do sinistrado, as segunda e terceira Autoras, em prestações agravadas, a suportar pela segunda Ré, para a qual o sinistrado trabalhava na ocasião do acidente, e, em prestações normais, como responsável subsidiária, e na proporção da responsabilidade transferida, a primeira Ré. Pediram, outrossim, a condenação da empregadora em indemnização por danos não patrimoniais.

Alegaram, em síntese, que o acidente consistiu em ter o sinistrado sido mortalmente atingido por uma descarga de energia proveniente de cabos aéreos de condução de electricidade, que passavam por cima da área onde se encontrava a trabalhar, e ficou dever-se a violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora, e que o decesso do sinistrado lhes causou tristeza, consternação e dor profundas.

Por despacho de 28 de Outubro de 2003, foram fixadas pensões provisórias anuais, com início em 20 de Fevereiro de 2002, a suportar pela seguradora, nos seguintes valores: – € 3.624,00, para a Autora BB; € 2.416,40 para cada uma das Autoras/filhas do sinistrado.

2. Ambas as Rés contestaram: – a empregadora, além de negar a violação de regras de segurança, sustentou que, no caso de vir a ser condenada, total ou parcialmente, no pedido, tem direito à compensação de créditos com a 1.ª Autora, no valor de € 13.467,00, correspondendo € 2.330,00 destinados a custear as despesas do funeral do sinistrado, € 10.200,00 por conta da pensão anual e vitalícia, e o restante a título de juros de mora; – a seguradora alegou que o acidente ocorreu por culpa da empregadora, por esta ter infringido as normas relativas às condições de segurança no trabalho, pelo que ela, seguradora, deve responder apenas a título subsidiário, pelas prestações normais, correspondentes ao salário para si transferido de € 863,00 X 14 meses.
3. O Instituto de Solidariedade e Segurança Social – CNP (ISSS/CNP) deduziu, contra os responsáveis civilmente pelo acidente, pedido de reembolso das prestações da Segurança Social (subsídio por morte e prestações de sobrevivência), no montante de € 9.894,66, acrescido de prestações vincendas, bem como juros de mora legais desde a citação até integral pagamento, pedido esse que as Rés contestaram
4. Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, julgando-se verificada a violação de regras de segurança, por parte da empregadora, se decidiu:

[...]

1 – Condenar a Ré, FF, SA, a título principal, a pagar às Autoras:

BB

- a pensão anual e vitalícia de € 8.890,50 (oito mil oitocentos e noventa euros e cinquenta cêntimos), com efeitos a partir de 20/02/02 [actualizada] para os montantes de 9.068,31, 9.295,02 e 9.508,81 [...], [passando] para € 12.446,70 quando for apenas uma filha com direito a pensão e para € 20.744,50 quando for ela a única beneficiária; o subsídio de morte no valor de € 2.088,06 (dois mil oitenta e oito euros e seis cêntimos); as despesas de funeral no valor de € 1.654,08 (mil seiscentos e cinquenta e quatro euros e oito cêntimos); as despesas de transporte no valor de € 60,00 (sessenta euros) e a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos morais

DD :

- a pensão anual e temporária de € 5.927,00 (cinco mil novecentos e vinte e sete euros), com efeitos a partir de 20/02/02, até aos 25 anos e enquanto frequentar o ensino superior [actualizada] para os montantes de € 6.045,54, € 6.196,68 e € 6.338,54 [...]; o subsídio de morte no valor de € 1.044,03 (mil e quarenta e quatro euros e três cêntimos); as despesas de transporte no valor de € 45,00 (quarenta e cinco euros) e a quantia de 10.000,00 (dez mil euros), a título de danos morais.

CC:

- a pensão anual e temporária de € 5.927,00 (cinco mil novecentos e vinte e sete euros), com efeitos a partir de 20/02/02, que passará para € 8.297,80 quando for a única beneficiária filha [actualizada] para os montantes de € 6.45,54, € 6.196,68 e € 6.338,54 [...]; o subsídio de morte no valor de € 1.044,03 (mil e quarenta e quatro euros e três cêntimos) e a quantia de 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos morais, acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, a contar desde 20/02/02 no que respeita às pensões e da data da tentativa de conciliação no que respeita às restantes, com excepção da fixada a título de danos morais e sujeitas aos descontos nos termos supra definidos.

As pensões serão pagas na residência das AA., adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual (artigo 51.º, n.os l e 2, do D.L. n.º 143/99 de 30/04).

A todas as AA.:

- a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), a título de danos morais (dano morte).

2 - Condenar a Ré, EE, SA, a título subsidiário, a pagar às AA.:

BB

- a pensão anual e vitalícia de € 3.624,48 (três mil seiscentos e vinte e quatro e quarenta e oito cêntimos), com efeitos a partir de 20/02/02, que passará para € 4.832,64 quando atingir a idade da reforma ou se vier a ser dada sensivelmente incapaz para o trabalho; o subsídio de morte no valor de € 1.216.09 (mil duzentos e dezasseis euros e nove cêntimos); as despesas de funeral no valor de € 963,34 (novecentos e sessenta e três euros e trinta e quatro cêntimos) e as despesas de transporte no valor de € 34,94 (trinta e quatro euros e noventa e quatro cêntimos.

DD:

- a pensão anual e temporária de € 2.416,32 (dois mil quatrocentos e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos), com efeitos a partir de 20/02/02, até aos 25 anos e enquanto frequentar o ensino superior; o subsídio de morte no valor de € 608,04 (seiscentos e oito euros e quatro cêntimos) e as despesas de transporte no valor de € 26,21 (vinte e seis euros e vinte e um cêntimos).

CC:

- a pensão anual e temporária de € 2.416,32 (dois mil quatrocentos e dezasseis euros e trinta e dois cêntimos), com efeitos a partir de 20/02/02, até aos 25 anos e enquanto frequentar o ensino superior e o subsídio de morte no valor de € 608,04 (seiscentos e oito euros e quatro cêntimos), todas acrescidas dos juros de mora, à taxa legal, nos termos supra descritos.

3 - Julgar procedente por provado o pedido de reembolso formulado pelo ISSS/CNP e, consequentemente, conden[ar] a Ré, FF, SA, a pagar ao mesmo requerente a quantia global de € 13.152,57 (treze mil cento e cinquenta e dois euros e cinquenta e sete cêntimos), a descontar nos termos supra descritos.

4 - Condenar a Ré, FF, SA, a pagar à Ré EE, os montantes das pensões provisórias que esta pagou às AA., a descontar nos termos supra descritos.

[...]

A Ré empregadora apelou da sentença, sem sucesso, pois o Tribunal da Relação de Coimbra, negando provimento ao recurso, confirmou integralmente a decisão da 1.ª instância.

5. Do acórdão da Relação vem a mesma Ré pedir revista, terminando a respectiva alegação com as conclusões assim redigidas:

1.ª O presente recurso deverá ser admitido com efeito suspensivo, uma vez que o interesse das AA está acautelado pela garantia bancária n.º ......./05, no montante de € 178.211,85, prestada pela ora recorrente e emitida por ...... BANK – SUCURSAL EM PORTUGAL – cfr. texto n.os 1 a 4;

2.ª Estando em causa ofensa de disposição legal expressa, que fixa a força de determinado meio de prova, tal decisão é susceptível de recurso de revista, ex vi do disposto no art. 722.º/2 do CPC (cfr. art. 514.º do CPC) – cfr. texto n.os 5 e 6;

3.ª A resposta ao 23.º quesito não podia deixar de ser positiva, pois está em causa facto notório, claramente resultante de outros factos dados como assentes no presente processo (v. art. 514.º do CPC) – cfr. texto n.os 7 e 8;

4.ª A ora recorrente transferiu para a Ré Companhia Seguros EE, S.A., a responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho que vitimassem os seus funcionários, nos termos da apólice ..........., junta de fls. 255 a 258 dos autos – cfr. texto n.os 9 e 10;

5.ª No momento do acidente, o sinistrado AA estava a desenvolver o seu serviço normal, no local habitual de trabalho, competindo-lhe transmitir as ordens e recomendações de segurança a ter em conta na utilização e movimento de máquinas e equipamentos nas instalações da recorrente – cfr. texto n.os 11 e 12;

6.ª A seguradora aceitou fazer o seguro, impôs as suas condições em função do risco que calculou, cobrou o prémio que tinha por conveniente e fez as actualizações de acordo com as condições de prevenção de acidentes nos locais de trabalho, pelo que é responsável in casu – cfr. texto n.os 13 e 14;

7.ª Contrariamente ao decidido no douto acórdão recorrido, os montantes entregues pela recorrente à A. não constituem liberalidades, mas simples adiantamentos, para “minorar as dificuldades sentidas pelas AA.” (v. n.º 28 a 30 dos FA), pagos até que fosse fixada a pensão provisória e mediante a exigência do respectivo recibo de quitação (v. Docs. 1 a 28, juntos com a contestação da ora recorrente) – cfr. texto n.os 15 e 16;

8.ª A liberalidade implica a ideia de generosidade ou espontaneidade, por parte do disponente (v. art. 940.º CC), competindo ao beneficiário o ónus da prova do respectivo animus donandi – cfr. texto n.º 16;

9.ª A recorrente nunca demonstrou vontade de doar ou de fazer qualquer liberalidade, não tendo os recorridos provado a existência de qualquer animus donandi (v. Acs. STJ de 2005.10.11, Proc. 1464/04; de 1999.06.17, Proc. 512/99 in www.dgsi.pt), tendo sempre exigido que a A. entregasse recibos – cfr. texto n.os 15 a 19;

10.ª O sinistrado auferia a remuneração ilíquida mensal de 863 €, acrescida do subsídio de Natal e de férias, não sendo os montantes que recebia por acréscimo àquele valor pagos pelo seu trabalho, mas sim pelas deslocações que fazia e pelas despesas que suportava – cfr. texto n.os 20 e 21;

11.ª A recorrente foi condenada em excesso, desde logo por errada consideração do montante da remuneração base, devendo fixar-se em 12.082 € o valor da remuneração anual – cfr. texto n.os 21 a 22;

12.ª O douto acórdão recorrido enferma assim de manifestos erros de julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos arts. 514.º e 722.º/2 do CPC; 342.º e 940.º do CC e 37.º e 38.º do DL 100/97, de 13 de Setembro.

Contra-alegaram as Autoras e a Ré seguradora, defendendo a confirmação do julgado.

6. As Autoras, patrocinadas pelo Ministério Público, interpuseram recurso subordinado, concluindo a respectiva alegação nos seguintes termos:

1 – Caso seja concedida a revista – o que só por mera cautela e dever de patrocínio se admite – deve então ser revogado o douto acórdão que manteve a douta sentença que absolveu a Ré seguradora a título principal, condenando-se a mesma no pedido, agora a título principal, contra ela deduzido pelas ora recorrentes, em conjunto com a Ré patronal, em conformidade com o salário coberto e descoberto pela apólice.

2 – Observando-se e dando-se cumprimento ao disposto nos art.os 2.º, 6.°, 20.º, 22.º, 26.º e 37.º/3, da Lei n.º 100/97, de 13/09; art.º 6.º do DL 142/99, de 30/04 e Portarias n.os 1514/02, de 17/12; 1362/03, de 15/12; 1475/04, de 21/12; 1316/05, de 22/12 e 1375-A/2006, de 30/11.

7. Os recursos foram admitidos neste Supremo, tendo sido, no despacho preliminar, na apreciação da questão prévia suscitada pela recorrente/Ré, quanto ao efeito do recurso, mantido o efeito meramente devolutivo fixado pelo tribunal recorrido.

Corridos os vistos, cumpre decidir.


II

1. As instâncias declararam provados, nos termos que se transcrevem, os seguintes factos:

1. AA, nascido a 30 de Abril de 1962, faleceu às 9 h e 30 m de 19 de Fevereiro de 2002.

2. A A. BB, nasceu no dia 19/09/1959.

3. AA era, à data do falecimento, casado com a A. BB, tendo contraído esse matrimónio em 19 de Dezembro de 1981, sem convenção antenupcial.

4. As AA. CC (nascida a 16/06/1994) e DD (nascida a 28/07/1982), encontram-se registadas como filhas de AA e de BB.

5. À data do óbito e desde 01/02/1983, AA trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré FF, S.A., como encarregado geral, sendo o responsável pela segurança do pessoal e equipamentos da Ré nas obras por ela executadas, auferindo o vencimento base de € 863,00, pago 14 vezes por ano e, ainda, € 787,50, quantia paga 11 vezes por ano, montante este onde eram incluídos o subsídio de refeição – almoço e jantar –, o subsídio de assiduidade e pontualidade e subsídio de deslocação permanente, acréscimo que não era discriminado nos recibos de vencimento entregues mensalmente aos funcionários da Ré FF.

6. O salário base e o acréscimo eram mensalmente creditados pela Ré FF na conta n.º .........7.. do AA sedeada no BTA de Miranda do Corvo.

7. A Ré FF tem como actividade principal a execução de obras de construção civil.

8. A Ré FF havia transferido para a Ré EE, S.A., a responsabilidade emergente dos acidentes de trabalho que vitimassem os seus funcionários, nos termos da apólice ........., junta a fls. 255 a 258 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, do ramo de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável, por folha de férias.

9. Na folha de férias enviada mensalmente à Ré EE, a Ré FF apenas mencionava a retribuição base de AA.

10. No dia 19 de Fevereiro de 2002, pelas 8h30, o AA encontrava-se no desempenho da sua actividade nos estaleiros da Ré FF, sitos na denominada Estrada dos Almocreves – EN 118 – em Foros de Salvaterra, limites de Salvaterra de Magos, Benavente, acompanhado do colega de trabalho, GG.

11. O AA e o GG procediam à arrumação de um equipamento designado por misturadora de calda de cimento para obras, para um local de armazém de máquinas, a céu aberto, onde já se encontravam outros equipamentos.

12. Esse local situava-se junto ao muro de vedação que delimita o armazém da estrada.

13. Ao longo desse muro, paralelo à estrada, mas ainda entrando nos estaleiros, cerca de um a três metros, passam cabos sob tensão eléctrica de 17 Kilovolts.

14. A misturadora de calda de cimento estava a ser movimentada por uma grua móvel de elevação de cargas que era operada pelo GG, grua esta que estava dotada de uma lança de cerca de 9 m de altura, da marca Fuchs, com roldanas no topo, por onde deslizam os cabos de sustentação que, por sua vez, têm nas suas extremidades os ganchos que prendem a carga aos meios de suspensão.

15. O AA ajudava o GG nas operações de colocação e arrumo do equipamento no sítio previamente destinado, junto ao muro, por debaixo dos fios sob tensão, situados a cerca de 9 m de altura.

16. Quando a grua já se encontrava no local de descarga e o operador procedia à manobra de descida do equipamento, ocorreu uma ligeira oscilação do mesmo, o que, para não embater no muro, levou o AA a tentar puxá-lo, agarrando-o com as mãos.

17. Quando o AA agarrou o equipamento, a lança da grua estava encostada aos cabos condutores de electricidade e, nessa altura, ao contactar o equipamento com as mãos, ocorreu a descarga eléctrica.

18. O AA foi atingido por uma violenta descarga eléctrica proveniente dos fios sob tensão, que lhe determinou a morte por electrocussão.

19. No local não havia qualquer sinalização sobre o potencial perigo que constituía a existência de fios sob tensão.

20. No local não havia avisos a proibir a realização de trabalhos nas proximidades das partes sob tensão que envolvessem a utilização de equipamentos de elevação que, pela sua configuração, fossem susceptíveis de tocar ou invadir a distância mínima de protecção a observar às instalações eléctricas.

21. O AA era beneficiário da Segurança Social com o n.º ............

22. O AA era um homem saudável e robusto, muito trabalhador e um excelente profissional, formando com a A. BB um casal harmonioso e feliz e tratava a esposa e as filhas com respeito, carinho e amizade.

23. As AA. nutriam pelo AA grande afecto, tendo com ele uma relação próxima e carinhosa e a perda do marido e pai, respectivamente, causaram às AA. sofrimento, dor, tristeza e consternação.

24. O cadáver do AA foi transladado do local do acidente para a terra onde residia – Penela.

25. Foi a A. BB quem pagou as despesas do funeral.

26. Em transportes ao tribunal onde se deslocou em obediência a 6 convocatórias que recebeu para tratar assuntos relacionados com os presentes autos a A. BB gastou € 60,00 e a A. DD, em transportes com deslocações ao tribunal, gastou € 45,00.

27. No ano lectivo de 2001/2002 a A. DD frequentava a licenciatura de Engenharia Agro-Pecuária, da Escola Superior Agrária.

28. A Ré FF entregou à A. BB a quantia global de € 7.200,00 no período entre Outubro de 2003 e Outubro de 2004, quantia que foi entregue para minorar as dificuldades sentidas pelas AA. em virtude do falecimento de AA.

29. Em 22 de Abril de 2002, a Ré FF entregou à A. BB o montante de € 2.330,00 que se destinou, além do mais, a custear as despesas do funeral de AA no valor de € 1.130,00.

30. A Ré FF entregou à A. BB a quantia global de € 10.200,00 no período entre 24/05/02 a 26/09/2003 (€ 600 x 17) e que se destinou a minorar as dificuldades sentidas pelas AA. em virtude do falecimento de AA, até à fixação da pensão provisória.

31. Por morte de AA, o Centro Nacional de Pensões efectuou o pagamento às AA. do montante de € 4.484,29 a título de subsídio por morte e € 8.668,28 de pensões de sobrevivência relativas ao período de 01 de Março de 2002 a 01 de Novembro de 2004.

2. Tendo em atenção o teor das conclusões formuladas em ambos os recursos, as questões, fundamentais, a resolver são as de saber:
1. º Se existe fundamento para alterar a decisão da matéria de facto, designadamente em função do disposto no artigo 514.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC);
2. º Se o acidente ficou a dever-se a falta de observância das regras sobre segurança no trabalho por parte da Ré empregadora;
3. º Se a importância de € 787,50, auferida pelo sinistrado 11 vezes por ano, que incluía o subsídio de refeição – almoço e jantar –, o subsídio de assiduidade e pontualidade e o subsídio de deslocação permanente integra o conceito de retribuição para efeito de cálculo das pensões e indemnizações devidas por acidente de trabalho;
4. º Se, caso a empregadora venha a ser declarada, total ou parcialmente, responsável pela reparação do acidente, há lugar à compensação de créditos com as importâncias que entregou à Autora BB.
3. As instâncias consideraram que a Ré empregadora não respeitou as normas de segurança relativas a linhas eléctricas nas proximidades de edifícios – ao permitir que as mesmas estivessem instaladas a distância inferior a 4 metros da proximidade do muro –, violando, assim, o disposto nos artigos 8.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, e 29.º do Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro (rectius, do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão anexo a tal diploma), e, uma vez que não havia no local onde o sinistrado se encontrava a realizar o trabalho, junto ao muro de vedação que delimita o armazém da estrada, qualquer sinalização sobre o potencial perigo que constituía a existência de fios sob tensão, nem havia avisos a proibir a realização de trabalhos, nas proximidades das partes sob tensão, que envolvessem a utilização de equipamentos de elevação que, pela sua configuração, fossem susceptíveis de tocar ou invadir a distância mínima de protecção a observar às instalações eléctricas, concluíram pela verificação do nexo de causalidade entre essa violação e o acidente, em função do que, declararam a responsabilidade, a título principal, da Ré empregadora.

Esta discorda de tal interpretação, sustentando, desde logo, ser facto notório que o sinistrado sabia da existência do cabo eléctrico junto à estrema do parque de máquinas, até porque ele, enquanto encarregado geral, era o responsável pelo local, pelos homens que ali laboravam e pela respectiva segurança, conhecendo, assim, obrigatoriamente, os estaleiros, e haviam-lhe sido transmitidas ordens e recomendações de segurança a ter em conta na utilização e movimento de máquinas e equipamentos nas instalações. Entende, por isso, que, ao abrigo do disposto nos artigos 722.º, n.º 2 de 729.º, n.º 2, do CPC, deve ser alterada a matéria de facto assente, fazendo-se constar da mesma que “[o] AA sabia da existência do cabo eléctrico junto à estrema do parque de máquinas da R. FF”, facto que, constando do quesito 23.º da base instrutória, foi declarado não provado, em violação da norma de direito probatório do artigo 514.º, n.º 1, do CPC, sendo que desse facto, conjugado com a restante factualidade, decorre que o acidente se ficou a dever, não a violação de regras de segurança por ela, empregadora, mas a simples imprudência do sinistrado.

Vai, assim, em primeiro lugar, conhecer-se da primeira das questões acima enunciadas.

4. Da alteração da decisão da matéria de facto (quesito 23.º da base instrutória):

Enquanto tribunal de revista, ao Supremo compete aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não podendo, em regra, alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto.

É este o sentido que se alcança das disposições contidas nos artigos 712.º, n.º 6, do Código de Processo Civil – a que pertencem todos os preceitos neste ponto referidos, sem menção de origem –, que não permite recurso da decisão da Relação atinente à fixação da matéria de facto; 721.º, n.º 2, e 722.º, n.º 1, que consignam, como fundamento específico do recurso de revista, a violação de lei substantiva, e, como fundamentos acessórios, a arguição de nulidades do acórdão recorrido e outras violações de lei de processo; 722.º, n.º 2, 1.ª parte, segundo o qual, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista; e 729, n.º 2, 1.ª parte, de acordo com o qual, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada.

A lei consagra, porém, excepções àquela regra, nos artigos 722.º, n.º 2, parte final, que admite, como fundamento do recurso de revista, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova ou que fixe a força de determinado meio de prova; e 729.º, n.º 2, que consente a alteração da decisão da matéria de facto, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 722.º.

Nestas situações, apresentadas como excepcionais, o poder conferido ao Supremo Tribunal de alterar a decisão sobre a matéria de facto compreende-se nas atribuições de um tribunal de revista, uma vez que não implica a apreciação do modo como, nas instâncias, foram valoradas as provas não sujeitas a formalidade especial – em relação às quais rege o princípio da liberdade do julgamento, consignado no n.º 1, do artigo 655.º –, antes pressupõe averiguar se, na fixação da matéria de facto, foram respeitadas – correctamente interpretadas e aplicadas – normas de direito probatório material, envolvendo, por conseguinte, um juízo sobre questão de direito, e, como se referiu, de acordo com o n.º 2 do artigo 721.º, a violação de lei substantiva constitui fundamento específico do recurso de revista.

Em tais casos, “embora venham a questionar-se factos, em termos de apreciação imediata e concreta, o que o STJ pode – e deve – fazer é, apenas, conhecer se foi violada regra jurídica, ou seja, é julgar matéria jurídica e não o facto, isto é, não a ocorrência material, se aconteceu ou não” (1).

Outro poder conferido ao Supremo, pelo n.º 3 do artigo 729.º, é o de, verificando que os termos em que se apresenta proferida a decisão da matéria de facto não permitem uma correcta subsunção ao direito aplicável – quer por insuficiência da decisão, quer por nela ocorrerem contradições –, ordenar que o tribunal recorrido proceda à ampliação da decisão, no caso de insuficiência, ou, se for o caso, elimine as contradições.

Deste modo, em síntese e no que agora releva, enquanto tribunal de revista, o Supremo só pode alterar as respostas dadas aos quesitos da base instrutória quando esteja em causa a violação de regras legais sobre direito probatório material: não pode sindicar a convicção a que as instâncias chegaram sobre a matéria de facto submetida ao princípio geral da prova livre.

No caso que nos ocupa, perguntava-se no quesito 23.º da base instrutória, que é o que está em causa:

O AA sabia da existência do cabo eléctrico junto à estrema do parque de máquinas?

O tribunal respondeu:

Não provado.

A impugnação da recorrente, e consequente pretensão de alteração da matéria de facto, assenta no entendimento de que está em causa um facto notório.

De acordo com o n.º 1 do artigo 514.º, “[n]ão carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tal os factos que são do conhecimento geral”. Face à expressão da lei, não pode deixar de considerar-se que este preceito contém uma regra de direito probatório, que excluindo os factos nela contemplados da necessidade de demonstração pelos meios de prova legalmente admitidos, não estão, logicamente, submetidos ao princípio da livre apreciação da prova e, como tal, a sua violação pode fundamentar o recurso de revista.

A propósito, observa Fernando Amâncio Ferreira (2): “No que concerne à matéria de facto, o STJ tem de acatar a adquirida nos autos, que não tem necessariamente de coincidir com a seleccionada pela Relação. Além disso, pode também o STJ servir-se dos factos notórios e dos que chegaram ao seu conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 514.º), não só em vista à correcção do apuramento fáctico feito com base nele pelas instâncias mas igualmente para completar esse apuramento, quando as instâncias o não tenham considerado”.

No sentido de que o Supremo pode conhecer do erro na fixação da matéria de facto quando esteja em causa a violação do artigo 514.º, pronunciaram-se os Acórdãos desta Secção Social de 23 de Janeiro de 2005 (Processo n.º 3165/04) e, mais recentemente, de 24 de Janeiro de 2007 (Processo n.º 2711/06) (3)”..

Resta dizer que a expressão “facto notório”, que a lei define como “factos que são do conhecimento geral”, encerra um conceito indeterminado, pelo que saber se determinado facto assume tal qualidade, constitui questão de direito.

O conhecimento geral que torna um facto notório, para efeitos do n.º 1 do artigo 514.º, é um conhecimento de tal modo amplo, com um grau de divulgação do facto tão elevado, que permita afirmá-lo como sabido da generalidade, ou grande maioria, das pessoas que possam considerar-se regularmente informadas, e por estas reputadas como verdadeiro. Pode ser um acontecimento de que todos se aperceberam directamente. E pode ser um facto cuja notoriedade resulta, por via indirecta, de raciocínios formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos, caso em que a notoriedade só pode ser considerada pelo juiz se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pelo comum dos cidadãos, regularmente informados, e de que as operações lógicas para chegar ao facto derivado estavam ao alcance do homem de cultura média. (4)

Na concretização da notoriedade de um facto relevante para a solução de um litígio, não pode, contudo, deixar de atender-se ao espaço geográfico-comunitário em que se inserem as relações jurídicas objecto do litígio e a vivência dos respectivos sujeitos. É dizer que um acontecimento pode assumir notoriedade, relevante para a solução de um certo litígio numa determinada região, sendo desconhecido noutras.

Regressemos ao caso dos autos.

Com a interrogação contida no quesito 23.º pretendia averiguar-se se era do conhecimento do sinistrado um determinado facto – a existência do cabo eléctrico junto à estrema do parque de máquinas da mesma Ré –, não contemplando, em si, este facto, cuja veracidade, aliás, é afirmada no n.º 13 do elenco dos factos provados.

A resposta negativa a tal quesito apenas significa que não se provou que o sinistrado sabia da existência do cabo condutor de energia eléctrica naquele local.

A questão que se põe é, assim, a de saber se pode considerar-se facto do conhecimento geral, não já a existência do cabo de electricidade no local, mas o facto de o sinistrado saber dessa presença.

O conhecimento de um facto pela generalidade ou grande maioria das pessoas, susceptível de o integrar na categoria dos factos notórios não implica que uma determinada pessoa dele tenha conhecimento, mas, apenas, que esta, se regularmente informada e interessada, o podia conhecer.

Quer dizer que da notoriedade de um acontecimento não decorre, necessariamente, a notoriedade do seu conhecimento por determinada pessoa. Este conhecimento, realidade do foro interior de cada indivíduo, só pode reputar-se notório, quando objecto de sérias manifestações exteriores, difundidas com tal amplitude que na comunidade em geral venha a gerar a convicção de ser verdadeiro o facto psicológico em que se traduz o conhecimento de uma determinada realidade.

Não ocorrendo uma tão extensa divulgação, o facto psicológico não pode ser havido como notório, do que resulta carecer de prova, nos termos gerais.

Sustenta a recorrente que, tendo resultado provado que, na ocasião, o sinistrado era encarregado geral, responsável pela segurança do pessoal e equipamentos daquela nas obras por ela executadas, a misturadora de calda de cimento estava a ser movimentada por uma grua móvel de elevação de cargas, dotada de uma lança de cerca de 9 metros de altura, e que o sinistrado ajudava o operador da grua nas operações de colocação e arrumo do equipamento no sítio previamente destinado, junto ao muro, por debaixo dos fios sob tensão, situados a cerca de 9 metros de altura, “não pode deixar de considerar-se facto notório que o sinistrado sabia da existência do cabo eléctrico junto à estrema do parque de máquinas”.

As circunstâncias que a recorrente invoca não preenchem os enunciados requisitos de notoriedade referidos ao facto psicológico questionado e outros não existem nos autos dos quais se possa concluir, por um lado, que eram do conhecimento geral (v. g. afirmações ou atitudes do sinistrado), e, por outro, que geraram na comunidade a convicção generalizada, sustentada em raciocínios lógicos, de que o sinistrado sabia da presença dos cabos eléctricos.

Quando muito, as ditas circunstâncias poderiam sustentar a alegação de que dos factos provados era obrigatório inferir, ao abrigo do disposto nos artigos 350.º, n.º 1, e 351.º do Código Civil, mediante presunção judicial, o facto que as instâncias declararam não provado.

Mas as ilações de facto, em que se traduzem as presunções judiciais, apenas são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal, estando, por isso, submetidas ao princípio da livre apreciação da prova, pelo que o atinente juízo está excluído do âmbito dos poderes de censura conferidos ao Supremo Tribunal.

Deste modo, não podendo o facto em causa ter-se por notório e não podendo este Supremo censurar o modo como o tribunal recorrido usou o poder de livre apreciação das provas, não pode ser alterada a resposta ao quesito 23.º.

Improcedem, assim, nesta parte, as conclusões da alegação do recurso da empregadora.

5. Da imputação do acidente à falta de observância das regras sobre segurança no trabalho por parte da Ré empregadora.

Como foi acima referido, as instâncias consideraram que a empregadora, ora recorrente, violou o disposto nos artigos 8.º, n.os 1 e 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, e 29.º do supra referido Regulamento, porquanto, por um lado, permitiu que as linhas eléctricas entrassem dentro do estaleiro (a céu aberto), e, por outro, não garantiu a segurança nas instalações ao não assinalar com avisos de perigo a existência daquelas linhas; e, atendendo a que a empregadora não tomou as precauções para que o trabalho não fosse realizado ou fosse realizado em condições de segurança, concluíram que o acidente teve como causa necessária e única a violação, por parte daquela, de regras de segurança.

A recorrente, como também se referiu, sustenta, por um lado, que o sinistrado sabia da existência das linhas eléctricas no local, e, por outro, não resultando o acidente de culpa sua e tendo transferido a responsabilidade infortunística para a Ré seguradora, deve ser esta a responder pela reparação do acidente.

No que respeita à dinâmica do acidente, a matéria de facto apurada revela que:

– O sinistrado, encarregado geral e responsável pela segurança do pessoal e equipamentos da Ré empregadora nas obras por ela executadas, e outro trabalhador da Ré, GG, procediam, nos estaleiros desta, à arrumação de um equipamento designado por misturadora de calda de cimento para obras, para um local de armazém de máquinas a céu aberto, onde já se encontravam outros equipamentos, local esse que se situava junto ao muro de vedação que delimitava o armazém da estrada;
– A misturadora de calda de cimento estava a ser movimentada por uma grua móvel de elevação de cargas que era operada por GG, dotada de uma lança de cerca de 9 metros de altura, com roldanas no topo, por onde deslizam os cabos de sustentação que tem na extremidade os ganchos que prendem a carga aos meios de suspensão;
– O sinistrado ajudava o GG nas operações de colocação e arrumo do equipamento no sítio previamente destinado, junto a um muro, que delimita o armazém da estrada e paralelo a esta, ao longo do qual passam, entrando nos estaleiros cerca de 1 a 3 metros, cabos sob tensão eléctrica de 17 kilovolts, situados a cerca de 9 metros de altura, por debaixo dos quais efectuavam as ditas operações;
– Quando a grua já se encontrava no local de descarga e o operador procedia à manobra de descida do equipamento, ocorreu uma ligeira oscilação do mesmo, o que, para evitar o embate no muro, levou o sinistrado a tentar puxá-lo, agarrando-o com as mãos;
– Ao contactar o equipamento com as mãos, porque a lança da grua estava encostada aos cabos condutores de electricidade, o sinistrado foi atingido por violenta descarga eléctrica proveniente dos fios sob tensão, que determinaram a sua morte por electrocussão.

Relativamente às condições de segurança, provou-se que:

– No local não havia qualquer sinalização sobre o potencial perigo que constituía a existência de fios sob tensão; e
– Não havia avisos a proibir a realização, nas proximidades das partes sob tensão, de trabalhos que envolvessem a utilização de equipamentos de elevação que, pela sua configuração, fossem susceptíveis de tocar ou invadir a distância mínima de protecção a observar em relação às instalações eléctricas.

O Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro, consigna as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança, impondo-lhe o dever de assegurar aos trabalhadores condições de segurança, em todos os aspectos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas preventivas necessárias, entre as quais, “[p]roceder, na concepção das instalações, dos locais, e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção” – artigo 8.º, n.os 1 e 2, alínea a).

Na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente no domínio da informação, e os trabalhadores devem dispor de informação actualizada sobre os riscos para a segurança e saúde, bem como sobre as medidas de protecção e prevenção e a forma como se aplicam, relativamente ao posto de trabalho ou função, e devem receber formação adequada e suficiente no domínio da segurança, tendo em conta as respectivas funções e posto de trabalho – artigos 8.º, n.º 3, 9.º, n.º 1, alínea a), e 12.º, n.º 1, do mesmo diploma (5).

De acordo com o disposto no artigo 29.º do Regulamento de Segurança de Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 1/92, de 18 de Fevereiro, os condutores devem estar afastados dos edifícios pelos menos 4 metros.

No caso, as linhas eléctricas encontravam-se a uma altura do solo de cerca de 9 metros, pelo que, desconhecendo-se a altura do armazém, não é possível afirmar a violação daquele artigo 29.º. Por outro lado, atenta a altura a que se encontravam os fios eléctricos, não se afigura que se justificasse uma medida, extrema, de desactivação ou desvio da linha eléctrica.

Não obstante, dadas as características dos equipamentos utilizados no local, como a referida grua, a existência daquelas linhas, ainda que a uma altura significativa, constituía perigo para a vida e segurança de quem labora próximo do local, exigindo a adopção de medidas tendentes a prevenir os riscos provenientes de um eventual contacto.

Isto é, impunha-se à Ré empregadora identificar o risco do contacto dos trabalhadores com a linha eléctrica existente por cima do solo e adoptar as medidas de prevenção adequadas e eficazes a evitar esse contacto, designadamente através da sinalização sobre o potencial perigo que constituía a existência de fios sob tensão, ou através da proibição, na realização de trabalhos nas proximidade das linhas que envolvessem a utilização de equipamentos com elevação, que esta atingisse aquela altura (cerca de 9 metros) susceptível de tocar nos fios, ou, ainda, através da instrução dos trabalhadores sobre a forma como deviam laborar no local.

É, pois, mister, concluir que a recorrente não observou no estaleiro (a céu aberto) todas as cautelas que a lei lhe impõe em termos de segurança no trabalho.

Dado que o sinistro ocorreu em 19 de Fevereiro de 2002, o regime jurídico a observar é o que consta da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), e do Decreto--Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (RLAT), que a regulamentou.

Estipula o artigo 18.º da LAT, na parte que aqui releva:

1. Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.

[…].

E o artigo 37.º, n.º 2:

Verificando-se alguma das situações referidas no artigo. 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na lei.

De acordo com a jurisprudência, constante e pacífica, deste tribunal (6)., para ser imputada à entidade empregadora a responsabilidade infortunística, nos termos dos normativos citados, não basta que se prove ter ocorrido a violação das regras de segurança, exigindo-se, também, a demonstração de factos dos quais se possa concluir que foi o desrespeito por tais regras que deu origem ao evento danoso.

Cabe, também, notar que o ónus da prova dos factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora incumbe a quem dela pretende tirar proveito, nos termos do n.º 2, do artigo 342.º do Código Civil (7).

Assim, para fazer responder, a título principal e de forma agravada, a Ré empregadora, em virtude de o acidente de trabalho resultar de falta de cumprimento de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é necessário que as Autoras, beneficiárias legais do sinistrado, que pretendem tirar proveito dessa agravação, ou a Ré seguradora, que pretende ver-se desonerada da responsabilidade pela reparação do acidente, a título principal, demonstrem a falta de cumprimento de regras de segurança por parte da entidade empregadora e o nexo de causalidade adequada entre essa falta e o evento infortunístico.

A matéria de facto relativa à dinâmica do acidente, que acima se resumiu, nada revela sobre as instruções que foram dadas ao sinistrado e a GG para realizarem o trabalho de arrumação da misturadora de calda de cimento, designadamente se o trabalho deveria ser realizado com aquela grua móvel, não se sabendo se o transporte daquele equipamento exigia o uso de uma grua com lança daquela elevação e se era necessário içar a lança a cerca de 9 metros.

Além disso, o acidente ocorreu quando a grua se encontrava no local de descarga e o operador já procedia à manobra de descida do equipamento e ocorreu uma ligeira oscilação deste, o que levou o sinistrado a tentar puxá-lo, agarrando-o com as mãos.

Desconhece-se o motivo da oscilação do equipamento, que levou o sinistrado a tocar-lhe: poderiam não ter sido adoptados os procedimentos correctos no transporte do equipamento.

Atente-se que o próprio relatório ao acidente, elaborado pela Inspecção-Geral do Trabalho (fls. 31 e segs. dos autos) dá conta das dúvidas sobre as causas do acidente, ao afirmar que o trabalhador da Ré que manobrava a grua, classificado em servente, “talvez não possua conhecimentos adequados e suficientes para conduzir e manobrar tais equipamentos industriais”.

Nesta conformidade, desconhecendo-se as razões concretas que levaram os trabalhadores a realizar o trabalho naquelas circunstâncias, e utilizando o equipamento naqueles termos, não se pode estabelecer a indispensável relação causal entre os factos omissivos imputados à empregadora e o evento danoso.

Assim, e em conclusão, não se demonstra que os factos omissivos atribuídos à Ré empregadora foram condição da verificação do dano, sendo certo que, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, a atinente prova competia à Ré seguradora e/ou às Autoras.

Por isso, não é possível afirmar o nexo de causalidade exigido pelo artigo 18.º, n.º 1, da LAT, em ordem à responsabilização da Ré empregadora, procedendo, por consequência, nesta parte, as conclusões da alegação da recorrente.

Deste modo, tal como se propugna no recurso subordinado, é de responsabilizar a Ré seguradora, a título principal, pelo pagamento das pensões/prestações devidas em virtude do acidente de trabalho que sofreu o sinistrado, por força do contrato de seguro que à data do acidente se encontrava em vigor com a recorrente empregadora e que operou a transferência da responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho, na medida do salário transferido (€ 863,00 x 14 vezes ano) – artigo 37.º, n.º 1, da LAT.

Sendo controverso o valor da retribuição auferida pelo sinistrado a atender para efeitos de cálculo das pensões/indemnizações, há que enfrentar esta questão, a fim determinar se, e em que medida, impende sobre a empregadora o dever de reparação.

6. Da integração da importância de € 787,50, auferida pelo sinistrado 11 vezes por ano, no conceito de retribuição, para efeito de cálculo das pensões e indemnizações.

Neste particular, as instâncias entenderam que, atenta a factualidade demonstrada e o disposto no artigo 82.º da LCT, deverá a importância em causa ser considerada no cálculo das prestações, uma vez que integra, com o salário transferido, a retribuição anual ilíquida normalmente auferida pelo sinistrado, “com base na qual deve ser aferida a compensação aos beneficiários, já que foi esse o rendimento que para eles representou a perda do familiar”.

Outro continua a ser o entendimento da Ré empregadora, que persiste em sustentar que a importância de € 787,50, auferida 11 vezes por ano pelo sinistrado, correspondia a despesas pelas deslocações que fazia e pelas despesas que suportava.

Demonstrou-se que o sinistrado auferia não só o vencimento base de € 863,00, pago 14 vezes por ano, mas ainda a quantia de € 787,50, paga 11 vezes por ano, em que se encontrava incluído o subsídio de refeição, o subsídio de assiduidade e pontualidade e o subsídio de deslocação permanente.

Segundo o artigo 26.º da LAT, “[a]s pensões por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida, normalmente recebida pelo sinistrado” (n.º 2); “[e]ntende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considere como seu elemento integrante e todas as prestações que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios” (n.º 3); e “[e]ntende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade” (n.º 4).

A expressão “tudo o que a lei considere como seu elemento integrante” remete para a noção legal de retribuição, traçada no Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, em vigor à data do acidente.

De acordo com o artigo 82.º da LCT, “[s]ó se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho” (n.º 1); “[a] retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie” (n.º 2); “[a]té prova em contrário, presume-se retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador” (n.º 3).

O artigo 87.º do mesmo diploma previne que “[n]ão se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações, feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as respectivas despesas normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador”.

Neste quadro normativo, pode afirmar-se que a “retribuição normalmente recebida” a que se refere o número 2 do artigo 26.º da LAT contempla as atribuições patrimoniais com carácter de obrigatoriedade, fundada normativa ou contratualmente, de correspectividade com a efectiva prestação de trabalho, e de regularidade e periodicidade do seu pagamento, excluindo-se as que se destinem a compensar custos aleatórios (ajudas de custo, reembolso de despesas de deslocação, de alimentação ou de estada), por não poderem ser consideradas contrapartidas do trabalho prestado, mais precisamente, da disponibilidade do trabalhador para o prestar (8). .

Como assinala António Monteiro Fernandes (9)., deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da força de trabalho por ele oferecida.

Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.

Constituindo critério legal da determinação da retribuição, a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dela apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho –, mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este.

A periodicidade e a regularidade da retribuição, significam, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, correspondem à medida das expectativas de ganho do trabalhador (10)., conferindo dessa forma, relevância no pagamento.

Esta característica da regularidade ou periodicidade no pagamento que se deduz do artigo 82.º da LCT e do artigo 26.º da LAT, e que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, não se verifica, pois, quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.

É o que ocorre, por exemplo, com as ajudas de custo que são devidas como compensação, transitoriamente, enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais (artigo 87.º da LCT).

Estes valores estão arredados do cômputo da retribuição ou salário global, bem como da retribuição ou “padrão retributivo”, a atender para o cálculo das pensões e indemnizações por acidentes de trabalho a que alude o artigo 26.º da LAT.

Quanto às demais prestações regulares, a periodicidade da retribuição assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.

Não pode esquecer-se que, com as pensões e indemnizações fixadas em consequência de acidente de trabalho, se visa compensar o trabalhador (ou os beneficiários legais), da perda ou limitação da capacidade de trabalho e, com ela, da perda ou diminuição dos rendimentos do trabalho, pelo que, como consequência, para evitar ou limitar essa perda, no cálculo das indemnizações e pensões se deve atender à retribuição que o trabalhador normalmente recebia e com a qual programava e fazia face ao seu dia-a-dia.

Assim se explica que o conceito de retribuição, para efeitos do disposto no citado artigo 26.º, apenas exclua as prestações que “não se destinem a compensar custos aleatórios”, sendo, pois, mais abrangente do que a noção geral.

No caso que nos ocupa, a quantia de € 787,50 que era paga ao trabalhador incluía os subsídios de refeição, assiduidade, pontualidade e de deslocação.

Tal quantia, cuja obrigatoriedade de pagamento, decorrente do contrato, não está em causa, era creditada mensalmente pela empregadora, conjuntamente com o salário base, numa conta bancária do sinistrado, o que inculca o carácter de regularidade e periodicidade da mesma.

Estando em causa a finalidade de determinadas atribuições patrimoniais, convém ter presente a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 82.º da LCT, que, como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Julho de 2006, (Revista n.º 1539/06-4.ª Secção) (11). , prevalece na conciliação com o artigo 87.º do mesmo diploma, incumbindo “à entidade empregadora, nos termos dos art.os 344.º, n.º 1 e 350.º, n.º 1, do CC, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste natureza de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes [...], sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 87.º e de valer a presunção dos n.os 2 e 3 do artigo 82.º de que está perante prestação com natureza retributiva”.

Não tendo a recorrente ilidido aquela presunção, nem o subsídio de refeição, nem as restantes atribuições patrimoniais se apresentam como compensação por despesas ou custos aleatórios, antes como prestações que constituíam para o trabalhador uma vantagem económica decorrente da actividade laboral do trabalhador, que, com ela, contava.

Conclui-se, pois, como concluíram as instâncias, que a importância de € 787,50, paga pela Ré, 11 meses em cada ano, ao trabalhador/sinistrado, integra o conceito de retribuição para efeitos de cálculo das indemnizações e pensões por acidente de trabalho.

Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões da alegação da revista da empregadora.

7. Da compensação de créditos:

Sustenta a recorrente que os montantes que entregou à Autora BB constituem adiantamentos feitos até que fosse fixada a pensão provisória, e não mera liberalidade, pelo que deve ser efectuada a compensação desses adiantamentos com eventuais importâncias que a mesma Ré venha a ser condenada a pagar à Autora pela reparação do acidente de trabalho.

Atinente a esta matéria, encontra-se demonstrado nos autos que:

– Foi a Autora BB que pagou as despesas de funeral do sinistrado;
– No período de 24 de Maio de 2002 a 26 de Setembro de 2003, a Ré empregadora entregou à Autora BB a quantia global de € 10.200,00, e no período entre Outubro de 2003 e Outubro de 2004, a quantia global de € 7.200,00, destinando-se tais quantias a minorar as dificuldades sentidas pelas Autoras em virtude do falecimento do sinistrado;
– Em 22 de Abril de 2002, a mesma Ré havia entregue à Autora BB a quantia de € 2.330,00 que se destinou, além do mais, a custear as despesas do funeral, no valor de € 1.130,00.

A 1.ª instância considerou que “a entrega destas quantias tem de ser entendida como uma liberalidade por parte da Ré FF, sendo certo que esta nem sequer veio a alegar que o fez por conta do que viesse a ser devido, tanto mais que não se considerava responsável pelo pagamento”.

Assim, concluiu, tais quantias, com excepção dos € 1.130,00 entregues pela Ré para pagamento das despesas de funeral, atenta a natureza da entrega, não são de descontar nas prestações devidas pelo acidente de trabalho e por parte da mesma Ré.

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão recorrido, que, de igual modo, concluiu que apenas a quantia de € 1.130,00 entregue pela Ré para pagamento das despesas de funeral, se deve considerar um adiantamento e, como tal, descontada no montante devido pela Ré a título de subsídio de funeral; quanto às restantes importâncias entregues, entendeu a Relação constituírem uma mera liberalidade destinada a minorar o sofrimento das Autoras, não correspondendo, por isso, a um crédito da Ré sobre as Autora.

A compensação é uma causa de extinção das obrigações.

De acordo com o artigo 847.º do Código Civil, para que se opere a compensação exige-se que: – i) duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor (reciprocidade de créditos); – ii) o crédito a compensar seja judicialmente exigível, não se verificando contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; – iii) as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra, por esta recebida, nos termos dos artigos 848.º, n.º 1 e 224.º do Código Civil, e “pode ser invocada em acção judicial, quer por via de acção (de simples apreciação), quer por via de excepção, quer por via de reconvenção” (12)..

Face ao disposto no artigo 854.º do mesmo diploma, feita a declaração tudo se passa como se as obrigações se tivessem extinguido no momento da verificação dos pressupostos ou requisitos de que depende (13).

A compensação é, no entanto excluída, quando se trate de operar a extinção de créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza – artigo 853.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil).

“Os créditos impenhoráveis visam, por via de regra, garantir a subsistência do credor ou da respectiva família, assim se explicando que a lei não permita a sua extinção por encontro com outros créditos não revestidos de igual força, porque não afectados a idêntica ou análoga finalidade” (14)..

Diz o artigo 35.º da LAT que: “Os créditos provenientes do direito às prestações estabelecidas por esta lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis [...]”.

Antes de analisar se no caso se encontram verificados os requisitos da compensação de créditos, ou seja, se o crédito das Autoras sobre a Ré empregadora, proveniente do direito às prestações por acidente de trabalho, é compensável com o (eventual) crédito da Ré empregadora sobre aquelas (15)., importa apurar se esta possui um crédito sobre aquelas.

Não se questionando, aqui e agora, o crédito resultante do adiantamento por despesas de funeral (€ 1.130,00), que o acórdão recorrido já compensou, verifica-se que as restantes importâncias foram entregues à Autora BB, umas “para minorar as dificuldades sentidas pelas AA. em virtude do falecimento de AA, até à fixação de uma pensão provisória” (€ 10.200,00 + € 7.200,00), outras, sem qualquer indicação de fim a que se destinavam [€ 1.200,00 (€ 2.330,00 - € 1.130,00)].

Segundo o artigo 940.º, n.º 1, do Código Civil: “Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício de outro contraente”.

Em anotação, a tal preceito, Pires Lima e Antunes Varela, observam: (16).

[...]

São três os requisitos exigidos, neste artigo para que exista uma doação:

a) Disposição gratuita de certos bens ou direitos, ou assunção de uma dívida, em benefício do donatário, ou seja, a atribuição patrimonial sem correspectivo;

b) Diminuição do património do doador;

c) Espírito de liberalidade.

[...]

Forçoso é, para haver doação, que a atribuição patrimonial seja gratuita, e que não exista, portanto, um correspectivo de natureza patrimonial: pode existir, entretanto, um correspectivo de natureza moral, sem que o acto perca a sua gratuitidade, assim como podem existir encargos impostos ao donatário (cláusulas modais), que limitam o valor da liberalidade.

[...]

A liberalidade implica, em regra, a ideia de generosidade ou espontaneidade, oposta à de necessidade ou de dever. Aquele que cumpre, por exemplo, uma obrigação natural, não faz uma doação. Ali impera o animus solvendi, embora se trate de cumprir meros deveres de ordem moral ou social, juridicamente reconhecidos como tais; aqui o animus donandi (cfr. art. 402.º).

[...]

“O espírito de liberalidade é um elemento subjectivo, sempre dependente do estado psicológico do doador, ao contrário da gratuitidade que depende da estrutura típica de cada um dos negócios jurídicos, tal como aparecem regulados na lei”.

[...]

Volvendo ao caso dos autos, de harmonia com a factualidade apurada, a Ré empregadora entregou determinadas quantias à Autora BB para “minorar as dificuldades sentidas pelas AA. em virtude do falecimento do AA”.

Essas quantias, com excepção de uma em Abril de 2002, no valor de € 2.330,00 (que se destinou, além do mais, a custear as despesas do funeral do sinistrado), foram-no em montantes mensais, iguais e sucessivos, de € 600,00, desde Maio de 2002 – recorde-se que o sinistrado faleceu em 19 de Fevereiro de 2002 – a Outubro de 2004, mês que precedeu o do início da audiência de julgamento [sendo certo que, embora a pensão provisória tenha sido fixada por despacho de 28 de Outubro de 2003 (fls. 165 e 166 dos autos), em 22 de Janeiro de 2004 (fls. 269), a Autora BB informou o tribunal que ainda não tinha recebido qualquer importância da seguradora a tal título, vindo depois esta a juntar cópia de um cheque datado de 27 de Janeiro de 2004 para pagamento da pensão provisória de 20 de Fevereiro de 2002 a 29 de Fevereiro de 2004 (fls. 295)].

Tendo a Ré empregadora ao seu serviço um trabalhador que vem a ser vítima mortal de um acidente de trabalho, o qual, por sua vez, tinha a seu cargo esposa e duas filhas (as Autoras alegaram na petição inicial, e para fundamentar o pedido de pensão provisória, que o agregado familiar do sinistrado vivia do seu ordenado, que a Autora viúva nunca trabalhou fora de casa e que a falta de sustentáculo económico decorrente do acidente empurrou as autoras para uma “vida difícil suportada por ajuda de familiares e terceiros”) apresenta-se como um dever social, e até moral, a entrega regular, pela mesma empregadora aos referidos familiares, de importâncias em dinheiro, de forma a garantir-lhes – enquanto não estivesse definida a responsabilidade pelo acidente, ou enquanto não fosse determinado que algum dos eventuais responsáveis assumissem, entretanto, o pagamento das prestações, ainda que provisórias, pelo mesmo – o mínimo de subsistência económica.

Visando-se, conforme se deixou explanado supra, com a reparação do acidente, compensar o trabalhador (ou beneficiários legais), da perda ou limitação da capacidade de trabalho e, com ela, da perda ou diminuição dos rendimentos do trabalho, a entrega pela Ré empregadora aos beneficiários do sinistrado de determinadas quantias para lhe garantir um mínimo de rendimentos (já que estes não dispunham de outros), mais não representam de que a assunção de um, louvável, dever social e até moral.

Trata-se, por isso, de uma obrigação natural, tal como a define o artigo 402.º do Código Civil, que a Ré procurou cumprir e, nessa medida, houve da parte da mesma Ré um animus solvendi e não um animus donandi.

Neste mesmo sentido se apresenta consentâneo que a Ré tenha, mensal e sucessivamente, pago à Autora BB sempre a mesma quantia (€ 600,00), contra a emissão de declaração de recebimento por parte desta, porventura para efeitos contabilísticos e fiscais, e que nas referidas declarações não tenha sido feita qualquer referência ao fim a que se destinavam essa entregas, designadamente por conta da reparação do acidente, por a Ré não se considerar (legalmente) responsável pela reparação do acidente; se a Ré pretendesse que as importâncias entregues o fossem como adiantamento das pensões/prestações que viessem a ser devidas, certamente que nas declarações de recebimento assinadas pela Autora BB teria acautelado essa situação.

Nesta sequência, concluindo nós, como concluímos, que as entregas feitas pela Ré FF, SA, à Autora BB, o foram com o fim de cumprir uma obrigação natural, animus solvendi, não poderá a mesma ter-se como uma mera liberalidade (doação).

E, não estando em causa uma doação, mas o cumprimento de uma obrigação, ainda que não exigível judicialmente, a mesma insere-se, lato sensu, no âmbito das obrigações necessárias ou convenientes à prossecução do fim da Ré e, nessa medida, não contende com os limites da capacidade jurídica estabelecidos no artigo 6.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais “(17).

Já acima se deixou referido que, para que possa haver lugar à compensação de créditos, tem que haver reciprocidade destes, o crédito do compensante tem que se exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e que as duas obrigações tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Ora, decorrendo o alegado crédito da Ré de uma obrigação natural, não pode o mesmo ser exigível judicialmente, pelo que não pode ser compensável (18)..

Assim, embora com fundamentos não coincidentes com os das instâncias, conclui-se, como estas, que não ocorrem os requisitos para a compensação de créditos.

Improcedem, por conseguinte, quanto a esta parte, as conclusões da alegação de recurso da Ré/recorrente.

8. Resta agora, em conformidade com a posição expressa, quanto à responsabilidade pela reparação do acidente, quantificar as prestações devidas aos beneficiários legais do sinistrado.

Antes de mais, impõe-se deixar expresso que, face ao disposto no artigo 20.º da LAT, quanto à indemnização a título de danos não patrimoniais e dano morte, não se mostrando provada a culpa da recorrente no acidente, não se verificam os requisitos das correspondentes indemnizações, pelo que não é de manter, nesta parte, a decisão recorrida.

Com efeito, a reparação por acidentes de trabalho decorrente de responsabilidade civil sem culpa tem natureza excepcional (n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil), dispondo a LAT, designadamente no seu artigo 20.º, os termos em que se efectua essa reparação.

E apenas nos casos em que o acidente tiver sido dolosamente provocado pela entidade patronal ou seu representante, ou resulte de culpa da mesma entidade patronal ou do seu representante, se prevê a responsabilidade civil por danos não patrimoniais (artigo 18.º, n.º 2, da LAT).

Daí que, não sendo o acidente imputável a culpa da entidade empregadora, o direito à reparação compreende, no que ora interessa, “pensões aos familiares do sinistrado […] subsídio por morte e despesas de funeral” [art. 10.º, alínea b), da LAT].

Assim, não existindo fundamento para o agravamento da responsabilidade, nos termos previstos no artigo 18.º da LAT, mas sendo o salário declarado para efeitos de prémio de seguro inferior ao realmente auferido pelo sinistrado à data do acidente, impõe-se concluir que são responsáveis pela reparação do acidente, nos termos dos artigos 37.º, n.os 1 e 3, da LAT e 11.º do RLAT, a Ré “EE, S.A.” e a Ré “FF, S.A.”, ambas a título principal, a primeira em relação ao salário transferido e a segunda pela diferença entre o salário declarado para efeito prémio de seguro e a retribuição efectivamente auferida pelo sinistrado à data do acidente.

Para o efeito, há, então, que ter presentes os seguintes dados:

– Data do acidente e do óbito do sinistrado: 19 de Fevereiro de 2002;
– Salário mínimo nacional à data do óbito: € 348,00 por mês (Decreto-Lei n.º 325/01, de 17 de Dezembro);
– Retribuição anual do sinistrado: € 863,00 x 14 meses mais € 787,50 X 11 meses = € 20.744,50;
– Retribuição declarada para efeitos de contrato de seguro: € 863,00 X 14 meses = € 12.082,00;
– Beneficiários: viúva (nascida em 19 de Setembro de 1959), e duas filhas (nascidas em 28 de Julho de 1982 e 16 de Junho de 1994).

Tendo em consideração estes factores, em vista do disposto nos artigos 20.º, n.os 1, alíneas a) e c), e 4, 22.º, n.os 1, alínea a) e 3, da LAT, e 23.º, n.º 1, alínea f), do RLAT, e atendendo a que a percentagem da responsabilidade da Ré seguradora equivale a 58,24% e a da Ré empregadora a 41,76%, tem de reconhecer-se:

À Autora BB:

a) O direito a € 60,00, a título de despesas de transporte, sendo € 34,94, a cargo da Ré seguradora, e € 25,06 a cargo da Ré empregadora;

b) O direito a € 2.784,00 (€ 348,00 X 4 X 2), referente a subsídio de funeral, sendo da responsabilidade da Ré seguradora € 1.621,40, e da Ré empregadora € 1.162,60.

Contudo, uma vez que a Ré empregadora já adiantou à Autora BB a importância de € 1.130,00, tem agora a pagar apenas o valor de € 32,60 (€ 1.162,60 - € 1.130,00);

c) O direito a € 2.088,00 (€ 348,00 X 12 : 2), a título de subsídio por morte, sendo da responsabilidade da Ré seguradora € 1.216,05, e da Ré empregadora € 871,95;

d) O direito à pensão anual e vitalícia de € 6.223,35 (€ 20.744,50 X 30%), com efeitos a 20 de Fevereiro de 2002, e actualizável nos termos legais, sendo da responsabilidade da Ré seguradora € 3.624,48 e da Ré empregadora € 2.598,87; a pensão passará para € 8. 297,80 (€ 20.744,50 X 40%), quando a Autora atingir a idade da reforma por velhice ou no caso de doença física ou mental que afecte sensivelmente a sua capacidade de trabalho, sendo a pensão paga nos termos proporcionais indicados.

À Autora DD:

a) O direito a € 45,00 a título de despesas de transporte, sendo da responsabilidade da Ré seguradora € 26,21 e da Ré empregadora € 18,79;

b) O direito a subsídio por morte no valor de € 1.044,00 (€ 348,00 X 12 : 2 : 2), sendo € 608,03 da responsabilidade da Ré seguradora e € 435,97 da responsabilidade da Ré empregadora;

c) O direito à pensão anual e temporária de € 4.148,90 (€ 20.744,50 X 40% : 2), devida desde 20 de Fevereiro de 2002 e actualizável nos termos legais, sendo € 2.416,32 da responsabilidade da Ré seguradora, e € 1.732,58 da responsabilidade da Ré empregadora;

À Autora CC:

a) O direito a subsídio por morte no valor de € 1.044,00 (€ 348,00 X 12 : 2 : 2), sendo € 608,03 da responsabilidade da Ré seguradora e € 435,97 da responsabilidade da Ré empregadora;

b) O direito à pensão anual e temporária de € 4.148,90 (€ 20.744,50 x 40% : 2), devida desde 20 de Fevereiro de 2002, e actualizável nos termos legais, sendo € 2.416,32 da responsabilidade da Ré seguradora e € 1.732,58 da responsabilidade da Ré empregadora.

Sobre as prestações em causa são devidos juros de mora, à taxa legal, desde os respectivos vencimentos até integral pagamento.

Nas pensões a pagar pela Ré seguradora serão deduzidas as pensões provisórias já pagas.

O ISSS/CNP pagou às Autoras o valor de € 13.152,57 (€ 4.484,29 + € 8.668,28), no período de 1 de Março de 2002 a 1 de Novembro de 2004.

A 1.ª instância havia condenado a Ré empregadora a pagar ao ISSS as referidas quantias, a que se deveria “descontar aos montantes atribuídos [às Autoras] a título de subsídio por morte e de pensões».

Não vindo questionada a exigibilidade do reembolso àquele Instituto, nos termos referidos, deverá o mesmo, operar-se, também, na proporção da responsabilidade de cada uma das Rés (58,24% a Ré seguradora e 41,76% a Ré empregadora).

Assim, deverá a Ré seguradora reembolsar o ISSS no valor de € 7.660,06, e a Ré empregadora no valor de € 5.492,51, os quais serão descontados nos montantes atribuídos às Autoras a título de subsídio por morte e pensões.


III

Em face do exposto, decide-se conceder, parcialmente a revista da Ré, e integralmente a revista subordinada das Autoras, e, em consequência, alterando a decisão do acórdão impugnado, condenar as Rés “EE, S.A.” e “FF, S.A.”, no pagamento às Autoras, bem como ao ISSS, nos termos sobreditos, das importâncias/prestações indicadas, com juros de mora à taxa legal desde o respectivo vencimento.

Custas da acção e dos recursos a cargo das Rés empregadora e seguradora, na proporção do decaimento.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008.

Vasques Dinis (Relator)

Bravo Serra

Mário Pereira

________________________

(1)- J. O. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, 3.ª Edição, Coimbra Editora, p. 98.

(2)- Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 272
(3)-Ambos disponíveis em www.dgsi.pt, Documentos n.os SJ200502230031654 e SJ20070124002744, respectivamente. Pode ler-se no último: “Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer do erro na fixação da matéria de facto, quando esteja em causa a violação do art. 514.º do CPC. Como se defendeu nos acórdãos do STJ de 05.03.96 e de 23.02.2005 (o primeiro, publicado na CJ/STJ, I, 122, e o segundo proferido no recurso n.º 3165/04, da 4.ª Secção), este preceito mais não faz do que fixar a força probatória de determinado meio de prova (a notoriedade do facto) e, por isso, a sua violação cai na alçada do disposto na parte final do n.º 2 do art. 722.º do CPC”.
(4)-Cfr. J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4.ª Edição, pp. 259 e segs.
(5)- A concretização dos princípios enunciados no referido Decreto-Lei veio a ser feita através do Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho, que transpôs para o direito interno as prescrições mínimas de segurança adoptadas pela Directiva n.º 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho. No âmbito da aplicação deste diploma estão incluídos os estaleiros temporários ou móveis, isto é, locais onde se efectuam trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil, bem como os locais onde se desenvolvem actividades de apoio directo àqueles trabalhos [artigo 3.º, alínea a)]. No caso, embora se trate de estaleiro (a céu aberto) não resulta dos autos que o mesmo se destinasse àqueles fins, antes, tudo indica, tratava-se de um local de guarda e arrumação de máquinas, materiais, equipamentos, etc., da Ré empregadora, pelo que se deve ter por inaplicável o Decreto-Lei n.º 155/95, de 1 de Julho.
(6)- Cfr., por todos, os acórdãos de 14 de Março de 2007 (Recurso n.º 1957/06) e de 12 de Setembro de 2007 (recurso n.º 4369/06), ambos da 4.ª Secção, disponíveis em www.dgsi.pt,documento n.º SJ200703140019574 e SJ200709120043694, respectivamente.
(7)- Neste sentido, a jurisprudência deste tribunal é, também, unânime, podendo ver-se, entre outros, os acórdãos, recentes, de 21 de Junho de 2007 (Recurso n.º 534/07 – 4.ª secção, disponível em www.dgsi.pt documento n.º SJ200706210005344), e de 12-09-2007 (Recursos n.º 4369/06 e 672/07, ambos da 4.ª Secção, disponíveis no mesmo sítio, documento n.º SJ200709120043694 e SJ200709120006724, respectivamente).
(8)- Cfr. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição (Reimpressão), Almedina, Coimbra, 2005, p. 136.
(9)- Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp.. 398 e segs.
(10)- António Monteiro Fernandes, obra citada, pp. 399-400.
(11)- Na linha de orientação dos Acórdãos de 23 de Maio de 2001 (Revista n.º 880/01), 29 de Janeiro de 2003 (Revista n.º 1102/02), e 5 de Fevereiro de 2003 (Revista n.º 3607/02).
(12)- Fernando Andrade de Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 1968, p. 95.
(13)- Idem, p. 101.
(14)- João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Volume II, 2.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1978, pág. 174.
(15)- No âmbito da vigência da anterior LAT, o acórdão deste Supremo de 3 de Outubro de 2007 (Recurso n.º 1798/07), disponível em www.dgsi.pt, Documento n.º 200710030017984, decidiu que são compensáveis o crédito do trabalhador sobre a entidade empregadora, proveniente do direito a prestações emergentes de acidente de trabalho, e o crédito desta sobre aquele, referente a adiantamentos mensais que fez ao sinistrado, sujeito a posterior reembolso e reportados ao salário, enquanto o direito a prestações pelo acidente não se encontra definido.
(16)- Obra citada, pp. 181-182.
(17)- “A capacidade da sociedade compreende os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular”.
(18)- Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, Volume I, Coimbra, 1967, p. 267.