Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
154/01.9JACBR.C1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
DUPLA CONFORME
CÂMARA MUNICIPAL
PECULATO
ABUSO DE PODER
COMPETÊNCIA
MINISTÉRIO PÚBLICO
JUÍZ DE INSTRUÇÃO
INQUÉRITO
SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
SEPARAÇÃO DE PROCESSOS
IN DUBIO PRO REO
ESCUTAS TELEFÓNICAS
DESTRUIÇÃO
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
INTERPRETAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
CORRUPÇÃO PASSIVA PARA ACTO LÍCITO
CORRUPÇÃO PASSIVA PARA ACTO ILÍCITO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/15/2010
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :


I - Relativamente à admissibilidade de recurso, no que diz respeito aos crimes de peculato e abuso de poderes, os mesmos eram puníveis, ao tempo dos factos, com penas de prisão 3 a 8 anos de prisão e multa até 150 dias (peculato – art. 20.º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16-12) e prisão de 6 meses a 3 anos, ou multa de 50 a 100 dias (abuso de poderes – art. 26.º, n.º 1, da mesma Lei), sendo certo que aos referidos crimes foram aplicadas as seguintes penas: 4 anos de prisão e 80 dias de multa à taxa diária de € 5 para o crime de peculato e de 1 ano e 4 meses de prisão para o crime de abuso de poderes.
II - De acordo com o preceituado no art. 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, na versão anterior, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o MP tivesse usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3. Está neste caso o crime de abuso de poderes (atendendo à versão originária da respectiva lei incriminadora).
III -No caso sub judice, a Relação confirmou todas as penas, com excepção dos dois crimes de corrupção e de branqueamento de capitais, pelo que se verifica quanto a eles a chamada dupla conforme, não sendo nenhum deles punível com pena de máximo superior a 8 anos de prisão, pelo que, à luz da referida versão do CPP, também não era admissível recurso em relação ao crime de peculato.
IV -Deste modo, em relação aos referidos crimes não é admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, quer por força da al. e) (crime de abuso de poderes), quer por força da al. f) (crime de peculato).
V - Não tem razão o recorrente quando sustenta que a separação de processos constitui uma nulidade insanável, porquanto ordenada por entidade incompetente (o MP) e que, sendo invalidada tal separação, FG não participou em todo o processo como arguido, mas sim como testemunha e só depois, no decurso da audiência de julgamento, na sessão em que ia prestar depoimento como tal, é que «ganhou» a qualidade de arguido, passado a ser assistido por defensor.
VI -No encerramento do inquérito o MP fez uma avaliação dos indícios existentes nos autos, considerando que quanto a FG, as provas recolhidas indiciavam a prática de um crime de corrupção passiva, p. e p. pelo art. 374.º do CP – a solicitação do arguido…, então Presidente da Câmara de …., e presidente do júri para aprovação de propostas, FG teria prometido entregar àquele uma quantia não superior a PTE 50 000 000$00 para que o arguido … não pusesse entraves ao júri ou, caso necessário, o determinasse no sentido de atribuir vencimento, no concurso público, à firma de que era administrador, o que, aliás, veio a conseguir. Todavia, atendendo à colaboração prestada no processo por FG, o MP propôs quanto a ele a suspensão provisória do processo por determinado período temporal e sob injunção (arts. 281.º e 282.º do CPP), proposta essa que mereceu a concordância do arguido e do juiz de instrução.
VII - Para evitar atrasos, ao mesmo tempo, o MP determinou a extracção de peças processuais e do despacho judicial para serem autuados como inquérito autónomo. Ora, a separação de processos, assim determinada, foi na fase de Inquérito.
VIII - Com efeito, a causa ainda não havia sido atribuída a um tribunal, pois não tinha sido deduzida acusação, que ocorreu posteriormente, mas em relação a outros arguidos. O facto de o juiz de instrução ter intervindo no sentido de concordar com a suspensão provisória, que é da competência do MP, não significa que a causa, por esse facto, ficasse afectada a um tribunal ou estivesse na esfera de competência de um juiz, nomeadamente do juiz de instrução.
IX- A concordância do juiz é um mero pressuposto da decisão do MP, pois a este é que compete a decisão final do processo nesta fase: deduzindo acusação, arquivando ou suspendendo-o provisoriamente.
X - Sendo assim, o processo (conexo) no que toca ao arguido FG (actualmente, definitivamente arquivado) não passou da fase de inquérito, tendo o MP competência para a separação de processos, nos termos do art. 264.º, n.º 5, do CPP.
XI -O princípio do in dubio pro reo, impondo-se como limite da livre convicção do tribunal, significa que, produzida a prova, deve valorar-se a favor do réu a dúvida razoável (e apenas a dúvida razoável) que possa subsistir, o que vem a traduzir-se numa decisão de non licet a respeito do facto que desfavorece o réu, seja esse facto relativo aos elementos incriminadores, seja a circunstâncias agravantes, seja ainda em relação a circunstâncias excludentes da ilicitude, da culpa ou da pena.
XII - Não é nada líquido que as normas do direito internacional constantes da CEDH estejam sequer ao mesmo nível que as normas da CRP e, se é, porventura, mais defensável o seu carácter supralegal, num posicionamento entre as leis e a Constituição, o que é certo é que tais normas não podem servir de parâmetro aferidor da constitucionalidade das normas da nossa lei fundamental. E esta excepciona, no art. 34.º, n.º 4, da proibição de toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações «os casos previstos na lei em matéria de processo criminal», pelo que a norma do art. 8.º, n.º 2, da CEDH não poderia prevalecer sobre as normas do processo penal que disciplinam a matéria, directamente excepcionadas pela Constituição (e, portanto reportando-se necessariamente às escutas como meio de investigação criminal, no âmbito de um processo-crime), se acaso tais normas colidissem com aquela. Mas não colidem.
XIII - Dispõe este art. 8.º:
«1. Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros».
XIV - Ora, a prevenção das infracções penais não pode ser lida literalmente como dizendo respeito a uma fase pré-processual ou a uma actividade de cariz meramente preventivo e mesmo administrativo. Quando a CEDH, no seu art. 8.º, n.º 2, fala de prevenção das infracções penais, não quer referir-se especialmente à prevenção do crime em sentido administrativo, nem mesmo àquela que só cabe numa fase pré-processual. Até porque a investigação criminal não se desenrola da mesma maneira em todos os países da União Europeia, não havendo uma concepção unívoca de procedimento criminal e, sobretudo de estrita legalidade do processo-crime, como aquele que entre nós resulta da lei processual penal.
XV - O recorrente, ainda dentro da matéria de intercepções telefónicas, sustenta a aplicação imediata do n.º 6 do art. 188.º do CPP, resultante da nova redacção conferida pela Lei 48/2007, de 29-08, uma vez que se trata de norma que faz uma interpretação autêntica, nos termos do 13.º do CC quanto à desmagnetização dos suportes técnicos – matéria que era objecto dos mais desencontrados entendimentos jurisprudenciais – sobretudo do TC – e doutrinais.
XVI - As leis interpretativas obedecem a dois requisitos: «que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei».
XVII - Ora, no caso, não confluem estes dois requisitos. Se é verdade que a interpretação da norma processual poderia ser considerada controvertida do ponto de vista da sua constitucionalidade antes da entrada em vigor da nova lei, não menos verdade é que a solução consagrada na lei, pressupostamente para obviar a qualquer arguição de inconstitucionalidade, não se limita a fazer uma interpretação da norma, mas, verdadeiramente, a inovar, estatuindo de forma substancialmente diversa do que estava prescrito no anterior n.º 3 do art. 188.º do CPP e agora consta do seu n.º 6, complementado pelos n.ºs 11, 12 e 13. A redacção da lei anterior não permitia, desde logo pelo seu teor verbal, chegar à mesma solução. De contrário, não se compreenderia o Ac. do Plenário do TC n.º 70/2008 e os que, posteriormente, seguiram na sua esteira.
XVIII - Assim, a nova lei nunca poderia ter aplicação imediata ou mesmo retroactiva, por não ser meramente interpretativa.
XIX - Nos termos do art. 125.º do CPP, em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.
XX - As declarações de co-arguido, por serem exactamente de um co-arguido, exigem, no entanto, especiais cautelas, como a de corroboração por outros meios de prova e uma acrescida exigência de fundamentação.
XXI - Corroboração e fundamentação que têm a ver com a necessidade de fazer contraponto à falta de exigência de juramento e de ameaça com a punição por crime de falsas declarações, no caso de falta à verdade, sendo maior a probabilidade de o depoimento ser verdadeiro quando o que o presta está constrangido por essa ameaça, o que não significa, apesar de tudo, que em concreto as declarações de um co-arguido não possam merecer maior crédito do que as de uma testemunha.
XXII - A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem entendendo que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações do co-arguido, desde que se respeite o estatuto deste, que é incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade, sob pena de responsabilidade criminal. E ainda com as cautelas e as exigências assinaladas pela doutrina, em que se deve incluir o princípio do contraditório, concretizado pela possibilidade que deve ser conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido, por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado.
XXIII - O que distingue a corrupção própria (ou seja para a prática de acto ilícito), contemplada no art. 372.º, da corrupção imprópria (ou seja, para a prática de acto lícito), regulada no art. 373.º, não é o critério formal de o acto caber ou não na competência do funcionário, mas o critério substancial ou de fundo, ligado a uma perspectiva teleológica, de o acto subornado representar uma violação dos deveres do cargo, mesmo que o funcionário tenha a necessária competência para praticar o acto ou, pelo contrário, actue no âmbito de poderes de facto e, portanto sem a necessária competência. Imprescindível é que o funcionário se não comporte, no uso dos seus poderes (de facto ou de direito) ou competências, segundo o padrão de objectividade, isenção e legalidade requeridos pelos deveres do cargo.

Decisão Texto Integral:



I. RELATÓRIO
1. No âmbito do Processo Comum Colectivo que, sob o n.º 154/01.9JACBR, correu termos pelo Tribunal Judicial de ..., o arguido AA, identificado nos autos, foi julgado e condenado por acórdão de 18/06/2007, objecto de pedido de aclaração, rejeitado por acórdão de 21-01-2008:
- pela prática de um crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. pelo art. 17º da Lei 34/87, 16/07, na sua versão originária (para o qual se convolou o crime p. e p. pelo art. 16º do mesmo Dec.-Lei que lhe vinha imputado), na pena de 10 (dez) meses de prisão.
- pela prática de um outro crime de corrupção passiva para acto lícito, p. e p. pelo art. 17º da Lei 34/87, 16/07, na sua versão originária (para o qual se convolou o crime p. e p. pelo art. 16º do mesmo Dec.-Lei que lhe vinha imputado), na pena de 5 (cinco) meses de prisão.
- pela prática de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo art. 2º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Dec. Lei n.º 325/95, de 02/12, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
- pela prática de um crime de peculato, p. e p. pelo art. 20º, n.º 1, da Lei 34/87, de 16/07 (para o qual se convolaram os 3 crimes de peculato na forma continuada que lhe vinham imputados), na pena de 4 (quatro) anos de prisão, e em 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros);
- pela prática de um crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 26º, n.º 1, da citada Lei n.º 34/87, na pena de um ano e quatro meses de prisão.
Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão, e em 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros).
O arguido foi ainda proibido de exercer cargos públicos pelo período de 5 (cinco) anos.
Ao abrigo do disposto no art. 111º, n.º 2, do Código Penal, foi declarada perdida a favor do Estado a fracção autónoma individualizada pela letra I, correspondente ao 4º andar direito do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua Fernão Magalhães, n.º ..., freguesia de Santa Engrácia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º 1360, da dita freguesia, a favor do arguido BB, inscrito na respectiva matriz sob o art. 366º - tendo-se ordenado a transferência da respectiva propriedade para o Estado Português.

2. Inconformados com o teor do acórdão, interpuseram recurso a assistente, “C... & M... – Construtores de Obras Públicas, S.A.”, o Ministério Público e o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra.
Acompanharam os recursos do acórdão final, vários recursos interlocutórios, todos interpostos pelo arguido: o primeiro da decisão proferida na 11.ª sessão da audiência de julgamento (em 08-02-2007), que admitiu a inquirição de CC na qualidade de co-arguido; um outro do despacho que anulou um anterior despacho que se tinha pronunciado sobre o pedido de aclaração do acórdão da 1.ª instância e, por último, o recurso do despacho que admitiu o recurso interposto pelo Ministério Público.

3. Por Acórdão de 18-02-2009, da 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra, foi decidido:
- Julgar parcialmente procedentes os recursos do acórdão final interpostos pela assistente e pelo MºPº, alterando a qualificação jurídica dos dois crimes de corrupção em que vem condenado para crimes de corrupção para acto ilícito p e p pelo art. 16º, nº 1 da Lei 34/87, bem como o crime de branqueamento de capitais, do art. art. 2º, n.ºs 1, al. a) e 2, do Dec. Lei n.º 325/95, de 02/12, e condenar o arguido AA pelo crime em que interveio CC, na pena de 3 (três) anos de prisão; pelo crime em que interveio DD, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; e pelo crime de branqueamento de capitais, na pena de 2 (dois) anos de prisão; (1)

- Reformular o cúmulo jurídico, por efeito da alteração das referidas penas parcelares, condenando o arguido AA na pena única (que engloba as penas assim definidas e as restantes penas aplicadas pelo acórdão recorrido), na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).
- Julgar totalmente improcedentes os três recursos interlocutórios interpostos pelo arguido AA;
- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido AA do acórdão final do Tribunal Colectivo.

3.1. Na sequência de pedido de aclaração formulado pelo arguido, foi proferido acórdão, indeferindo essa pretensão.

4. Mantendo-se inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, rematando a respectiva motivação com as conclusões ora transcritas:
B1: Nos termos do disposto no artigo 411.º-5 do Código de Processo Penal, o arguido requer a realização de audiência para a discussão dos seguintes pontos da motivação supra: aqueles positivados nas conclusões que seguem.
B2: O acórdão recorrido, pretendendo abranger também nesta expressão, nos termos da lei, aquele que foi proferido após ter sido requerida a respectiva aclaração, entendeu que o despacho proferido em audiência não merecia censura, além do mais, por ter dado guarida à pretensão do recorrente, inutilizando os efeitos da separação de processo, no que ao recorrente diz respeito, ouvindo aquele CC entre os estatutos possíveis previstos no CPP – na qualidade de que ao recorrente era, alegadamente, mais favorável. Ora,
B3: a separação de processos não pode ser tida em conta para uns efeitos e não para outros. Ou se verifica, ou não.
B4: De resto, ainda que do jeito pretendido no acórdão pudessem considerar-se as coisas, ficar-se-ia sem saber para que efeitos perdurou o processo (mal)dito “separado”. Por conseguinte,
B5: a uma correcta compreensão técnico-jurídico-processual não houve qualquer separação de processos, validamente determinada pela primeira instância, relativamente àquele agora em questão. Por outro lado,
B6: a separação de processos que facticamente ocorreu padece do vício da inexistência jurídica, por ter sido determinada por entidade incompetente para determiná-la, o Ministério Público, como decorre do artigo 30º-1 do Código de Processo Penal, uma vez que quando este sujeito processual a determinou o processo já se encontrava sob a alçada de um Juiz.
B7: Esta situação faz com que, tendo o Eng. CC mantido a qualidade de arguido ao longo de todo o processo, o mesmo se encontre ferido de nulidade insanável, desde o momento da suspensão provisória do processo, em virtude do disposto no art.º 30º-1, al. c) do Código de Processo Penal. É que
B8: tendo em conta a Acta compreender-se-á que CC não participou no processo enquanto arguido, e sim enquanto testemunha – qualidade que lhe foi “atribuída” pelo Ministério Público (e que manteve no decurso da audiência, até atrabiliariamente ser convertido em arguido) na pressuposição de que, quanto a ele, teria ocorrido válida separação de processos –, apenas tendo “ganho” a qualidade de co-arguido aquando da sua inquirição numa das Sessões da audiência julgamento de AA. Por outro lado,
B9: O referido Eng. foi arrolado pelo Ministério Público como testemunha e as actas demonstram que só passou a estar assistido por defensor a partir da Sessão da audiência na qual lhe foram tomadas declarações, de acordo com a sequência das testemunhas arroladas pelo Ministério Público na acusação. Ora,
B10: estas questões foram sediadas embora em termos diferentes no requerimento de aclaração do acórdão, mas aquele dito aclaratório não as considerou, delas fugindo, o que faz com que o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, também nesta ordem de ideias, seja nulo, nos termos da alínea c) do artigo 379.º-1 do Código de Processo Penal
B11: o mesmo vício tendo ocorrido por o mesmo aresto nada ter referido acerca da problemática relacionada com o artigo 32.º-1 da Constituição da República Portuguesa e das diversas alíneas do artigo 61.º do Código de Processo Penal, nos termos referidos supra, na motivação (pág. 7, in fine e 8, primeiras linhas). Face ao que vem de concluir-se
B12: precípuo se torna que o Eng. DD sendo arguido, nessa qualidade, se encontrava suspenso provisoriamente. Aliás, isso mesmo foi reconhecido, embora enviesadamente pela M.ma Presidente do Colectivo da 1ª instância, como mais detalhadamente consta de fs 9 da motivação supra. Ora,
B13: além do referido, também a este propósito o acórdão nada referiu o que acarreta a mesma nulidade da referida peça, já acima por duas vezes denunciada.
B14: Não é exacto que soçobre legitimidade ao recorrente para invocar uma nulidade insanável, como aquela decorrente da alínea c) do art. 119.º-1 do Código Penal que, de resto, como tal deveria ter sido oficiosamente declarada, do que o acórdão se eximiu; o que não pode deixar de acarretar a nulidade do mesmo, além de materializar a violação do disposto no artigo 32.º-3 da Constituição da República.
B15: Como a “separação de processos” foi determinada pelo Ministério Público e apenas formalmente homologada pela M.ma Juíza de Instrução Criminal, a suspensão provisória do processo quanto ao Eng. DD é inoperante, por estar inquinada do referido vício que lhe foi prévio.
B16: A injunção imposta a CC aquando da malfadada e juridicamente inexistente “separação de processos”, por usurpação de poderes é nula, por ferir a sua dignidade moral, através de uma autêntica coacção – o que é intolerável num Estado de direito – e, como tal, violar o disposto nos artigos 126.º-1 e 281.º-2, ambos do Código de Processo Penal, além do disposto no artigo 32.º-8 do diploma fundamental.
B17: Que o arquifalado Engenheiro era um arguido “sui generis” ou como acima melhor se terá chamado um “arguido suspenso provisoriamente dessa qualidade”, como decorrência legal da suspensão provisória do processo com que foi premiado, decorre do despacho de fs. 2231 (despacho saneador), de resto transitado. Por outro lado,
B18: a não se aceitar tudo ou parte do que tem vindo a referir-se, então ter-se-á de concluir, com FARIA COSTA, que “as declarações do Eng. CC enquanto co-arguido não podem ser valoradas enquanto meio de prova, por serem legalmente inadmissíveis. O que vem, afinal, a significar que todos os factos dados como provados com base no seu depoimento não poderão permanecer como factos dados como provados”
B19: o que, como oportunamente se verá, apresenta significado decisivo quanto à irritude da condenação do recorrente como autor de um crime de corrupção passiva, no que toca ao circunstancialismo fáctico atinente a tal Engenheiro.
B20: Quanto ao recurso interposto a fs. 5214 conclui o recorrente que feita a impetrada aclaração por um Juiz – embora, é certo, sem poderes para tanto – se esgotou o poder jurisdicional e a nova Ex.ma Julgadora que entretanto substituiu o seu Colega estava impedida de “reparar” o vício, dado que o mesmo foi suscitado pelo recorrente em sede recursória. Por conseguinte,
B21: materialmente, a M.ma Julgadora procedeu à aplicação do disposto no artigo 414.º-4 do Código Penal, o que lhe estava vedado, pois a faculdade aí referida apenas se aplica aos recursos de decisões interlocutórias proferidas antes da final. Como assim,
B22: é inválida a aclaração a que procederam os três Ex.mos Julgadores que compuseram o Colectivo e que teve lugar muito posteriormente, por a questão da “aclaração” anterior já ter sido devidamente atacada por meio de recurso. Porém,
B23: face a tudo o exposto e ante a confusão e anarquia processuais reinantes, cumpria ao recorrente quanto mais não seja por cautela de patrocínio, apresentar alegações de recurso, uma vez “reaclarado”, aliás abusivamente, o acórdão. Por outro lado,
B24: bem vistas as coisas a Relação não conheceu da parte do recurso atinente à matéria de facto, designadamente no que se refere ao depoimento da testemunha DD, do qual o recorrente se ocupou nas conclusões B16 a B18 e B24 do anterior recurso, as quais deviam ser tomadas em conta integradamente o que não sucedeu. Por isso,
B25: o acórdão desconsiderou o princípio do in dubio pro reo, ao considerar que o mesmo corporiza matéria de direito o que, salvo o devido respeito, não é exacto, tanto quanto é certo ser o mesmo unanimemente considerado um princípio geral do processo penal atinente à prova ou, se se preferir, aplicável no momento da valoração probatória.
B26: No que concerne as escutas telefónicas constantes dos autos que foram consideradas meios de prova atendíveis, são meros meios de obtenção da prova o que é coisa diferente. Com efeito,
B27: nos termos do art. 34.º-4 da Constituição da República a intromissão na correspondência privada só pode ter lugar nos termos da lei do processo penal
B28: lei do processo penal, entenda-se, que seja conforme àquele supra-legal o que não é o caso do disposto nos artigos 187.º ss do Código de Processo Penal, porquanto nos termos do art. 8.º da Convenção Europeia o referido meio de intrusismo só é válido no momento preventivo da criminalidade e, no caso, a intromissão ocorreu num momento já repressivo da mesma, pelo que o resultado das escutas, a poder ser considerado meio de prova, é inválido por violação do artigo 34.º-4 do Código de Processo Penal, quando interpretado à luz do artigo 8.º da Convenção Europeia. Mas o acórdão não merece censura apenas nesta vertente:
B29: ele é, outrossim, credor dela por não ter considerado a nova redacção do artigo 188.º do Código de Processo Penal a qual, relativamente à anterior constitui comando meramente interpretativo, nos termos do artigo 13.º do Código Civil. Na verdade,
B30: o actual artigo 188.º-6 do referido diploma circunscreve os casos, em si mesmo já muito discutidos no domínio da lei anterior e que foram objecto de desencontradas interpretações jurisdicionais, nos quais os suportes técnicos põem ser imediatamente destruídos. Ora,
B31: sub specie, pode e deve desde logo referir-se que o despacho do Juiz de Instrução que determinou a destruição imediata dos suportes técnicos, violou o dever de fundamentação decorrente do artigo 97.º do Código de Processo Penal e 205.º-1 da Constituição da República, pelo que é nulo. Por outro lado,
B32: afora os estritíssimos casos referidos no já falado artigo 188.º-6 do Código de Processo Penal – norma de cariz excepcional, quando considerada face ao critério de classificação das normas jurídicas no tocante ao âmbito ou extensão da hipótese – os suportes magnéticos devem ser guardados nos termos dos nºs 11, 12 e 13 do artigo 188.º do Código de Processo Penal
B33: o que não sucedeu na hipótese dos autos, pelo que as referidas normas foram violadas, não podendo ser admitidos como meios de prova válidos aqueles que por força do entendimento contrário constam de suportes magnéticos (ou das respectivas transcrições) sendo que aqueles foram imediatamente destruídos
B34: o que conduziu à inconstitucionalização do artigo 188.º, na actual ou anterior redacção, por violação das garantias de defesa asseguradas pelo artigo 32.º-1 do diploma fundamental. Logo,
B35: ao não atentar neste aspecto das coisas e ao considerar válidos os meios de prova provenientes de escutas telefónicas cujos suportes magnéticos foram imediatamente destruídos, foram violados não só os comandos do nºs 11, 12 e 13 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, como o artigo 32º- 1 d a Constituição. Acresce a tudo isto que
B36: a condenação do arguido pela prática de dois crimes de corrupção passiva para acto lícito se baseia, como já referido acima, numa assunção probatória processualmente inquinada, não podendo subsistir e devendo o acórdão recorrido ser revogado para que a Relação profira outro no qual, agora à luz do direito escorreito, julgue como melhor entender, uma vez que aquele julgamento a que procedeu violou os artigos 16.º e 17.º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. Por outro lado,
B37: a condenação pelo peculato foi-o sem factos cujo apuramento seria decisivo para poder afirmar-se a respectiva fatispecie, quanto ao elemento subjectivo do delito previsto e punido pelo artigo 20.ºda Lei n.º 34/87, de 16 de Julho
B38: razão pela qual este último comando foi violado o que só pode determinar a anulação do acórdão recorrido para que a Relação, em vista do exposto, profira novo, desta feita tomando em conta a referida vertente subjectiva do delito ou proceda à anulação do julgamento reenviando o processo para a 1ª instância, a fim de que a mesma supere a mencionada lacuna
B39: dado que, face ao exposto, também a este propósito o acórdão incorreu na violação do disposto n alínea c) do art. 379.º-1 do Código de Processo Penal. Por outro lado,
B40: e no que concerne ao crime de abuso de poder – artigo 26.º-1 da já falada Lei n.º 34/87, de 16 de Julho – é elemento do tipo um dolo específico ou intenção, como, de resto, também já entendeu esse Supremo Tribunal no acórdão melhor identificado na motivação. Ora,
B41: como os factos dados por provados não permitem a afirmação deste dolo específico, resultou violado o disposto no artigo 20.º-1 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho. Por isso,
B42: ou V. Ex.as, salvo melhor entendimento, dando provimento a este recurso absolvem já o recorrente da prática do assinalado delito, ou procedem à anulação do acórdão – alínea c) do artigo 379.º-1 do Código de Processo Penal – para que a Relação, se entender poder fazê-lo, amplie a matéria de facto.
B43: E no que respeita o crime de branqueamento, atento o cariz subsidiário do mesmo, não podendo subsistir, como se julga ter demonstrado, nem a corrupção, nem o peculato, o abuso de poderes terá forçosamente, também, de “cair”
B44: da mesma forma ou semelhantemente devendo ser consideradas as coisas quanto à sanção acessória de proibição de exercício de função.

5. O Ministério Público junto do Tribunal a quo finalizou a sua resposta do seguinte modo:
1. – Tendo o acórdão recorrido, do Tribunal da Relação (fls. 6290 a 6494), confirmado integralmente a decisão da 1ª Instância, de fls. 4585 a 4706, no que concerne à qualificação jurídica e penas aplicadas, em relação aos crimes de peculato, abuso de poder e branqueamento de capitais, bem como em relação à sanção acessória de proibição de exercício de cargos públicos e à perda de um imóvel a favor do Estado Português, há dupla conforme parcial em relação a essa parte dos acórdãos recorridos.
2. – Tendo o acórdão recorrido confirmado igualmente as decisões da 1ª Instância, relativas a recursos de despachos interlocutórios, que foram julgados improcedentes, pode considerar-se igualmente estarem essas questões definitivamente decididas, não havendo recurso para o S.T.J. em relação às mesmas;
3. – As questões a apreciar deverão ser, pois, as relativas à diferente qualificação jurídica, no que concerne aos crime de corrupção passiva, e ao agravamento das penas em relação aos 2 crimes de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pe.p art. 16º da Lei nº 34/87, de 16/7;
4. – Tal subsunção jurídica dos factos ao direito foi correcta e igualmente correctas foram as penas parcelares e a pena única aplicadas, bem como a sanção acessória e a declaração de perda do imóvel a favor do Estado Português.
5. – O douto acórdão recorrido não padece de falta de fundamentação, insuficiências, erro de apreciação ou qualquer irregularidade ou nulidade (omissão de pronúncia ou outras);
6. – A pretensão do Recorrente carece de fundamento, pelo que deve ser julgada improcedente e negado provimento ao recurso;
7. – O douto acórdão recorrido é correcto, não violou qualquer dispositivo legal, nem os direitos de defesa do arguido, pelo que, não merecendo censura, deve ser mantido e confirmado nos seus precisos termos.
6. Neste Supremo Tribunal, o Ministério Público teve vista dos autos.
A requerimento do arguido, na qualidade de candidato nas últimas eleições autárquicas, os termos do processo ficaram suspensos por decisão do relator até à publicação dos resultados para essas eleições.

7. Colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência de julgamento, requerida pelo recorrente, tendo alegado oralmente o Ministério Público e a defensora oficiosa.


II. FUNDAMENTAÇÃO
8. Matéria de facto proveniente das instâncias:
8.1. Factos dados como provados:
I
1. O arguido AA cumpriu dois mandatos como Presidente da Câmara de ..., o primeiro iniciado em Janeiro de 1994 e com termo em Dezembro de 1997, e o segundo com início em Janeiro de 1998 e termo em Dezembro de 2001, tendo sido proposto aos actos eleitorais que, respectivamente, precederam o seu empossamento no cargo, pelo Partido Socialista.
2. Em Janeiro de 2002 iniciou um terceiro e último mandato – proposto desta feita pelo Movimento Partido da Terra (MPT) – que não chegou a concluir, em virtude de em 4 de Abril de 2002 ter pedido a sua suspensão, já no decurso do presente inquérito.
3. No seu segundo exercício como Presidente da Câmara, o referido arguido não procedeu à distribuição de pelouros pelos restantes vereadores que compunham o elenco camarário, a saber, o Eng. EE e FF, ambos eleitos pelo mesmo partido (MPT), o Dr. GG e o Dr. HH, eleitos pelo Partido Social Democrata.
4. Ao invés – e contra a fórmula mantida durante o mandato anterior (distribuição de pelouros) -, para além de uma mera atribuição verbal de funções na área das obras particulares em relação ao vereador Eng. EE, ocorrida logo na reunião camarária de 7.1.98, aquele arguido optou por concentrar em si todas as restantes tarefas autárquicas.
5. Na veste de Presidente da Câmara, desde cedo que AA começou a demonstrar o seu gosto e apetência pelo poder, colocando-o muitas vezes ao serviço dos seus interesses pessoais, mormente de conteúdo patrimonial.
6. No caso de alguns funcionários da Câmara Municipal que se opuseram ou não apoiaram os seus desígnios, exerceu sobre eles represálias, como a deslocação para actividades de conteúdo funcional menos qualificado ou exercido em inferiores condições de logística, ou colocando-os em funções nos demais serviços dependentes ou relacionados com a Câmara Municipal de ..., como a Empresa Municipal de ..., a Fundação de ... e a Associação para o Desenvolvimento do Concelho de ....
7. Nenhum departamento administrativo se encontrava imune aos seus desígnios, sobre eles impondo a sua autoridade, a despeito de quem os chefiava, e para além ou contra a própria lei.
8. Atitude que, aliás, se generalizava às reuniões do executivo da Câmara onde, aliado ao constante desrespeito e desprezo pelos vereadores da oposição, o arguido contava sempre com o silêncio cúmplice dos seus co-partidários, a quem, de resto, não permitia que tivessem voz activa.
9. O arguido contava ainda com fiéis seguidores ou apoiantes, relativamente aos quais tributava confiança por razões profissionais – como II, a Arquitecta JJ, então chefe de divisão das obras municipais, e Drª LL, à data chefe de divisão financeira, que entraram como funcionárias da Câmara Municipal em Janeiro de 1999 e em data não apurada de 1996, sob a Presidência do arguido –, seja por razões pessoais, como a Eng. MM, chefe de divisão de obras particulares, admitida na Câmara Municipal em 1997, e com quem AA veio a viver maritalmente desde Maio de 2001 a Fevereiro de 2002, e a Drª. NN, então técnica do departamento jurídico, com quem veio a casar em 1997 – sendo que, relativamente às duas últimas, razões de ordem pessoal estiveram ainda na base da confiança que o arguido nelas depositou.
10. Mais tarde, tanto a Engª. MM como a Arquitecta JJ vieram a integrar o gabinete do presidente AA, como secretárias de direcção, gabinete que desde então passou a ser chefiado pela Dra. NN.
11. A intervenção directa do arguido AA na selecção e admissão do pessoal administrativo era, por via de regra, determinada em função dos seus interesses de controlo e afirmação do seu poderio.
12. Desde o momento em que assumiu a Presidência da edilidade, e enquanto nela permaneceu, para além das situações constantes dos factos provados, desenvolveu uma postura de promíscuo relacionamento com os empreiteiros – candidatos a obras postas a concurso pela Câmara Municipal –, sendo frequente solicitar-lhes dinheiro a pretexto de contributos para festas locais, para manifestações desportivas ou, ainda, para seu gozo e uso pessoal (nos termos expostos a seguir).
A)
13. Tendo em vista melhorar os acessos a ..., remodelar a rede de saneamento básico e redefinir o novo perímetro urbano da vila, em 13.3.99 (v. fls. 88 e ss. – Ap. 26) a Câmara Municipal de ... lançou o concurso público denominado “Variante a .... Iluminação e Colector de Cintura (1ª fase)” – de ora em diante a designar abreviadamente por “Variante...” .
14. O respectivo preço base era de 582.210.112$00, sem IVA, e o prazo da obra ascendia a 450 dias.
15. Apresentaram-se ao concurso sete empresas, entre as quais duas firmas da zona interior: "OO, SA", sedeada em Seia, e “C...& M... – Construtores de Obras Públicas, L.da”, com sede em Trancoso.
16. Em 11 de Agosto de 1999, na sessão pública da Câmara Municipal de ..., sob a presidência do arguido e com a participação dos vereadores HH e EE, foram abertas as propostas e os invólucros contendo os documentos e, no seguimento da sua análise formal, todas as firmas concorrentes foram admitidas, tendo sido ainda deliberado que os serviços técnicos da Câmara Municipal procedessem ao seu estudo.
17. Elaborado o respectivo relatório em 10.11.99, a Câmara voltou a reunir em sessão pública no dia 19 de Novembro desse mesmo ano, sempre sob a presidência do arguido e com a participação dos vereadores EE, HH e GG.
18. Com fundamento no seu conteúdo e respectivas conclusões, a Câmara Municipal deliberou admitir as propostas apresentadas pelas firmas "OO, SA" (uma principal e duas condicionadas) e “C...& M... – Construtores de Obras Públicas, L.da” (uma principal e uma condicionada), e excluir as restantes.
19. Mais deliberou ser sua intenção adjudicar a empreitada à firma "OO, SA", ao que se veio a opor por escrito aquela segunda empresa.
20. Sob parecer dos serviços técnicos redigido em 21 de Dezembro de 1999, a Câmara Municipal, em reunião ordinária de 22 de Dezembro de 1999, presidida pelo arguido AA e com a participação dos vereadores EE e FF, indeferiu a reclamação da “C...& M... – Construtores de Obras Públicas, L.da” e adjudicou definitivamente a empreitada à "OO, SA", pelo preço 490.463.981$00 (Proposta condicionada II).
21. A 21 de Janeiro de 2000 foi assinado o contrato de empreitada pelas partes intervenientes – AA, em representação da Câmara Municipal de ..., e CC, na condição de representante da firma "OO, SA".
22. A 3 de Março de 2000 foram consignados os trabalhos à firma vencedora.
23. O Eng.º FF é, como o era à data dos factos em questão, Presidente do Conselho de Administração da empresa "OO, SA".
24. Em 1997, o Eng.º CC veio a travar conhecimento, e pouco tempo depois a admitir, a já atrás aludida Dr.ª NN como funcionária de uma outra empresa sua – a “M...”-, relação de trabalho que terminou por alturas de finais de 1998.
25. Candidato habitual a empreitadas públicas, necessitava de obter vencimento no concurso que vimos relatando, para se poder alcandorar à elevação oficial do valor do alvará da empresa que administra e assim participar em concursos de maior vulto económico.
26. A outra firma concorrente, “C...& M... – Construtores de Obras Públicas, L.dª”, muito embora ainda não fossem conhecidos e nem sequer estivessem perfeitos os resultados do concurso, já assumia publicamente o seu vencimento, preparando os futuros trabalhos - quer investindo em equipamentos (escavadoras e material de transporte), quer fazendo consultas a fornecedores (pré-fabricado de betão e electricidade).
27. O Eng.º CC estava bem ciente de que a última palavra em matéria de adjudicação da obra dependeria sempre da vontade do então Presidente da edilidade.
28. A empreitada veio a ser adjudicada à firma que representava, a "OO, SA", como já se referiu.
29. Em finais de Março ou início de Abril de 2000 (cerca de um mês depois de iniciados os trabalhos), o arguido AA interpelou o Eng.º CC, dizendo-lhe que “estava a ganhar muito dinheiro”, e que “tinha de ajudar os amigos, com 50.000 contos...”.
30. Voltando o arguido AA a repetir idêntica solicitação noutras ocasiões, quando na obra encontrava o Eng.º CC, negando este estar a ganhar muito dinheiro.
31. Para fundamentar tal asserção, este entregou ao arguido AA uma segunda proposta respeitante ao concurso da “Variante... “, elaborada pelos serviços técnicos da sua firma, contendo valores mais elevados, mas que não chegara a utilizar, pretendendo através do seu conteúdo comprovar que não iria ganhar muito dinheiro.
32. Entretanto, a empresa do Eng.º CC foi facturando os trabalhos que ia realizando, e quando encontrava o arguido AA, aquele solicitava-lhe o pagamento dos trabalhos facturados e aprovados.
33. Tratando-se de uma empreitada por série de preços, os pagamentos ao empreiteiro processar-se-iam de acordo com a aplicação periódica dos preços unitários aos trabalhos de cada espécie executados (cf. arts. 17 e 20 do Decreto-Lei 405/93, de 10.12), no prazo de trinta dias contados desde a elaboração dos respectivos autos de medição mensalmente efectuados (cf. art. 110. 1. j., 182, 185 e 187 do mesmo diploma, e cláusula 3ª do contrato de empreitada).
34. Todavia, nunca os pagamentos foram realizados de acordo com o calendário estabelecido.
35. Acresce que logo no início da obra, em Março de 2000, houve necessidade de realizar trabalhos a mais não previstos no caderno de encargos (formalizados apenas em 12.12.2000, através de celebração de contrato adicional – fls. 1463) como terraplanagens, drenagem e montagem de equipamentos de segurança, que originaram despesas que, no final de Junho, ascendiam ao montante de 880.828,92 €.
36. Em Julho de 2000, perante nova solicitação de pagamento por parte do Eng.º CC, o arguido AA respondeu-lhe que “como não ajudava os amigos, não tinha dinheiro para pagar, porque não recebia do IEP”, dando a entender ao Eng.º CC que nada lhe seria pago caso não lhe entregasse dinheiro, que assim o percebeu, retorquindo a AA que se a Câmara Municipal lhe pagasse, lhe arranjaria algum dinheiro.
37. O arguido AA voltou a falar com o Eng.º CC, lembrando-lhe que teria de ajudar os amigos, ao que o segundo respondia repetidamente que como nada lhe era pago, também nada podia entregar-lhe.
38. Ainda naquele mês de Julho de 2000, posteriormente às conversas atrás referidas, o Eng.º CC afirmou ao arguido AA que lhe pagaria algo, caso a sua empresa recebesse os pagamentos.
39. Assim, no final desse mês de Julho de 2000, a “FF, SA” recebeu o pagamento parcial dos primeiros 3 autos de medição, relativos aos meses de Março, Abril e Maio de 2000, no montante de 49.651.056$00 (não tendo sido pagos pela Câmara Municipal os trabalhos a mais entretanto realizados).
40. Nessa data, havia já sido remetido e aprovado o auto de medição dos trabalhos realizados em Junho de 2000, no valor de € 143.094,26, quanto a trabalhos já contratados.
41. Convencido de que nada mais lhe seria pago caso não cumprisse o que anteriormente havia prometido ao Presidente da Câmara Municipal, o Eng.º CC procedeu ao levantamento da sua conta particular na CGD n.º 18427.730 do montante de 20.000.000$00, através do cheque com o n. ... (cf. fls. 259 e 276 - Ap. 20), com intenção de pagar parcialmente ao arguido AA.
42. Em dia não determinado de final de Agosto ou início de Setembro de 2000, combinaram encontrar-se junto às obras que a "OO, SA" andava a executar por conta da Câmara Municipal de ... na futura Pousada de Linhares da Beira, e aí o Eng.º CC entregou a AA 10.000.000$00 em papel moeda, que este último recolheu e tomou para si, integrando-os no seu património.
43. Semanas antes do Natal desse ano, e como a Câmara Municipal nada mais havia pago à “FF, SA”, o Eng.º CC foi uma vez mais falar com o arguido AA, solicitando-lhe o pagamento das facturas já emitidas e aprovadas relativas a trabalhos realizados.
44. Respondeu-lhe este que não tinha dinheiro, e que o Eng.º CC continuava “sem se lembrar dos amigos”, querendo com isso significar que não lhe tinha entregue mais dinheiro.
45. Eivado do propósito de obter de AA o pagamento das restantes quantias devidas à sua empresa e convencido de que este mais lhe retardaria os pagamentos se persistisse em não entregar mais qualquer quantia, próximo do Natal desse ano procurou-o no gabinete que este fruía na Fundação de ... e entregou-lhe mais uma verba de 5.000.000$00, em notas do Banco de Portugal, provenientes do levantamento atrás aludido, que o arguido recebeu e fez sua, integrando-a no seu património.
46. Nessa data, o arguido AA entregou-lhe um cheque da Câmara Municipal para pagamento de mais alguns trabalhos já facturados.
47. Prosseguindo na mesma senda e sempre com os pagamentos em atraso, o arguido AA ia respondendo ao Eng.º CC, quando este lhe solicitava o pagamento dos trabalhos realizados, que não tinha dinheiro, e que o Eng.º CC não se lembrava dos amigos, com o objectivo de o obrigar a entregar-lhe mais pecúnia.
48. Este, precisando de dinheiro para satisfazer compromissos financeiros da sua firma, em dia incerto de Março ou Abril desse ano combinou uma vez mais com o primeiro encontrar-se nas próprias obras da Variante, e aí entregou-lhe mais uma parcela de 10.000.000$00, parcialmente composta pelo dinheiro sobrante do levantamento bancário atrás mencionado, que o arguido AA recebeu e fez sua, integrando-a no seu património.
49. Acresce que em Agosto de 2001 o arguido AA ainda insistiu com o Eng.º CC para que ele lhe entregasse mais dinheiro, o que este negou, afirmando-lhe que a obra estava a dar prejuízo.
50. Por essa altura ainda lhe faltava receber um total acumulado de 1.963.081,88€; todavia, nada mais lhe veio a dar e também pouco mais veio a receber por conta da obra.
B)
51. Esta forma de actuar do arguido AA não era inédita, uma vez que já no decurso do ano de 1997 assumira representação similar, por ocasião do concurso tendente à adjudicação da obra relacionada com a realização da “Estrada de Celorico Gare/Forno do Telheiro/Espinheiro”, levado a cabo pela Câmara Municipal de ....
52. A obra veio a ser adjudicada em 24.1.97 à “... e Filho, L.dª”, representada por DD, e, uma vez efectuada a respectiva escritura em 12.2.97, foram-lhe entregues os trabalhos por via do respectivo auto de consignação de 30.4.97.
53. O arguido AA, no decurso dos trabalhos – perante a existência de vários autos de medição já efectuados e não pagos –, e numa altura em que a Câmara Municipal se encontrava na situação de devedora de cerca de 20.000.000$00, abordou o DD e solicitou-lhe uma quantia entre 2.000.000$00 e 4.000.000$00.
54. Deparando com uma primeira recusa, o arguido não ordenou o pagamento do devido à firma construtora, vindo mais tarde a insistir no pedido, perante o qual DD, convencido de que nada lhe seria de imediato entregue por conta do preço dos trabalhos realizados, acedeu em lhe entregar a quantia de 1.000.000$00 ou 2.000.000$00.
55. Porém, não tendo a intenção de lhe fazer entrega de soma alguma, aguardou a oportunidade e, quando foi chamado à Câmara Municipal pelo arguido AA a fim de ser pago pelos trabalhos, apresentou-se no seu Gabinete munido de um cheque previamente preenchido de forma deliberadamente irregular: no local próprio continha o valor de 1.000.000$00 ou 2.000.000$00, em numerário, mas, em contrapartida, no extenso, fez constar “duzentos mil escudos” ou “cem mil escudos”, entregando-lho dobrado de forma a dificultar uma sua leitura imediata.
56. De soslaio, o arguido AA mirou a quantia, guardou o cheque e, por sua vez, entregou-lhe um outro da Câmara Municipal.
57. DD abandonou de imediato o gabinete do Presidente da Câmara Municipal, vindo contudo a ser interpelado pelo arguido que, entretanto, se apercebera da artimanha, mas não lhe concedeu mais atenção.
58. Nas duas situações acabadas de descrever, o arguido AA actuou sempre na condição de Presidente da Câmara de ..., qualidade da qual tinham pleno e suficiente conhecimento quer o Eng.º CC, quer DD.
59. Todos estavam cientes de que, ao actuar no exercício das suas superiores funções autárquicas, não era devida ao arguido AA qualquer outra forma de retribuição para além daquela que oficialmente auferia e lhe era atribuída pelo Estado.
60. Ao insinuar-se perante os dois empresários – pela forma descrita –, com o intuito vincado de receber as prometidas quantias, o arguido AA não satisfez os pagamentos quer à "OO, SA", quer à “... & Filhos, L.dª”, correspondentes aos respectivos autos de medição dos trabalhos realizados (no primeiro caso, já formalmente contratados) em execução das empreitadas, nunca cumprindo o prazo legal e contratual de trinta dias (cf. art. 193º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei 405/93), para, a partir dessa omissão legal e contratual, pressionar quer o Eng.º CC quer DD ao pagamento das quantias prometidas (os 50.000 contos, num caso, e 4.000 ou 2.000, no outro).
61. E só cedendo a tais pressões (na aparência quanto ao DD) é que ambos obtiveram satisfação parcelar das quantias a que tinham direito, sabendo bem o arguido AA que o cumprimento atempado do plano de pagamentos não dependia da observância de qualquer outra conduta ou atribuição de valores patrimoniais, tais como aqueles a que o Eng.º CC ia procedendo, bem como ao que o DD simulou vincular-se.
II
62. O arguido AA fez ingressar no seu património, pela forma acabada de descrever, a quantia de 25.000.000$00 entregue fraccionadamente em notas do Banco de Portugal.
63. Quis porém camuflar estes ganhos marginais, fruindo-os sem manifestar nem alardear publicamente a sua posse e propriedade, ciente de que a utilização em seu benefício despertaria suspeitas na comunidade por evidenciar dispêndios não compatíveis com o estatuto remuneratório decorrente da sua condição de autarca, cujo exercício representava a sua única fonte de rendimentos.
64. Por outro lado, pretendia pôr a bom recato tais proventos, ou quaisquer outros bens que deles viessem a resultar, assim visando não só ocultar a sua proveniência, como também acautelar as consequências de eventual acção investigadora das instâncias formais de controlo, iludindo a respectiva actividade probatória.
65. Para esse efeito, veio a contar com a colaboração activa dos restantes arguidos, todos seus familiares próximos, a saber, as irmãs QQ e RR, respectivos maridos SS e TT, e ainda o sobrinho, filho dos primeira e terceiro, UU.
66. Desse modo, aliado a outros proventos de origem não esclarecida, e em diferentes datas, entregou às irmãs e aos cunhados quantias monetárias em espécie, entre as quais se encontrava pelo menos parte do montante de 25.000.000$00 acima referenciado, recebido em dinheiro vivo.
67. Os 2º a 5º arguidos depositaram em numerário as seguintes quantias, de acordo com o seguinte escalonamento:

DataB BancoContaTitularesReferência documentalValor
21.8.00BBNC...TT/RRApenso 4 – f. 35 e 568.000.000$00
21.9.00BBNC...TT/RRApenso 4 - f. 36 e 572.000.000$00
11.12.00BBIC...RR/SS Apenso 5 - f. 62.500.000$00
11.12.00BBIC...RR/SSApenso 5 - f. 61.930.000$00
11.12.00BBNC...TT/RRApenso 4 – f. 38 e 582.100.000$00
10.1.01NNR...TT/RRApenso 185.010.000$00
17.4.01BBNC...TT/RRApenso 4 – f.40 e 592.500.000$00
18.4.01NNR...TT/RRApenso 182.000.000$00
8.5.01BBNC...TT/RRApenso 4 – f. 40 e 6014.935.000$00
4.6.01BBCP...QQ/RRApenso 182.000.000$00

cuja soma perfaz o montante total de 42.975.000$00.
68. Algumas das quantias acima referidas pertenciam ao arguido AA, e provinham pelo menos parcialmente das entregas efectuadas pelo Eng.º CC, acima referidas, designadamente a quantia de 15.000.000$00, entregue pelo arguido AA aos arguidos TT e RR, por estes depositada fraccionadamente na sua conta do BNC.
69. Por outro lado, todas as quantias depositadas na conta bancária do BCP titulada pelas arguidas QQ e RR eram pertença do arguido AA.
70. Em Março ou Abril de 2001, em conversa trivial mantida com o Eng. VV, id. fls. 415, durante um almoço na Carrapichana, veio AA a saber que este dispunha de um andar para venda, registado em nome de sua filha XX, situado numa zona antiga de Lisboa, mais propriamente na Av. Fernão de Magalhães, nº ..., freguesia da Santa Engrácia.
71. Logo o arguido manifestou interesse no apartamento e afirmou pretender visitá-lo, na perspectiva de o adquirir para si.
72. A concretizar essa operação, logo nela entrevia um meio seguro de investir os ganhos obtidos através dos actos de suborno supra relatados; um meio, de resto, não só seguro como discreto, se no negócio figurasse simuladamente como comprador do apartamento o seu sobrinho UU.
73. Este aceitou figurar como comprador no contrato, com o conhecimento dos restantes arguidos.
74. Cerca de um mês depois da data referida em 70, o arguido AA e o Eng. VV discutiram e acertaram as particularidades do negócio, antecedidas de uma visita ao andar, que teve lugar em 21 de Maio de 2001.
75. O arguido AA visitou uma segunda vez o imóvel, na companhia do arguido UU, tendo nessa altura informado o Eng. VV que seria o sobrinho a figurar como comprador do andar e a intervir na escritura de compra e venda.
76. Uma vez ajustado o preço do imóvel, no montante global de 28.000.000$00, a 25 de Junho de 2001 o arguido AA, acompanhado do arguido UU, encontrou-se com o Eng. VV na residência deste, em Lisboa, levando consigo a quantia correspondente ao pagamento de parte do preço em dinheiro, conforme anteriormente proposto pelo arguido AA.
77. Este entregou ao Eng.º VV, nessa mesma ocasião, uma pasta contendo 12.000.000$00 em notas bancárias, e ainda um cheque com o n.º ..., emitido sobre a conta n. ..., em depósito no BNC, titulada pelos co-arguidos TT e RR, no valor de 4.000.000$00 (fls. 41 – Ap. IV).
78. Foi celebrado nesse dia contrato promessa de compra e venda, nele figurando o UU como promitente-comprador, e como preço do apartamento a quantia de 28.000.000$00 (Ap. 22 – fls. 4/10).
79. Em 27.7.01 o arguido UU e XX outorgaram escritura pública de compra e venda em Lisboa, por via da qual o primeiro assumiu a propriedade do apartamento consistente do 4º andar direito do prédio urbano sito em Lisboa, na R. Fernão de Magalhães – n.º ..., freguesia de St.ª Engrácia, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o n.º 1360, e inscrito na matriz sob o art. 366º, pelo preço de 12.000.000$00.
80. Na mesma data, a arguida QQ, mãe do UU, entregou ao Eng. VV dois cheques, por conta do preço, nos valores de, respectivamente, 11.000.000$00 – titulado pelo cheque n.º ..., sobre a conta ..., em depósito no BNC, em nome dos co-arguidos TT e RR (fls. 42 – Ap. IV) – e 1.000.000$00 – titulado pelo cheque n.º ..., sobre a conta ..., em depósito no BCP, em nome das co-arguidas QQ e RR (fls. 53 – Ap. XXII).
81. Apresentados os cheques a pagamento foram estes cobrados, guardando a vendedora o respectivo valor.
82. Todas as quantias entregues ao Eng. VV, quer os 12.000 contos entregues em numerário por AA, quer as restantes oriundas também deste e facultadas através das contas bancárias referidas, provinham parcialmente dos 25.000 contos recebidos das mãos do Eng.º CC, nas circunstâncias atrás relatadas.
83. Foi, no entanto, o arguido AA o verdadeiro comprador do andar, pelo que é o seu real proprietário, tendo a intenção de fruir todos os proveitos dele advenientes.
84. Tendo sido, de resto, ainda ele quem mandou efectuar as respectivas obras de reparação e de restauro à sua custa, no seu interesse e segundo a sua vontade, muito embora o cunhado e ora arguido TT tenha figurado como responsável e como representante do sobrinho UU, seu aparente mandante.
85. Acresce que nunca qualquer um dos arguidos integrante das famílias P... (QQ e SS) e F... (RR, TT e UU) tem - e jamais teve - proventos materiais que lhes permitissem adquirir um imóvel com as características do acima referido ou de viabilizar um empréstimo pessoal (TT/RR aos pais do UU) para esse efeito.
86. Nem, por outro lado, os respectivos encargos mensais lhes permitiriam o avolumar das verbas monetárias depositadas regularmente – e em numerário - em contas pessoais de cada um dos casais ou das irmãs do AA, tendo em conta os afazeres profissionais de cada um dos respectivos membros.
87. O arguido AA utilizou a conta bancária titulada pelos co-arguidos, seus familiares RR e TT, acima indicada (BNC), com o fito, aliás concretizado, de nelas ocultar as somas que, a final, foram utilizadas na aquisição do andar sito em Lisboa, sabendo que assim camuflava a sua posse e propriedade suspeitosas; sabia também que ao adquirir o referido andar, com a intermediação consciente do sobrinho e arguido UU, na condição de aparente comprador, completava o circuito, tornando na aparência lícito o negócio celebrado com dinheiro parcialmente resultante da prática de crime de corrupção.
88. RR e TT disponibilizaram a AA as suas contas bancárias pessoais (conjuntas entre ambos, ou também da primeira com a irmã QQ) pelo menos para lhe propiciarem a ocultação de quantias a este pertencentes.
89. Sabiam que o dinheiro entregue ao pai da vendedora do apartamento, proveniente daquelas referidas contas, pertencia ao arguido AA, o que não os impediu de para tanto terem emitido cheques sobre elas como forma de, sob a capa de empréstimo, ser concretizada a compra e venda, e assim permitirem que AA acedesse dissimuladamente à propriedade do imóvel.
90. Sempre imbuído do mesmo propósito, o arguido TT conduziu as obras de restauro do apartamento, fazendo-o como se fora em representação do sobrinho UU.
91. UU anuiu à vontade do tio AA permitindo que figurasse no negócio de compra e venda do apartamento como seu verdadeiro adquirente, dessa forma ocultando aquele como o real proprietário, bem como participando nas negociações conducentes à sua aquisição.
92. QQ e SS permitiram e incentivaram o filho UU a colaborar pela forma descrita, tendo a QQ colaborado na realização do negócio comparecendo à celebração da escritura de compra e venda do andar, onde entregou ao vendedor um cheque emitido sobre uma sua conta conjunta com a irmã e um segundo emitido por esta última e cunhado, sabendo que esse dinheiro pertencia ao seu irmão, o arguido AA.
93. Todos, de resto, se conjugaram no sentido de publicamente revelarem que a soma despendida pela aquisição da casa viera a resultar de um empréstimo efectuado pelo casal TT/RR ao casal SS/QQ que, por sua vez, muito embora a pagassem, a destinariam de imediato ao filho UU; assim, agiram com o fito de ocultar ter o apartamento sido comprado pelo arguido AA.
III
94. A actuação do arguido AA, na e durante a presidência da Câmara Municipal de ..., foi caracterizada pela total concentração de poderes na sua pessoa, impondo a sua vontade sobre todos os vereadores e funcionários da autarquia.
95. A área financeira – rectius, a Divisão de Gestão de Recursos Financeiros, doravante a designar abreviadamente por DGRF - não se encontrava imune a esta atitude, sendo ele quem determinava todos os pagamentos a efectuar pelos cofres autárquicos, quer fossem justificados pelo interesse público, quer fossem no seu interesse particular.
96. Tratando de assumir uma conduta de enriquecimento pessoal em detrimento dos interesses patrimoniais da Câmara Municipal, cuja salvaguarda lhe estava atribuída por força das suas funções, enveredou por ordenar pagamentos em seu proveito de ajudas de custo, em simultâneo com reembolsos por despesas mantidas por ocasião das mesmas viagens, ou ainda em simultâneo com a realização de viagens antecipadamente pagas pela Câmara Municipal, em contrário do disposto pelo art. 11. 1., da Lei 29/87, de 30.6, conjugado com o disposto pelos art(s). 1. e 9., do Decreto Lei 106/98, de 24/4 (ajudas de custo em território nacional) e 2. 1. a. e b., do Decreto Lei 192/95, de 28.7 (a/c no estrangeiro); e, por outro lado, a ordenar também em seu proveito o reembolso de quantias várias por si despendidas na aquisição de bens e serviços de natureza pessoal, através do uso indevido que frequentemente fazia através da reposição de verbas do Fundo Permanente da Câmara Municipal (cf. art. 30., do Decreto-Lei 341/83, de 21.7).
1.
97. Durante a sua presidência – pelo menos a partir de 1998 – veio a realizar várias viagens a países estrangeiros.
98. Todavia, veio a ser compensado monetariamente, ordenando que fosse abonado com atribuição de verbas a título de ajudas de custo por despesas mantidas com alojamento e refeições nos respectivos países de destino, e ordenando do mesmo passo à DGRF que lhe fossem processadas e pagas através do mencionado Fundo Permanente as despesas efectuadas com a estadia nos hotéis, apresentando para tanto os respectivos recibos ou facturas.
99. Noutras situações, ordenou que lhe fossem processadas ajudas de custo, cujos montantes recebeu, apesar de a deslocação e estadia se encontrar antecipadamente paga pela autarquia. Concretizando,
100. a) Entre 13 e 18 de Abril de 1999 realizou uma viagem à Holanda, a qual foi paga pela Câmara do Comércio Portugal/Holanda pelo valor de 540.000$00; não obstante, ordenou aos serviços financeiros da Câmara Municipal que lhe fossem atribuídas ajudas de custo (Boletim 2202) pelo valor total de 121.254$00, processadas à razão de 5 dias a 100% e 1 dia a 50% (cf. fls. 40/44 – Ap. 32);
101. b) Entre 2 e 13 de Junho de 1999 realizou uma viagem aos EUA, acompanhado de outros funcionários autárquicos, tendo no regresso apresentado ao Fundo Permanente os recibos emitidos pelos hotéis onde ficou, o Holiday Inn e o Providence, para reembolso das respectivas despesas por si sustentadas (incluindo não só o valor da estadia, como outras despesas de que falaremos adiante), no total de 771.000$00, valor que ordenou lhe fosse pago, como foi; mais ordenou que lhe fossem atribuídas ajudas de custo (Boletim 3571) pelo valor total de 254.065$00, processadas à razão de 10 dias a 100%, 1 dia a 50% e 1 dia a 25% (estrangeiras) e mais 1 dia a 25% (nacional) (cf. fls. 26/30 – Ap. 32);
102. c) Entre 27 de Abril e 7 de Maio de 2000, realizou uma viagem ao Brasil, acompanhado de outro funcionário autárquico, tendo no regresso apresentado ao Fundo Permanente os recibos emitidos pelo hotel onde estadeou, o Baía Cabrália Hotel, para reembolso das respectivas despesas por si pagas (incluindo não só o valor da estadia como outras despesas de que falaremos adiante), no total de 145.033$00 (em moeda portuguesa), valor que ordenou lhe fosse restituído, como foi; não obstante, determinou que lhe fossem atribuídas ajudas de custo (Boletim 2146) pelo valor total de 243.758$00, processadas à razão de 10 dias a 100%, mais 1 dia a 100% (nacional) (cf. fls. 31/34 – Ap. 32); todavia, a Câmara Municipal de ... tinha previamente pago à agência de viagens “Master Turismo Portugal, L.dª” a deslocação ao Brasil e a respectiva estadia, nos valores de respectivamente 235.000$00 e 570.000$00 (cf. fls. 58/61 – Ap. 32);
103. d) Entre 13 e 21 de Junho de 2000 realizou uma viagem à Finlândia, tendo no regresso apresentado ao Fundo Permanente os recibos emitidos pelos hotéis por onde estadeara, o Ramada Hotel e o Cumulus Oulu Hotels, para reembolso das respectivas despesas por si suportadas, no total de 134.040$00 (em moeda portuguesa), valor que ordenou lhe fosse pago, como veio a ser; todavia, mais determinou que lhe fossem atribuídas ajudas de custo (Boletim 2865) pelo valor total de 169.145$00, processadas à razão de 7 dias a 100%, mais 1 dia a 25% (nacional) (cf. fls. 35/39 – Ap. 32);
104. e) Entre 21 e 26 de Setembro de 2000, realizou uma viagem à Noruega e Dinamarca, acompanhado da cônjuge Dr.ª NN, apresentando à DGRF da Câmara Municipal o boletim itinerário n. 4057, por via do qual determinou que lhe fossem atribuídas as respectivas ajudas de custo, no valor total de 131.292$00, processadas à razão de 5 dias a 100%, mais 1 dia a 50%; todavia, a Câmara Municipal de ... tinha previamente pago à agência de viagens “O... – Agência de Viagens e Turismo, L.dª”, a deslocação e respectiva estadia de ambos, no valor de 470.000$00 (cf. fls. 45/52 – Ap. 32);
105. f) Entre 16 e 22 de Novembro de 2000, realizou uma viagem ao Reino Unido apresentando à DGRF da Câmara Municipal o boletim itinerário n.º 61, por via do qual determinou que lhe fossem atribuídas as respectivas ajudas de custo, no valor total de 167.800$00, processadas à razão de 7 dias a 100%; todavia, a Câmara Municipal de ... tinha previamente pago à “Agência de Viagens A...” a deslocação e respectiva estadia, no valor de 249.600$00 (cf. fls. 53/57 – Ap. 32);
106. Em todas as situações descritas o arguido agiu de forma similar, vindo por essa forma a lucrar numa soma equivalente a 1.232.347$00.
2.
107. No decurso destas viagens e estadias nos países de acolhimento, o arguido AA não se coibiu de realizar despesas, por si ou através da sua cônjuge, adquirindo bens de consumo diversos (dos quais, pelo menos, se lograram identificar os que a seguir se descreverão) para si e para sua fruição pessoal ou de particulares, nomeadamente familiares seus.
108. Não obstante a clara destinação de tais bens, o arguido apresentou aos serviços financeiros da Câmara Municipal de ... os recibos comprovativos da sua aquisição, ordenando o reembolso do respectivo valor de compra. Assim,
109. a) na deslocação aos EUA em Junho de 1999, o próprio ou a sua cônjuge adquiriram:
na loja “Bob’s Stores”, em 3.6.99, artigos de desporto (como sapatos “ténis”; short’s; meias e outros), no valor global de US $ 269.99 (52.227$10)*– fls. 62, Ap. 32;
nas lojas “Gap Kids” e “Fao Schwartz”, em 10.6.99, artigos para bébé, nos valores respectivos de US $ 3.00 e 21.66 (15.16 + 6.50) (4.719$70)* – fls. 63 e 64, Ap. 32;
na loja “American Jeans”, em 8.6.99, calças para homem e senhora, camisa e outros artigos, no valor de US $ 210.82 ( 40.694$80)* – fls. 64, Ap. 32;
na “Macy’s”, em 7 e 10.6.99, perfumes diversos, no valor total de US $ 114.20 (22.247$60)* – fls. 65, 66 e 67, Ap. 32;
na “Host Marriott”, em 7.6.99, um puzzle, no valor de US $ 14.06 (2.739$00)* – fls. 67, Ap. 32;
na “Lord & Taylor”, em 10.6.99, roupas de senhora, no valor de US $ 185.02 (35.411$00)* – fls. 68, Ap. 32.
110. Estas despesas efectuadas por AA, ascenderam ao montante global de US $ 818.75 (158.039$30), tendo a Câmara Municipal procedido ao seu reembolso nos termos acima mencionados através da ordem de pagamento n.º 2916/99 (fls. 69 – Ap. 32), cujo valor integra aquela soma. (* fonte – www.oanda.com/convert/classic)
111. b) na deslocação à Dinamarca, em Setembro de 2000, adquiriu na loja “Royal Copenhagen” (em 26.9.00) um serviço em porcelana (cf. fls. 75 – Ap. 32) pelo preço de 475 coroas dinamarquesas (12.767$00)* despesa esta que, uma vez mais, lhe veio a ser restituída conjuntamente com outras despesas, pelos serviços camarários por via da ordem de pagamento n. 4241 (fls. 76 – Ap. 32).
112. c) na deslocação ao Reino Unido, em Novembro de 2000, adquiriu vários artigos de escrita (em 20.11.2000), na “Pen Shop”, de Londres, pelo preço de 315.00 £ (105.865$00)* que, mais tarde veio a resgatar através do “Fundo Permanente” da Câmara Municipal por via da ordem de pagamento 5057/00 (cf. fls. 373 e 374 – Ap. 33). (* - Idem, supra)
113. O arguido AA, mais uma vez agiu com intenção lucrativa ilegítima, como aliás logrou concretizar, posto saber que as coisas adquiridas eram para si, ou para familiares directos, pelo que sendo a Câmara Municipal de ... alheia a tais despesas, não lhe era devido o pagamento dos inerentes preços.
114. Sabia bem que assim actuando lesava patrimonialmente a Câmara Municipal.
115. Na deslocação ao Brasil em Junho de 2000, o arguido AA adquiriu na LFP do Aeroporto de Lisboa (em 28.4.00) três perfumes, no valor de 26.500$00 (fls. 70, Ap. 32), despesa que, uma vez retornado ao país, apresentou a pagamento à DGRF da câmara, vindo a ser reembolsado, conjuntamente com outras despesas, através da ordem de pagamento n.º 2425/00 (fls. 71, Ap. 32).
3.
116. À semelhança das viagens realizadas ao estrangeiro, o arguido AA efectuou deslocações no e pelo interior do país, durante os seus mandatos como Presidente da Câmara Municipal de ....
a.
117. Veio, porém, a reclamar, através do preenchimento do respectivo boletim itinerário, o pagamento da compensação estabelecida nos termos do Decreto Lei 106/98, de 24.4 (ajudas de custo), ordenando que a mesma lhe fosse processada pela DGRF da Câmara Municipal, muito embora soubesse que, tratando-se de viagem efectuada no seu exclusivo interesse e gozo pessoal, aquelas lhe não eram devidas.
118. O que sucedeu com a viagem realizada a Lisboa, de 27.10 a 1.11.2000 (de 6ª a 4ª feira), relativamente à qual lhe foi atribuída a quantia de 46.165$00 (ajudas de custo diárias a 100% x 4 e uma a 50%) – cf. fls. 244 e 249, Ap. 33.
119. O arguido AA deslocou-se a Lisboa, em 10 de Outubro de 1999 (um domingo), tendo-lhe sido atribuída a quantia de 5.004$00 (ajuda de custo diária a 50%) – cf. fls. 242, Ap. 33.
120. O arguido AA deslocou-se a Lisboa em 24/25 de Outubro de 1999 (um domingo e uma segunda feira), tendo-lhe sido atribuída a quantia de 12.510$00 (ajuda de custo diária a 100% e outra a 25%) – cf. fls. 242, Ap. 33.
121. O arguido AA deslocou-se, ainda, à Figueira da Foz em 19/20 de Agosto de 2000 (sábado e domingo), tendo-lhe sido atribuída a quantia de 23.083$00 (ajudas de custo diárias a 100% x 2 e uma a 25%) – cf. fls. 243, Ap. 33.
b.
122. Utilizando o mesmo artifício que empregou por ocasião das deslocações ao estrangeiro, conforme ficou relatado, também em relação a viagens efectuadas no país o arguido AA ordenou o processamento de ajudas de custo em seu benefício, nos termos do Decreto Lei 106/98, e simultaneamente ordenou o reembolso de verbas por si despendidas com alojamento e estadia, de acordo com os dados a seguir coligidos:
123. Em 24 de Março 1999 deslocou-se a Lisboa, regressando no dia imediato, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (1 dia a 100% e 1 dia a 50%) no valor de 15.012$00; em simultâneo, veio a ordenar e a obter, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 40.000$00 por si despendida no alojamento de 24 para 25 de Março de 1999 no Hotel Ritz de Lisboa – fls. 250/253, Ap. 33;
124. Em 10 de Maio de 1999 deslocou-se a Lisboa, regressando no dia imediato, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (1 dia a 100% e 1 dia a 25%) no valor de 12.510$00; em simultâneo, veio a ordenar e a obter, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 26.000$00, por si despendida no alojamento de 10 para 11 de Maio de 1999 no Hotel Sheraton de Lisboa – fls. 254/256, Ap. 33;
125. Em 20 de Julho de 1999 deslocou-se para Lisboa, onde permaneceu até 22 do mesmo mês, sucessivamente nos Hotéis Sheraton Lisboa (de 20 para 21) e Eduardo VII (de 21 para 22), após o que seguiu viagem para Portimão, onde se alojou no Aparthotel Torralta a 22, aí permanecendo até 27 do mês indicado; apresentou nos serviços de contabilidade da Câmara Municipal de ... os respectivos recibos, ordenando o reembolso das despesas efectuadas, o que veio a suceder; todavia, beneficiou igualmente do pagamento de ajudas de custo relativamente à estadia em Lisboa, alegadamente de 22 para 23, à razão de um dia a 100% e outro a 50%, no total de 15.012$00 – cf. fls. 257/261, Ap. 33;
126. Em 28 de Outubro de 1999 deslocou-se a Lisboa, regressando a 30 do mesmo mês, com passagem por Coimbra, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (2 dias a 100% e 1 dia a 25%) no valor de 22.518$00; em simultâneo, ordenou e obteve, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 14.000$00, por si despendida no alojamento de 29 para 30 de Outubro no Aparthotel Meliá Confort de Coimbra – fls. 242 e 262/263, Ap. 33;
127. Em 16 de Dezembro de 1999 deslocou-se a Felgueiras, regressando no dia imediato, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (1 dia a 75% e 1 dia a 25%) no valor de 10.008$00; em simultâneo, ordenou e obteve, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 7.800$00, por si despendida no alojamento de 16 para 17 de Março de 1999 no Hotel Hórus de Felgueiras – fls. 264/266, Ap. 33;
128. Em 2 de Fevereiro de 2000 deslocou-se a Lisboa, regressando a 4 do mesmo mês, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (2 dias a 100% e 1 dia a 75%) no valor de 27.522$00; em simultâneo, ordenou e obteve, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 9.500$00, por si despendida no alojamento de 3 para 4 de Fevereiro de 2000 no Hotel Roma de Lisboa – fls. 267/270, Ap. 33;
129. Em 17 de Fevereiro de 2000 deslocou-se uma vez mais a Lisboa, com passagem no regresso por Coimbra a 19 do mesmo mês, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo (2 dias a 100%) no valor de 20.016$00; em simultâneo, ordenou e obteve, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 35.000$00, por si despendida no alojamento de 18 para 19 de Fevereiro de 2000 no Hotel Quinta das Lágrimas de Coimbra – fls. 267/272, Ap. 33;
130. Em 27 de Outubro de 2000 deslocou-se a Lisboa, regressando a 1 de Novembro, vindo a auferir por esse facto a compensação a título de ajudas de custo em valor não determinado, por se encontrar incluído no montante global de 270.403$00, correspondente ao boletim de fls. 275; em simultâneo, ordenou e obteve, a título de reembolso, o pagamento da quantia de 31.200$00, por si despendida no alojamento de 27 a 29 de Novembro de 2000 no Hotel Dom Pedro (cinco estrelas) de Lisboa – fls. 275/278, Ap. 33;
131. Aquando da viagem ao Brasil atrás relatada, em Abril/Maio de 2000, não obstante ter recebido ajuda de custo diária (nacional) – um dia a 100%, no valor de 10.008$00 (cf. fls. 33/34 – Ap. 32) -, ordenou o reembolso da quantia de 9.750$00, que recebeu, correspondente ao alojamento no Hotel VIP Zurique, em Lisboa, de 27 para 28 de Abril de 2000 – cf. fls. 273/274, Ap. 33;
132. De igual forma, por ocasião da viagem ao Reino Unido em Novembro de 2000, não obstante ter recebido ajuda de custo diária (nacional) – um dia a 100% - no valor de 10.008$00 (cf. fls. 53/54, Ap. 32), ordenou o reembolso da quantia de 32.000$00, que recebeu, correspondente ao alojamento no Hotel Le Meridien, em Lisboa, de 16 para 17 de Abril de 2000 – cf. fls. 279/280, Ap. 33.
133. Tudo somando a quantia de 173.816$00.
134. Não obstante se encontrar bem consciente da ilegalidade de tais condutas (cf. Decreto Lei 106/98, de 24.4 – Art. 9º), manteve em todas as situações relatadas a mesma conduta uniforme no sentido de ser, como foi, duplamente abonado.
c.
135. A coberto de idêntica intenção lucrativa, o arguido AA permaneceu por períodos de duração variável em estabelecimentos hoteleiros ou em estâncias turísticas ou de veraneio nacionais, conforme a seguir se discriminará, tendo despendido variadas quantias cujo reembolso, com suporte na apresentação dos respectivos recibos à divisão financeira da Câmara Municipal, veio a ordenar e a obter através do já aludido “Fundo Permanente”.
136. Concretizando, o referido arguido estadeou:
137. Em 26/27 de Março de 1998 (5ª e 6ª feira), na Pousada do Infante, em Sagres, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 14.900$00;
138. Em 28/29 de Março de 1998 (sáb./dom.), na no Hotel Marinotel, em Vilamoura, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 14.760$00;
139. Em 2/3 de Maio de 1998 (sáb./dom.), na Pousada de S. Lourenço, nas Penhas Douradas, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 14.300$00;
140. Em 29/31 de Agosto de 1998 (sáb./2ª feira), na Pousada de Stª. Bárbara, em Oliveira do Hospital, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 40.600$00;
141. Em 24/25 de Janeiro de 1999 (dom./2ª feira), na Pousada de S. Lourenço, nas Penhas Douradas, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 16.000$00;
142. Em 22/27 de Julho de 1999 (5ª/3ª feira), no Aparthotel Torralta, em Alvor, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 72.240$00;
143. Em 2/4 de Outubro de 1999 (Sáb./2ª feira), no Aparthotel Torralta, no Alvor, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 10.000$00;
144. Em 4/5 de Outubro de 1999 (2ª/3ª feira), na Pousada Rainha S.tª Isabel, em Estremoz, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 35.000$00;
145. Em 8/10 de Setembro (6ª feira/dom.) e posteriormente em 4/7 de Novembro de 2000 (Sáb./3ª feira), no Hotel Astória, nas Termas de Monfortinho, tendo pago – e posteriormente reembolsado - a quantia de 28.700$00 e 38.130$00, respectivamente.
146. Tudo somando a quantia de 284.630$00.
147. Tratando-se de despesas (cf. 260/261 e 283/299 – Ap. 33) realizadas em seu interesse pessoal, à margem de iniciativas e dos interesses da Câmara Municipal de ..., cujo pagamento não lhe competia assegurar, AA agiu com intenção de enriquecer, propiciando à autarquia o correspondente empobrecimento.
d.
148. De entre as viagens e estadias do arguido AA por estabelecimentos hoteleiros do país e do estrangeiro, este efectuou despesas, nomeadamente com bens de consumo perecíveis e sumptuários, bem como em serviços, para seu exclusivo uso e gozo pessoal, cujo custo e dispêndio por si suportado apresentou posteriormente à Câmara Municipal de ..., para ser reembolsado como foi, por sua ordem e iniciativa. Tais como:
149. Na Pousada de S.tª Bárbara, em 29.9.98, em cafetaria, cave, bar e mini-bar, a quantia de 15.760$00;
150. No Hotel Q.tª das Lágrimas, em 2 e 3.8.99, em Whisky novo e velho e em café e aguardente, a quantia de 3.000$00;
151. Em L’Occitane, na Guarda, em 23.2.2000, em sais de banho, a quantia de 1950$00;
152. No Hotel Pransor, em Lisboa, no dia 28.4.2000, em jornais e revista, a quantia de 690$00;
153. No Hotel Baía Cabrália, Brasil, em 30.4.2000, em saunas, a quantia de 6.00 reais (731$40)*;
154. Na Franz Schultz, em Oslo, no dia 23.9.00, num filofax em cabedal, a quantia de $ 315 coroas norueguesas (7.841$00)*;
155. Na Energy, em Viseu, no dia 8.10.2000, num par de botas O’Neill, a quantia de 18.950$00;
156. No Hotel Fonte Santa, nas termas de Monfortinho, em 5.11.200, em Embelezamento Corporal, a quantia de 25.500$00;
157. No Papagaio sem Penas, em Rio de Mouro, em 24.2.2001, com a aquisição de um fato de Carnaval, a quantia de 9.500$00;
158. No restaurante Pedro dos Leitões, na Mealhada, em 7.10.2001, em tabaco, a quantia de 370$00.
159. Tudo na quantia global de 84.292$50 (cf. suporte documental a fls. 31/32, Ap. 32, e 289/290, 298/314, Ap. 33); *(fonte anteriormente indicada).
160. Uma vez mais, tendo sido custeadas estas despesas pela Câmara Municipal de ... (Fundo Permanente), sendo certo que as respectivas contrapartidas não revertiam em seu benefício, nem passavam a integrar o seu património, o arguido AA, ao ordenar e concretizar o seu reembolso, sabia que prejudicava a autarquia.
4.
161. No decurso do seu mandato como presidente da Câmara Municipal de ..., o arguido AA procedeu à aquisição de bens de consumo em locais diferentes, da mais diversa natureza e para finalidades várias, fazendo seus vários desses bens, e dando-lhes o destino que bem entendeu.
162. Porém, usando da mesma estratégia já antes relatada, AA apresentava invariavelmente os respectivos recibos, emitidos em nome da Câmara Municipal, aos serviços de divisão financeira, como comprovativos de tais gastos, ordenando que lhe fossem processados os inerentes reembolsos, como nos casos a seguir relatados, em que tal veio a suceder:
163. Em 12.12.99, diversas peças de porcelana da “Vista Alegre”, com o valor total de 268.400$00, na loja da “Vista Alegre” – Norte Shopping de Gaia;
164. Em 26.6.2000, um faqueiro e um serviço de café, pelo preço de 297.000$00, a “Nunarte Galerias”, da Guarda;
165. Em 11.12.2000, uma esferográfica “Harley Davidson”, uma caneta “Diablo”, uma caneta “Solitaire” e uma caneta “Lady” Azul, pelo preço de 192.200$00, na “Vícios Urbanos”, Coimbra Shopping, em Coimbra;
166. Em 19.12.98, um conjunto de secretária e uma pasta, no valor de 64.833$00, a “Trigo & Marques – Mondego Gift”, da Guarda;
167. Em 27.1.99, uma mala, uma pasta e três sacos, no valor de 253.000$00, a “Monteiros & Jorge”, de Lisboa;
168. Em 27.9.99, uma pasta, no valor de 67.600$00, a “M L – Bolsas”, no Centro Colombo, de Lisboa;
169. Em 19.1.2000, uma pasta, no valor de 35.000$00, a “Casa de Malas e Artigos de Viagem, L.dª”, do Porto;
170. Em 20.6.2000, uma mala de senhora (handbag), uma carteira (wallet), uma mala de viagem (suitcase) e uma pasta (briefcase), no valor de 164.157$00, na “Sky Shops”, aeroporto de Bruxelas, Bélgica;
171. Em 20.1.2001, 9.4.2001 e 4.5.2001, duas pastas e um porta notas para homem, no valor total de 248.800$00, na loja “Leonor & Conceição, L.dª”, Centro Comercial das Amoreiras, em Lisboa;
172. Em 12.5.2001, uma pasta, no valor de 46.700$00, na “Tie Rack Portugal”, aeroporto de Lisboa;
173. Em 26.4.99, três canetas “Mont Blanc”, no valor global de 59.000$00, na “Caderno Diário”, Centro Comercial das Amoreiras, Lisboa;
174. Em 7.12.99, 8 livros, a saber: “Pomar”, “Picasso – 1917-1924”, “Vieira da Silva”, “Poder Supremo – As forças do oculto”, “Vinhos de Portugal”, “Fim da Aventura”, “Sonhos Proibidos – Memórias de um Harém de Fez” e “O Monte Cinco”, com o valor global de 57.290$00, na “Bulhosa Livreiros”, em Lisboa (Centro Comercial das Amoreiras);
175. Nesta mesma última data, 6 CD’s – “Mais Bonitas”, “Noites Passadas”, “Lisboa”, “Ao vivo”, “Mingos & Samurais” e “L’Age d’Or” –, no valor de 25.890$00, na “Valentim de Carvalho”, Centro Comercial Amoreiras, de Lisboa;
176. Em 29.1.01, mais dois CD’s – “Oceano Pacífico” e “Pavarotti & Friends” – no valor de 6.445$00, na FNAC – Chiado, em Lisboa;
177. Em 3.3.2000, uma medalha comemorativa “moeda única”, no valor de 139.000$00, editada pelas Colecções Phillae;
178. Em 28.12.2001, uma esferográfica e uma caneta “Solitaire”, com o valor conjunto de 159.315$00, na Papelaria Tejo, em Almada;
179. Tudo somando a quantia de 2.084.630$00 (cf. suporte documental a fls. 317 a 319; 324 a 325; 332 a 349; 332 e 333, 356 a 361; 363 a 372 – Ap. 33).
5.
180. Pelo menos, desde 1998 até 2001, o então presidente AA, cultivando a sua filosofia (e prática) de dono e senhor da Câmara Municipal de ..., impondo sobre os demais autarcas uma gestão como a que vimos retratando e sobrepondo os seus interesses pessoais e político-eleitoralistas ao interesse público, sempre pretendeu demonstrar a sua generosidade à custa de dinheiros camarários.
181. a) Agindo nesse pressuposto, este arguido tinha por hábito agrupar os mais diversos cidadãos oriundos dos mais variados meios, e a todos convidava – por vezes circunstancialmente - para almoços e jantares em unidades de restauração situadas em ... ou em localidades limítrofes.
182. Assim, no período indicado, para uma população concelhia residente de 8.889 habitantes, ou presente de 8.491 habitantes, tomada em 2001 (fonte: www.cm-celoricodabeira.pt/concelho/celorico/asp), o arguido AA deu origem às seguintes despesas em restaurantes da região, as quais eram apresentadas por eles directamente à Câmara Municipal:
183. Em 1998, nos restaurantes
J..., de Pinhanços, Seia, a soma de 3.224.200$00;
E... A..., da Carrapichana, a soma de 740.105$00;
C..., de ..., a soma de 1.017.020$00;
L..., da Ratoeira, a soma de 2.017.045$00,
num total de 6.998.370$00
184. Em 1999, nos restaurantes
J..., de Pinhanços, Seia, a soma de 4.620.000$00;
E... A..., da Carrapichana, a soma de 1.350.255$00;
C..., de ..., a soma de 767.390$00;
L..., da Ratoeira, a soma de 1.157.080$00,
num total de 7.894.725$00
185. Em 2000, nos restaurantes
J..., de Pinhanços, Seia, a soma de 3.763.200$00;
E... A..., da Carrapichana, a soma de 3.234.313$00;
C..., de ..., a soma de 2.556.815$00;
L..., da Ratoeira, a soma de 810.810$00,
num total de 10.365.138$00.
186. Em 2001, nos restaurantes
J..., de Pinhanços, Seia, a soma de 7.456.400$00;
E... A..., da Carrapichana, a soma de 8.533.080$00;
C..., de ..., a soma de 2.855.610$00;
L..., da Ratoeira, a soma de 673.460$00,
num total de 19.518.550$00
187. Ou seja, em 4 anos apenas, o arguido AA promoveu e participou em repastos, por via de regra colectivos, em restaurantes da região cujo valor global ascendeu ao montante de 44.776.783$00, suportado pela Câmara Municipal de ..., segundo ordens suas nesse sentido, com base na apresentação da inerente documentação da despesa efectuada (cf. exame pericial do Apenso 34 e fls. 153 a 201 de Apenso 32).
188. b) Para além destas refeições, AA manteve outras, isoladamente ou acompanhado, em restaurantes situados nos mais variados pontos do país, cujo custo, previamente suportado por si, era posteriormente por ele apresentado à Divisão dos Serviços Administrativos e Financeiros da Câmara Municipal, que o reembolsava através dos recursos financeiros do já aludido “Fundo Permanente” segundo determinação de sua exclusiva autoria e com apoio em recibos, facturas ou simples talões de caixa, sem valor comprovativo para tal.
189. Nesta situação se encontram algumas das despesas efectuadas em restaurantes de Lisboa [...] (cf. exame pericial do Apenso 34 e fls. 104 a 202 de Apenso 32).
190. Exemplificando, considerando apenas as somas despendidas pela Câmara Municipal no âmbito de refeições pagas directamente aos restaurantes (v. al. a), e tomando como base o ratio mensal de 22 dias úteis, aquelas ascendem a valores tais, como 6.998.370$00 (em 1998) – à razão de 26.509$00/dia; 7.894.725$00 (em 1999) – à razão de 29.904$20/dia; 10.365.138$00 (em 2000) – à razão de 39.261$00/dia; e 19.518.550$00 (em 2001) – à razão de 73.933$90/dia.
191. Gastos somente mantidos pelo arguido AA em opíparos repastos – em estabelecimentos de grande qualidade, com vitualhas e vinhos refinados, de elevado custo - com o fito de, além do mais, promover a sua imagem, de angariar simpatias e apoio político, à custa dos cofres da Câmara Municipal, assim obrigada a suportar despesas parcialmente alheias aos interesses públicos concelhios, que cabia ao arguido, por força das suas funções, acima de tudo, defender.
192. Gastos em regra suportados por documentos – recibos, facturas ou mesmo talão de caixa – irregularmente preenchidos e, como tal, sem valor comprovativo para o fim em vista (como assim o atestam, a título exemplificativo, os documentos de fls. 202, 204 e 206 – Ap. 34); ou documentos omissos quanto ao número de comensais (v. g., fls. 208, 210 e 212 – Ap. 32).
193. Acresce que em serviço algum da Câmara Municipal se registou a natureza da despesa realizada (ao serviço, ou não, da autarquia).
194. Esta forma desorganizada e desregrada através do qual se processavam os pagamentos efectuados através do Fundo Permanente propiciava ao arguido, ao encontro do seu desejo, mais facilmente atingir aqueles seus objectivos.
195. c)-1. Ainda quanto a esta rubrica (despesas sumptuárias em alimentação), o arguido realizou outros gastos em seu proveito pessoal e de terceiros, tais como
em 1.10.99, no mini bar do Lisboa Alfa Hotel, no valor de 1.800$00;
em 2.2.2000, no consumo de uma meia de leite, 2 cafés, um sumo e um Whisky velho, na Eurest – Soc. Europeia de Restaurantes, no total de 1.370$00;
em 11.1.2001, no consumo de um café, no Magistrado, em Coimbra, no valor de 250$00;
em 24.8.2001, no consumo de 10 cafés, 3 águas e Whisky, no estabelecimento de M...F...P..., nos Açores, no valor de 6.000$00 (cf. fls. 214 a 223 – Ap. 33)
196. Despesas estas, cujo total ascende a 6.000$00, que veio a apresentar ao Fundo Permanente para reembolso, conforme assim veio a suceder por determinação sua, muito embora estivesse bem ciente de que não lhe assistia direito a tal.
197. c)-2. Em 1.9.99, apresentou a pagamento através do Fundo Permanente uma despesa de 26.000$00 em “jantares”, no restaurante “A M...”, da Guarda, suportada por duas facturas/recibos sequenciais datadas de 20.8.99 – uma com o nº 8653, no valor de 16.000$00, e outra com o nº 8654, no valor de 10.000$00 – a qual lhe veio a ser satisfeita, sendo certo que ambas respeitavam à mesma refeição no valor de 16.000$00 (cf. fls. 224 a 226 – Ap. 33).
198. Em 18.4.2000, após ter apresentado a pagamento ao Fundo Permanente um recibo e uma factura em tudo idênticas, respeitantes ambas a “5 jantares”, no valor de 5.680$00, ocorridos a 14.4.2000, ordenou o seu reembolso, que assim lhe foi duplamente atribuído (cf. fls. 227 a 229 – Ap. 33).
199. Em ambas as situações o arguido agiu uma vez mais com intuito lucrativo, sabendo bem que assim lesava os interesses patrimoniais da Câmara Municipal.
200. d) Finalmente, de entre as refeições assinaladas, registadas nos anos 2000 e 2001, este mesmo arguido comparticipou em almoços e jantares, com familiares e/ou amigos, em dias a seguir descritos, patentemente por razões alheias ao serviço, mas cujo pagamento – à semelhança das anteriores situações já mencionadas – veio a ser suportado pelo Fundo Permanente. Nomeadamente:
201. Em 29.1.2000 (sábado), um jantar no restaurante A..., da Guarda, para 2 pessoas, no valor de 7.295$00 (fls. 124 – Ap. 32);
202. Em 30.1.2000 (domingo), um jantar no restaurante A..., da Guarda, para 6 pessoas, no valor de 15.000$00 (fls. 124 – Ap. 32);
203. Em 19.3.2000 (domingo), um almoço no restaurante G... V..., de Viseu, para 2 pessoas, no valor de 6.600$00 (fls. 126 – Ap. 32);
204. Em 20.8.2000 (domingo), um almoço no restaurante O G..., da Guarda, no valor de 9.260$00 (fls. 129 – Ap. 32);
205. Em 14.10.2000 (sábado), um almoço no A..., da Guarda, para 4 pessoas, no valor de 12.780$00 (fls. 131 – Ap. 32);
206. Em 27.1.2001 (sábado), um almoço no G... V..., de Viseu, para 3 pessoas, no valor de 9.000$00 (fls. 135 – Ap. 32);
207. Em 9.9.2001 (domingo), um jantar n’ O G..., da Guarda, para 2 pessoas, no valor de 6.400$00 (fls. 147 – Ap. 32);
208. Em 22.9.2001 (sábado), um jantar no A..., da Guarda, para 2 pessoas, no valor de 6.440$00 (fls. 148 – Ap. 32);
209. Num total de 72.775$00.
210. Também quanto a esta situação o arguido estava ciente de que apenas a si incumbia proceder ao pagamento de tais refeições, devido ao facto de se inscreverem nas suas relações particulares, pelo que, ao determinar o seu reembolso através da DGRF, lesava os interesses patrimoniais da Câmara, cuja defesa lhe cabia promover por força das suas funções públicas.
211. e) Em 7.11.99, AA participou num jantar “de marisco” ocorrido no restaurante “B... H...” de ..., cuja despesa ascendeu ao montante de 47.980$00.
212. Após a refeição ficou devedor daquele montante perante o proprietário do estabelecimento, tendo-lhe sido pessoalmente debitado.
213. Como tardasse em pagar, em 19.3.2001 foi formalmente interpelado por senhor advogado representante do proprietário do estabelecimento, a fim de satisfazer o pagamento devido, sob cominação de a questão arrimar ao tribunal.
214. De imediato o arguido deu ordens para a Câmara Municipal liquidar a dívida, o que foi feito através da emissão e entrega ao credor do cheque n.º ..., naquele valor.
215. Mais uma vez, o arguido agiu com intenção lucrativa, sabendo que o fazia à custa do património da Câmara Municipal (cf. fls. 230 a 232 – Ap. 33).
216. Em 7.5.99 AA foi convidado para fazer parte, como membro, da Confraria dos Enófilos e Gastrónomos da Beira Serra, inscrevendo-se desde logo para o respectivo almoço de entronização, a realizar a 22 do mesmo mês, e pedindo a reserva de dois lugares.
217. Não obstante um e outro acto serem alheios à sua condição de autarca, ordenou que o seu pagamento fosse processado através dos cofres camarários, para o que assinou as ordens de pagamento relativas às quantias de 15.000$00 (inscrição como membro) e de 10.000$00 (almoço) que por essa via se vieram a concretizar (cf. fls. 233 a 237 – Ap. 33).
218. Sabia bem, uma vez mais, que agindo desta forma prejudicava a Câmara Municipal e lucrava, em contrapartida, nos valores em causa.
219. Em todos estes casos que se projectaram ao longo do mandato iniciado em 1998 e com termo no final de 2001 o arguido sempre visou objectivos quais fossem,
220. a) Relativamente ao pagamento da ajudas de custo, o de se locupletar com verbas que não lhe eram devidas, utilizando de maneira uniforme sempre o mesmo plano de apresentar os boletins itinerários, em paralelo com o pedido de reembolso de despesas, para dessa forma ordenar, como sempre ordenou, o respectivo pagamento, assim vindo a obter ganhos patrimoniais à custa do património camarário, que se via defraudado em valor equivalente, sendo que no total, e neste domínio, ascendeu pelo menos a 1.452.328$00;
221. b) Relativamente aos reembolsos de quantias despendidas em estadias em estabelecimentos hoteleiros e refeições particulares, bem como noutros serviços relatados, também de carácter privado, o de transpor ritualmente para encargo da Câmara Municipal as despesas inerentes, cujo pagamento ordenava e assim vinha a obter, como se fossem mantidas ao serviço ou no interesse da edilidade, sendo seu propósito auferir vantagens patrimoniais, à custa da Câmara, que no total ascenderam a 539.777$50;
222. c) Relativamente aos bens materiais adquiridos para seu gozo, posse e fruição pessoais e de seus familiares, o de forma reiterada e programada transferir regularmente para encargo da Câmara Municipal os respectivos custos, ordenando e concretizando o seu pagamento através de dinheiros públicos, como se tais bens fossem destinados a integrar o património camarário, assim vindo progressivamente a aumentar o seu próprio acervo patrimonial, em valor não inferior a 2.361.301$30;
223. d) Relativamente ao grande número de refeições de exorbitantes custos, proporcionadas a quem quer que fosse e muitas vezes sem qualquer fundamento, ao longo dos anos, com o objectivo de, para além do mais, promover a sua figura enquanto político, demonstrando uma generosidade destinada a granjear simpatias e proventos de carácter eleitoralista, mas generosidade essa que era continuamente suportada pela Câmara Municipal de ...;
224. Em todos os casos, no pressuposto inequívoco de que era a ele, por força das suas superiores funções de Presidente da Câmara, que estavam confiadas as finanças da autarquia, competindo-lhe promover a sua administração de acordo com a lei e zelar pela boa e rigorosa utilização dos dinheiros públicos autárquicos.
225. Todas as condutas descritas foram voluntariamente assumidas pelo arguido AA que, em consciência, sabia estar a agir contra a lei.

-Da Contestação:
226. A execução da obra designada "Variante a ..." foi, pelo menos, decidida pelo arguido AA no decurso do seu primeiro mandato, isto é, entre os anos de 1994 a 1997.
227. Na posse do projecto, o arguido AA procurou uma forma de financiar a execução da obra junto da JAE, uma vez que teve conhecimento de que a JAE estava a pretender entregar as estradas nacionais existentes nas áreas dos municípios às respectivas Câmara Municipais.
228. O financiamento foi conseguido, tendo o Acordo de Colaboração entre o ICERR e a Câmara Municipal de ... sido assinado ainda no decurso do 1º mandato do arguido AA, concretamente em 4.11.1996, ascendendo a comparticipação do ICERR a cerca de 350 mil contos.
229. Em 17 de Junho de 1999, a Câmara deliberou abrir concurso público para a execução da obra, e na reunião do Executivo de 11 de Agosto de 1999, na presença do Magistrado do Ministério Público, foram abertas as propostas apresentadas pelos concorrente, as quais foram posteriormente remetidas aos Serviços Técnicos para análise e informação.
230. Feita que foi a análise das propostas pelos Serviços, na reunião de 19 de Novembro de 1999 a Câmara deliberou no sentido apontado pelo Relatório.
231. Comunicado o sentido da adjudicação às empresas concorrentes, todas elas se conformaram com a deliberação da Câmara, à excepção da Firma C...& M..., a qual, não concordando com a deliberação, apresentou Reclamação.
232. Na reunião de 22 de Dezembro de 1999, o Executivo, mais uma vez por unanimidade, mediante informação dos Serviços Técnicos, apreciou a Reclamação da Firma “C...& M..., Lda.”, tendo-a indeferido, ao mesmo tempo que deliberou adjudicar definitivamente a obra à Firma “OO, SA”.
233. Não se conformando com a deliberação de adjudicação da empreitada à firma “OO, S.A”, a “C...& M..., Lda.” veio a intentar Recurso Contencioso de Anulação junto do Tribunal Administrativo do Circulo de Coimbra, que não obteve provimento.
234. A 21 de Janeiro de 2000 foi assinado o contrato de empreitada, e a 03 de Março o auto de consignação dos trabalhos à Firma “OO, S.A.”.
235. A 24 de Julho de 2000, a Câmara Municipal efectuou os primeiros pagamentos à empreiteira, no total de 49.651.056$00.
236. Em 12 de Dezembro de 2000, a Câmara Municipal pagou-lhe a quantia de 11.978.606$00, e em 02 de Março de 2001 a quantia de 32.247.225$00.
237. Em Junho de 2001, pagou a quantia de 6.076.925$00; em Julho de 2001, a quantia de 19.282.000$00; em Agosto de 2001, a quantia de 2.970.820$00; e em Setembro de 2001 a quantia de 3.722.756$00.
238. Assim, entre Março de 2000 e Dezembro de 2001, a empresa do Eng.º CC recebeu da Câmara, via cheques assinados por AA, o montante de 125.929.388$00.
239. A obra denominada beneficiação da Estrada Celorico Gare/Forno do Telheiro/Espinheiro foi financiada pelo FEDER.
240. Nos casos de comparticipação financeira, logo que a empresa executava os trabalhos, de imediato procedia à feitura dos autos de medição, que enviava à Câmara, a qual, via Serviços Técnicos, os informava, indo após a despacho do Presidente, que os mandava depois pagar.
241. O pagamento só era efectuado depois de os referidos autos irem à CRCC, a qual, depois de os aprovar, mandava liquidar a respectiva comparticipação.
242. Após, a Câmara Municipal ia efectuando os pagamentos dos autos de medição aprovados.
243. O arguido e a NN estiveram separados no período de Junho a Dezembro de 1999, tendo-se reconciliado no Natal de 1999 e comemorado a reconciliação com a passagem do milénio em Veneza.
244. Durante a Presidência do arguido AA, para além das viagens ao estrangeiro acima referidas, realizaram-se outras, designadamente a Cabo Verde, a França e ao Brasil, com a participação de outros elementos da Câmara Municipal, tendo várias pessoas cobrado e recebido ajudas de custo, apesar de terem a sua estadia e a viagem integralmente pagas.
245. O arguido AA, nos mais de oito anos que esteve à frente da Câmara Municipal de ..., auferiu de ordenados a quantia de 32.111.370$00.
246. Em data anterior a 1997, o arguido AA vendeu um apartamento em Lisboa de que era proprietário, que havia adquirido com recurso a crédito bancário.
247. Quando deixou a Presidência da Câmara Municipal de ..., o arguido AA tinha como património, em compropriedade com NN, pelo menos um apartamento em ..., adquirido em 1996 pela quantia de, pelo menos, 12.000 contos, e um veículo automóvel.
248. Posteriormente a 2002, o arguido AA adquiriu um imóvel na cidade da Guarda, com recurso a um empréstimo bancário.
249. Enquanto Presidente da Câmara Municipal de ..., o arguido AA conseguiu que a Câmara tivesse acesso a vários fundos comunitários, entre os quais o financiamento da compra de um imóvel e sua recuperação para adaptação a Pousada, no programa das aldeias históricas.

- Mais se provou:
250. Os arguidos TT, RR, SS, QQ e UU não têm antecedentes criminais.
251. O arguido TT foi sócio de uma sociedade que tinha por objecto a publicidade de exteriores (“F...”), entre 1998 e 2001, auferindo um vencimento de cerca de 300.000$00 mensais.
252. Em Fevereiro de 2001 deixou essa empresa, e constituiu uma outra com a mulher, dedicada a obras de remodelação e publicidade. Para o efeito, arrendou um escritório, pagando uma renda de 75.000$00 mensais, comprou mobiliário, no que despendeu pelo menos 1.000.000$00, e contratou uma pessoa a tempo inteiro, recorrendo a outros trabalhadores consoante as necessidades decorrentes da actividade da empresa.
253. Esta empresa encontra-se actualmente desactivada, por falta de clientela.
254. Colabora com uma agência imobiliária, e é vendedor comissionista de lareiras.
255. O arguido tem o 10º ano de escolaridade, e 3 filhos, um de 15 anos, de um primeiro casamento, que vive com a mãe, não contribuindo actualmente com alimentos, por dificuldades económicas; e dois de 13 anos e 7 meses de idade, que vivem com o casal.
256. A família vive em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, pagando uma prestação mensal de cerca de € 500.
257. Têm um veículo automóvel do ano de 2003, adquirido igualmente com recurso ao crédito, o que importa uma prestação mensal entre € 400 e € 500.
258. A arguida RR, sua mulher, é oficial de justiça de profissão desde Maio de 1987, auferindo mensalmente um vencimento de pelo menos € 1.200.
259. Como habilitações literárias, tem o 12º ano de escolaridade.
260. O arguido SS está casado com a arguida QQ desde 1978, e o casal tem 2 filhos: o co-arguido UU, com 28 anos de idade, e um outro filho de 18 anos de idade, estudante. Ambos vivem com os pais.
261. O arguido é empresário em nome individual desde 1991.
262. A arguida QQ é oficial de justiça desde 1982, e aufere actualmente um vencimento não inferior a € 1.400 por mês.
263. A 14.1.1990, a arguida QQ ganhou um prémio de totoloto no montante de 19.968.509$00, do qual entregou 10% à sua irmã RR.
264. Com parte desse dinheiro, o arguido SS adquiriu, por trespasse de 28.10.1990, pelo preço de 6.500.000$00, um estabelecimento de pastelaria e snack-bar, que passou a explorar a partir dessa data, actividade que ainda exerce actualmente.
265. Foram efectuadas obras no estabelecimento de café, e comprado equipamento, cujo custo foi suportado com recurso ao dinheiro proveniente do mencionado prémio.
266. Parte do prémio foi ainda utilizado na compra de um veículo automóvel novo (Renault Mègane), pago a pronto em 1991.
267. O casal vendeu o apartamento onde residia em 1995, sobre o qual incidia uma hipoteca por empréstimo contraído pelos vendedores arguidos, e comprou a moradia onde a família actualmente vive, tendo contraído então um empréstimo bancário de 12.680.000$00 para pagamento parcial do preço (este, não inferior a 15.000.000$00).
268. O casal tem 2 veículos automóveis, concretamente um Volkswagen, adquirido em 2001 e um Citroën Saxo, adquirido em 1999, novos e pagos a pronto.
269. O casal adquiriu ainda, recentemente, uma casa no concelho de ..., recorrendo igualmente ao crédito bancário para pagamento do seu preço de, pelo menos, 19.000.000$00.
270. Suporta este casal um encargo mensal superior a € 1000 devido aos créditos bancários que lhes foram concedidos.
271. Os arguidos SS e QQ têm, como habilitações literárias, o 11º ano de escolaridade.
272. O arguido UU concluiu a licenciatura em educação física em Maio/Junho de 2001.
273. Sempre viveu com os seus pais, é solteiro e não tem filhos.
274. Actualmente, lecciona educação física numa escola do Barreiro, e trabalha em ginásios de Lisboa, da Costa da Caparica e de Corroios, auferindo um vencimento líquido mensal não inferior a € 1.000.
275. O arguido AA é advogado de profissão; tem o seu escritório na cidade da Guarda, que montou com recurso a um crédito de € 25.000, pagando uma prestação mensal de € 120.
276. Não tem empregados, nem clientela, para além da Fundação de ..., de que é ainda Presidente.
277. Casou pela quarta vez em Dezembro de 2006, e vive com a actual mulher e um filho do casal com um ano de idade, no imóvel propriedade do arguido, na Guarda.
278. A mulher aufere um vencimento mensal de, pelo menos, € 1.000.
279. O arguido tem mais 3 filhos de anteriores casamentos, com 25, 13 e 9 anos de idade, todos estudantes.
280. Não tem contribuído para o seu sustento, designadamente por dificuldades económicas.
281. Por sentença proferida no processo comum singular n.º 156/00.2TBCLB a 6.11.2000, transitada em julgado, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de coacção grave, p. e p. pelo art. 155º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, cuja execução ficou suspensa por 2 anos.
282. Os factos foram praticados em Dezembro de 1995, e foi ofendida uma funcionária da Câmara Municipal de ..., a quem o arguido solicitou que assinasse uma declaração de venda de um veículo que pretendia subtrair da partilha de bens devido a um seu divórcio que então corria termos, tendo esta assinado uma primeira declaração devido à sua dependência funcional do arguido, e por ter receio de ser profissionalmente prejudicada; tendo recusado assinar uma 2ª declaração, o arguido disse-lhe: “… eu posso dizer que a senhora me deu uma estalada ou que anda por aí fora a dizer mal de mim, e eu instauro-lhe um processo disciplinar”.
283. Por sentença proferida a 12.3.2001, transitada em julgado, no processo comum singular n.º 123/2000, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de falsidade de testemunho, p. e p. pelo art. 360º do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00, que pagou.
284. Os factos foram praticados em Dezembro de 1998, no âmbito do depoimento prestado pelo arguido, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de ..., perante inspectores da IGAT, a propósito da transferência de um trabalhador da Câmara Municipal para funções inferiores às que anteriormente exercia, e retirada do material de trabalho de uma desenhadora.
285. Por sentença proferida no processo comum singular n.º 15/01.1TBCLB a 22.10.2002, transitada em julgado, foi o arguido AA condenado, pela prática de um crime de difamação agravado, na pena de 400 dias de multa, à taxa diária de 2.500$00, que pagou.
286. A ofendida e assistente nesse processo era a então Sra. Procuradora Adjunta desta comarca de ..., e ficou aí provado que o arguido, no decurso de uma conferência de imprensa ocorrida a 3 de Abril de 2000, a propósito de processos que corriam termos neste Tribunal em que era parte o Município, e referindo-se à assistente, disse “presumir que haja falta de imparcialidade…”.
287. Por sentença proferida a 9.4.2003, transitada em julgado, proferida no processo comum singular n.º 55/99.9TBCLB, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de abuso de poderes, p. e p. pelo art. 26º da Lei n.º 34/87, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 20, que pagou, bem como na pena acessória de perda de mandato.
288. Os factos foram praticados em 16 de Janeiro de 1999, e resumem-se da seguinte forma: no decurso de acções judiciais que tinham por objecto a anulação de uma doação da Câmara Municipal à Associação de Melhoramentos de ... do edifício onde funcionava a creche e jardim de infância “O Moinho”, e a despeito de sentença proferida em providência cautelar, o arguido propôs em reunião camarária, que aprovou, desinstalar a dita Associação daquele edifício, e que se suspendessem os fornecimentos de água e electricidade até que a Associação desocupasse o edifício. No dia dos factos, o arguido, usando da sua qualidade de Presidente da Câmara Municipal, convocou as autoridades policiais e dirigiu-se àquele edifício, ordenou o arrombamento das portas e mandou colocar novas fechaduras; ordenou ainda que fosse impedida a entrada de dirigentes e funcionários da Creche e da Escola Profissional, e que fossem removidos os bens que se encontravam no interior das instalações, o que sucedeu. A restituição da posse do edifício à Associação de Melhoramentos de ... veio a ocorrer a 25.5.2000, após decisão judicial nesse sentido, mas alguns dias depois foi de novo cortado o fornecimento de água à creche, sendo que, mesmo depois de requerida nova ligação a 7.9.2000, o fornecimento não foi reposto.
289. No exercício do cargo de Presidente da Câmara Municipal de ..., o arguido AA sempre se dedicou às causas em que se envolveu, dinamizando algumas partes do concelho, designadamente as localidades de Linhares da Beira e Carrapichana.
290. É dotado de forte personalidade, sendo normalmente pessoa educada e afável, não admitindo, porém, que outros se lhe oponham ou o critiquem.
291. Requereu a suspensão do seu mandato de Presidente da Câmara Municipal de ... no dia em que foi constituído arguido nos presentes autos, a saber, 3 de Abril de 2002, não mais tendo exercido essas funções.

8.2. No que concerne a matéria de facto não provada consignou-se na decisão:
a) A Arquitecta JJ e a Dra. LL foram nomeadas directamente pelo arguido AA funcionárias da Câmara Municipal.
b) O apoio do vereador FF – expresso ou pelo silêncio - era assegurado pelo facto de a filha, genro e cônjuge serem respectivamente funcionários da Câmara Municipal (os dois primeiros) e da Empresa Municipal (a última), e necessitarem de manter os seus postos de trabalho.
c) Em 1999, por virtude do estreitamento das relações de íntima amizade entre a Dr.ª NN e o Eng.º CC, este vem a confidenciar-lhe o seu grande empenho na obtenção de resultado favorável no concurso da “Variante ...“, sabendo que por essa via tal anseio chegaria – como chegou - ao conhecimento do presidente AA.
d) Já com o concurso em marcha, depois da abertura das propostas, mas antes da sessão pública que conduziu ao sentido da adjudicação (ocorrida em 17.11.99) o Eng.º CC, em conversa com AA, a quem interpelara com a finalidade de saber a quem seria adjudicada a obra, recebeu deste a resposta de que a sua firma não se encontrava na melhor posição para vencer o concurso, sendo certo que nesse momento já o arguido era conhecedor do conteúdo das propostas concorrentes.
e) Todavia, nas vezes seguintes que contactou de novo com AA - estando então já bem ciente (por alerta da Dr.ª NN) do desejo do primeiro em que a sua empresa fosse a vencedora, mas ainda antes do conhecimento da deliberação final da Câmara Municipal - este tendo mudado o tom respondia-lhe invariavelmente “... se eu lhe entregar a obra, o senhor irá ganhar muito dinheiro, pelo que tem que arranjar 50.000 contos para os amigos... “ (sic).
f) A cada novo contacto estabelecido com o arguido AA, o Eng.º CC recebia sempre como resposta o mesmo pedido velado, mas suficientemente esclarecedor – o de que a obra só lhe seria adjudicada se concordasse em entregar-lhe 50.000 contos.
g) Por esse motivo e com a finalidade de garantir que a empreitada da “Variante...” lhe viesse a ser atribuída o Eng.º CC anui em lhe entregar a quantia solicitada ou pelo menos parte dela “... de acordo com a evolução dos trabalhos ...”.
h) Para esse efeito pesou a convicção de que se nada lhe prometesse entregar AA arranjaria maneira – aparentemente legal – de que a obra não lhe fosse adjudicada, mas sim à outra concorrente.
i) O Eng.º CC conhecia o estilo pessoal de governação camarária de AA, as suas prepotências e o ascendente que exercia sobre os funcionários autárquicos seus subordinados, bem como dos seus compartes partidários no executivo, e sabia que a última palavra em matéria de adjudicação da obra dependeria sempre do exclusivo critério do então presidente da edilidade.
j) Sabia também que a comissão de análise das propostas era constituída por duas jovens funcionárias – a Engª H... e a Arquitecta JJ – sem grandes conhecimentos na matéria e ainda que entre os vários critérios de apreciação das propostas alguns, como os atinentes à capacidade técnica das empresas concorrentes permitem grande discricionariedade na pontuação.
k) Uma vez iniciados os trabalhos, em Março de 2000, AA interpela o Eng.º CC perguntando-lhe se “se tinha esquecido dos amigos...” querendo com isto lembrar-lhe, como ele de resto bem entendeu, que devia entregar-lhe a quantia prometida.
l) Respondeu-lhe, dizendo que com o andar dos trabalhos logo veria o que poderia entregar-lhe.
m) As conversas constantes dos factos provados ocorreram em Agosto de 2000, pois foi nesse mês que AA entregou os primeiros pagamentos ao Eng.º CC
n) O Eng.º CC procedeu ao levantamento da quantia de 20.000.000$00 porque necessitava de receber os primeiros pagamentos da obra em curso.
o) Foi o arguido AA que continuou a interpelar o Eng.º CC pedindo-lhe o dinheiro que este lhe havia prometido;
p) Após a abertura das propostas do concurso referido em 52, o arguido AA convocou para uma entrevista na câmara municipal o representante da firma concorrente “... e Filho, L.dª”, DD.
q) Uma vez ali presente AA, confiante de que o DD anuiria ao seu pedido, pediu-lhe quantia que não quantificou a fim de lhe adjudicar a obra, alegando que poderia não ser ela a vencedora.
r) Contudo este, invocando que a sua firma detinha todos os requisitos para vencer o concurso, rejeitou o pedido daquele arguido.
s) O arguido AA solicitou a DD 5.000.000$00, e este acedeu a entregar-lhe 4.000.000$00.
t) O arguido AA entregou a DD um cheque da Câmara Municipal no valor de cerca de 12.000.000$00.
u) Ao solicitar a entrega das referidas quantias monetárias a troco do vencimento no concurso público para contratação quer da empreitada designada por “Variante...” – e que o Eng.º CC aceitou – como anteriormente da empreitada da “Estrada Celorico Gare/Espinheiro”, o arguido AA agiu contra o conteúdo dos seus deveres funcionais ao arrogar-se e a negociar poderes que, de acordo com as disposições legais regulamentares, apenas pertenciam ao executivo camarário – cf. arts. 3º (e ainda 4. a 6 – A.) do Código do Procedimento Administrativo (CPA); 80º, 81º e 102º do Decreto Lei 405/93, de 10.12, e 15º do Decreto-Lei 390/82, de 17.9 –, nomeadamente ao chamar a si, perante a esperada passividade e subserviência dos restantes elementos do executivo que constituíam a maioria política daquele órgão, o poder de decidir isoladamente quanto à adjudicação da empreitada (cf. o citado art. 15., do Decreto Lei 390/82), quer através da violação dos critérios legais estabelecidos para aquele acto (v. art. 97., do Decreto Lei 405/93), quer através de recurso à não adjudicação com eventual apelo ao art. 99, deste último diploma, tudo ao arrepio do conteúdo das normas inscritas no art. 3., n. 4. al(s). a) e d), n. 5 e n. 8., do Decreto Lei 24/84, de 16.1.
v) Todos os restantes arguidos estavam perfeitamente conscientes de que os ganhos auferidos pelo arguido AA não tinham consistência lícita, advindo à sua posse por força das circunstâncias relatadas nos factos provados.
w) Para concretizar os aludidos propósitos deste arguido, os restantes com ele se concertam, facultando-lhe a utilização das contas bancárias das irmãs e cunhados, como refúgio de seus ganhos marginais provenientes da comissão de crime de corrupção, até lhes proporcionar outro destino igualmente não suspeito – situação que de resto não era inédita, pois já as vinha utilizando desde algum tempo atrás.
x) Todas as quantias referidas em 67 pertenciam ao arguido AA (sem prejuízo do provado em 68).
y) Os arguidos UU, seus progenitores (QQ e SS) e tios (TT e RR), foram postos ao corrente do plano do arguido AA, e todos se predispuseram em dar o seu contributo para o sucesso das pretensões daquele.
z) O arguido AA acertou os pormenores do negócio com o Eng.º VV dias depois do almoço da Carrapichana, e disse-lhe que o comprador do apartamento seria o sobrinho.
aa) Os 2º a 6º arguidos sabiam bem qual a proveniência de parte do dinheiro depositado nas contas bancárias;
bb) O arguido AA utilizou contas bancárias tituladas pela arguida QQ com o fito de nelas ocultar as somas necessárias à aquisição próxima do andar sito em Lisboa, sabendo que assim camuflava a sua posse e propriedade suspeitosas.
cc) RR e TT disponibilizaram a AA as suas contas bancárias pessoais para este ocultar e futuramente movimentar a quantia referida provinda da comissão de crime de corrupção por aquele cometido.
dd) UU era conhecedor da proveniência e circuito do dinheiro utilizado na transacção, resultante de crime de corrupção.
ee) QQ e SS incentivaram o filho UU a colaborar pela forma descrita, e disponibilizaram as suas contas pessoais para depósitos de quantias entregues pelo AA bem sabendo que a maior parte da soma despendida com a aquisição do apartamento era resultado de comissão de crime de corrupção.
ff) Os 2º a 6º arguidos agiram com o fito de ocultar a origem ilícita quer do dinheiro, quer do apartamento que com ele foi posteriormente comprado, bem como o de propiciar a AA meios aparentemente idóneos a ludibriar a acção da justiça penal.
gg) A Chefe de Divisão da DGRF alertou o arguido AA para a ilegalidade de vários pagamentos que este lhe ordenava que efectuasse.
hh) Os 3 perfumes adquiridos na LFP do Aeroporto de Lisboa em 28.4.00 foram comprados pelo arguido AA para si ou para familiares directos, sabendo o arguido, ao apresentar a despesa para reembolso à Câmara Municipal, que lesava patrimonialmente o Município.
ii) As deslocações descritas em 119 a 121 dos factos provados foram efectuadas no exclusivo interesse e gozo pessoal do arguido AA, que sabia não lhe serem devidas ajudas de custo.
jj) O arguido AA fez suas uma espiral e uma lâmpada, compradas em 18.1.99 por 37.910$00, na “Gillamp”, Shopping Center das Amoreiras, em Lisboa;
kk) O arguido AA fez seus dois tapetes de origem persa, que comprou a 23.6.2000, por 500.000$00, a J...R...R...M..., de Gaia;
ll) O arguido AA fez seu um isqueiro Dupont, adquirido em 19.12.98, por 114.017$00, a “T... & M... – M... Gift”, da Guarda;
mm) O arguido AA fez suas duas raquetes, dois calções, um polo, duas caixas de bolas, dois pares de punhos, um par de meias, tudo para a prática de ténis; uma t’shirt, um par de sapatilhas e uma bola de futebol, adquiridas em 7.9.2000 pelo valor global de 80.605$00, na “E...”, Guarda;
nn) O arguido AA fez seus um par de sapatilhas, um par de chinelas, uma toalha de banho e um calção Adidas, adquiridos em 20.4.2001 pelo valor total de 27.230$00, na “E...”, Guarda;
oo) O arguido AA fez sua uma aparelhagem de som “Sony”, adquirida em 23.10.99 por 33.190$00, na “L... Som”, em Lisboa (Centro Comercial das Amoreiras);
pp) O arguido AA procedeu à aquisição de diversas telas de pintores e outras obras de artistas contemporâneos, reteve-os para si e deu-lhes destino desconhecido.
qq) Porém, veio a ser a Câmara de ... quem, por via da apresentação dos recibos respeitantes a cada aquisição e por ordem sua procedeu ao seu pagamento.
rr) Encontram-se nessas condições as compras das seguintes peças: em 19.9.2000, uma tela da autoria da pintora B...da R...F..., pelo preço de 50.000$00 (fls. 96 e 97 – Ap. 32); em 1.3.2001, vários trabalhos de artes plásticas da autoria de J... X... C... R..., pelo preço de 1.030.000$00 (fls. 98/100 – Ap. 32); e em 19.10.2001, dois óleos sobre tela – “Naufrágio” e “Sem título” - sendo autor o pintor R...P..., pelo preço de 1.395.000$00 (720.000$00 + 675.000$00) ou 1.632.150$00, com IVA incluído (fls. 101/103 – Ap. 32).
ss) O arguido estava plenamente ciente de que ao actuar pela forma descrita defraudava o património camarário, enriquecendo ele no valor correspondente à quantia de 2.475.000$00.
tt) A aquisição, em 6.10.99, de 80 garrafas de vinho à Empresa Vinícola Vilanovense, de Vª. Nº de Tazém, no valor de 80.000$00, foi em proveito pessoal do arguido AA.
uu) A esmagadora maioria das refeições cujo custo foi suportado pela Câmara Municipal não respeitavam às funções de representação da edilidade.
- Da Contestação:
vv) Está na origem do presente processo um ajuste de contas de carácter político entre as cúpulas do Partido Socialista e o arguido AA, levado a cabo pela Policia Judiciária, com o beneplácito do Ministério Público.
ww) Depois de ter ganho por duas vezes a Câmara Municipal de ... com as cores do Partido Socialista, JS que tinha um projecto para chegar à liderança do PS a nível nacional, no ano de 1999 candidatou-se à liderança da Federação Distrital da Guarda do PS, na qual à data mandava A...J...S.... Ora,
xx) Visto o projecto de AA como ameaça à sua ambição de poder dentro do Partido Socialista, Seguro, que presidia à Comissão permanente do partido, propôs que a mesma deliberasse no sentido do adiamento dos Congressos Federativos por quase um ano.
yy) Durante esse período, o assinalado Seguro, que tinha sido eleito Deputado ao Parlamento Europeu, demitiu-se e voltou para Portugal para ocupar o cargo de Ministro da Presidência.
zz) De onde começou a minar o terreno a AA conseguindo a nomeação para Governador Civil da Guarda de uma pessoa da sua confiança pessoal, o seu ex-adjunto enquanto secretário de Estado da Juventude, o qual, usando a táctica da “pesca à linha”, lhe conseguiu engodar a maioria dos seus até ai apoiantes e, como tal, fazendo eleger o presidente da Comissão Política Concelhia.
aaa) Vendo o terreno a fugir-lhe debaixo dos pés, AA acabou por desistir da candidatura à Federação e, bem sabendo o que a seguir o esperava, prontamente se demitiu também da Comissão Política Concelhia do PS de ....
bbb) Aquando da marcação das eleições autárquicas de 2001, na hora de apresentar os candidatos às Câmaras Municipais, o PS não candidatou para a Câmara de ... AA, mas sim um outro candidato, razão pela qual AA se recandidatou pelo MPT.
ccc) Antevendo a possibilidade de derrota dos seus candidatos em ..., o PS ainda enviou um emissário para negociar a desistência de AA, com contrapartidas, mas o cargo que este pediu - o de primeiro ministro - o PS não podia dar-lho.
ddd) Foi pois nestas circunstâncias que, cirúrgica e muito oportunamente, alguém conhecedor dos meandros fez cair, sob a capa do anonimato, mas pessoalmente, nas instalações da Policia Judiciária de Coimbra, uma denúncia contra AA, desse modo se dando início a uma mega investigação.
eee) Aquando das eleições "caiu o Carmo e a Trindade", uma vez que AA ganhou as eleições concorrendo pelo MPT, como referido, o que fez com que o Primeiro-Ministro António Guterres se demitisse e provocasse a queda do Governo.
fff) O arguido sempre pautou o exercício do poder pelos critérios exigíveis a um político competente, sensato e responsável e, acima de tudo, que agia dentro da legalidade, como o atestaram várias inspecções que as mais diversas entidades levaram a cabo durante os seus mandatos.
ggg) A obra "Variante a ..." foi concebida durante o primeiro mandato do arguido AA, tendo a Câmara de ..., mediante proposta daquele, deliberado no sentido de abrir um concurso público para a realização do projecto.
hhh) A JAE e Câmara de ... assinaram um protocolo nos termos do qual esta aceitava integrar na sua rede de estradas municipais as estradas nacionais que atravessassem a área do Concelho, comprometendo­-se a JAE com o financiamento da obra.
iii) Logo após a assinatura do protocolo, a Câmara deliberou abrir concurso público a fim de adjudicar a obra, concurso que acabaria por vir a ser anulado.
jjj) A Câmara de ... só veio a receber verbas do ICERR por conta da Variante em Dezembro de 2001.
kkk) A Câmara Municipal adiantou de cerca de 50 mil contos à empreiteira.
lll) No mês de Dezembro de 2001 a empreiteira recebeu uma verba na ordem dos cem mil contos, pois foi só nessa data que o ICERR libertou as primeiras verbas.
mmm) De Março a Dezembro de 2001 o empreiteiro DD recebeu da Câmara, via cheques assinados por AA, verbas na ordem dos 140 mil contos.
nnn) O mesmo empreiteiro, durante mais ou menos esse período, procedia à obra da Pousada de Linhares da Beira, para a Câmara Municipal de ....
ooo) Durante o período de 21 de Março a 26 de Dezembro de 2001, relativamente à obra da Pousada de Linhares da Beira, a Câmara, através de cheques, pagou à firma do DD verbas que totalizaram a quantia de 385.477.000$00.
ppp) Já sob a presidência de AA, a Câmara de ... adjudicara à firma, “..., Filhos, Lda.”, corria o ano de 1996, a obra denominada "Beneficiação da Estrada Municipal 553-3 - Carrapichana­ Linhares".
qqq) A obra correu da melhor forma e sem qualquer percalço.
rrr) A comparticipação do FEDER nesta obra era de 75%.
sss) Os pagamentos dos autos, na sua totalidade, eram efectuados pela Câmara Municipal logo após a chegada da referida comparticipação à Câmara, para o que acrescentava os restantes 25% de capitais próprios.
ttt) Foi assim que as coisas sempre se passaram com esta e com todas as outras obras financiadas por fundos comunitários.
uuu) Durante a execução dos trabalhos, quer desta obra quer da outra que já fizera para a Câmara enquanto AA foi Presidente, nunca o empreiteiro apresentou qualquer reclamação verbal ou escrita quanto à forma do pagamento.
vvv) O empreiteiro não gostou que essa obra não tenha sido recepcionada como e quando ele quis.
www) Aquando da elaboração do Auto de recepção provisório nele ficou expresso que alguns trabalhos não foram executados dentro dos parâmetros de qualidade minimamente aceitáveis.
xxx) Face a isso porque o empreiteiro não corrigiu os defeitos, não se chegou a fazer o auto de recepção definitiva, com a consequente não libertação da garantia bancária
yyy) Criando-se a partir daí um litígio entre o empreiteiro e a Câmara o qual deu origem ao processo 960/01 que aquele intentou contra a última no Tribunal Administrativo de Coimbra.
zzz) Quem controlava a vida financeira de AA era a esposa NN.
aaaa) Depois de reiniciada a vida conjugal, tudo o que AA fez, durante o período de Janeiro de 2000 a Maio de 2001 - data da separação definitiva da esposa NN -, era do conhecimento dela.
bbbb) Durante a Presidência do arguido fizeram-se menos viagens que noutras Câmaras Municipais.
cccc) Apesar de não constar da sua declaração de IRS, no ano de 1992 o arguido AA auferiu, entre outras, uma verba de 2 mil contos que lhe foi paga aquando da assinatura do contrato promessa relativa ao negócio da venda da casa de que era proprietário em Lisboa.
dddd) No ano de 1993, aquando da celebração da escritura do contrato supra referido recebeu a verba de 8 mil contos.
eeee) No ano de 1994 recebeu de uma companhia de seguros a quantia de 6 mil contos, titulados por cheque depositado na sua conta da C. G. Depósitos em ....
ffff) O arguido AA tinha como património, quando se demitiu de Presidente da Câmara Municipal, em compropriedade com NN Santos, uma casa em Linhares da Beira que custara a quantia de mil e trezentos contos, e dois automóveis, concretamente um Audi A3 e um Peugeot 306.
gggg) No ano de 2004 adquiriu pelo preço de 159.615, 30 € uma casa na cidade da Guarda sendo que para a aquisição teve que recorrer a um empréstimo hipotecário no valor de 156.000,00 €.
hhhh) Só no programa comunitário de apoio às aldeias históricas, AA conseguiu trazer para o Concelho de ... verbas superiores a um milhão de contos, dos quais a Câmara só comparticipou 5%.
iiii) Conseguiu ainda JS adquirir para a Câmara de ... um terreno com a área de 66 hectares para aí ser implementado um parque industrial, tendo a Câmara dispendido apenas a quantia de 100$00 o m2, quando Câmaras vizinhas, como a de Fornos de Algodres, por terrenos muito mais pobres e piores localizados - o da Câmara de Celorico fica no Nó da A25 - pagaram 600$00 o m2.
jjjj) Posteriormente, quando foi necessário alargar o IP5 para sua transformação em auto-estrada, só por 31,392 m2 de área a expropriar no referido terreno, o IEP veio a oferecer à Câmara a quantia de 706.320,00 euros”.

9. Questões a decidir:
- Questão interlocutória da separação de processos: nulidade por omissão de pronúncia relativamente a várias questões colocadas no requerimento de aclaração da decisão final da 1.ª instância, onde o recorrente sustentava a tese do vício da nulidade insanável e até da inexistência jurídica do despacho que a ordenou, bem como questionava a qualidade em que CC interveio no processo; omissão de pronúncia relativamente a problemática relacionada com o art. 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (CRP) ; nulidade da injunção determinada no despacho de suspensão provisória do processo (Conclusões B1 a B17).
- Questão interlocutória relativa ao recurso interposto a fls. 5214 (Conclusões B20 a B23);
- Questão interlocutória relativa ao recurso interposto a fls. 6216 a 6221;
Relativamente à decisão final:
- Omissão de pronúncia quanto a parte da matéria de facto e desconsideração do princípio in dubio pro reo (Conclusões B24 e B25);
- Escutas telefónicas: meio preventivo da criminalidade, acarretando a invalidade do seu uso para efeitos repressivos; destruição dos suportes técnicos/inconstitucionalidade do art. 188.º do CPP, cuja versão actual assume cariz interpretativo da lei anterior, e violação do art. 32.º, n.º 1 da CRP (Conclusões B26 a B35);
- A condenação pelo crime de corrupção passiva para acto ilícito baseou-se em «assunção probatória inquinada» – escutas telefónicas (Conclusão B36);
- Declarações de co-arguido – nulidade (Conclusões B18 e B19);
- A condenação pelo crime de peculato não está sustentada por factos provados suficientes, nomeadamente no que toca ao elemento subjectivo do delito (Conclusões B37 e B38);
- A condenação por crime de abuso de poder não se estriba nos necessários pressupostos, nomeadamente no dolo específico;
- O crime de branqueamento de capitais não pode subsistir, dado o seu carácter subsidiário em relação aos anteriores, que não podem prevalecer.

O Ministério Público junto do Tribunal da Relação formulou uma questão prévia, em que sustentou:
- A rejeição do recurso quanto às questões interlocutórias, por se deverem considerar definitivamente julgadas;
- A rejeição do recurso quanto aos crimes de peculato, abuso de poder, branqueamento de capitais e sanção acessória de proibição de exercício de cargos públicos, bem como perda de um imóvel a favor do Estado português, por as respectivas penas parcelares, inferiores a 8 anos de prisão, terem sido confirmadas pela Relação (dupla conforme), ficando apenas para apreciação as questões relativas à diferente qualificação no que concerne aos crimes de corrupção passiva e ao agravamento das respectivas penas.

9.1. Começando por esta questão prévia:
Em relação à questão interlocutória que se relaciona com a “separação de processos”, uma vez que o recorrente, bem ou mal, argui uma nulidade insanável (art. 119.º, n.º 1, alínea c) do CPP), acompanhado pelo parecer do Prof. Faria e Costa, não será de atender à questão prévia, dado que as nulidades insanáveis podem e devem ser conhecidas em qualquer estado do processo, mesmo oficiosamente, até ao trânsito em julgado da decisão final. Por outro lado, a referida questão conexiona-se com um dos crimes de corrupção, em relação ao qual se não verifica a chamada “dupla conforme”, como o reconhece o Ministério Público.
Quanto às restantes questões interlocutórias, elas devem considerar-se definitivamente decididas.
Trata-se de decisões que, nos termos da lei vigente ao tempo da prolação da decisão da 1.ª instância (art. 400.º, n.º 1, alínea c) do CPP na redacção anterior), não põem termo à causa e das quais não é admissível recurso para o STJ, entendendo-se que «pôr termo à causa» significa que «a questão substantiva que é objecto do processo fica definitivamente decidida» e, consequentemente que não põe termo à causa aquela questão que não é impeditiva de o processo prosseguir para a sua apreciação, por não ser atinente ou conexa com a questão substantiva ou então que está para além da questão substantiva já resolvida (cf acórdão deste STJ de 29/6/2005, Proc. n.º 1845/05 – 3ª, Sumários dos Acs. STJ, Boletim, n.º 92, p. 10 1).
Solução que vem a dar no mesmo do ponto de vista da redacção actualmente vigente, conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, à alínea c), do n.º 1 daquele art. 400.º: «Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam, a final, do objecto do processo.» Ora, as decisões interlocutórias em causa neste recurso conheceram de questões que não puseram termo (isto é, não conheceram a final) do objecto do processo, prosseguindo este para tal fim. Ou seja, trata-se de questões incidentais, «cuja decisão deixou incólume a relação processual penal consubstanciada na verificação da responsabilidade criminal do arguido», no dizer do Acórdão do STJ de 10/12/2008, Proc. n.º 3638/08, da 3.ª Secção, que teve como relator o Conselheiro Santos Cabral.
Mesmo no caso da decisão que considerou tempestivo o recurso do Ministério Público e a que se refere o recurso do recorrente de fls. 6216 a 6221, o recurso não é da decisão final, mas de uma decisão posterior a ela que não pôs termo à causa ou, por outras palavras, “que não conheceu a final do objecto do processo”. Lê-se no acórdão deste Tribunal de 26/1/2005, sumariado em Sumários de Acórdãos, n.º 87, p. 100: I - A decisão que põe termo à causa é, com vem decidindo este Supremo Tribunal, a decisão que faz terminar a causa de modo substancial, que julga e determina o direito do caso e decide o objecto do procedimento criminal, definindo a existência ou inexistência de responsabilidade criminal e, quando for o caso, a culpabilidade e a pena. II - Não constitui, assim, decisão final aquela que se não refira, funcional e estruturalmente, à matéria da causa e ao objecto do processo, mas apenas a incidências estritamente processuais…
É o caso, também, da decisão posta em causa nesta parte do recurso.
Refira-se, por último, que a circunstância de os recursos em causa terem subido com o interposto da decisão final não altera em nada a previsão legal, como não a altera a circunstância de terem sido apreciados e julgados na mesma peça processual em que foi o principal (Cf. o Acórdão de 30/11/2005, Proc. n.º 3216/05, da 3.ª Secção (Sumários de Acórdãos, n.º 95, p. 122).
Consequentemente, rejeita-se o recurso relativamente às referidas decisões interlocutórias.

9.1.1. No que diz respeito aos crimes de peculato e abuso de poderes, os mesmos eram puníveis, ao tempo dos factos, com penas de prisão 3 a 8 anos de prisão e multa até 150 dias (peculato – art. 20.º, n.º 1 da Lei n.º 34/87, de 16/12) e prisão de 6 meses a 3 anos, ou multa de 50 a 100 dias (abuso de poderes – art. 26.º, n.º 1, da mesma Lei n.º 34/87).
Aos referidos crimes foram aplicadas as seguintes penas:
4 anos de prisão e 80 dias de multa à taxa diária de € 5,00 para o crime de peculato;
1 ano e 4 meses de prisão para o crime de abuso de poderes.

De acordo com o preceituado no art. 400.º, n.º 1, alínea e) do CPP, na versão anterior, não era admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que fosse aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tivesse usado da faculdade prevista no art. 16.º, n.º 3.
Está neste caso o crime de abuso de poderes (atendendo à versão originária da respectiva lei incriminadora).
Por outro lado, nos termos do disposto no art. 400.º, n.º 1, alínea f), não era admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmassem decisão de 1.ª instância, em processo por crime a que fosse aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.
Ora, no caso sub judice, a Relação confirmou todas as penas, com excepção dos dois crimes de corrupção e de branqueamento de capitais, pelo que se verifica quanto a eles a chamada dupla conforme, não sendo nenhum deles punível com pena de máximo superior a 8 anos de prisão, pelo que, à luz da referida versão do CPP, também não era admissível recurso em relação ao crime de peculato.
Deste modo, em relação aos referidos crimes não era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, quer por força da alínea e) ⌠crime de abuso de poderes⌡, quer por força da alínea f) ⌠crime de peculato⌡.
Em relação aos primeiros, a intenção era evitar que o Supremo Tribunal de Justiça fosse assoberbado com recursos de pouca relevância, banindo-se da sua esfera de conhecimento todos aqueles que respeitassem a crimes de pequena e média gravidade, Para assegurar a exigência constitucional de direito ao recurso, inegavelmente inscrito nas garantias de defesa (art. 32.º, n.º 1 da Constituição), bastaria um grau de recurso. Para os casos mais graves, porém, o legislador ordinário, dentro dos poderes de conformação da norma legal que lhe confere o texto constitucional, estabeleceu um duplo grau.
Neste último caso, porém, o legislador impôs um outro nível de exigência para a restrição do recurso para o STJ – verificar-se a chamada dupla conforme, ou seja que a decisão condenatória da 1.ª instância tivesse sido confirmada pela Relação (alínea f) do n.º 1 do referido art. 400.º). Ocorrendo esta confirmação, poder-se-ia dizer que o direito de defesa, na sua vertente de direito ao recurso, ficava assegurado em grau aceitável nessas situações mais graves, sendo certo que a Constituição se contenta com um único grau de recurso (art. 32.º, n.º 1).
Segundo jurisprudência pacífica e uniforme do STJ, o que relevava para a admissibilidade ou inadmissibilidade do recurso era tão somente a pena pelo crime singular, conexo, indiferente se apresentando o concurso de crimes, como expressamente resultava da inserção na norma da expressão «mesmo em caso de concurso de infracções» (Cf., entre muitos outros, os acórdãos de 18-06-03, Proc. n.º 1218/03 - 3.ª; de 16-10-03, Proc. n.º 3220/03 - 5.ª; de 29-10-03, Proc. n.º 2605/03 - 3.ª; de 11-12-03, Proc. n.º 3211/03 - 5.ª; de 14-01-04, Proc. n.º 3870/03 - 3.ª , de 03/06/04, Proc. 1591/04 – 5ª, e de 30/11/06, Proc. n.º 3943/06- 5.ª, este último tendo o aqui relator como adjunto).Esta jurisprudência foi, de resto, avalizada pelos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 189/2001 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 50.º T., p. 285, e n.º 2/2006, DR 2.ª S, de 13/02/2006).
Sob o ponto de vista da nova redacção introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, no art. 400, n.º 1, alínea f), passou a falar-se em pena aplicada em vez de pena aplicável e deixou de se fazer referência ao concurso de crimes.

Art. 400.º

1 – Não é admissível recurso

f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.»

Uma coisa parece certa: com esta reforma, o legislador pretendeu, em matéria de recursos, “aliviar a carga” do STJ, acentuando a linha da reforma anterior e reservando para o Supremo Tribunal os casos de maior gravidade. Desde logo, o art. 400.º, n.º 1, alínea f), acima transcrito, ao tomar como referência da recorribilidade para o STJ a pena efectivamente aplicada, em vez da pena aplicável, restringiu substancialmente os casos de recurso para o mais alto tribunal, pois só no caso de ter sido aplicada pena superior a 8 anos de prisão, que tenha sido confirmada pela Relação, se admite recurso para o STJ – casos, portanto, que são já de grande gravidade.

Na verdade, seria um contra-senso, na perspectiva focada de restrição do recurso para o Supremo Tribunal, que o legislador, ao falar de pena aplicada em concreto, em vez de pena aplicável em abstracto, pretendesse levar o STJ a conhecer de todos os crimes que formam um concurso de infracções, mesmo que tais crimes correspondam àquela noção que normalmente se designa de criminalidade bagatelar ou que, tendo já passado pelo crivo da Relação, e não sendo crimes de bagatela, viram as respectivas condenações confirmadas por aquela, até um limite de gravidade tido como razoável (na opção legislativa, 8 anos de prisão), a partir do qual se justifica a revisão do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Deste modo, como se afirma no Acórdão de 21/10/2007, Proc. n.º 1772/07, da 3.ª Secção: «Temos, assim, dois momentos possíveis de definição de pena com sujeição a critérios diferentes: a definição das penas parcelares que modelam a moldura penal dentro da qual será aplicada a pena conjunta resultante do cúmulo jurídico e, posteriormente, a definição da pena conjunta dentro dos limites propostos por aquela. É quanto a nós evidente que as penas parcelares englobadas numa pena conjunta que está sujeita à regra da dupla conforme só podem ser objecto de recurso, desde que superiores a 8 anos de prisão. Por outras palavras: dir-se-á que está, então, em causa a forma como se produziu a pena conjunta do concurso superior a 8 anos de prisão e não qualquer uma das penas parcelares relativamente à qual foi cominada pena inferior àquele limite».

Em conclusão: quer se tome como ponto de partida o art. 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), na redacção anterior, quer o mesmo artigo na redacção actual conferida à alínea f) pelas alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/8, a situação é a mesma: não admissibilidade de recurso para o STJ em relação aos crimes acima referidos: peculato e abuso de poderes.
Consequentemente, o recurso tem de ser rejeitado relativamente a esses crimes.

9.1.2. Vejamos a questão da invocada nulidade insanável.
O recorrente sustenta que a separação de processos constitui nulidade insanável, porquanto ordenada por entidade incompetente (o Ministério Público) e vai mesmo ao ponto de considerá-la ferida do vício de inexistência; que, sendo invalidada tal separação, CC não participou em todo o processo como arguido, mas sim como testemunha e só depois, no decurso da audiência de julgamento, na sessão em que ia prestar depoimento como tal, é que «ganhou» a qualidade de arguido, passando a ser assistido por defensor; que ocorre nulidade insanável desde o momento em que foi determinada a separação de processos, devendo tirar-se do facto todas as consequências, e que a Relação não se pronunciou, na decisão aclaratória, sobre essas questões por si formuladas, o que constituiria nulidade por omissão de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP).
Alega ainda que a injunção imposta a CC é nula, nos termos do art. 126.º, n.º 1 e 281.º, n.º 2, ambos do CPP.
À guisa de introdução, deve dizer-se que estas questões, na sua maior parte, relacionam-se com direitos e interesses cuja titularidade não pertence ao recorrente, mas sim ao referido CC, que nunca arguiu qualquer nulidade ou invocou qualquer violação da lei. Todavia, tratando-se, pretensamente, de nulidade insanável, o seu conhecimento é oficioso por parte do tribunal, não estando a mesma sujeita ao regime de arguição pelo interessado e podendo tal conhecimento ocorrer até ao trânsito em julgado da decisão final. Porém, o tribunal não está rigorosamente adstrito a todas as questões que, a propósito, formula o recorrente, sendo certo que este sobrepõe nulidades: omissão de pronúncia relativamente às questões formuladas no requerimento de aclaração e a designada nulidade insanável propriamente dita.
A verdade é que, no acórdão aclaratório, o tribunal “a quo” afirma «ter afrontado, na sua essência, todas as questões colocadas pelo recorrente, designadamente no sentido de demonstrar que o despacho recorrido inutilizou a separação de processos, no que ao recorrente diz respeito, concedendo-lhe aquilo que ele próprio requereu. Na perspectiva de que o recorrente tem direito ao seu processo justo e equitativo, que teve, tendo-lhe sido asseguradas todas as garantias de defesa e de contraditório. Tanto mais que viu deferida a sua pretensão de ver CC depor na qualidade de arguido, como efectivamente depôs, a mais favorável ao recorrente de entre as possíveis em processo penal, e assim assegurado o efeito relevante da conexão, em relação ao recorrente. Não tendo o recorrente legitimidade para definir o desenlace material do processo em relação ao CC.» E porque não divisou qualquer obscuridade ou ambiguidade que a decisão aclaranda manifestasse, mas tão-só a pretensão do recorrente de questionar o mérito da apreciação efectuada, desatendeu o requerimento de aclaração.
Esta perspectiva mostra-se correcta.
Na verdade, o tribunal “a quo” atacou, no acórdão sobre que recaiu o pedido de aclaração, as questões fundamentais formuladas pelo recorrente, embora solucionando-as de modo que não veio a contento dele:

Sustenta o recorrente, contra o mencionado despacho, em síntese conclusiva, que: - é inexistente, por usurpação de funções, o despacho que ordenou a separação do processo em relação ao Engenheiro CC e, face à ilegalidade verificada, o mesmo não podia ser ouvido nos autos, em julgamento - nem como testemunha, nem como arguido, nem sob qualquer outro estatuto - sob pena de violação do art. 32º, n.º1 da Constituição da República, da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, devendo ser anulado todo o processado desde a “separação” de processos até final.
Respondeu o MºPº sustentando a improcedência do recurso dizendo, além do mais que, quando teve início a audiência de discussão e julgamento já o processo separado quanto a CC tinha sido definitivamente arquivado.
*
A este respeito, resulta da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento que, durante a mesma o arguido/recorrente apresentou um requerimento no qual sustentou que CC não podia depor nos autos na qualidade de testemunha – em que se encontrava arrolada na acusação.
Ouvidos sobre o requerimento, quer a assistente quer o MºPº se pronunciaram pelo indeferimento do requerimento, sustentando que CC devia ser ouvido na qualidade de testemunha em que tinha sido arrolado.
Foi então que, tomando posição sobre tal requerimento, foi proferido o despacho em apreciação, exarado em acta, na Sessão de 08 de Fevereiro de 2007, cujo teor integral é o seguinte:
“O engenheiro CC foi constituído arguido, na fase de inquérito, tendo sido quanto a ele suspenso provisoriamente o processo e constituído um apenso para acompanhamento das medidas de injunção que lhe foram impostas (fls. 1488-1489).
Em face do motivo que deu origem à extracção da certidão e sendo certo que em relação ao eng. CC a suspensão ocorreu nestes auto, não ocorreu propriamente uma separação de processos, visando o apenso constituído exclusivamente o acompanhamento, por parte do MºPº, das medidas impostas a este arguido. Assim, nos termos do art. 133º n.º1, al. a) do CPP, por se entender não ter ocorrido separação de processos, o Engenheiro CC está impedido de depor como testemunha, pelo que será inquirido na qualidade de co-arguido, caso nisso consinta”.
Por efeito de tal despacho, CC foi ouvido em audiência com as prerrogativas então vigentes para o arguido, encontrando-se assistido por advogado constituído.
Resulta ainda dos autos, com relevo, que:
- CC foi constituído arguido na fase de inquérito preliminar dos presentes autos, tendo sido interrogado nessa qualidade, por indiciado como corruptor activo num dos crimes de corrupção passiva que vieram a ser imputados ao ora recorrente na acusação;
- ainda na mesma fase de inquérito preliminar, o MºPº, em decisão fundamentada [nos termos dos artigos 9º da Lei 36/94 de 29.09 - Medidas de Combate à Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira], 281º, n.º2 e 282º, n.º1 do CPP, com a concordância da Mª JIC, determinou a suspensão provisória do processo em relação ao aludido CC, com imposição do dever de contribuir para a descoberta da verdade;
- nesse mesmo despacho o MºPº deduziu acusação contra os restantes arguidos (o ora recorrente e aqueles que vieram a ser absolvidos na decisão final nos termos supra referidos) e determinou a separação de processo quanto a CC - do que resultou a abertura do processo autónomo de inquérito com o n.º187/04.3RACBR, então organizado, em relação a CC, para acompanhamento da medida de suspensão provisória decretada com a concordância da Mª JIC;
- na acusação então deduzida nos presentes autos CC foi arrolado como testemunha;
- os próprios arguidos o arrolaram também, na sua contestação, como testemunha;
- qualidade em que se manteve durante a tramitação processual subsequente, ao longo de anos, até que foi suscitada a questão na fase de julgamento, nos termos já referidos.
O recorrente invoca que a audição de CC viola não só o seu direito de defesa, como ainda que viola o direito de defesa do próprio CC.
Quanto a CC o recorrente carece de legitimidade, legitimação ou mandato para o defender – e como se referiu esteve devidamente assistido em audiência por mandatário constituído. Como o esteve nos actos processuais que lhe diziam respeito em que tal se impunha.
Ficando de pé os fundamentos ligados à violação dos direitos do recorrente.
Ora o despacho recorrido considerou que não ocorreu uma verdadeira separação de processos e que o apenso organizado em relação a CC apenas teve por finalidade o acompanhamento das medidas que ali lhe foram aplicadas – daí que o tribunal recorrido o tenha ouvido com as prerrogativas inerentes à condição de arguido, mais favorável ao recorrente do que a de testemunha, além do mais por poder recusar-se a depor.
Tendo prevalecido, no despacho recorrido, entre as duas perspectivas aventadas (testemunha ou arguido) aquela que deixava CC amarrado ao estatuto que lhe permitia ficar calado, como o recorrente pretendia.
Materialmente deu-lhe ainda razão ao reconhecer que não houve uma verdadeira separação de processos.
Certo é que a conexão de processos só opera quando os mesmos se encontram na mesma fase – art. 24º, 2 do CPP. De onde que, permanecendo na fase de inquérito em relação a CC (suspensão provisória legalmente decretada com a concordância do juiz) se impunha a separação relativamente aos restantes arguidos em relação aos quais o processo transitava para a fase de julgamento.
O despacho recorrido tem subjacente o entendimento de que a separação devia ter sido determinada por despacho do juiz – e não do MºPº. Daí que, para o efeito em questão nos presentes autos, o teve por irrelevante, conferindo o estatuto de arguido a CC.
Na verdade, a separação em si foi decretada apenas pelo MºPº - se bem que a causa ou fundamento (a suspensão provisória) tenha sido homologado pela J.I.C..
Quando a cessação da conexão era da competência do juiz, oficiosamente ou a requerimento de algum dos sujeitos processuais – art. 30º n.º1 do CPP.
Assim, o despacho recorrido, tendo considerado de nenhum efeito o despacho que determinou a separação - praticada a non judice - daí tendo tirado as consequências relevantes em relação ao ora recorrente, ouvindo CC com as prerrogativas inerentes a tal condição, devidamente patrocinado em audiência por defensor constituído, advertindo-o de que não era obrigado a depor, não merece censura.
*
Por outro lado a perspectiva de que CC não pode ser ouvido nos autos seja em que qualidade for, salvo o devido respeito, carece de fundamento.
De acordo com o princípio do Estado de Direito a liberdade é a regra e as limitações a excepção. De onde resulta que CC, como qualquer cidadão não inibido de direitos mediante procedimento adequado, apenas poderia ser impedido de depor, havendo norma que postule tal impedimento.
Ora - apenas - estão impedidos de depor como testemunhas as pessoas nas situações expressamente definidas no art. 133º do CPP. Entre elas, com interesse para o caso, “o arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processo conexo enquanto mantiverem essa qualidade”.
E, logicamente, quem estiver impedido de depor na qualidade de testemunha não pode estar impedido de depor na qualidade que determina ou constitui a causa desse mesmo impedimento.
Aliás, no regime saído da revisão do CPP de 2007, na perspectiva de ultrapassar dúvidas que se vinham suscitando a este respeito (nessa medida constituindo critério interpretativo do regime anterior), houve uma efectiva aproximação entre o estatuto de arguido e de testemunha que tenha sido constituída arguido no mesmo processo e tenha deixado de o ser. Conferindo-lhe agora expressamente a lei (art. 133º n.º2 do CPP) a mesma faculdade de se recuar a depor que assiste ao arguido, ainda que o processo separado a decisão haja transitado em julgado.
Postulando que “Em caso de separação de processos os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo, mesmo que já condenados por sentença transitado em julgado, só podem depor como testemunha se nisso expressamente consentirem”.
Ora, no caso dos autos, tal garantia foi plenamente assegurada: CC, depois de advertido expressamente dessa faculdade consentiu em depor, encontrando-se, ainda assistido por mandatário forense, com exercício do contraditório por parte do recorrente, na audiência pública onde o depoimento foi prestado.
Não tendo assim sido omitida qualquer formalidade que pudesse, de alguma forma, afectar a validade do depoimento ou o direito de defesa do recorrente.
Aliás quer o MºPº quer o assistente interpuseram recurso do mesmo despacho, sustentando que F. CC devia ter deposto na qualidade de testemunha em que fora arrolado. Mas, entendendo que estava em causa apenas uma questão de valoração/credibilidade do depoimento presta o MºPº desistiu do recurso considerando haver inutilidade superveniente na sua apreciação. E o recurso da assistente não foi admitido precisamente com fundamento na ausência de interesse em agir.
A qualificação de CC como agent provocateur au service de la police (quando antes o recorrente quis e foi-lhe concedido o estatuto de co-arguido) carece também de fundamento. Porque não existe qualquer circunstância de provocation nem de service de la police.
Pelo contrário da descrição da matéria de facto que constitui objecto do processo resulta evidente que CC teve qualquer actuação de “provocação” do arguido à prática do crime. Não existiu, nem o recorrente invoca, qualquer actuação enganosa que pudesse ter induzido o recorrente à prática dos factos típicos - critério subjacente à figura de agente provocador, dentro do conceito mais geral de homens de confiança – cfr., por todos Susana Aires de Sousa, Liber Discipulorum para Figueiredo Dias, p. 1231, fazendo a síntese doutrinária sobre o tema. Muito menos a existência do nexo de causalidade entre o erro ou o suposto engano ou perturbação da liberdade do recorrente, manifestamente não verificados, e a prática do crime, outro pressuposto da relevância da figura do agente provocador como meio de prova não admissível – cfr. autora e obra citadas, p. 1233.
A audição de CC, nos termos em que foi efectuada, não viola os direitos de defesa do recorrente previsto no art. 32º, n.º1 da Constituição da República ou nas Convenções Internacionais invocadas. Pelo contrário a pretensão de que Fernando CC não podia ser ouvido nos autos, fosse em que qualidade fosse, equivaleria a inibi-lo dos seus direitos cívicos, sem base legal, sem processo ou julgamento, o que constituiria, sim, violação de direitos fundamentais.
Impõe-se assim, em face do exposto, a improcedência deste recurso.

Ora, como resulta patente do trecho transcrito, as questões fundamentais foram tratadas no acórdão recorrido, de um modo que até se pode considerar exaustivo.
O problema de estarmos em face de uma nulidade insanável que deveria ter determinado a consequência pretendida pelo recorrente – anulação de todo o processado a partir da ordenada “separação de processos” é outro problema. O tribunal “a quo” entendeu que os principais efeitos que havia a retirar, quanto ao recorrente, da considerada inválida separação de processos foram devidamente extraídos, tendo-se ouvido o Eng.º CC na qualidade de co-arguido, em que não era obrigado a prestar quaisquer declarações – consequência de que foi advertido, tendo sido assistido por defensor. Dessa forma, o efeito negativo que o recorrente pretendia afastar com a nulidade foi arredado, uma vez que o Eng.º CC tinha a faculdade de, como co-arguido, nada dizer e, portanto, de não produzir quaisquer declarações, tanto as que o pudessem incriminar, como as que pudessem incriminar o recorrente. Todavia, o mesmo Eng.º CC entendeu, mesmo assim, prestar declarações, fazendo-o de livre vontade, tanto mais que é um homem de cultura superior e foi advertido pelo tribunal de que não tinha a obrigação de falar, podendo remeter-se ao silêncio, sem que daí lhe pudessem resultar quaisquer consequências desfavoráveis. O recorrente é que não gostou que ele prestasse declarações. Por isso, forceja pela nulidade insanável, pretendendo a todo o custo a anulação do processado a partir do momento em que foi ordenada a separação de processos. Mas sem razão.
Com efeito, por um lado, não vemos onde esteja a nulidade insanável, pese embora o esforço desenvolvido pelo recorrente nesse sentido e o meritório parecer do Prof. Faria e Costa.
No encerramento do inquérito, o Ministério Público fez uma avaliação dos indícios existentes nos autos, concluindo que, quanto ao Eng.º CC, as provas recolhidas indiciavam a prática de um crime de corrupção passiva, nos termos do art. 374.º, n.º 2 do CP – a solicitação do arguido AA, então presidente da Câmara de ... e presidente do júri para aprovação de propostas, CC teria prometido entregar àquele uma quantia não superior a 50.000.000$00 para que o arguido AA não pusesse entraves ao júri ou, caso necessário, o determinasse no sentido de atribuir vencimento, no concurso público, à firma de que era administrador, o que, aliás, veio a conseguir; já na pendência dos trabalhos, veio a efectuar o pagamento de 25.000.000$00, em três fases, na expectativa criada pelo arguido AA de poder receber o pagamento devido à sua empresa “OO, S.A., pelos autos de medição efectuados. Todavia, atendendo à colaboração prestada no processo por CC, permitindo esclarecer a participação do arguido AA no crime de corrupção, bem como outros com ele associados, nomeadamente o crime de branqueamento de capitais e ainda outros crimes, como o de peculato, o Ministério Público propôs quanto a ele a suspensão provisória do processo pelo período de 2 anos, nos termos dos arts. 281.º e 282.º do CPP, mediante a injunção de pagamento da quantia de € 5.000,00 (sem auferir de benefícios fiscais) a favor da “Associação Aurora Ressurreição C. Borges”, de Seia, a prestar no prazo de 1 ano, e a regra de conduta de continuar a manter colaboração com as autoridades judiciárias ou policiais, durante a pendência do processo, com vista à integral descoberta da verdade material.
Com tal proposta veio a concordar CC e a juiz de instrução, pelo que foi proferido despacho nesse mesmo sentido pelo Ministério Público e com o conteúdo assinalado.
Ao mesmo tempo, com o objectivo de evitar atrasos e dificuldades com a eventual reabertura dos autos nessa parte, o Ministério Público ordenou se extraíssem certidões de determinadas peças e do despacho indicado para serem autuados como inquérito autónomo, para «ulterior processamento das diligências de acompanhamento e de execução das medidas impostas».
Ora, a separação de processos, assim determinada, foi na fase de inquérito.
Com efeito, a causa ainda não havia sido atribuída a um tribunal, pois não tinha sido deduzida acusação, que ocorreu posteriormente, mas em relação a outros arguidos (quanto ao arguido alvo da suspensão provisória, não foi, evidentemente, sequer, deduzida acusação, porquanto a medida de suspensão provisória do processo traduz-se em «um arquivamento condicionado ao prévio cumprimento de injunções e regras de conduta», como se anota no Acórdão de Fixação de Jurisprudência deste Tribunal n.º 16/2009, de 18/11/2009 – DR 1.ª S/A de 24/12/2009). O facto de o juiz de instrução ter intervindo no sentido de concordar com a suspensão provisória, que é da competência do Ministério Público (O Ministério Público ⌠…⌡ determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão provisória do processo ⌠…⌡ - estatui o art. 281.º, n.º 1 do CPP) não significa que a causa, por esse facto, ficasse afectada a um tribunal ou estivesse na esfera de competência de um juiz, nomeadamente do juiz de instrução. Aliás, em conformidade com tal aresto, a “concordância” do juiz é um mero pressuposto da decisão do Ministério Público, pois a este é que compete a decisão final do processo nesta fase: deduzindo acusação, arquivando ou suspendendo-o provisoriamente. Ou ainda nas palavras de ANABELA MIRANDA RODRIGUES, citada no referido Acórdão: “(…) a concordância do juiz é, assim, uma mera formalidade essencial, embora de conformação (validade) daquela decisão (do Ministério Público)” (…), não se tratando de decisão ( a do juiz) de que se possa recorrer.
Salienta-se ainda no aresto de fixação de jurisprudência que «a figura da “concordância” judicial surge como instituto com espaço próprio, e único, desinserido do contexto normal de actuação do juiz de instrução tal como está definida no artigo268.º do Código de Processo Penal». Nesta linha de pensamento, vem a concluir-se que «a “concordância” ou “não concordância” não configura a forma de acto decisório, o que a exclui do âmbito dos actos passíveis de recurso, face ao art. 399.º do Código de Processo Penal».
Ora, sendo assim, o processo (conexo) no que toca ao arguido CC (actualmente, definitivamente arquivado) não passou da fase de inquérito, tendo o Ministério Público competência para a separação de processos, nos termos do disposto no art. 264.º, n.º 5 do CPP.
Desta forma, pese embora o sapiente parecer do Prof. Faria e Costa, não ocorreu qualquer nulidade por incompetência material da entidade que ordenou tal separação. E, muito menos, a nulidade que foi apontada – a da alínea c) do art. 119.º, materializada na «ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exigir a sua comparência». Dir-se-ia que foi a ausência do arguido por, quanto a ele, o processo ter sido arquivado provisoriamente que ditou a separação de processos, vendo-se conveniência em tal separação para processamento e acompanhamento, em processo autónomo, das medidas impostas como condição do arquivamento, sem interferir no normal andamento do processo principal (2.ª parte da alínea d), do n.º 1, do art. 30.º do CPP).
Ainda, porém, que assim não fosse e que a separação ordenada não surtisse qualquer efeito, já por não ter ocorrido «propriamente uma separação de processos, visando o apenso constituído exclusivamente o acompanhamento, por parte do M.º P.º, das medidas impostas a este arguido ⌠CC⌡», como se decidiu na 1.ª instância, na sessão de audiência de julgamento de 8/02/2007, já por, subjacente a tal decisão, estar o entendimento de que a separação devia ter sido determinada por despacho do juiz, como se aventou no Acórdão da Relação, o certo é que, a ter havido nulidade, por incompetência material da entidade que a ordenou, não se impunha a anulação de todos os actos a partir do despacho que determinou a separação, como pretende o recorrente.
Na verdade, a declaração de nulidade implica a invalidade do acto em que se verifica e de todos aqueles que dele dependerem e aquela possa afectar (art. 122.º, n.º 1 do CPP). Ora, dado sem efeito (isto é, anulado) o despacho do Ministério Público que ordenou a separação, que outros actos que pudessem ser afectados se impunha que fossem invalidados? A acusação deduzida contra os restantes arguidos estava fora de questão, uma vez que não implicava com a situação do arguido CC; a instrução também não, pelas mesmas razões. Os actos posteriores, idem. Apenas poderia estar em causa o estatuto processual em que deveria intervir, no julgamento, o referido CC: como testemunha, tal como havia sido indicado na acusação e na pronúncia, ou como co-arguido. Ora, o tribunal, como vimos, decidiu-se por este último, considerando que não tinha havido «propriamente uma separação de processos», passando o mesmo a ser assistido por defensor e a ser ouvido em tal qualidade, com o inerente direito ao silêncio. Nada mais se impunha.
A argumentação do recorrente de que o referido CC não manteve, quando devia manter sempre, o estatuto de arguido e daí que, inexplicavelmente fale na nulidade da “ausência do arguido ou do seu defensor nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, é artificial e sem base na realidade, porque, afinal, este se dispunha a depor quer como testemunha, quer como co-arguido, sem se sentir minimamente beliscado nos seus direitos em qualquer desses estatutos. O certo é que, no momento próprio, lhe foi reconhecido o direito ao estatuto especial de arguido, com os inerentes direitos. Antes disso, ele não precisou de comparecer em tal qualidade, nem de ser assistido por defensor, salvo no momento em que, no inquérito, foi constituído e ouvido como arguido, com assistência de defensor, após o que o Ministério Público entendeu suspender provisoriamente o processo, com a concordância da juiz de instrução.
Finalmente e em relação à injunção que o recorrente diz ser nula, duas palavras:
CC viu suspender-se-lhe provisoriamente o processo com a sujeição a uma injunção – entrega de um quantitativo a favor de estabelecimento de assistência – e de uma regra de conduta - continuar a manter colaboração com as autoridades judiciárias ou policiais, durante a pendência do processo, com vista à integral descoberta da verdade material.
É esta última que o recorrente visa.
Não se pode dizer que seja uma regra de conduta muito escorreita, do ponto de vista dos direitos fundamentais. Todavia, o visado aceitou-a e a juiz de instrução manifestou a sua concordância. Ora, se foi aquele o atingido, pareceria lógico que fosse ele a manifestar-se e a indignar-se, tanto mais que é pessoa habilitada com curso superior e facilmente acede à compreensão dos seus direitos.
O que parece insólito é que seja o recorrente a defender os direitos de que é titular aquele sujeito processual, que até foi assistido por defensor, e que o recorrente chegue ao ponto de dizer que “a injunção (…) é nula, por ferir a dignidade moral daquele, através de uma autêntica coacção”, quando lhe chegou a atribuir o papel de «agent provocateur au service de la police».
A coacção seria a condição de «continuar a colaborar com as autoridades judiciárias ou policiais na pendência do processo, com vista à integral descoberta da verdade», para poder vero seu processo arquivado. Todavia, a condição foi imposta na pressuposição de que ele iria depor como testemunha, sendo que a testemunha é ajuramentada e obrigada a responder com verdade (art. 132.º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPP), pelo que a condição não poderia ser qualificada de coacção. Porém, CC não foi ouvido como testemunha, mas na qualidade de co-arguido, tendo sido advertido pelo juiz-presidente de que tinha a faculdade de não prestar declarações e sendo assistido por defensor, o que motivou recursos por parte do Ministério Público e do assistente, o deste não admitido e o daquele ficando pelo caminho, através de desistência do recorrente, por inutilidade superveniente da lide. Dessa forma, a pretensa coacção consistente na vinculação a colaborar na descoberta da verdade foi arredada, por essa via tendo o tribunal retirado todo o efeito à condição imposta e coadunando-a com o estatuto próprio do arguido e com as exigências legais e constitucionais daí decorrentes. Se CC optou por prestar declarações, fê-lo no exercício de um direito, tendo sido livremente e não coagido que as prestou, como, aliás, já as havia prestado em inteira liberdade, com assistência de defensor, durante o inquérito. Partir do pressuposto contrário, equivale a passar a CC um atestado de “capitis deminutio”.
Em conclusão: o recurso não procede nesta parte, não vendo este Tribunal, na matéria analisada, qualquer nulidade por omissão de pronúncia, nulidade insanável por força da separação de processos, nulidade nos termos do art. 126.º, n.º 1 do CPP, por utilização de qualquer método proibido de prova, ou outra ofensa a direitos e princípios fundamentais da Constituição.

10. Relativamente à decisão final, o recorrente invoca omissão de pronúncia no que se refere á decisão de facto, visando particularmente o depoimento da testemunha DD, increpando o Acórdão recorrido por não ter considerado integralmente as conclusões B16 a B18 e B24 da motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação e, por força disso, ter desconsiderado o princípio in dubio pro reo, que, no seu entender foi erradamente considerado pelo tribunal “a quo” como corporizando matéria de direito.
As conclusões B16 a B18 e B24 da motivação de recurso apresentada no Tribunal da Relação são as seguintes:
B16: Dir-se-á agora da corrupção em que teria intervindo o DD. Também a este propósito deverão V. Ex.ªs concluir que o Acórdão tem de ser revogado pois o mesmo não conseguiu apurar dados mínimos acerca da putativa entrega que este teria feito ou intentado fazer ao arguido e, de entre elas, a própria entrega, aporia com a qual o Acórdão se debate (cfr. página 59) mas que não logrou superar.
B17: Aliás, o conhecimento da data em que os factos, a serem verdadeiros, teriam ocorrido, é de importância fulcral para a determinação da lei substantiva aplicável, uma vez que esta viu a sua redacção alterado em Novembro de 2001 (Lei n.º 108/2001).
B18: Por conseguinte, neste caso, o Acórdão julgou contra reo, assim violando, por desatenção, o princípio relativo à prova decorrente do n.º 2, do artigo 32º da CRP – corolário do princípio da presunção de inocência.
(…)
B24: e para aquele 12º, nos termos do depoimento de DD, 8ª Sessão de 30 de Janeiro de 2007, cassete nº 19, Lado A, rotações 358 a 578 (integralmente transcrito no ponto A 5.1.6. da motivação).

No texto da motivação do recurso interposto para este Tribunal, o recorrente, explicitando o que verteu nas conclusões 24.ª e 25.ª, alega que cumpriu o ónus de especificação imposto pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP, referindo o que fez constar de fls. 5921 da sua motivação de recurso para o tribunal “a quo”: Depoimento de DD, prestado na 8.ª sessão de 30 de Janeiro de 2007, gravado na cassete n.º 19, lado A, rotações 358 a 578 e, em concreto, as rotações 409 a 417. Ora, estas rotações constam de fls. 5923 v.º
Mais adiante, refere:
«O passo das declarações desta testemunha devidamente circunscrito, conjugado com a fundamentação a respeito deste “crime” constante do acórdão da 1.ª instância, permite mostrar que a condenação pelo mesmo se baseou no depoimento confuso e titubeante de uma única testemunha, o que foi desconsiderado pelo acórdão o qual, a este respeito, se perdeu em considerações sobre a natureza do princípio in dubio pro reo. Ora, não pode acompanhar-se a afirmação, salvo o devido respeito, simplista de que tal princípio geral de processo penal releva de matéria de direito.»
Comecemos por ver o que o tribunal de 1.ª instância exarou, a propósito, na fundamentação da convicção sobre tal passo da matéria de facto, que o recorrente diz ter-se baseado unicamente no “depoimento confuso e titubeante de uma única testemunha,” para daí partir para a crítica do acórdão recorrido:

- DD:
A versão dada como provada está conforme ao relato efectuado pela testemunha DD, que, à semelhança de CC, descreveu como, em virtude de atrasos nos pagamentos, se dirigia ao arguido AA a solicitá-los, respondendo-lhe este que a Câmara Municipal não tinha dinheiro, e que para lhe pagar teria de lhe dar “algum dinheiro”, pedindo um montante em concreto (2.000 ou 4.000 contos, segundo a testemunha, que declarou não se recordar com precisão do montante) o que sucedeu várias vezes.
A testemunha depôs com clareza, precisão e seriedade, merecendo inteira credibilidade.
Contrapôs o arguido AA que os atrasos nos pagamentos se deveram, por um lado, a atrasos nos recebimentos das comparticipações do FEDER. Ora, no que respeita a esta obra, a testemunha já referida M... I... R... B..., que geriu o 2º financiamento do Quadro Comunitário de Apoio, no âmbito do qual foi financiada a obra em causa, declarou que o pagamento das comparticipações do FEDER eram céleres, o que foi confirmado através do ofício de fls. 4391.
Conjugando estes pagamentos recebidos pela Câmara Municipal pela CCDRC com os elementos remetidos pela Câmara Municipal de ..., constantes de fls. 4424 a 4577, confirma-se que os pagamentos ao empreiteiro foram efectuados pela Câmara Municipal com grande atraso, e que os próprios pedidos de comparticipação foram dirigidos ao ICER vários meses após a facturação e aprovação dos trabalhos executados (constituindo esta a razão para os atrasos invocados pelo arguido AA…). Apesar de, na acusação formulada, não constar data concreta da prática dos factos, foi referido pela testemunha que as exigências de entrega de dinheiro por parte do arguido AA ocorreram numa altura em que estava em dívida à empresa um montante entre 15.000 e 20.000 contos, e quando lhe foi solicitar esse pagamento. Pode verificar-se que estava, de facto, montante superior a esse em dívida numa altura em que é efectuado um pagamento à empreiteira – que coincidirá com a prática dos factos provados.
Ao contrário do invocado pelo arguido AA, não há registo de defeitos da obra, sendo sempre referido pela técnica da Câmara Municipal, na documentação, que os trabalhos se encontram elaborados de forma correcta, propondo o seu pagamento.

Sobre a matéria impugnada, o acórdão recorrido teceu, na verdade, longuíssimas e eruditas considerações acerca da apreciação e valoração da prova e modo de impugnação dela, de acordo com as exigências legais, tudo à laia de introdução aos recursos da matéria de factos interpostos pelo arguido e pela assistente.
Mas depois apreciou em concreto cada um dos recursos.
No tocante às considerações introdutórias, serão de destacar, por relevantes, as seguintes passagens:
(…)
O mencionado ónus de especificação não é cumprido, quando o recorrente remete, de forma abrangente e genérica para “toda” a prova produzida em audiência ou, quando se trata de prova produzida oralmente na audiência, para “todo” ou a globalidade de determinado depoimento, sem especificar o conteúdo concreto do depoimento que a decisão recorrida não ponderou ou valorou incorrectamente.
(…)
O tribunal de recurso não efectua um “novo julgamento”, constitui antes instrumento de reapreciação da (prévia) decisão do tribunal recorrido.
Daí que a motivação do recurso deva especificar os concretos fundamentos da discordância em que estriba a incorrecção apontada á decisão recorrida, a fim de que o tribunal de recurso possa efectivamente sindicar a sua existência – valoração de meios de prova ilegais ou que não foram validamente produzidos; valoração de meios de prova validamente produzidos em desconformidade com os critérios legais de apreciação da prova.
Como observa Germano Marques da Silva [Revista Julgar, n.º1- Janeiro-Abril 2007, p. 150] “no recurso não está em causa o princípio da livre convicção do julgador, mas apenas a correcção de julgamento em função das provas produzidas em audiência. Não se trata tanto da interpretação de provas produzidas, mas da comprovação de que o juízo se fundou nas provas produzidas ou examinadas em audiência”.
Com efeito, ou a decisão não se encontra devidamente fundamentada por não proceder à apreciação crítica dos meios de prova em que se fundamenta (e então á nula, nos termos dos artigos 374º e 379º do CPP), ou então, encontrando-se devidamente fundamentada, a procedência do recurso obriga a que essa fundamentação seja rebatida ou posta em crise, de forma minimamente persuasiva, demonstrando a sua inconsistência ou incorrecção face dos critérios legais da produção e apreciação da prova.
(…)
Competindo ao recorrente em matéria de facto substanciar os concretos fundamentos capazes de abalar ou infirmar decisão recorrida e devem levar (impor) à sua modificação, especificando os pontos concretos da matéria de facto impugnada como os concretos meios de prova susceptíveis de, numa apreciação conforme à lei, devem levar ou impõem decisão diversa da recorrida.
O que, quando se trata de prova produzida oralmente em audiência exige que precisem as concretas afirmações produzidas no depoimento que o tribunal recorrido não valorou ou valorou incorrectamente de modo a justificar que a análise alternativa proposta pelo recorrente impõe ou leva a que, ponderado em conformidade com os critérios legais, deva ser adoptada outra decisão.
(…)
A livre convicção tem como limite, como se adiantou, o princípio in dubio pro reo – cuja violação é invocada no caso em apreço.
Sendo este princípio considerado pela doutrina largamente maioritária um princípio estritamente atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58.
(…)
De qualquer forma, constituindo um princípio geral de direito (processual penal) a sua violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.
Significa que “em caso de dúvida razoável, após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido” – formulação de Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, ed. de 1974, p. 215, fazendo a síntese da doutrina.
Não é assim toda a dúvida, lançada em abstracto, que legitima o funcionamento deste princípio. Mas apenas a dúvida argumentada que, em concreto, após a produção e análise crítica de todos os meios de prova relevantes e sua avaliação de acordo com os critérios legais – deixa o observador (objectivo e distanciado do objecto do processo) num estado em que permanece como razoavelmente possível mais do que uma versão do mesmo facto.
“A própria dúvida está sujeita a controlo, devendo revelar-se conforme á razão ou racionalmente sindicável, pelo que, não se mostrando racional, tal dúvida não legitima a aplicação do citado princípio razoável” – cfr. Ac. STJ de 04.11.1998, BMJ 481º, p. 265.
(…)

Quanto à abordagem propriamente dita da questão posta, o Acórdão recorrido pronunciou-se desta maneira:
Sustenta o recorrente, nas Conclusões 16-18, que o crime de corrupção em que teria intervindo DD “não contém dados mínimos” relativos à data em que teriam ocorrido os factos e que o conhecimento da data em que os factos, a serem verdadeiros, teriam ocorrido, seria de importância fulcral para a determinação da lei substantiva aplicável, uma vez que esta viu a sua redacção alterado em Novembro de 2001 (Lei n.º 108/2001).
Invocando, com este fundamento, a violação do princípio in dubio pro reo – vigente, como se evidenciou supra na apreciação da matéria de facto.
Ora a questão suscitada não é relativa à apreciação da prova relevante em termos de decisão da questão e facto, mas sim uma questão de direito – trata-se de saber se os factos provados são suficientes para integrar os elementos do crime na redacção da lei em vigor ao tempo dos factos ou outra entretanto introduzida, sabido que, em tal situação o tribunal deve aplicar o regime em concreto mais favorável – art. 2º. N.º4 do CPP.
Tratando-se assim de uma questão de direito - subsunção da matéria provada a um dos regimes aplicáveis.
De qualquer forma consta da decisão recorrida, a este respeito (cfr. pontos 52-56): «« A obra veio a ser adjudicada em 24.1.97 à “... e Filho, L.dª”, representada por DD, e, uma vez efectuada a respectiva escritura, em 12.2.97, foram-lhe entregues os trabalhos por via do respectivo auto de consignação de 30.4.97. O arguido AA, no decurso dos trabalhos – perante a existência de vários autos de medição já efectuados e não pagos –, e numa altura em que a Câmara Municipal se encontrava na situação de devedora de cerca de 20.000.000$00, abordou o DD e solicitou-lhe uma quantia entre 2.000.000$00 e 4.000.000$00. Deparando com uma primeira recusa, o arguido não ordenou o pagamento do devido à firma construtora, vindo mais tarde a insistir no pedido, perante o qual DD, convencido de que nada lhe seria de imediato entregue por conta do preço dos trabalhos realizados, acedeu em lhe entregar a quantia de 1.000.000$00 ou 2.000.000$00.Porém, não tendo a intenção de lhe fazer entrega de soma alguma, aguardou a oportunidade e, quando foi chamado à Câmara Municipal pelo arguido AA a fim de ser pago pelos trabalhos, apresentou-se no seu Gabinete munido de um cheque previamente preenchido de forma deliberadamente irregular»»
Situando assim claramente os factos por referência à adjudicação, formalização da escritura e auto de consignação da obra, em 30.04.1997.
DE onde que o “recorte de vida” relativo ao crime em que intervém DD ocorreu após a consignação da obra, em 30.04.2007 e o final desse mesmo ano.
De onde que nem se trata de uma questão de valoração de prova ou matéria de facto, onde vigora o invocado princípio in dubio pro reo, nos termos supra definidos. M– tratado aliás pela decisão recorrida em sede própria.

Ora, em primeiro lugar, a decisão recorrida não omitiu pronúncia sobre a questão colocada. Debruçou-se sobre ela, em particular sobre um aspecto focado na motivação de recurso – a questão da data da prática dos factos, conexionada com a aplicação do princípio in dubio pro reo – princípio este que não foi interpretado pelo tribunal “a quo” na vertente que o recorrente lhe imputa, ou seja, “relevando da matéria de direito”. Antes pelo contrário, o tribunal “a quo”, nas considerações preliminares, citando, aliás, abundante doutrina e jurisprudência, considerou que se tratava de «um princípio estritamente atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito».
Em segundo lugar, o tribunal “a quo” articulou esse princípio com a prova produzida, considerando que o problema colocado não se situava propriamente no âmbito da valoração da prova, onde o citado princípio tem o seu campo de aplicação. Isto, porque, resultando clara da matéria assente, devidamente conjugada e interpretada à luz de elementos objectivos, a localização temporal dos factos, o problema seria de aplicação da lei mais favorável, no âmbito da sucessão de leis penais que o recorrente expressamente focou.
Mas mais do que isso: sendo que o princípio in dubio pro reo, impondo-se como limite da livre convicção do tribunal, significa que, produzida a prova, deve valorar-se a favor do réu a dúvida razoável (e apenas a dúvida razoável) que possa subsistir, o que vem a traduzir-se numa decisão de non liquet a respeito do facto que desfavorece o réu, seja esse facto relativo aos elementos incriminadores, seja a circunstâncias agravantes, seja ainda em relação a circunstâncias excludentes da ilicitude, da culpa ou da pena, no caso, por inexistência dessa dúvida razoável, o princípio não tem aplicação. Tudo isso resulta da conjugação das considerações tecidas, quer a nível preliminar, quer já em focamento directo da questão, pois a fundamentação tem de ser lida em globo.
Em terceiro lugar: dizendo-se, entre o mais, na fundamentação da decisão, que ao recorrente «incumbe substanciar os concretos fundamentos capazes de abalar ou infirmar a decisão recorrida e que devem levar (impor) à sua modificação, especificando os pontos concretos da matéria de facto impugnada como os concretos meios de prova susceptíveis de, numa apreciação conforme à lei, devem levar ou impõem decisão diversa da recorrida»; e que «o mencionado ónus de especificação não é cumprido, quando o recorrente remete, de forma abrangente e genérica para “toda” a prova produzida em audiência ou, quando se trata de prova produzida oralmente na audiência, para “todo” ou a globalidade de determinado depoimento, sem especificar o conteúdo concreto do depoimento que a decisão recorrida não ponderou ou valorou incorrectamente», resulta também da decisão recorrida que esse ónus não foi inteiramente cumprido e que, em consequência disso, haveria que dar prevalência à motivação da convicção.
Lê-se a certo passo, no excerto acima transcrito, nas considerações preliminares: «Com efeito, ou a decisão não se encontra devidamente fundamentada por não proceder à apreciação crítica dos meios de prova em que se fundamenta (e então é nula, nos termos dos artigos 374º e 379º do CPP), ou então, encontrando-se devidamente fundamentada, a procedência do recurso obriga a que essa fundamentação seja rebatida ou posta em crise, de forma minimamente persuasiva, demonstrando a sua inconsistência ou incorrecção face dos critérios legais da produção e apreciação da prova.»
Ora, o recorrente limitou-se a impugnar a convicção do tribunal, pondo em causa um depoimento que qualificou globalmente de “confuso e titubeante”, mas que, como resulta da fundamentação da convicção da decisão da 1.ª instância, apresenta uma versão lógica, racional e apoiada em vários elementos que foram conjugados uns com os outros, numa tessitura mais complexa, do que a apodada confusão e titubeação deixa pressupor.
Acresce que o recorrente pretendia extrair da desvalorização global desse depoimento, que mereceu todo o crédito ao tribunal, e que foi cotejado criticamente com a versão do próprio recorrente e com outros elementos probatórios que foram carreados, mas que foram desconsiderados na motivação de recurso, um clima de incerteza e dúvida, com vista à aplicação do princípio in dubio pro reo, ou seja a uma decisão de non liquet quanto à prova do facto que lhe era imputado e pelo qual foi condenado. Todavia, como se vê do exposto até aqui, a partir da análise dos textos decisórios (o da 1.ª instância, na parte da motivação da convicção, integrada na fundamentação da decisão da Relação e o desta, na sua fundamentação autónoma), a prova foi clara e concludente, não deixando margem para dúvidas, muito menos para uma dúvida razoável.
Deste modo, para além de não ter omitido pronúncia, a decisão recorrida decidiu acertadamente, se bem que pudesse ter feito uma melhor concatenação e concretização da sua fundamentação, de modo a evitar um maior esforço interpretativo.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

11. A questão das escutas telefónicas
11.1. O recorrente esgrime contra as escutas telefónicas em duas vertentes: ser um meio de obtenção de prova que só é válido no momento preventivo da criminalidade, nos termos do art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e, no caso, foi usado num momento já repressivo da mesma, pelo que o resultado das escutas, a poder ser considerado como meio de prova, é inválido por violação do art. 34.º, n.º 4 da CRP, quando interpretado à luz daquela Convenção; a nova redacção do art. 188.º do CPP constituir comando interpretativo, nos termos do art. 13.º do Código Civil (CC) e, portanto dever ser aplicado ex tunc, devendo a destruição imediata dos suportes técnicos obedecer ao disposto no n.º 6 daquele art. 188.º, em que se exigem duas condições cumulativas: serem manifestamente estranhos ao processo e verificar-se qualquer uma das circunstâncias enumeradas nas três alíneas seguintes, o que deverá constituir fundamento do respectivo despacho a ordenar a destruição, e, fora desses casos, tais suportes devem ser guardados, nos termos dos n.ºs 11, 12 e 13 do mesmo normativo, não tendo acontecido nem uma coisa nem outra. Por isso, essas normas foram violadas, pelo que o respectivo meio de prova não pode ser considerado válido, sob pena de inconstitucionalidade, quer na nova, quer na antiga redacção do artigo, por violação das garantias de defesa, asseguradas pelo art. 32.º, n.º 1 da lei fundamental.
Preliminarmente, dir-se-á que o resultado de certas escutas (e não as escutas propriamente ditas – meio de obtenção de prova), ou seja, o que delas ficou a constar em documento gravado (sonoro), de resto, constante de transcrição efectuada por súmula, foi usado como meio de prova, em corroboração de declarações prestadas em audiência de julgamento no que se refere ao crime de corrupção relativo à construção da “Variante”. Tal resulta da motivação da convicção em 1.ª instância.
A distinção foi claramente efectuada no acórdão recorrido e dela, propriamente, não fala o recorrente no recurso para este Tribunal, embora o parecer do Prof. Faria e Costa aborde a questão, para concluir que a mera audição da gravação não constitui meio de prova. Todavia, o que se depreende da motivação da convicção é que o resultado da escuta consta de transcrição, embora por súmula e que, por uma questão de escrúpulo no âmbito do princípio de investigação que ao tribunal compete na busca da verdade material, foi ouvida integralmente a gravação, como, de resto, o permite o actual n.º 10 do art. 188.º do CPP. Por outro lado, na altura em que foi encerrado o inquérito e deduzida a acusação, não estavam ainda em vigor as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/08, nomeadamente os n.ºs 8 e 9 do art. 188.º, no sentido de só valerem como prova as transcrições efectuadas nas condições aí referidas.
Em relação ao problema equacionado à luz do art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), muito embora tal Convenção constitua direito internacional pactício recebido pelo direito interno, em conformidade com o estabelecido no art. 8.º, n.º 2 da CRP e os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devam ser interpretados de acordo com aquela fonte de direito internacional, nos termos do art. 16.º, n.º 2 da mesma CRP, o certo é que as normas da CEDH não têm uma posição supra-ordenada à Constituição e é mesmo duvidoso que tenham uma posição equivalente, constituindo verdadeiro direito constitucional, como já se teve oportunidade de afirmar no Acórdão de 17/12/08, Proc. n.º 2958/08, da 5.ª Secção, de que foi relator o mesmo deste processo.
Efectivamente, sintetizando o que aí foi amplamente desenvolvido com recurso à doutrina, a generalidade dos Autores sustenta a natureza infraconstitucional do direito internacional, mesmo contendo direitos de natureza fundamental, como tais reconhecidos genericamente pelo art. 16.º, n.º 1 da CRP. Tais normas estariam ao mesmo nível do direito interno, sujeitas, por isso, a controle de constitucionalidade.
Em relação à CEDH, porém, as posições de vários Autores foram evoluindo, sobretudo a partir da criação do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem em 1/11/98, registando-se a tendência de alguns para considerarem as normas da CEDH como verdadeiras normas de direito constitucional. Assim, JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, T. 2.º, p. 110).
Todavia, não é líquida a questão do lugar hierárquico da CEDH. GOMES CANOTILHO, que parece ter evoluído também neste domínio, ostenta uma posição que não corresponde à de uma incondicional adesão à tese da constitucionalização do referido direito. No seu Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª edição, em capítulo dedicado a este específico direito internacional convencional (p. 930), o citado Autor alude à posição que defende a «elevação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ao escalão de direito constitucional», mas não é sem reservas que ele vê uma tal posição: «O problema que esta “leitura paramétrica” suscita é o de saber se toda a Convenção Europeia é parâmetro de controlo ou se é necessária uma constitucionalização selectiva de algumas das regras e princípios desse tratado internacional. Por enquanto não há cobertura constitucional para a constitucionalização do direito internacional pactício.»
Por conseguinte, não é nada líquido que as normas do direito internacional constantes da CEDH estejam sequer ao mesmo nível que as normas da CRP e, se é, porventura, mais defensável o seu carácter supralegal, num posicionamento entre as leis e a Constituição, o que é certo é que tais normas não podem servir de parâmetro aferidor da constitucionalidade das normas da nossa lei fundamental. E esta excepciona, no art. 34.º, n.º 4, da proibição de toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações «os casos previstos na lei em matéria de processo criminal», pelo que a norma do art. 8.º, n.º 2 da CEDH não poderia prevalecer sobre as normas do processo penal que disciplinam a matéria, directamente excepcionadas pela Constituição (e, portanto reportando-se necessariamente às escutas como meio de investigação criminal, no âmbito de um processo-crime), se acaso tais normas colidissem com aquela. Mas não colidem.
A regra que se pretende extrair do art. 8.º, n.º 2 da CEDH não vai contra o estatuído no art. 34.º, n.º 4 da CRP e, consequentemente, contra as normas do processo penal que regulam as intercepções telefónicas.
Na verdade, o que se estatui na CEDH é o seguinte:
«Art. 8.º
»1 - Qualquer pessoa tem o direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
»2 - Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros».
Ora, a prevenção das infracções penais não pode ser lida literalmente como dizendo respeito a uma fase pré-processual ou a uma actividade de cariz meramente preventivo e mesmo administrativo. De contrário, cairíamos em situações completamente absurdas. Por exemplo, as buscas domiciliárias, que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem incluído no âmbito de protecção da referida norma (ver as anotações ao art. 8.º pelo juiz português daquele tribunal, IRINEU CABRAL BARRETO em A Convenção Europeia Dos Direitos Do Homem, Coimbra Editora, 3.ª edição – 2005 -p.181 e ss.), não poderiam ser realizadas no âmbito dum processo-crime, mas só, segundo a teoria do recorrente, no âmbito dos procedimentos cautelares, e lá teríamos a inconstitucionalidade do art. 177.º do CPP.
Por outro lado, o art. 8.º, n.º 2 da CEDH permitiria a realização de intercepções telefónicas por entidades administrativas, fora de qualquer processo judicial (por exemplo, as realizadas no âmbito dos serviços secretos de informações), mas não as realizadas no âmbito de um processo, sob a responsabilidade de uma autoridade judiciária e sob controle dos tribunais. Seria, no mínimo, estranho.
Por último, a prevenção das infracções criminais também se realiza através de um processo judicial de investigação criminal (no caso, o inquérito, que corresponde exactamente a uma fase preliminar de investigação), pois a intercepção das telecomunicações não só permite descobrir o crime, como evitar, muitas vezes, a sua consumação. Veja-se, por exemplo, o caso de um processo-crime em que foi autorizada uma escuta, que, seguindo os passos dos agentes de um crime de homicídio contratado, não só permite a descoberta da infracção que estava em curso e em fase de execução, mas também, no último momento, a consumação do crime. O mesmo acontece na investigação de um crime de tráfico de estupefacientes em que, por norma, a intercepção telefónica permite perceber e acompanhar o desenrolar do crime e, em último termo, frustrar a operação de recepção da droga e da sua entrada no circuito da comercialização. Só que, enquanto que, no primeiro caso, não se passou provavelmente de uma tentativa de homicídio, neste segundo caso, dado tratar-se de um crime exaurido, de tutela antecipada, os actos anteriores à recepção da droga e ao destino que os agentes lhe pretendiam dar constituem já, na medida em que estão previstos na lei como actos de realização do tipo de ilícito, consumação do crime.
Por aqui se vê que a linha demarcativa dos conceitos (prevenção – repressão) não é, por vezes, tão nítida como isso. Os conceitos não se podem meter em compartimentos-estanques. Aliás, se o direito penal visa a repressão dos crimes, também visa a prevenção deles. Um dos factores determinantes da aplicação concreta da pena é, justamente, a prevenção, quer a prevenção geral, na sua dupla face de prevenção geral positiva ou de integração e de prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, quer a prevenção especial, também no seu duplo aspecto de prevenção especial positiva ou de socialização e de prevenção especial negativa ou de intimidação individual ou ainda de segurança individual.
Por conseguinte, toda esta análise conflui para a ideia de que, quando a CEDH, no seu art. 8.º, n.º 2, fala de prevenção das infracções penais, não quer referir-se especialmente à prevenção do crime em sentido administrativo, nem mesmo àquela que só cabe numa fase pré-processual. Até porque a investigação criminal não se desenrola da mesma maneira em todos os países da União Europeia, não havendo uma concepção unívoca de procedimento criminal e, sobretudo de estrita legalidade do processo-crime, como aquele que entre nós resulta da lei processual penal
Acresce a isto, que a clássica separação entre acções de carácter preventivo e de carácter repressivo, objecto de atribuição de actividades bem demarcadas do Estado, está posta em crise mesmo em termos dogmáticos, nesta época de criminalidade organizada e sofisticada. Como nota COSTA ANDRADE, «Partindo dos seus originários e separados territórios, investigação criminal e prevenção policial desenvolvem (…) tropismos de convergência para um mesmo e novo espaço onde levam a cabo acções cada vez com mais significativos momentos comuns.» («Bruscamente no verão passado a reforma do Código de Processo Penal…», Revista de Legislação e Jurisprudência, n.º 3951, p 324).
Por outro lado, a distinção entre acções preventivas e repressivas poderá ter sobretudo interesse no domínio dos pressupostos e condições da intromissão e devassa, tendendo aqueles, pela urgência, a ser mais aligeirados no que se refere à prevenção de perigos (portanto, de eventos ainda não ocorridos), do que na investigação criminal propriamente dita, na qual se persegue a prática de um crime, como anota o A. citado, o que tudo, afinal, joga contra a tese do recorrente, que, por uma banda, formula um critério de exigência máxima no que se refere aos pressupostos da utilização do meio intrusivo e, por outro, pretende confiná-lo a acções de prevenção, na sua clássica e estreme oposição a acções repressivas, estas levadas a cabo no âmbito do processo penal.
Improcede, pois, o recurso na parte em que pretende a inconstitucionalidade da norma do art. dos arts. 187.º e ss. do CPP, com fundamento no art. 8.º da CEDH.

11.2. Ainda em relação com esta matéria e noutra vertente, o recorrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 188.º do CPP, na antiga ou na nova versão, por os suportes técnicos considerados sem relevância para a prova terem sido mandados destruir sem se levar em conta o estatuído no n.º 6 e por não terem sido acatados os comandos dos n.ºs 11, 12, e 13, todos da nova versão. Isto ao mesmo tempo que considera que a nova versão do art. 188.º constitui comando meramente interpretativo nos termos do art. 13.º do CC, pelo que essa versão seria de aplicação imediata.
Há aqui uma contradição do recorrente, ao aludir a inconstitucionalidade, quer da antiga, quer da nova versão, quando simultaneamente considera esta como norma interpretativa que deve ter aplicação ex tunc. Por outro lado, ao referir o art. 188.º em globo, incorre num excesso e numa indefinição, porque não é, manifestamente, todo o art. 188.º que ele considera inconstitucional.
De passagem, invoca a nulidade, por falta de fundamentação, do despacho que ordenou a destruição dos referidos suportes técnicos, mas, quanto a esta, deve dizer-se desde já que essa questão não a colocou o recorrente no recurso interposto para a Relação, sendo, por isso, uma questão nova que implica a sua não apreciação, de acordo com jurisprudência unânime deste Supremo Tribunal. Para a Relação, o recorrente colocou apenas a questão enunciada em B12 das conclusões da sua motivação para aquele Tribunal (Acresce que, tendo em conta o teor do Acórdão (cfr. fls. 49 do mesmo), o facto aí referido no tocante às escutas telefónicas confirma integralmente tudo quando vem de dizer-se. E mesmo que assim não fosse julgado, o que se admite por mera cautela de patrocínio, sempre deverão V. Ex.ªs no tocante a esse meio de obtenção da prova – agora convertido a revelia do referido no próprio Acórdão em verdadeiro meio de prova — declarar que o Acórdão no que lhe respeita padece de nulidade por falta de fundamentação, com a consequente violação do disposto no artigo 208º, nº 1 da CRP, 97º e 374º, n.º 2, estes do CPP.) A essa – e só a essa – respondeu o Acórdão recorrido (O que se aplica relativamente à crítica enunciada na conclusão n.º 12 – trata-se da valoração do depoimento de NN, sendo as escutas referenciadas apenas como corroborantes do seu depoimento prestado em audiência, com exercício amplo do contraditório. Não tendo suporte a conclusão de que nessa parte o acórdão padece de falta de fundamentação quando o que se lhe critica é precisamente o mérito da motivação aduzida nesse âmbito.) A ser como o recorrente pretende, teria sido cometida uma nulidade por omissão de pronúncia, que o recorrente não invoca. Como quer que seja, o n.º 3 do art. 188.º do CPP (na redacção anterior), vigorante na data da prática do acto, não exigia mais, do ponto de vista da fundamentação, do que a consideração pelo juiz de instrução, de que os elementos recolhidos não eram relevantes para a prova. E a pretensa nulidade deveria ter sido arguida em tempo (119.º,3,d) CPP).
Retomando a questão da inconstitucionalidade do art. 188.º, o que o recorrente visa é aquele n.º 3, em obediência ao qual o juiz de instrução ordenou a destruição dos suportes técnicos que continham elementos sem interesse para a prova. Esse dispositivo é que seria inconstitucional, por violar as garantias de defesa consignadas no art. 32.º, n.º 1 da CRP, pretendendo ele que se observasse desde já o disposto nos n.º 6, 10, 11 e 12 do mesmo normativo na sua redacção actual. Porém, não tem razão.
Na perspectiva do que defende, o recorrente passa por cima do acórdão do plenário do TC n.º 70/2008, de 31 de Janeiro, que decidiu «não julgar inconstitucional a norma do artigo 188º, n° 3, do Código de Processo Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, quando interpretada no sentido de que o juiz de instrução pode destruir o material coligido através de escutas telefónicas, quando considerado não relevante, sem que antes o arguido dele tenha conhecimento e possa pronunciar-se sobre o eventual interesse para a sua defesa». E não só desse aresto, como também dos que seguiram na sua esteira, nomeadamente os acórdãos n.ºs 204/2008, de 02/04/08 e 293/2008, de 29/5, todos eles no sentido de que a interpretação referida não é inconstitucional, não lesando o direito de defesa do arguido consagrado no art. 32.º, n.º 1, entendido em toda a sua amplitude e particularmente na óptica do contraditório, embora do ponto de vista da política legislativa se justifique a conservação nos autos da totalidade das gravações, com vista ao objectivo da realização da justiça no caso concreto, como expressamente se refere no primeiro daqueles arestos, que inflectiu a jurisprudência do TC em tal matéria, como resultava dos acórdãos 426/05, 660/06, 450/07 e 451/07.
Ora, a posição do recorrente equivaleria a ver reconfirmada essa antiga jurisprudência, devendo, na sua óptica, este Tribunal reconsiderar a questão e proscrever, por inconstitucional, a interpretação feita pelas instâncias e que vai no sentido da última jurisprudência do TC. Todavia, a nossa posição vai neste último sentido, não obstante as alterações introduzidas na lei processual penal pela citada Lei n.º 47/2008 e isto pelas razões aduzidas nessa jurisprudência do TC e que nos dispensamos de reproduzir, por uma questão de economia.
Com efeito, tudo o que há a discutir sobre a matéria (os argumentos a favor de uma e outra posições) encontra-se profusamente explanado nesses acórdãos, nomeadamente nos referidos arestos 660/2006 e 70/2008, salientando-se mais uma vez que este último é um acórdão do plenário do TC.
De resto, ao recorrente poder-se-ia contrapor na totalidade, o voto de vencido do juiz-conselheiro Benjamim Rodrigues no primeiro daqueles arestos, subscrito pelo juiz-conselheiro Paulo Mota Pinto como relator e que, por maioria, fez triunfar a posição contrária à do Acórdão 70/2008, que inflectiu a jurisprudência do Tribunal Constitucional:

O recorrente não colocou ao tribunal de recurso qualquer questão concreta relativa à relevância probatória a conferir – no sentido de poder fundar ou de não poder fundar, na elaboração do juízo judicial, um resultado de convincência concernente a concretos e específicos factos – a determinadas e identificadas escutas transcritas. Nomeadamente, o recorrente não questionou perante o tribunal de recurso que as escutas transcritas, constantes dos autos, não pudessem fundar qualquer juízo de convincência acerca da existência dos factos afirmados com base nelas, porque o sentido com que haveriam de ser entendidas era não aquele que lhe foi atribuído pelo juiz de instrução, mas um outro diferente. Mais, o recorrente não alega, sequer, que a destruição das escutas o impedisse de fazer prova destes ou daqueles factos em sede de julgamento, mas apenas que a conservação das gravações não transcritas até ao trânsito em julgado da decisão final constitui um direito fundamental, “podendo o arguido requerer a sua audição em sede de julgamento ou de recurso para contextualizar as conversações transcritas” (itálico aditado). Ou seja, o recorrente alega a contextualização das escutas transcritas como necessidade eventual da defesa no acto de julgamento ou no recurso, ou seja, em nome de um direito geral de defesa que poderá, então, hipoteticamente, traduzir-se em actos de defesa concreta, relacionados com as escutas ou não. Isto equivale por dizer que o recorrente se apoia num princípio de que tudo o que vai sendo adquirido pelo processo, no seu decurso, tem de permanecer nele até ao trânsito em julgado da decisão definitiva, porque o arguido poderá, eventualmente, detectar, nesses meios de prova, elementos factuais relativos aos próprios meios de prova ou à realidade cuja existência os mesmos tendem a demonstrar de que poderá beneficiar na sua defesa.

Ora, o nosso processo penal não está estruturado sobre esse princípio, nem decorre da Constituição penal e processual penal essa exigência de acautelar uma hipotética, eventual e indeterminada estratégia de defesa no exercício do direito de defesa.

Acrescente-se a tudo o que foi exposto que, tanto no acórdão n.º 660/06, como no acórdão n.º 70/2008, o que estava em causa era a apreciação da constitucionalidade da desmagnetização de gravações consideradas irrelevantes em recursos interpostos do despacho de pronúncia, primeiro para a Relação e depois para o Tribunal Constitucional.
No presente caso, é pelo menos estranho que o recorrente tenha deixado passar a decisão do juiz de instrução sem ter levantado qualquer problema quanto à desmagnetização das gravações – afinal consideradas, logo à partida e num plano genérico, imprescindíveis para a sua defesa – e só tenha vindo levantar a questão no recurso da decisão final. Deste modo, poder-se-á dizer que o recorrente deixou transitar em julgado a decisão que ordenou tal desmagnetização, não tendo arguido a respectiva nulidade nos termos do art. 120.º , n.º 3, alínea c) do CPP (Cf. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, anotação 2.ª ao art. 190.º).
Ainda que assim não fosse, porém, o recurso não procederia nesta parte pelas razões anteriormente indicadas.
O recorrente, ainda dentro da mesma matéria de intercepções telefónicas, sustenta a aplicação imediata do n.º 6 do art. 188.º do CPP, resultante da nova redacção conferida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, uma vez que se trata de norma que faz uma interpretação autêntica, nos termos do 13.º do Código Civil (CC) quanto à desmagnetização dos suportes técnicos – matéria que era objecto dos mais desencontrados entendimentos jurisprudenciais - sobretudo do Tribunal Constitucional (TC) – e doutrinais.
Também aqui pensamos não assistir razão ao recorrente.
É que as leis interpretativas obedecem, segundo BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1996, pp. 245 e ss.) a dois requisitos: «que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei.»
Ora, no caso, não confluem estes dois requisitos. Se é verdade que a interpretação da norma processual poderia ser considerada controvertida do ponto de vista da sua constitucionalidade antes da entrada em vigor da nova lei, não menos verdade é que a solução consagrada na lei, pressupostamente para obviar a qualquer arguição de inconstitucionalidade, não se limita a fazer uma interpretação da norma, mas, verdadeiramente, a inovar, estatuindo de forma substancialmente diversa do que estava prescrito no anterior n.º 3 do art. 188.º do CPP e agora consta do seu n.º 6, complementado pelos n.ºs 11, 12 e 13. A redacção da lei anterior não permitia, desde logo pelo seu teor verbal, chegar à mesma solução. De contrário, não se compreenderia o Acórdão do plenário do Tribunal Constitucional n.º 70/2008 e os que, posteriormente, seguiram na sua esteira.
Assim, a nova lei nunca poderia ter aplicação imediata ou mesmo retroactiva, por não ser meramente interpretativa.
Mas também por outra via, se acaso a anterior não fosse viável, se obstaria a tal aplicação: através da ressalva constante da 2.ª parte do referido art. 13.º do CC - «sentença passada em julgado». É que, como vimos, o recorrente deixou transitar em julgado a decisão do juiz de instrução que ordenou a destruição dos suportes magnéticos que continham gravações consideradas irrelevantes para a prova. A própria decisão, aliás, situa-se no domínio da lei anterior, mas o recorrente, se quisesse, à semelhança do que vimos suceder noutros casos, podia ter arguido a nulidade nos termos referidos no número precedente.
Claudica, pois, também aqui, a sua pretensão.

11.3. O recorrente pretende afastar o crime de corrupção por força ainda das escutas telefónicas. Nesta linha, sustenta que a decisão condenatória da 1.ª instância, ao tomar, ao menos parcialmente, como ratio decidendi o referido meio de prova, procedeu a uma “ínvia assunção probatória, na qual a Relação não atentou”.
Ora, a verdade é que esta pretensão do recorrente está umbilicalmente ligada às questões anteriormente resolvidas, uma vez que o seu viso era que as escutas fossem consideradas inválidas, por força das inconstitucionalidades e ilegalidades arguidas. Todavia, não merecendo provimento aquelas suas pretensões, esta também cai, por falta de sustentação autónoma.

12. O recorrente ataca ainda a decisão por a condenação por um dos crimes de corrupção, na sua tese, se ter baseado em exclusivo nas declarações de co-arguido. Isto para além da defendida inadmissibilidade de tais declarações, sustentada também pelo Prof. Faria e Costa, por o declarante CC não ter assumido sempre, processualmente, tal qualidade – questão esta que já tratamos surpa em 9.1.2.
Antes de mais nada, convém que se diga, com o acórdão recorrido, que, nos termos do art. 125.º do CPP, em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei. Não existindo qualquer norma legal que proíba as declarações de um co-arguido, prestadas livremente e depois desse co-arguido, como no caso aconteceu, ter sido advertido pelo tribunal de que não era obrigado a prestar declarações, sendo assistido por defensor e sujeito às regras do contraditório, podem aquelas ser valoradas pelo tribunal de acordo com o principio da livre apreciação da prova que rege tal matéria (art. 127.º). Com efeito, estando o co-arguido proibido de prestar depoimento ajuramentado, nos termos do art. 133.º do CPP, este normativo não veda a prestação de declarações do mesmo co-arguido e a correspondente valoração.
Tais declarações, por serem exactamente de um co-arguido, exigem, no entanto, especiais cautelas, como a de corroboração por outros meios de prova e uma acrescida exigência de fundamentação, na linha do que vem defendendo a doutrina ((TEREZA PIZZARRO BELEZA, «Tão amigos que nós éramos»: o valor probatório do depoimento de co-arguido no Processo Penal português», Revista do Ministério Público, n.º 74, p. 39 e ss. e ANTÓNIO ALBERTO MEDINA DE SEIÇA, «O Conhecimento Probatório do Co-Arguido», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 205 e ss.). Corroboração e fundamentação que têm a ver com a necessidade de fazer contraponto à falta de exigência de juramento e de ameaça com a punição por crime de falsas declarações, no caso de falta à verdade, sendo maior a probabilidade de o depoimento ser verdadeiro quando o que o presta está constrangido por essa ameaça, o que não significa, apesar de tudo, que em concreto as declarações de um co-arguido não possam merecer maior crédito do que as de uma testemunha, como resulta da exposição de MEDINA DE SEIÇA, particularmente a partir da p. 208.
Em sentido diverso, veja-se RODRIGO SANTIAGO, «Reflexões Sobre «As Declarações Do Arguido» Como Meio De Prova No Código de Processo Penal de 1987», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 1994, n.º 4, p. 27 e segs., o qual sustenta que as declarações de co-arguido não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros.)
Também a jurisprudência deste Supremo Tribunal vem entendendo que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações do co-arguido, desde que se respeite o estatuto deste, que é incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade, sob pena de responsabilidade criminal. E ainda com as cautelas e as exigências assinaladas pela doutrina, em que se deve incluir o princípio do contraditório, concretizado pela possibilidade que deve ser conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido, por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado (Cf. acórdãos de 30/10/01, Proc. n.º 2630/01 – 3.ª, relator - Conselheiro Armando Leandro; de17/11/02, Proc. n.º 3210/02, 5.ª, relator - Conselheiro Pereira Madeira; de 5/6/03, Proc. n.º 976/03 – 5.ª, relator – Conselheiro Simas Santos, de 18/11/04, Proc. n.º 3272/04 – 5.ª, relator – Conselheiro Carmona da Mota e de 13/4/05, Proc. n.º 648/05 – 3.ª, relator – Conselheiro Antunes Granxo).
Ora, no caso dos autos, não só as declarações do Eng.º CC foram voluntariamente prestadas e sujeitas ao princípio do contraditório, como houve o cuidado por parte do tribunal de corroborar as suas afirmações por outros meios de prova e de fundamentar a convicção de uma forma particularmente exigente.
Com efeito, começando por relativizar a necessidade de corroboração, consoante as situações objectivas que se nos deparam e traçando a particular fisionomia deste caso, no que diz respeito a CC e às razões de credibilidade das suas declarações, o tribunal de 1.ª instância acabou por enumerar, numa outra abordagem da questão, uma série de provas de que lançou mão, desde a análise de variada documentação, quer da empresa do Eng.º CC, quer da própria Câmara, até depoimentos de várias testemunhas ligadas a funções camarárias, que, embora depondo sobre matéria indirecta, se relacionava todavia com os pagamentos efectuados, os atrasos e as suas causas, as práticas habituais e numerosos outros aspectos que serviram de índice de aferição da verdade das declarações prestadas por ambos os arguidos, por sinal as do recorrente sendo frequentemente desmentidas por esses elementos de carácter objectivo, a que os depoimentos das testemunhas serviram de precioso meio de interpretação, e as declarações do arguido CC resultando na sua essencialidade confirmadas por esses elementos.
Por último, o tribunal de 1.ª instância também se serviu, como elemento de corroboração – um elemento que aparece como suplementar àqueles já referidos -, das tais escutas telefónicas, gravadas e ouvidas na integralidade e transcritas por súmula, como dissemos.
De sorte que, vista a questão por todos os ângulos possíveis de análise, temos de concluir pela sua improcedência.

13. Terminam aqui as questões colocadas pelo recorrente relativamente aos únicos crimes que entendemos ser de conhecer por este Tribunal, nos termos focados em 9.1.1. – os dois crimes de corrupção passiva.
Todavia, será de “rever”, oficiosamente, a questão da qualificação jurídica, que foi objecto de controvérsia nas instâncias, tendo a 1.ª instância qualificado esses crimes como de corrupção passiva para acto lícito e a Relação, no seguimento de recurso do Ministério Público, como de corrupção passiva para acto ilícito, agravando as respectivas penas.
Vejamos como a questão foi encarada pela Relação:

A diferença entre a corrupção para acto ilícito (ou corrupção própria), sustentada pelo digno recorrente em conformidade com a acusação, e a corrupção para acto lícito (corrupção imprópria) – subsunção efectuada pelo tribunal recorrido - radica na natureza do acto praticado ou omitido como contrapartida da solicitação ou aceitação do dinheiro ou da vantagem.
No primeiro caso, além da ilicitude da recompensa (comum aos dois crimes) o acto praticado é ilícito – contrário aos deveres do agente. No segundo o acto em si é lícito, só a recompensa é que é ilícita.
Repare-se que a lei não se a refere “acto ilícito”, tout court, mas antes à prática de “acto que implique violação dos deveres do cargo”, o mesmo é dizer quando existe desvio dos poderes inerentes ao cargo ou aos “poderes de facto” de tal exercício.
Do mesmo modo na corrupção para acto lícito a letra da lei refere-se à “prática de acto não contrário aos deveres do cargo”, portanto quando não existe desvio dos poderes inerentes ao exercício do cargo.
Colocando assim a tónica na violação dos deveres do cargo ou no carácter justo ou injusto do acto a que se destina o suborno que não no resultado final do suborno – o acto “mercadejado”, objecto do suborno, acaba por ser juridicamente válido, como tal lícito, na generalidade dos casos, sob pena de, sendo o acto nulo ou irrelevante estarmos perante uma corrupção sem objecto.
A este respeito observa, com precisão, Almeida Costa (ob. cit. p. 661): O núcleo do delito situa-se no “mercadejar” com o cargo. Em conformidade, ao contrário do que inculcam as designações utilizadas, a expressão básica do crime reside na corrupção passiva imprópria. Dado que contém todos os ingredientes que integram a lesão do bem jurídico, deverá entender-se que ela (corrupção passiva imprópria ou para acto lícito) constitui o “delito-base” ou “tipo fundamental”. Ao invés a corrupção própria (para acto ilícito), que, não alterando a estrutura da infracção, apenas lhe acrescenta a natureza ilícita da actividade visada pelo suborno, consubstancia, de um prisma material, um tipo agravado ou qualificado.
“A destrinça entre corrupção própria e imprópria não suscita dificuldades quando, devido à gratificação, o funcionário exorbita o âmbito da discricionariedade que a lei lhe confere. Nessa hipótese o acto apresenta-se como ilícito no tocante ao fundo ou substância, pelo que se está na órbita da corrupção própria. Que dizer, porém, se apesar de não ultrapassar a esfera de discricionariedade, o agente se deixa influenciar pelo suborno, tomando uma decisão diversa da que tomaria se a gratificação (ou promessa) não tivesse ocorrido? Ainda aqui se depara com um acto ilegal, ferido de uma invalidade que contende com o seu conteúdo ou substância que, segundo a terminologia tradicional, se designa de desvio de poder (cfr. Marcelo Caetano, Manuel de Direito Administrativo, 1980, 506-12, Afonso Queiró, o Poder Discricionário da Administração, 1944 e BFDC XLI (1996)” – cfr. autor e obra citados p. 667.
Concluindo o mesmo autor, em entendimento que temos por irrefutável: “De harmonia com os critérios enunciados o caso em apreço também integra, por isso, a corrupção própria. Ao invés, só se estará em face de uma corrupção imprópria quando o suborno em nada influiu na conduta do funcionário, i. e., não interferiu no uso dos seus poderes discricionários” – Cfr. ob. cit., p. 667-668, e ainda o mesmo autor, Sobre Crime de Corrupção, Coimbra, 1987, pp 11 a 113.
*
Foquemos agora o caso em apreço à luz do referido entendimento.
Nos termos do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas então em vigor, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 405/93, de 10.12, por se tratar de uma empreitada por série de preços, os pagamentos deviam ser efectuados pelo dono da obra (Câmara Municipal) no prazo de 30 dias a contar da elaboração dos autos de medição mensais – cláusula 3ª do contrato celebrado entre as partes e arts. 110º, n.º 1, al. j), 182º, 185º e 187º do RJEOP.
Não é questionado nem sofre dúvida que era da competência do Presidente da Câmara Municipal a autorização dos pagamentos, conforme previsto no art. 68º, n.º 1, al. g), da Lei n.º 169/99, de 18.9 (Lei das Autarquias Locais naquela data em vigor). Pelo que desde que a Autarquia dispusesse de liquidez para proceder aos pagamentos devidos à empreiteira, deveria o seu Presidente, em obediência aos comandos legais mencionados, ordená-los.
Essa contrapartida monetária solicitada e/ou obtida pelo arguido é obviamente ilícita, desde logo porque sendo, como era, Presidente da Câmara Municipal a tempo inteiro, se encontrava vedada qualquer outra função remunerada – arts. 1º, n.º 2, al. f), e 4º da Lei n.º 64/93, de 26.8, e art. 6º e ss. da Lei n.º 29/87, de 30.6.
Não sofre assim dúvida a verificação dos dois primeiros elementos do tipo de ilícito em causa: o arguido, no exercício e por causa das funções políticas que então exercia, solicitou e recebeu dinheiro a que não tinha direito.
Em termos de matéria de facto provada relevante, temos, em suma, que o arguido, no âmbito da execução de uma obra adjudicada à empresa “FF, SA” pela Câmara Municipal, pediu dinheiro ao Presidente do Conselho de Administração (CC), como contrapartida para lhe serem pagos trabalhos já executados pela empreiteira.
Incutiu em CC a convicção fundada de que os trabalhos executados pela empresa que representava apenas seriam pagos se este lhe entregasse determinada quantia em dinheiro.
E foi por essa razão, CC aceitou efectuar os pagamentos, convicto de que nada mais receberia caso não cumprisse o que havia prometido a AA. Entregou-lhe assim a quantia de 10.000.000$00, em dinheiro, que o arguido fez sua, que constituía uma primeira prestação dos 50.000 contos exigidos.
Por outro lado, apesar dessa primeira entrega, como continuou sem receber nos meses subsequentes, insistiu com o Presidente, arguido, solicitando que a Câmara Municipal lhe pagasse os autos de medição elaborados e aprovados. Como obteve a resposta já referida, acedeu a entregar mais dinheiro, combinando um encontro onde veio a operar-se a troca: CC entregou uma segunda “tranche” do pagamento, no valor de 5.000.000$00, em dinheiro, que o arguido arrecadou e o arguido/Presidente procedeu, em troca, ao pagamento de mais uma parte dos trabalhos facturados.
Resulta assim da matéria provada que o arguido “mercadejou” com o cargo que ocupava: apenas procedeu ao pagamento “depois” do recebimento da peita exigida como condição – prévia - para pagar o que a Câmara devia. Só por efeito/contrapartida do recebimento da peita (e após o efectivo recebimento) acedeu, como contrapartida, a proceder ao pagamento.
Pagamento esse que, para além de vencido e aprovado, tinha que ser autorizado pelo arguido, cuja actuação surgia, pois, como essencial à libertação das verbas.
Assim, dentro da definição supra efectuada na esteira do autor citado, a peita surge como instrumento de viciação dos poderes/deveres do cargo. Não são não é irrelevante para o acto praticado pelo arguido como surge como “venda” ou condição essencial da libertação do dinheiro que, no estrito exercício do cargo, devia ter sido efectuada logo que medida e aprovada a obra, estando disponíveis os meios de pagamento.
O arguido, estando a obra medida, aprovada e existindo meios de pagamento – procedeu a transferências de verbas destinadas ao pagamento da empreitada para outros fins – recusou o pagamento se e enquanto não recebeu, como contrapartida, parte (25.0000 contos) da quantia solicitada.
Existiu assim efectivo desvio de poder ao condicionar, de forma clara e explícita, como condição prévia - sine qua non - do pagamento, o recebimento prévio da peita indevida.
Conclui-se assim, dentro do entendimento desenvolvido, pela verificação do tipo objectivo do crime de corrupção para acto ilícito p no art. 16º da Lei 34/87, o enquadramento efectuado na acusação.
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Relativamente à verificação dos elementos do tipo subjectivo, o dolo desdobra-se nos chamados elementos intelectual (representação, previsão ou consciência dos elementos do tipo de crime) e volitivo (vontade dirigida à realização daqueles elementos do tipo - intenção de realizar o facto típico, aceitação como consequência necessária da conduta, conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível, nas 3 modalidades previstas no art. 14º do C. Penal - directo, necessário e eventual).
A que acresce um elemento emocional que é dado, em princípio, pela consciência da ilicitude – cfr. Figueiredo Dias, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1983, p. 71-72 e Rev. Port. de Ciência Criminal, ANO 2, 1º, p. 18-19. “Elemento emocional que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo; uma qualquer posição ou atitude de contrariedade ou indiferença face às proibições ou imposições jurídicas (…) quando o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico-penal” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Coimbra Editora, 2004, p. 333.
Elementos que se mostram verificados no caso, pois que com a sua conduta, o arguido quis obter vantagem patrimonial indevida, como obteve, de CC, bem sabendo que não tinha direito a receber fosse o que fosse para proceder aos pagamentos devidos, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal. Tendo plena consciência de que que praticava um acto ilícito e punido por lei.
Encontrando-se, assim, reunidos os elementos do dolo, na forma de dolo directo – art. 14º, n.º 1, do Código Penal.
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No que toca ao segundo crime de corrupção – caso DD - ficou provado que o arguido, no decurso do ano de 1997, havia efectuado semelhante solicitação a DD - representante da empresa que executava a obra “Estrada de Celorico Gare/ Forno do Telheiro/ Espinheiro”, a “... & Filhos, Lda.”.
Devendo-lhe a Câmara Municipal uma quantia superior a 20.000 contos, o arguido solicitou a DD a entrega de uma quantia entre 2 e 4.000 contos, para si, o que DD recusou.
Mais tarde, perante novo pedido do arguido, apercebendo-se de que nada receberia se não acedesse à solicitação efectuada acedeu em entregar ao arguido AA metade do montante por este solicitado.
Por outro lado, e independentemente do que a seguir sucedeu, o crime encontrava-se já consumado: tendo presente a natureza do bem jurídico protegido e a circunstância de se tratar de um crime de dano, a sua consumação ocorrera, como já foi referido, no momento em que o funcionário solicitou dinheiro ou vantagem patrimonial como contrapartida. Bastando a simples solicitação da vantagem patrimonial para a sua perfeição, independentemente de o agente funcionário ter ou não a intenção de praticar o acto que está na base da solicitação.
Ou seja, o arguido praticou o crime no momento em que solicitou a DD uma contrapartida monetária, a troco da prática de um acto inerente às suas funções de Presidente da Câmara Municipal, e no exercício dessas mesmas funções.
Aliás só depois de Olímpio aceitar proceder ao pagamento solicitado o arguido AA desbloqueou o pagamento de trabalhos executados.
Dando-se aqui por reproduzido, por identidade de razões, tudo o exposto quanto ao caso CC.
Pelo que cometeu o arguido/recorrente um outro crime de corrupção passiva para acto ilícito, p. e p. pelo art. 16º da citada Lei n.º 34/87.

Ora, estas considerações temo-las como correctas, se bem que, em certo passo da exposição, se pudesse ser tentado a qualificar os factos como crime de “concussão”, previsto pelo art. 379.º do CP e punido nos termos do art. 2.º da Lei n.º 34/87, de 16/07, mais do que como corrupção. Temos em mente a passagem em que se refere a “convicção fundada” criada pelo recorrente no espírito dos seus co-arguidos, principalmente em CC, de que as quantias devidas pelos trabalhos só seriam pagas se fossem entregues ao recorrente as quantias solicitadas. Desse modo, pareceria dever acentuar-se o aspecto coactivo da acção, em conjugação com a tal “convicção fundada” de que nada receberiam se não correspondessem à solicitação do recorrente.
Todavia, para além de a “convicção fundada” ser um elemento que não resulta, tal e qual, da matéria de facto provada, há outros factos que se deram como provados que afastam de todo a indução em erro, que é elemento típico do crime de concussão. Esses factos são sobretudo os seguintes:
58. Nas duas situações acabadas de descrever, o arguido AA actuou sempre na condição de Presidente da Câmara de ..., qualidade da qual tinham pleno e suficiente conhecimento quer o Eng.º CC, quer DD.
59. Todos estavam cientes de que, ao actuar no exercício das suas superiores funções autárquicas, não era devida ao arguido AA qualquer outra forma de retribuição para além daquela que oficialmente auferia e lhe era atribuída pelo Estado.

É certo que a forma agravada de concussão (art. 379.º, n.º 2), não exige o elemento indução em erro, mas, em contrapartida, o facto tem de ser praticado por meio de violência ou ameaça com mal importante, à semelhança do que se passa com o crime de coacção do art. 223.º, n.º 1, e, no caso, muito embora a conduta do recorrente revista a forma de uma pressão, por vezes bastante forte, para constranger CC (sobretudo este) e DD a entregarem-lhe as quantias solicitadas como contrapartida do pagamento das obras executadas, a matéria de facto assente não configura actos de violência ou de ameaça com mal importante.
Por conseguinte, temos como certa a qualificação dos factos pelo crime de corrupção passiva. E, dentro das duas modalidades de corrupção, a mais gravosa que foi considerada pelo tribunal “a quo” – corrupção para acto ilícito. É que, como se acentua na decisão recorrida, seguindo na esteira de ALMEIDA COSTA, na sua anotação ao art. 372.º do CP no Comentário Conimbricense, p. 666 e ss., o que distingue a corrupção própria (ou seja para a prática de acto ilícito), contemplada no art.º 372.º, da corrupção imprópria (ou seja, para a prática de acto lícito), regulada no art. 373.º, não é o critério formal de o acto caber ou não na competência do funcionário, mas o critério substancial ou de fundo, ligado a uma perspectiva teleológica, de o acto subornado representar uma violação dos deveres do cargo, mesmo que o funcionário tenha a necessária competência para praticar o acto ou, pelo contrário, actue no âmbito de poderes de facto e, portanto sem a necessária competência. Imprescindível é que o funcionário se não comporte, no uso dos seus poderes (de facto ou de direito) ou competências, segundo o padrão de objectividade, isenção e legalidade requeridos pelos deveres do cargo.
Ora a matéria de facto provada mostra à saciedade, nos termos que foram desenvolvidos nas considerações tecidas na decisão recorrida e acima transcritas, a violação, pelo recorrente, dos deveres do cargo, fazendo um uso privativo e para seu proveito próprio dos poderes que a lei lhe conferia.
Por conseguinte e muito embora a matéria não tenha sido questionada, corrobora-se a qualificação jurídica feita pelo tribunal “a quo”.

14. Relativamente ao crime de peculato, o recorrente limitou-se a sustentar a sua insubsistência, devido à impossibilidade (na sua perspectiva) de manter os crimes de corrupção e os restantes crimes, de que aquele constituía dependência.
Ora, improcedendo in totum a motivação do recorrente quanto aos aludidos crimes de corrupção e tendo sido rejeitado o recurso relativamente aos outros crimes (dos quais, aliás, o crime de branqueamento não era dependente, mas só de um dos crimes de corrupção – o relativo a CC – para o que basta ver a matéria de facto provada), o crime de branqueamento mantém-se, ao contrário do pretendido pelo recorrente.
Em relação a este crime, a Relação modificou também a moldura penal, por força da alteração operada no crime de corrupção – facto precedente – passando o mesmo a ser punido com a mesma pena daquele, segundo o n.º 2 do art. 2.º do DL 325/95 na sua versão originária – 2 a 8 anos de prisão.
Nada há a objectar ao assim decidido.

15. No respeitante às penas impostas, vejamos como decidiu, na parte que interessa, a Relação:

Fazem-se sentir com particular intensidade as necessidades de punição dos crimes praticados por titulares de cargos públicos, afectos à prossecução do bem comum e da boa administração dos dinheiros públicos bem como da confiança que a comunidade deposita nos cargos eleitos por sufrágio directo. Daí as prementes necessidades do leal desempenho, como meio indispensável à credibilização do seu exercício e da construção do Estado de Direito justo e viável, repondo a confiança da comunidade na vigência das normas violadas. Fazendo-se sentir de todos os lados insistentes apelos nesse sentido repetidamente lembrados designadamente pelo mais alto responsável da nação – cfr., a propósito, o discurso proferido pelo Presidente da República na abertura do ano judicial corrente.
Em termos de prevenção especial verifica-se que o arguido não é primário. Tendo sofrido já 4 condenações anteriores, transitadas em julgado. Todas relativas a crimes praticados no exercício e por causa das suas funções de Presidente da Câmara Municipal de ... - factos 281 a 288.
Acresce que no período a que se reportam os factos em causa nos presentes autos, foi condenado em pena de prisão suspensa na sua execução (facto n.º 281), e em pena de multa (facto n.º 283). Não tendo as referidas condenações em primeira instância, naquelas penas não logrado inibi-lo de continuar a praticar ilícitos típicos no exercício das funções políticas em que se encontrava investido.
Para além da diferença das respectivas molduras abstractas, se no crime de corrupção em que se verificou a existência de efectivo recebimento de dinheiro foram lesados patrimonialmente interesses privados, nos crimes de abuso de confiança e peculato foi lesada uma entidade pública e, por essa via, o universo dos contribuintes e dos eleitores que depositaram confiança no arguido para desempenhar o cargo na perspectiva do superior interesse colectivo, ostensiva e plúrimas vezes defraudado.
(…)
Atentos os critérios e factores enunciados o grau de ilicitude dos factos correspondentes a cada crime e de violação dos deveres impostos ao agente, as necessidades de prevenção geral positiva e de prevenção, a intensidade (dolo directo) e persistência da resolução criminosa, a personalidade revelada nos factos, os antecedentes criminais, condições pessoais do agente, ausência de postura crítica ou de censura ou de reparação ainda que parcial do prejuízo causado, dentro da moldura abstracta de 2 a 8 anos dos crimes de corrupção para acto ilícito p e p pelo art. 16º, nº1 da Lei 34/87, têm-se por proporcionadas a pena de 3 (três) anos de prisão para o crime em que interveio CC, e de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão pelo crime em que interveio DD.
No que toca ao crime de branqueamento de capitais, dentro dos mesmos critérios, tendo em atenção ainda que foram já sancionados no âmbito do facto precedente (crime de corrupção) a violação dos deveres do cargo e o valor do prejuízo causado, entende-se ajustada a pena de 2 (dois) anos de prisão.

Ora, neste capítulo, também nada se nos oferece dizer, atenta a correcção das operações de determinação concreta da pena, o entendimento ajustado dos fins das penas e o quantum que foi achado não se revelar desproporcionado.
No tocante à pena acessória de proibição do exercício de funções, nada se nos oferece dizer igualmente, tanto mais que a mesma se não traduz em pena privativa de liberdade e foi confirmada pela Relação, não obstante a agravação a que procedeu no tocante aos crimes de corrupção.
Idem, no que se refere à perda do imóvel, no âmbito do crime de branqueamento, determinada nos termos do art. 111.º do CP, não tendo, de resto, o recorrente questionado, nem sequer por mera cautela, a decisão nessa parte.

16. No que tange à pena única, determinada nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2 do CP, considerando que o limite máximo da pena aplicável é de 12 anos e 8 meses de prisão e o limite mínimo, de 4 anos, acha-se igualmente ajustada a pena aplicada de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de 5 € (cinco euros). Isto, tendo em vista os factos globalmente considerados, em conjunto com a personalidade do agente, os quais traduzem uma personalidade relativamente propensa à prática de uma pluralidade de crimes, todos eles relacionados com o exercício de funções públicas, em cargos electivos.

III. DECISÃO
17. Nestes termos, acordam após audiência de julgamento em:
- Rejeitar, por inadmissibilidade, nos termos da alínea c), do n.º 1, do art. 400.º do Código de Processo Penal, quer na antiga, quer na nova versão, os recursos interlocutórios à excepção do que se refere à nulidade insanável relacionada com o crime de corrupção passiva;
- Rejeitar, nos termos das alíneas e) e f) do n.º 1, do art. 400.º do CPP (quer na antiga, quer na nova redacção) o recurso da decisão final no que se refere aos crimes de peculato e abuso de poderes;
- Julgar improcedente o recurso da decisão final no que tange às demais questões;
- Confirmar no mais a decisão recorrida.

17. Custas pelo recorrente com 10 UC de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 15 de Abril de 2010

Rodrigues da Costa (relator)

Arménio Sottomayor

Carmona da Mota (com declaração de voto no sentido de que também não teria tratado autononomamente da questão debatida no n.º 9 (nulidade insanável), uma vez que, havendo sido debatida nas instâncias como questão interlocutória, acabou por ser julgada definitivamente pela Relação (art. 400.1.c do CPP); para a sua «revisão» pelo STJ, não bastaria o facto de o recorrente insistir em considerar a pretensa irregularidade subjacente como «nulidade insanável», depois de a Relação decidir definitivamente que não se tratou nem de nulidade e, muito menos, de nulidade insanável, que afastaria o obstáculo legal de o STJ, por irrecorribilidade da respectiva decisão, voltar a sindicá-la; tratando-se de questão irrecorrível, transitou em julgado e, como diz Giovanni Conso, a formação de caso julgado á a «la piú vistosa e potente causa di sanatoria». O caso julgado, em suma, sana as próprias nulidades ditas insanáveis)
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(1) Na decisão recorrida, por evidente lapso, na parte decisória não se refere a alteração da pena, pedida pelo M.º P.º no seu recurso, pelo crime de branqueamento de capitais, que também foi reformulada, aplicando-se a pena de 2 anos de prisão, em vez dos 10 meses que tinham sido fixados na 1.ª instância.