Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
842/10.9TBPNF.P2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: CONTRATO DE ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
SOCIEDADE IRREGULAR
NULIDADE
LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE
PODERES DE COGNIÇÃO
PEDIDO
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONVOLAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO / LIMITES DA CONDENAÇÃO.
Doutrina:
- Lopes do Rego, “O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, 781 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): -ARTIGO 286.º E SS..
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGOS 41.º, N.º1, 146.º E SS..
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 609.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

ACÓRDÃO DE 5/11/2009, PROFERIDO NO PROCESSO N.º 308/1999.C1.S1.
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA 3/2001.
ASSENTO DE 28/3/1995.
Sumário :
1. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídicoque ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal, alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado.

2. Assim, é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.

3. Tendo o A. optado por formular um pedido de reconhecimento de um direito relativamente à contitularidade em determinado património imobiliário, na óptica fundamental de um contrato de associação em participação, decorrente de actividade exercida conjuntamente com o R., não é possível, como decorrência da subsunção da relação material controvertida no âmbito da figura normativa das sociedades irregulares, atribuir-lhe antes o direito a uma determinada participação ou quota na dita sociedade, tendo como fim e objecto a actividade de rentabilização do património imobiliário entretanto adquirido pelos interessados.

4. Na verdade, neste caso verifica-se uma perfeita heterogeneidade – quer jurídica, quer pático-económica – entre o pedido efectivamente formulado pelo A., situado claramente no plano real da compropriedade sobre determinado património imobiliário, e o resultado da convolação operada pelo juiz, reconhecendo-lhe, não qualquer direito de natureza real sobre tais imóveis, mas antes determinada quota ou participação na sociedade que se teve por existente, face à qualificação jurídica da relação material litigiosa .

5. Perante a especialidade do procedimento de liquidação das sociedades, regulado no CSC, não é admissível que se proceda incidentalmente, no âmbito de uma qualquer acção, processada na forma comum e que corra termos entre os sócios, culminando no decretamento oficioso de nulidade do contrato de sociedade, às operações de liquidação do ente social extinto, definindo logo qual era a parcela dos bens sociais que caberia a cada um deles.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.



1. AA intentou acção declarativa, com a forma de processo comum ordinário, contra BB e CC, pedindo que os réus sejam condenados, “em alternativa, à escolha do autor”, nos seguintes termos:

a) A ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre;

b) A pagar ao autor a quantia de € 267.061,98, acrescida de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.

Como fundamento da sua pretensão, alegou o autor em síntese: nos anos de 80 e 90 do século passado, viu-se confrontado com uma acção executiva hipotecária que lhe foi movida, bem como a outros executados, pelo então Banco DD; na negociação que manteve com o referido banco surgiu como possibilidade, aventada por funcionário bancário, a de fazer adquirir por terceiro o crédito exequendo e de adquirir ao banco os imóveis que para este se haviam transmitido; no quadro do relacionamento de confiança e de grande amizade que então mantinham, autor e réu decidiram aceitar a solução apresentada e, nesse enquadramento, o réu adquiriu o crédito exequendo, habilitando-se para prosseguir os termos da acção executiva, e um conjunto de imóveis; acertaram que o investimento necessário seria efectuado por autor e réu, na medida das respectivas disponibilidades, dando origem a um projecto de investimentos comuns, orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais a investir; no quadro deste projecto, seriam suportados por ambos e nas proporções que viessem a ser fixadas, a oportunidade de negócio, as despesas e investimentos realizados e seriam distribuídos por ambos, ou suportados por ambos, os lucros e/ou as menos valias que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos; acordaram ainda que seria mantida uma conta-corrente de despesas e receitas reflectindo o valor da “carteira de investimentos”, mantida, ao longo de anos, até 30 de Abril de 2002; o acordo com o Banco DD veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais, 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00 à compra e venda de imóveis, adquirindo os réus quer o crédito e a posição processual de exequente, quer o conjunto de imóveis, estes adquiridos por escritura de 14 de Setembro de 1993, passando autor e réu a concorrer com os capitais necessários ao investimento, sendo que o autor entregou ao réu, na ocasião da celebração do negócio com o Banco DD, a quantia de dez milhões de escudos; a mencionada conta-corrente serviu, designadamente, para aplicações em instrumentos financeiros, aquisições de créditos, aquisições de imóveis, remunerações dos capitais investidos por autor e réu, pagamento de encargos com escrituras, pagamento de impostos incluindo sisas de aquisições e contribuições autárquicas e remunerações de advogado; em 31 de Dezembro de 2001 a conta-corrente mantida pelo réu BB apresentava um saldo credor a favor do autor AA no montante de 23.034.367$00, o qual por conversão em euros passou a ser do montante de € 114.894,94; e em 30 de Abril de 2002 a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do autor AA no montante de € 115.850,34; na mesma data, apresentava um saldo credor a favor do réu BB no montante de € 320.642,48; estes saldos traduziam o entendimento do réu BB sobre o resultado da globalidade das operações em que autor e réu estavam interessados; surpreendentemente, em 2002 o réu BB mandou refazer as conta-correntes, introduzindo nelas movimentos a débito e crédito não autorizados pelo autor, estranhos ao objecto da associação, por forma a fazer reflectir o resultado de “empréstimo” que entretanto efectuara a EE e marido FF. por escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 21 de Março de 2000; o património adquirido pelo réu no âmbito da sociedade irregular que constituiu com o autor tem o valor unitário de € 25.000,00 por cada um dos lotes da freguesia de Pinheiro, sendo que de tais lotes os réus venderam 6 e fizeram contas relativamente ao apuro da venda de 4 deles; donde ao autor cabe, na proporção do investimento, o montante de € 95.769,20; a parte sobrante do prédio da freguesia de Pinheiro tem a área de 70544 m2 e um valor superior a € 350.000,00, cabendo ao autor, na proporção do investimento, o montante de € 111.730,73; já o terreno da freguesia de Valpedre tem um valor superior a € 180.000,00, cabendo ao autor, na proporção do investimento, o montante de € 59.562,06; em conclusão, do valor dos imóveis adquiridos pela sociedade irregular constituída entre autor e réu pertence àquele o montante de € 267.061.98; a estar regularizada a propriedade, caberia divisão: não o estando, assiste ao autor o direito de peticionar dos réus o pagamento de quantia em dinheiro correspondente à quota-parte do investimento efectuado para aquisição dos bens; os imóveis adquiridos pelo réu, parcialmente com dinheiro do autor, estão integrados no património do casal constituído por ambos os réus, assim enriquecidos; na medida em que a aquisição dos imóveis foi efectuada também com dinheiro do autor, assiste a este o direito de haver para si parte do património adquirido e entretanto transformado; como decorre até do facto de ambos – autor e réu – terem conduzido e financiado o processo de loteamento de um dos imóveis adquiridos; atenta a concreta forma utilizada, está excluída a possibilidade de divisão da coisa comum, pois que inexiste título de compropriedade; o autor não dispõe de título, nem está em condições de alegar factos dos quais pudesse decorrer o direito à aquisição derivada ou originária da propriedade; o autor participou, assim, com 32% dos montantes investidos pelos réus para aquisição do património, sendo que por carta de Outubro de 2002, o réu reconhecia que os resultados do investimento deveriam ser repartidos em partes iguais, o que conduziria à formulação de pedido por montante bem superior; porém, o autor tal como não aceita a consideração de negócios em que não participou, também não pretende mais do que aquilo que havia convencionado; do exposto resulta dever ser reconhecido ao autor o direito de haver para si 32% do direito de propriedade sobre os imóveis identificados ou, em alternativa, o de haver para si a parte proporcional do valor actualizado de todos os imóveis; soluções a que se deverá chegar, seja pelo reconhecimento da constituição de sociedade irregular, seja por aplicação das regras do enriquecimento sem causa.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando em síntese: os réus divorciaram-se em 10 de Julho de 2009; refutam os fundamentos da pretensão do autor, nomeadamente que a entrega pelo autor ao réu da quantia de 10.000.000$00 o tenha sido a título distinto de um mero mútuo ou empréstimo; acresce que o autor assumiu que suportaria a diferença do valor que o Banco DD propunha face à proposta do réu, para a concretização do negócio do qual o autor dá nota no seu articulado, no valor de 6.500.000$00, o que nunca fez; por via do acordo celebrado com o Banco DD, o réu aceitou que o autor participasse neste investimento, assumindo ambos um projecto que consistia na rentabilização dos imóveis adquiridos pelo réu e realização de investimentos futuros em imóveis, passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um, orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais investidos e a investir; autor e réu acordaram ainda, como condição para a aceitação dos termos propostos pelo Banco DD, que o risco de um qualquer prejuízo decorrente deste negócio impendia sobre o autor, que o capital investido no projecto de investimento que ambos iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidades bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos 2 pontos percentuais, que com a venda de todos os bens adquiridos seria pago o capital investido na proporção do respectivo investimento e divididos os lucros em partes iguais e, finalmente, que autor e réu acompanhariam todo o processo até final; foi criada uma conta corrente de despesas e receitas, com início em 23 de Março de 1992, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projecto de investimento, sendo os lançamentos em tal conta corrente efectuados por ordem do autor e réu; nos termos da respectiva conta corrente, o autor apenas investiu a quantia de 13.200.000$00, sendo que, em 5 de Dezembro de 1996, o réu entregou ao autor o aludido montante; em inícios de Março de 1997, o autor, sabendo que o seu cunhado GG iria intentar acção judicial contra ele e sua mulher, com a consequente penhora dos bens e, apesar de ter feito doação do prédio, que constituía a sua habitação, a favor das suas três filhas, pediu especial favor ao réu para a transmissão da titularidade do mesmo imóvel a favor deste ou a favor da Imobiliária HH, Lda., da qual o réu é sócio-gerente; em nome da amizade que os unia, o réu acedeu na transmissão de titularidade do imóvel a favor da referida Imobiliária HH, Lda., que, por sua vez, e de acordo com o autor celebrou contrato de locação financeira imobiliária, tendo o autor assumido perante o réu todas as despesas e pagamento das rendas inerentes ao referido contrato de locação financeira; entretanto, passou a Imobiliária HH, Lda., a suportar o pagamento de todas as rendas e despesas relativas ao contrato de locação financeira, passando todos os movimentos a constar da conta corrente geral; também em 5 de Junho de 1997, a Imobiliária HH, Lda., adquiriu 2 terrenos, sendo que para pagamento do valor da aquisição dos imóveis supra referidos e respectivas despesas, o autor e mulher comparticiparam com o valor 50% do preço da compra, tendo-lhes sido reconhecido pelo réu enquanto sócio gerente da Imobiliária HH, Lda., o direito a 50% sobre o valor dos referidos prédios; foi então acordado entre autor e réu, que este suportaria na proporção de 50% o pagamento de todos os encargos e despesas que viessem a incidir sobre os referidos imóveis, passando tais encargos e despesas a ser lançados em conta corrente; acresce que, em meados de 1999, surgiu uma oportunidade de negócio que consistia na compra de um prédio rústico, tendo autor e réu resolvido que deveriam constituir uma sociedade comercial para aquisição do referido imóvel, sendo que essa sociedade teria também como sócio II; em 28 de Outubro de 1999, ainda antes da constituição da sociedade referida, autor e réu, juntamente com II, outorgaram, na qualidade de promitentes compradores, o contrato promessa de compra e venda; a mencionada sociedade comercial veio a ser constituída em Janeiro de 2000, com a denominação de “JJ, Lda.”; contudo, na data da Escritura de constituição da sociedade compareceu a assumir a qualidade de sócia a filha do autor, KK, alegando que teria de substituir o autor em face dos problemas que este tinha com a justiça; ora, a quota parte a pagar pela filha do autor em todas as despesas com a constituição da Sociedade JJ, Lda., na aquisição do imóvel e no pagamento das despesas de escritura e registos inerentes foi suportada pelo réu; em resumo, no âmbito do projecto de investimento do autor e do réu, este investiu capital e suportou despesas e encargos que, à data de 30 de Abril de 2010, ascendem ao valor de € 738.632,78; sendo certo que o autor ainda é devedor do réu pelo valor de 6.500.000$00 (€ 32.500,00), valor este respeitante à diferença entre a proposta apresentada pelo réu ao Banco DD e a proposta que foi forçado a aceitar por força da conduta do autor, que este assumiu pagar ao réu e que nunca pagou, a qual venceu encargos/juros, desde 30 de Julho de 1992 e, que à data, ascendem a € 135.112,94; finalmente, acresce o valor devido pelo autor em razão de adiantamentos que pelo réu lhe foram feitos, como vendedor de uma empresa da qual era gerente.

Terminam afirmando que a acção deverá ser julgada improcedente, com a consequente absolvição do pedido e, em reconvenção, formulam pedido nos seguintes termos:

1) Ser o autor/reconvindo condenado a reconhecer a propriedade plena dos réus/reconvintes, sobre os bens imóveis aludidos nos artigos 51.º, 52.º, 53.º, 54.º, 55.º, 57.º, 58.º, 59.º, 60.º, 61.º, 63.º 64.º, 66.º e 68.º da petição inicial e que não lhe assiste qualquer direito sobre os referidos bens;

2) Ser o autor/reconvindo condenado a pagar aos réus/reconvintes, as quantias que, no seu conjunto, perfazem o valor de € 167.612,94;

3) Ser o autor/reconvindo condenado a pagar aos réus/reconvintes, a quantia de € 199.520,00 referida em 231.º da PI;

4) Ser o autor/reconvindo condenado a ceder ou abdicar a favor dos réus/reconvintes, o direito ao valor de 50% sobre o preço da venda do prédio, para construção urbana, sito no Lugar e freguesia de ..., com a área de 600 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.º 281, que lhe foi reconhecido por declaração assinada pelo réu na qualidade de sócio gerente da empresa Imobiliária HH, Lda..

O autor apresentou réplica, na qual suscita a título de excepção a inutilidade da reconvenção quanto ao primeiro dos pedidos e a inadmissibilidade dos restantes, refutando os fundamentos da reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.

Os réus responderam, em tréplica, refutando as excepções invocadas.

Elaborado despacho saneador, aí se admitiu a reconvenção, afirmando-se a improcedência das excepções invocadas pelo autor.

Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a actividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao Banco DD e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52.º, n.º 1 do CSC.

Sem prejuízo, opera-se a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.

Julgam-se totalmente improcedentes, por não provadas, as pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.


2. Os réus, não se conformando com tal sentença, apelaram, proferindo a Relação acórdão nos seguintes termos:

«Pelas razões expostas e dando parcial provimento ao recurso, acordam os juízes desta secção nos seguintes termos:

a) – Eliminar o ponto 17.º dos factos não provados e aditar à matéria de facto provada a alínea SSS), com o seguinte teor:

“O réu procedeu à entrega ao autor dos cheques pré-datados mencionados na alínea XX), tendo sido este quem os entregou ao funcionário do Banco DD”.

b) – Julgar procedente a arguição de nulidade e, em consequência, revogar a sentença proferida nos autos, sem prejuízo da matéria de facto provada e respectiva motivação, com a alteração que antecede.

c) – Determinar a descida dos autos à primeira instância, para cumprimento do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil e, suprida a nulidade, a prolação de nova sentença.»

Baixaram os autos à 1.ª instância, onde foi proferido despacho do seguinte teor:

«Em obediência ao Acórdão da Relação do Porto que antecede, notifiquem-se as partes, nos termos e para os efeitos do artigo 3º, n.º 3 do CPC, para, em 10 dias, virem aos autos pronunciarem-se, querendo, sobre a possibilidade/admissibilidade e termos da convolação do pedido deduzido pelo Autor; reconhecendo-lhe, não obviamente no plano dos direitos reais, a quota parte que lhe caberia, em termos de compropriedade ou comunhão nos imóveis adquiridos (formalmente) pelo Réu, em execução do acordo de sociedade comercial que resultou caracterizado, nos termos aludidos na sentença anulada nos autos, sendo-o o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular, bem como a declaração de que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.

Em resposta, vieram os réus apresentar um requerimento no qual “pugnam pela impossibilidade e inadmissibilidade da pretendida convolação”, alegando em síntese: não pode pois, extrair-se dos factos carreados para os autos e dados como provados a intenção de constituição de um património autónomo, ou de uma pessoa jurídica diferente dos RR. e A., ou seja uma nova individualidade; o que leva à conclusão inelutável que o acordo celebrado entre o A. e R. não evidencia a vontade de constituição de uma sociedade, ainda que irregular, mas tão só, em quando muito, um contrato de associação em participação; acresce que a pretendida convolação não é admissível, pelo menos, nos termos pretendidos pelo Tribunal, isto porque, para além de consubstanciar uma alteração à causa de pedir, não resultou provado que, A. e RR. tivessem vontade em constituir uma sociedade comercial, e portanto não é possível falar-se em sociedade irregular, assim como, em face da factualidade provada e dos elementos carreados para os autos também não é possível proceder-se à quantificação da “quota” social a atribuir ao A.; sendo que só a liquidação e partilha subsequente à declaração de nulidade teria a virtualidade de determinar o valor da participação social de cada sócio; aliás, resulta provado nos autos que o acordo celebrado com o Banco DD veio a ser formalizado por 55.000.000$00, dos quais 35.000.000$00 respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00, à compra e venda de imóveis; por sua vez, da factualidade provada, retira-se que, até ao ano de 1996, o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, no âmbito do negócio com o Banco DD, a quantia de 13.200.00$00; não resulta provado nos autos que o A. tenha contribuído com outros valores/participações para a “sociedade”, pelo que o valor da participação do A., de acordo com o que resulta dos factos provados, a ser possível a sua determinação, o que não se crê, nunca poderia ser de 32%.

Seguidamente, foi proferida nova sentença, com o seguinte dispositivo:

«Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao Banco DD e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, n.º 1 do CSC.

Sem prejuízo, opera-se a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.

Julgam-se totalmente improcedentes, por não provadas, as pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.



3. Novamente inconformados, os réus interpuseram recurso de apelação, tendo a Relação começado por definir o quadro factual relevante para a decisão do litígio:

A)      Correu termos uma ação executiva hipotecária movida pelo então “Banco DD”, pelo 2.º Juízo, 2.ª Secção do Tribunal Judicial de Penafiel, sendo executados o próprio Autor e mulher e ainda LL e mulher e GG e mulher.

B)    No âmbito da ação executiva foi o R. habilitado cessionário do crédito exequendo.

C)     Por via do acordo celebrado com o Banco DD, o R. aceitou que o A. participasse no investimento, assumindo ambos um projeto que consistia na rentabilização dos imóveis agora adquiridos pelo R. e realização de investimentos futuros em imóveis,

D)   (...) passando ambos a concorrer com os capitais necessários e na medida das disponibilidades de cada um.

E)       (...) orientado para a recuperação e rentabilização dos capitais investidos e a investir.

F)         No quadro deste projeto seriam suportados por ambos, e nas proporções que viessem a ser fixadas, oportunidade de negócio a oportunidade de negócio, as despesas e investimentos realizados.

G)         E seriam distribuídos por ambos, ou suportados por ambos, os lucros e/ou as menos valias que viessem a ser realizadas, também na proporção dos respectivos investimentos.

H)          Foi criada uma conta corrente de despesas e receitas, com início em 23 de Março de 1992, onde passaram a ser registados os investimentos realizados e todas as operações financeiras relacionadas com o projeto de investimento, sendo os lançamentos em tal conta corrente efectuados pelo Técnico de Contas – Sr. MM –.

I)     Tal conta-corrente serviu, designadamente, para aplicações em instrumentos financeiros, aquisições de créditos, aquisições de imóveis, remunerações dos capitais investidos por Autor e Réu, pagamento de encargos com escrituras, pagamento de impostos incluindo sisas de aquisições e contribuições autárquicas e remunerações de advogado – Dr. NN.

J)          Por carta de 22 de Março de 1992, o Réu BB formalizou junto do Banco DD proposta de compra do crédito exequendo com as respectivas garantias e acessórios, nos termos do teor do referido documento de fls. 151.

K)          Essa proposta contemplava, entre outros, o pagamento de 48.500.000$00 em seis prestações, de montantes variáveis, para aquisição do crédito, bem como o pagamento de 800.000$00 a título de despesas já efectuadas.

L)          Ainda sem qualquer comunicação de aceitação da proposta por parte do Banco DD, é o R. BB confrontado com um telefonema do seu gerente de conta no sentido de aprovisionar a conta n.º …46, do BANCO OO, por ter este pago o primeiro cheque referido em J), no valor de 26.000.000$00.

M)         O acordo com o Banco DD veio a ser formalizado por 55.000.000$00 milhões de escudos, dos quais, 35.000.000$00 de escudos respeitam à cessão do crédito e 20.000.000$00 à compra e venda de imóveis.

N)          A proposta foi aceite pelo Banco DD, adquirindo os Réus quer o crédito e a posição processual de exequente, quer o conjunto de imóveis, estes adquiridos por escritura de 14 de Setembro de 1993.

O)          Por escritura de compra e venda de 14 de Setembro de 1993, outorgada no Cartório Notarial do Licenciado PP, o (então) Banco DD, SA declarou vender ao Réu BB, à data casado em regime de comunhão de adquiridos com a Ré CC, e pelo preço global de 20.000.000$00, os quatro seguintes imóveis, todos do concelho de Penafiel:

- Prédio rústico, a cultura, pomar, ramada, pastagem, mato e vacaria, sito no lugar de …, freguesia de Pinheiro, inscrito na matriz sob o artigo 352, pelo preço de 6.600.000$00.

- Prédio rústico, denominado Quinta de …, a cultura e ramada, sito no Lugar de …, freguesia de Valpedre, inscrito na matriz, à data, sob o artigo 828, pelo preço de 700.000$00.

- Prédio rústico, denominado Campo …, a cultura e ramada, com dependência agrícolas, sito no Lugar de …, freguesia de Valpedre, inscrito na matriz, à data, sob o artigo 832, pelo preço de 700.000$00.

- Prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão e andar, sito no Lugar de …, freguesia de Valpedre, inscrito na matriz sob o artigo 107, pelo preço de 12.000.000$00.

P)        O prédio da freguesia de Pinheiro é o descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 248 e os da freguesia de Valpedre descritos sob o n.º 208.

Q)        Sobre os prédios identificados tiveram lugar operações de destaque e loteamento.

R)          No prédio da freguesia de Pinheiro, foi feita a desanexação de parte da área da descrição 315, dando origem ao prédio descrito na ficha 815, ficando aquele artigo reduzido a 21.516,33 m2.

S)         No prédio da freguesia de Pinheiro descrito na ficha 815 foi promovida uma operação de loteamento da qual resultou a autonomização de 16 lotes, identificados pelos n.ºs 1 a 16, todos com a área de 432 m2, à excepção dos lotes 10, com 440 m2 e 11 e 12 com 400 m2 cada, para habitações unifamiliares, que passaram a constituir as descrições com os números de ficha 816 a 831 da freguesia de Pinheiro.

T)        Destes lotes os Réus venderam 6, a que correspondem os números 11 a 16.

U)       No prédio da freguesia de Valpedre os Réus procederam à desanexação da parte urbana – artigo 107 da matriz – com a área de 5.095 m2 que venderam a EE, pelo preço de 39.000.000$00, lançado a crédito na conta corrente.

V)        Em 02 de Abril de 1992 recepcionou o R. uma contraproposta do Banco DD, que rejeitava a proposta do R. anterior e propunha a cedência do crédito exequendo pelo valor de Euros 35.000.000$00 e a venda dos prédios “Quinta do …” e “Quinta da …” pelo preço global de 20.000.000$00, a desistência de penhora sobre todos os bens dos executados e o pagamento de 800.000$00, a título de despesas judiciais.

W)        Em 05 de Junho de 1997, HH, Lda., adquiriu 2 terrenos, sitos no Lugar de …, um com a área de 600m2 e outro com a área de 3.250m2 quadrados.

X)         Para pagamento do valor da aquisição dos imóveis referidos em W) e respectivas despesas, o A. e mulher comparticiparam com o valor 50% do preço da compra, pelo que foi-lhes reconhecido pelo R. enquanto sócio Gerente da Imobiliária HH, Lda., o direito a 50% sobre o valor dos referidos prédios.

Y)        Foi então acordado entre A. e R., que o R. suportaria na proporção de 50% o pagamento de todos os encargos e despesas que viessem a incidir sobre os referidos imóveis.

Z)        (...) passando tais encargos e despesas a ser lançados em conta corrente.

AA)       A. e R., juntamente com II, outorgaram em 28.10.1999, na qualidade de promitentes compradores, o contrato promessa de compra e venda, relativo ao prédio sito em …, Freguesia de Bitarães, inscrito na matriz predial, sob o artigo 415º da Freguesia de Bitarães.

BB)        Em 7 de Fevereiro de 2000, foi constituída a sociedade “JJ, Lda.”, sendo sócios e gerentes, em quotas igualitárias, o R., a filha do A.- Jeny Nunes e II.

CC)        Em 08.02.2000, é celebrada a Escritura Pública de Compra e venda do imóvel referido em AA), adquirindo a Sociedade Comercial JJ, Lda. a propriedade sobre o referido imóvel.

DD)        A conta-corrente foi aberta em 23.03.1992, com os seguintes valores: a crédito do Autor AA, pelo valor de 10.000.000$00, quantia que o Autor entregou ao Réu BB por cheque com o n.º …23, sacado sob a conta …00 do QQ; a crédito do Réu BB, pelo valor de 16.000.000$00.

EE)       Até ao ano de 1996 o A. entregou ao R., por conta do investimento realizado, no âmbito do negócio com o Banco DD, a quantia de 13.200.000$0.

FF)         Em 05 de Dezembro de 1996, tendo o R. recebido o produto resultante da acção executiva referida em A), no valor de 59.956.037$00, entregou ao A., as quantias de 13.000.000$00 e de 331.000$00, estes respeitantes ao reembolso de penhora de vencimento da mulher do A.

GG)        Dos referidos 13.200.000$00, foi aceite pelo A. que o montante de 200.000$00 seriam oferecidos ao RR Futebol Clube.

HH)        Em inícios de Março de 1997, o A. sabendo que o seu cunhado GG iria intentar ação Judicial contra ele A. e mulher, com a consequente penhora dos bens do A. e, apesar de ter feito doação do prédio, que constituía a sua habitação, a favor das suas três filhas, pediu ao R. para a transmissão da titularidade do mesmo imóvel a favor deste ou a favor da imobiliária HH, Lda., da qual o R. é sócio-gerente.

II)           Em nome da amizade que os unia, o R. acedeu na transmissão de titularidade do imóvel a favor da referida HH, Lda., que, por sua vez, e de acordo com a A. celebrou contrato de Locação Financeira Imobiliária, em 14 de Maio de 1997.

JJ)          Tendo o A. assumido perante o R. todas as despesas e pagamento das rendas inerentes ao referido contrato de locação financeira.

KK)         O montante da operação de financiamento importou o valor de 38.500.000$00, sendo que deste valor, 35.000.000$00 corresponderam ao valor da aquisição do imóvel e 3.500.000$00 ao valor da sisa a pagar.

LL)         Com o valor resultante do financiamento foi imediatamente paga a primeira renda, no valor de 23.500.000$00, a sisa no valor de 3.500.000$00, despesas notariais no valor de 406.580$00, despesas de dossier, no valor de 93.600$00, despesas de avaliação do imóvel no valor de 58.500$00.

MM)      Do valor de 10.941.320$00 foram pagas as segunda, terceira e quartas prestações do leasing, no valor de 169.656$00, cada.

NN)        Por escritura de mútuo com hipoteca de 21 de Março de 2000 o Réu emprestou a EE a quantia de quarenta e um milhões de escudos, a qual seria paga em 41 prestações mensais nas condições indicadas no título.

OO)       A conta-corrente de H) foi elaborada por acordo entre o Autor e o Réu marido.

PP)         Em 2002 o Réu BB mandou introduzir nas “contas-correntes” movimentos a débito e crédito, por forma a fazer refletir o resultado de “empréstimo” que entretanto efetuara a EE e marido FF por escritura de mútuo com hipoteca outorgada em 21 de Março de 2000; consequência do que apresentou ao Autor conta-corrente com os seguintes saldos, agora reportados a 31.10.2002: a favor do Autor AA, no montante de € 93.755,75. A favor do Réu BB, no montante de € 501.085,38.

QQ)       Durante todo o tempo pelo qual se prolongou o acordo caracterizado em C) a G) foi sempre o Réu BB quem procedeu à administração do património, formalizando compras e vendas, distribuindo “remunerações” calculadas sobre o montante investido, pagando despesas, recebendo preços de bens e detendo como de sua exclusiva propriedade um conjunto de imóveis.

RR)         A partir de Abril de 2002, o Réu BB não mais prestou contas dos bens que detinha em administração e não mais distribuiu dividendos.

SS)         A parte sobrante, após o referido em V), dos prédios inscritos na matriz, à data, sob os artigos 828 e 832, a que corresponde agora a descrição 208 da freguesia de Valpedre, conforme Q), corresponde a um prédio rústico com a área de cerca de 5.000 m2.

TT)         Quanto aos lotes da freguesia de Pinheiro:

- cada um dos lotes com a área de 432 m2 (lotes nºs 1 a 9 e 13 a 15) tem o valor total de 25.920 EUR;

- o lote nº 10, com a área de 440 m2, tem o valor total de 26.400 EUR;

- os lotes nºs 11 e 12, com a área de 400 m2, têm o valor total de 24.000 EUR.

UU)        Os Réus venderam 6 lotes e fizeram contas relativamente ao apuro da venda de 4 deles.

UU)        A parte sobrante do prédio da freguesia de Pinheiro tem a área de 21.516,33 m2 e um valor de 56.587,95 EUR.

VV)         O terreno da freguesia de Valpedre tem o valor de 21.450 EUR.

WW)     Ao menos em 18 de Março de 1992 o Réu marido estava em negociações com o Banco DD.

XX)         O R. procedeu à entrega ao Banco DD de cheques pré-datados, no valor de 48.500.000$00, todos sacados sobre a conta n.º …46, do BANCO OO, Agência de Valongo.

YY)         Em meados de 1999, ao A. e R. surge uma oportunidade de negócio que consistia na compra de um prédio rústico sito em …, Freguesia de Bitarães, inscrito na matriz predial, sob o artigo 415º da Freguesia de Bitarães, com a denominação de …, propriedade de SS.

ZZ)         Resolveram então A. e R. que deveriam constituir uma sociedade comercial para aquisição do referido imóvel, sendo que, essa sociedade teria também como sócio, o Sr. II.

AAA)     Na data da Escritura de constituição da sociedade referida em Z) compareceu a assumir a qualidade de Sócia a filha do A. – KK.

BBB)      Em 1999, ao menos o Réu aceitou vender o imóvel conhecido por Quinta de …. a EE, pelo valor de 39.000.000$00.

CCC)      No dia 18 de Junho de 1999 foi outorgado o contrato-promessa de compra e venda, contra a entrega, a título de sinal e princípio de pagamento um cheque no valor de 8.000.000$00, com tradição do prédio.

DDD)      Tal cheque, uma vez apresentado a pagamento, veio a ser devolvido por falta de provisão, por duas vezes.

EEE)        Acordou então ao menos o Réu com a referida D. EE em substituir aquele cheque por um outro no valor de 5.000.000$00, a título de sinal e princípio de pagamento do preço acordado, que foi pago.

FFF)       Ainda antes da data da escritura, tomaram A. e R. conhecimento que a referida EE tinha já contraído dívidas ao empreiteiro e outros prestadores de serviços que executavam a obra e, não tinha liquidez para efetuar o pagamento dos valores já em dívida e dos necessários à conclusão da obra…

GGG)      Ao tempo a referida EE havia realizado obras no prédio objecto do contrato-promessa, nomeadamente demolições no interior da casa e intervenções no exterior.

HHH)      Por escritura outorgada em 02 de Outubro de 1999, o Réu vendeu o imóvel identificado em BBB), contra o pagamento da parte restante (cfr. al. BBB) e EEE)) do preço. 

III)          A EE e marido entregaram ao Réu, para pagamento/restituição do mútuo referido em AR), 41 letras, no valor de 1.000.000$00 cada, vencendo-se a primeira no dia 31.03.2000 e as restantes no último dia de cada um dos meses subsequentes, das quais apenas viriam a ser pagas as 2 (duas) primeiras, no valor total de 2.000.000$00.

JJJ)         O prédio referido em BBB) foi vendido no âmbito de processo executivo, tendo sido adquirido devoluto de coisas e bens, pela sociedade HH, Lda., no ano de 2005.

KKK)      O R. vendeu à Sociedade HH, Lda. o prédio rústico que se reporta o artigo 208º da freguesia de Valpedre, pelo valor declarado de 25.000,00.

LLL)        Em 05 de Setembro de 2002, o Réu procedeu à venda de um prédio urbano para construção, sito no Lugar de Astromil, freguesia de Astromil, descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº 282, pelo valor declarado de cerca de 200.000 EUR.

MMM)   O Réu entregou ao Autor, do produto da venda referida na alínea anterior a quantia de 16.000.000$00/79.808 EUR, que este integrou no seu património.

NNN)      Na ocasião do negócio referido em LLL), o A. entregou ao R. um cheque no valor de Euros 4.445,00, destinado a pagar IRS, a título de mais-valias decorrentes da compra e venda.

OOO)     O valor global de 1.258.914$00, relativo ao pagamento das rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da habitação do Autor e despesas inerentes, no ano de 1997; o valor global de 2.131.997$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes, no ano de 1998; o valor de 2.063.374$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes, no ano de 1999; o valor global de 2.934.596$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes no ano de 2000 e, finalmente, o valor global de 2.056.992$00, relativo às rendas do contrato de Locação Financeira efectuado para aquisição da sua habitação e despesas inerentes em 2001, no valor global de 10.445.857$00, foi satisfeito/pago pela imobiliária do Réu que adquiriu o imóvel, por via do recebimento, conforme matéria assente em AM e AO, da quantia relativa ao financiamento por locação imobiliária.

PPP)       O Réu entregou ao Autor, por si ou por intermédio da Imobiliária HH, Lda., de que este é sócio gerente:

- o valor de 1.000.000$00 através de cheque emitido a seu favor em 18.02.1998;

- O valor de 1.000.000$00 através de cheque emitido a seu favor em 14.05.1998;

- O valor de 1.250.000$00 através de cheque emitido diretamente a seu favor, do Negócio de Venda de Lotes ao Sr. TT, em 23.03.1998;

- O valor de 500.000$00 através de cheque emitido diretamente a seu favor, do negócio de venda de Lotes ao Sr. TT, em 23.04.1998;

- O valor de 2.000.000$00 através de cheque datado de 07.11.2000.

QQQ)     Em 22.10.1999, o A. recebeu no âmbito do contrato de compra e venda efectuada a EE e marido a quantia de 12.500.000$00.

RRR)       Por via da saída de um vendedor da firma Móvel UU, S.A., da qual o R. é administrador, o A. pediu ao R. para exercer funções de vendedor ao serviço desta empresa, ao que o R. anuiu.

SSS)       “O réu procedeu à entrega ao autor dos cheques pré-datados mencionados na alínea XX), tendo sido este quem os entregou ao funcionário do Banco DD” .

TTT)       

Factos não provados

Não se provaram os seguintes factos:

1.        A conta-corrente de H) foi elaborada (exclusivamente) a mando do Réu;

2.       Em 31.12.2001 a conta-corrente mantida pelo Réu BB apresentava um saldo credor a favor do Autor AA no montante de € 114.894,94;

3.      Na mesma data a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Réu BB no montante de € 315.104,14;

4.     Em 30.04.2002, a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Autor AA no montante de € 115.850,34;

5.          Na mesma data, a conta-corrente apresentava um saldo credor a favor do Réu BB no montante de € 320.642,48;

6.          A introdução nas contas-correntes dos valores conforme PP) foi-o sem autorização do Autor;

7.           A introdução nas contas-correntes dos valores conforme PP) foi-o com autorização do Autor;

8.     Aqueles valores eram “estranhos” ao objecto da associação entre Autor e Réu;

9.           Para além da matéria assente em QQ) o Réu BB também efectuou aplicações financeiras institucionais, detendo-as em seu nome e recebendo resgates de capitais e dividendos;

10.         Desde a ocasião referida em RR) que o Réu não mais efetuou aplicações em proveito comum;

11.         A parte sobrante da descrição 208 da freguesia de Valpedre, referida em SS) tem a área de 9329 m2;

12.         Os lotes da freguesia de Pinheiro têm cada um o valor unitário de 25.000 EUR;

13.         A parte sobrante do prédio da freguesia de Pinheiro tem a área de 70.544 m2 e um valor superior a 350.000 EUR;

14.         O terreno da freguesia de Valpedre tem um valor superior a 180.000 EUR;

15.         Foi a insistência do Autor que determinou o Réu a encetar negociações com o BPSM;

16.         A entrega dos cheques referidos em XX) foi-o a fim de melhor sustentar a proposta junto da administração do Banco DD;

17.         O R. procedeu à entrega ao A. daqueles cheques pré-datados, sendo que foi este quem os entregou ao funcionário do Banco DD;

18.         Foi o R. mesmo, por mão própria, quem entregou os cheques referidos em XX) ao Banco DD;

19.          A entrega dos cheques pelo Réu foi-o na condição de que, caso a proposta fosse aceite pelo Banco, o primeiro cheque apenas poderia ser descontado uma semana após a comunicação da decisão do Banco;

20.         Foi acreditando que o desconto do primeiro cheque enviado com a carta de J) confirmava a aceitação da proposta por parte do Banco DD, que  o R. aprovisionou a conta (...)

21.        … para o que teve que recorrer a aplicações financeiras, ainda, não vencidas, com a inerente perda dos juros;

22.         A apresentação a pagamento do cheque referido destinou-se ao pagamento de débitos e juros vencidos relativos ao A;

23.         O A. havia renegociado com o Banco DD e negociado os termos da proposta referida em J); à revelia e sem conhecimento e consentimento do R.;

24.         Foi por estar despojado de 26.000.000$00 e o A. assumir que suportaria a diferença do valor que o Banco DD propunha face à proposta do R., que o mesmo aceitou a proposta referida em M);

25.         Foi acordado entre A. e R. e condição para a aceitação dos termos propostos pelo Banco DD, referidos em M) que:

- O risco de um qualquer prejuízo decorrente deste negócio impendia sobre o A.;

- O capital investido no projeto de investimento que ambos agora iniciavam, venceria juros à taxa de juro praticada pelas entidades bancárias, em vigor em cada momento, deduzidos 2 pontos percentuais;

- Com a venda de todos os bens adquiridos seria pago o capital investido na proporção do respectivo investimento e divididos os lucros em partes iguais;

- A. e R. acompanhariam todo o processo até final;

26.         Foi a Imobiliária HH Lda., da qual o R. é Sócio gerente, quem suportou o pagamento de todas as rendas e despesas relativas ao contrato de Locação Financeira, passando todos os movimentos a constar da conta corrente;

27.        A outorga na qualidade de sócia pela filha do Autor, conforme matéria assente em AAA), foi-o alegando que teria de substituir o A. em face dos problemas que este tinha com a Justiça;

28.         A quota parte a pagar pela filha do A. em todas as despesas com a constituição da Sociedade “JJ, Lda., na aquisição do imóvel e no pagamento das despesas de escritura e registos inerentes, foram suportados (a final e definitivamente) pelo R.;

29.         Perante a falta de liquidez da referida em BBB), D. Laura, para levar o projeto em frente, também o Autor assumiu o compromisso de, após a venda, conceder à referida EE um empréstimo para a realização das obras necessárias à atividade que esta pretendia desenvolver, sob condição de se constituir uma segunda hipoteca sobre o imóvel a favor do R. para garantia do empréstimo a conceder por A. e R.;

30.         As obras realizadas por EE, conforme matéria assente em GGG) consistiram na demolição de todo o interior da casa e remoção de parte do exterior;

31.         O mútuo referido em AR) mereceu a concordância do Autor;

32.         À data da aquisição assente em JJJ) o imóvel encontrava-se em muito mau estado;

33.         A compra em juízo referida em JJJ) foi de todo alheia ao projeto de investimento que ligava A. e R.;

34.         A compra em juízo referida em JJJ) foi-o no âmbito do projeto de investimento que ligava A. e R.;

35.         Para que a HH, Lda. pudesse obter crédito Bancário, para a aquisição do imóvel, conforme JJJ), no valor que necessitava, exigiu a entidade Bancária concedente do empréstimo que o prédio a adquirir abrangesse o prédio rústico a que se reporta o art.º 208.º da freguesia de Valpedre;

36.        A venda referida em KKK) foi-o por causa da exigência do Banco referida no número que antecede;

37.        Na data referida em LLL) e após terem recebido o preço da compra e venda foi lançado em conta corrente, como receita, um retorno das despesas que até à data da venda A e R. tinham despendido com o prédio objecto da venda;

38.         Em 25 de Março de 2004, é o R. confrontado na qualidade de gerente da HH, Lda. para efetuar o pagamento adicional do imposto de sisa e de selo, por via da compra que a HH, Lda. fez do prédio referido, o que fez, tendo o valor sido reflectido como despesa na conta corrente;

39.         Em 19 de Maio de 1997, o A. em resultado do contrato de locação financeira celebrado pela Imobiliária HH, Lda. para compra da sua casa de habitação, injetou no projeto de investimento do A. e R. o valor de 10.500.000$00;

40.         Depois de todas as operações referidas em KK) a MM) resultou a favor do R. um saldo de 67.648$00;

41.         O Autor recebeu do R., por si ou por intermédio da Imobiliária HH, Lda., de que este é sócio gerente:

- O valor de 1.437,488$00 para pagamento de uma viagem efectuada ao México por A. e mulher no ano de 1997;

- O valor de 3.500.000$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela sociedade JJ, Lda., em 14.10.1999;

- O valor de 3.211.103$00 relativo a empréstimo concedido por conta do terreno adquirido pela sociedade JJ, Lda.;

- Durante o ano de 2001 o valor de 108.331$00 relativo a despesas com o terreno adquirido pela sociedade JJ, Lda.;

- O valor de 1.700.000$00, a título de empréstimo, através de cheque datado de 12.03.2001;

- O valor de 800.000$00, a título de empréstimo, através de cheque datado de 17.08.2001.

42.         Entre a data da outorga da escritura de compra e venda celebrada com a referida EE e marido e o empréstimo, o A. adquiriu ações, tendo o valor de tais ações e respectivo rendimento lançado como receita do A. na conta corrente no montante de 20.324.748$00.

43.         Na sequência do acordo assente em RRR), alegando necessidade de dinheiro para as despesas de viagem, o A. pediu ao R. um adiantamento no valor de € 1.250,00, por mês…

44.         Prometeu que pagaria tais adiantamentos por meio de desconto de 5% nas comissões que auferiria com as vendas a efetuar;

45.         Durante sete meses o R. adiantou-lhe tais quantias, sem que o A. vendesse o que quer que fosse;

46.         O A. nunca devolveu ao R. os montantes por este adiantados;

47.        Foi acordado entre A. e R. que a parte sobrante do Loteamento referido em T) reverteria a favor do R., sem qualquer contrapartida para o A., a título de compensação pelo esforço desenvolvido por este na obtenção do processo do referido loteamento e como reconhecimento pela ajuda prestada na salvaguarda do património do A.;

48.        A redução de área da parte sobrante do prédio identificado em R) foi-o em função de ter sido objecto de duas ações judiciais de reivindicação de propriedade, que foram declaradas procedentes;

49.        Todo o investimento de capital realizado e despesas e encargos suportados pelo R., à data de 30 de Abril de 2010, ascendiam a € 738.632,78;

50.        A aquisição de terrenos referidos em W) inseriu-se no projecto de investimento referido em C);

51.        O investimento em ações referido sob o ponto 42 inseriu-se no projeto de investimento referido em C);

52.        O negócio referido em AA) e CC) inseriu-se no âmbito do projeto de investimento referido em C).


4. Passando, de seguida, a apreciar as questões jurídicas que constituíam objecto da apelação, a Relação proferiu acórdão:

1) revogando a decisão recorrida, na parte em que, operando «a convolação da pretensão do Autor», lhe reconhece o direito “a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.”;

2) mantendo a sentença recorrida na primeira parte do segmento decisório, que se passa a transcrever: «Tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre Autor e Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I); T) e U); DD) e OO), QQ); PPP) e QQQ) da matéria assente, para a atividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao Banco DD e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, n.º 1 do CSC.».

3) mantendo a sentença recorrida na parte restante: indeferimento das pretensões do autor formuladas na petição, delas se absolvendo os réus, e das pretensões reconvencionais, absolvendo-se o Autor da totalidade dos pedidos contra si deduzidos.

Para alcançar tal conteúdo decisório, começou o acórdão recorrido por abordar a questão da qualificação jurídica do acordo celebrado pelas partes, aderindo inteiramente ao decidido na sentença apelada; e, após passar em revista os contornos essenciais das figuras da sociedade irregular e da associação em participação, concluiu, perante a factualidade provada e não provada:

Face a tudo o que ficou dito, considerando a factualidade provada e não provada, afigura-se-nos que, apesar da irregularidade formal do contrato (meramente verbal), se verifica o requisito da “affectio societatis” - da intenção de associação por parte do autor e do réu, pondo em comum bens, valores e trabalho, com o fim de partilhar os lucros resultantes dessa atividade, afetando tais bens e valores ao referido escopo social.

Contrariamente à tese defendida pelo recorrente, concluímos que o acordo das partes envolvidas no negócio não integra a previsão legal do n.º 1 do artigo 21.º do DL n.º 231/81, de 28 de Julho: «A associação de uma pessoa a uma atividade económica exercida por outra, ficando a primeira a participar nos lucros ou nos lucros e perdas que desse exercício resultarem para a segunda….».

Concluímos, face ao exposto, pela improcedência do recurso neste segmento, devendo qualificar-se o negócio existente entre as partes, como “sociedade irregular”.

Quanto à questão da regularidade da convolação do pedido, considera o acórdão recorrido:

A segunda questão suscitada no recurso enunciou-se desta forma: deverá considerar-se nula a ‘convolação do pedido’, efectuada na sentença recorrida? (conclusões 17.ª a 21.ª).

Vejamos.

Consta da fundamentação da sentença recorrida:

«Sem prejuízo, cremos ser possível, sem alteração ilegítima do pedido, conceder ao Autor a tutela do valor patrimonial da sua participação enquanto e como sócio na sociedade irregular, que já se adiantou demonstrada.

Na verdade, como é sabido, o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, podendo, com plena autonomia, qualificar juridicamente os factos alegados como integradores da causa de pedir (ou que estão na base de uma excepção peremptória deduzida pelo Réu), suprindo uma omissão da parte na indicação do fundamento jurídico da sua pretensão ou corrigindo oficiosamente uma qualificação jurídica que tenha por incorrecta, imperfeita ou inadequada.

De resto, o que identifica decisivamente a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico.

Embora se trate de matéria menos linear e mais controversa do que a simples e corrente alteração da qualificação jurídica da factualidade integradora da causa de pedir, tem sido admitido, com fundamento numa visão funcional e menos rigidificante do processo, que, em certos casos, possa o tribunal corrigir e adequar, quer a pretensão material, reconfigurando no plano normativo o efeito jurídico pretendido pelos litigantes, quer as próprias pretensões adjectivas formuladas pelas partes, convolando da configuração jurídica que os litigantes lhe haviam erroneamente atribuído para a que se mostra adequada à realidade normativa (veja-se, de forma paradigmática, o acórdão uniformizador 2/2010, estendendo o tradicional regime do “erro na forma do processo” ao suprimento da forma incorrecta que revestiu a impugnação deduzida pela parte).

O que, no essencial, se pretende evitar com a convolação operada é, no plano da celeridade e da eficácia processuais, dispensar a propositura de uma nova acção, em que apenas fosse corrigido pelo Autor o modo como este havia configurado normativamente o efeito jurídico extraído dos mesmos factos: sendo naturalmente admissível a propositura de uma acção nova em que, apesar de fundada exactamente nos mesmos factos, se deduzisse um pedido diferente, a repetição do litígio envolveria um desproporcionado esforço de alegação de factos e de prova dos mesmos, quando o que, afinal, estava em causa era apenas a reconfiguração – no estrito plano normativo – da via jurídica através da qual se pretendia alcançar o reconhecimento do direito a determinados bens.

Assim, será lícito ao tribunal convolar, mesmo oficiosamente, por exemplo, um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração da respectiva ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (veja-se outrossim o acórdão uniformizador 3/01, de 23 de Janeiro); ou a possibilidade (reconhecida pelo Assento de 28.03.1995) de fazer derivar o direito do autor a determinada prestação, não da via jurídica por ele construída e estruturada ao longo do processo, mas de via juridicamente diversa, resultante do tribunal conhecer oficiosamente do contrato convocado.

Ora, aderindo a esta visão substancialista e desformalizadora do processo civil, considera-se possível operar a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe, não obviamente no plano dos direitos reais, a quota parte que lhe caberia, em termos de compropriedade ou comunhão nos imóveis adquiridos (formalmente) pelo Réu, em execução do acordo de sociedade comercial que resultou caracterizado, nos termos supra, mas direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular em que se estribava, bem como a declaração de que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.

De resto, o Réu não aduz na pronúncia junta aos autos qualquer razão atinente à admissibilidade da convolação operada, do ponto de vista que tem de sê-lo, o da respectiva admissibilidade processual, por respeito integral da vinculação do tribunal ao pedido e causa de pedir. Ao invés, as objecções ali feitas são-no ao mérito mesmo da decisão, afigurando-se-nos que a sede própria para delas apreciar deverá sê-lo o recurso da mesma.

Por isso que, reitera-se, apenas nos parece configurar-se, com o conhecimento da acção nos termos em que o foi e novamente se afirma, uma diferente qualificação jurídica da pretensão deduzida, a partir da causa de pedir convocada, com o que admissível.».


No acórdão proferido por esta Relação, foi anulada a decisão no segmento em pareço, por violação do princípio do contraditório que, como consta do relatório do presente acórdão, veio a ser cumprido, tendo-se pronunciado apenas os réus, fazendo-o no sentido de se oporem à convolação.

Vejamos.

A Mª Juíza começa por constatar que se trata “de matéria menos linear e mais controversa do que a simples e corrente alteração da qualificação jurídica da factualidade integradora da causa de pedir”, admitindo depois, “com fundamento numa visão funcional e menos rigidificante do processo”, a possibilidade de o tribunal “corrigir e adequar, quer a pretensão material, reconfigurando no plano normativo o efeito jurídico pretendido pelos litigantes, quer as próprias pretensões adjectivas formuladas pelas partes, convolando da configuração jurídica que os litigantes lhe haviam erroneamente atribuído para a que se mostra adequada à realidade normativa”.

Os parâmetros legais (imperativos) encontram-se previstos no artigo 609.º do Código de Processo Civil, que preceitua no n.º 1 uma regra geral: «A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.».

As exceções encontram-se enunciadas nos números seguintes, dispondo o n.º 2 que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida, e o n.º 3, que se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.

A regra enunciada no n.º 1 do citado artigo 609.º do CPC decorre do princípio do pedido, característica de um sistema processual pautado pelo dispositivo .

Como refere Lebre de Freitas “O objeto da sentença coincide assim com o objeto do processo, não podendo o juiz ficar aquém nem ir além do que lhe foi pedido”.

No que concerne à fixação ou condenação em objeto diferente do pedido, poderão legitimamente suscitar-se dúvidas sobre o alcance prático do limite referido, nomeadamente nos casos em que a solução passa por uma qualificação jurídica diversa da sustentada pelo autor ou reconvinte, como ocorre quando o autor pede a declaração de resolução de um contrato com fundamento em incumprimento, mas em que se verifica que o contrato em crise é nulo por falta de forma.

Poderá o tribunal declarar a nulidade do contrato e decretar a respectiva consequência restituitória, ao abrigo do disposto nos artigos 286.º e 289.º do Código Civil?

A questão passa pela interpretação do pedido, entendendo-se que este consiste no efeito prático-jurídico pretendido e não tanto na coloração jurídica que lhe é dada pelo autor.

Com efeito, é unânime a doutrina no sentido de que o tribunal não está adstrito à qualificação jurídica dada pelas partes, já que, à luz do disposto no artigo 5.º, n.º 3, do CPC, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.


Conclui-se, face ao exposto, que se a questão se reconduzir a um mero erro de qualificação jurídica na formulação do pedido, aferido em função do contexto da pretensão, nada obstará a que o tribunal decrete o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa, ouvindo previamente as partes sobre a solução divergente, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do CPC.

Mas será o que se passa nestes autos?

Vejamos as pretensões formuladas pelo autor:

Pede o autor que os réus sejam condenados, “em alternativa, à escolha do autor”, nos seguintes termos:

a) A ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre;

b) A pagar ao autor a quantia de € 267.061,98 (duzentos e sessenta e sete mil e sessenta e um euros e noventa e oito cêntimos), acrescido de juros à taxa legal sobre o montante indicado, desde a citação e até integral pagamento.

Quanto a estes pedidos, a Mª Juíza julgou-os improcedentes (com trânsito em julgado, considerando que o autor não impugnou a decisão), nestes termos:

«Da síntese que antecede já ressalta a improcedência das pretensões do Autor, nos termos em que vêm deduzidas ou formuladas.

Na verdade, ainda no quadro da validade da sociedade irregular não seria possível, por falta de fundamento, conceder ao Autor qualquer uma das pretensões formuladas.

A questão prende-se, obviamente, com a natureza/configuração do direito dos sócios quanto/sobre ao/o património (comum) da sociedade ou, mais propriamente, com a posição jurídica do sócio na sociedade, perante a sociedade, na relação jurídica societária 15.

Assim é que cada um dos sócios não é titular de uma quota dos bens que constituem o activo social ou património da sociedade…

As situações activas dos sócios, os poderes destes constituem-se como um direito global do sócio – o direito social, a participação social.

No que respeita ao objecto da participação social, os sócios não têm um direito sobre o património, a participação dos sócios incide sobre a parte social. Refuta-se, pois, a titularidade directa da massa patrimonial societária pelos sócios….».

Ora, salvo todo o respeito devido, o pedido do autor não tem qualquer equivalência com o reconhecimento do seu direito a “uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma”.

O que ele pede, é que os réus sejam condenados “a ver transmitidos para o autor 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis” ou, em alternativa, a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 267.061,98.

Como muito bem refere a Mª Juíza, a situação ativa do autor traduz-se num direito global do sócio. Ora, não haverá qualquer correspondência entre o pedido de condenação dos réus a reconhecer a transmissão para a esfera jurídica do autor de 32/100 do direito de propriedade sobre os imóveis (alguns dos quais já foram alienados) , e a condenação dos réus no reconhecimento do direito do autor a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular.

Também relativamente ao segundo pedido (alternativo) não se verifica qualquer correspondência, quer qualitativa, quer quantitativa.

O que se faz na sentença recorrida, reiterando todo o respeito devido, não se pode definir como constatação e correção de um mero erro de qualificação jurídica na formulação dos pedidos do autor, aferido em função do contexto da pretensão, não se traduzindo o segmento decisório em apreço na prolação de uma decisão com o efeito prático pretendido, ainda que com fundamento em base jurídica diversa.

Em suma, a convolação em causa viola os parâmetros legais (imperativos) previstos no n.º 1 do artigo 609.º do Código de Processo Civil .

Decorre do exposto a procedência do recurso neste segmento, pelo que se deverá revogar a sentença recorrida na parte em que “opera a convolação da pretensão do Autor, reconhecendo-lhe o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 810, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre o autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do seu escopo social.”.


Finalmente, perante este conteúdo decisório, considerou o acórdão recorrido prejudicadas as restantes questões suscitadas na apelação, não deixando de notar que só após a liquidação será possível definir os parâmetros (ativo/passivo) susceptíveis de permitirem a quantificação, quer qualitativa, quer quantitativa do direito do autor.

Confirmou ainda o acórdão recorrido o segmento da sentença que conhecera oficiosamente da nulidade do contrato de sociedade, afirmando nomeadamente:

Em suma, tendo a Mª Juíza interpretado, quanto a nós, corretamente, o negócio jurídico celebrado entre as partes como “sociedade irregular”, padecendo de nulidade formal, nos termos da regra geral enunciada no artigo 286.º do Código Civil havia que declarar oficiosamente tal nulidade.


É o que decorre da conjugação do n.º 1 do artigo 41.º do CSC, que remete para o regime geral previsto nos artigos 286.º e seguintes do Código Civil: «Enquanto o contrato de sociedade não estiver definitivamente registado, a invalidade do contrato ou de uma das declarações negociais rege-se pelas disposições aplicáveis aos negócios jurídicos nulos ou anuláveis, sem prejuízo do disposto no artigo 52º.».

Declarada a referida nulidade, decorrem de tal declaração duas consequências imediatas, previstas no n.º 1 do artigo 52.º do CSC: a entrada da sociedade em liquidação; a menção de tal efeito na sentença.

Manteve ainda o acórdão recorrido, nos seus precisos termos, o decidido em sede de improcedência dos pedidos reconvencionais.


5. Inconformado, interpôs o A. revista normal, que encerrou com as seguintes conclusões que, como é sabido, lhe delimitam o objecto:

i) O acórdão recorrido, mantendo embora a sentença de 1ª instância na primeira parte do segmento decisório, com o teor: «tudo visto, conhecendo oficiosamente da nulidade da sociedade irregular constituída entre o Autor e o Réu marido, melhor caracterizada sob as alíneas C) a I), T) e U), DD) e OO), QQ), PPP) e QQQ) da matéria assente, para a actividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao Banco DD e, como efeito da presente declaração judicial de nulidade, determina-se a entrada da sociedade em liquidação, conforme artigo 52º, nº 1 do CSC;" entendeu "revogar a decisão recorrida, na parte em que, operando «a convolação da pretensão do Autor» lhe reconhece o direito a uma participação ou quota (de 32%) na sociedade irregular que vem de declarar-se inválida por falta de forma, bem como declarando-se que os imóveis descritos na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, com os números de ficha 248 da freguesia de Pinheiro e 208, 815, 816, 817, 818, 819, 820, 821, 822, 823, 824 e 825 da freguesia de Valpedre constituem e/ou constituíram (não se esqueça que alguns deles foram entretanto vendidos) património da sociedade irregular constituída entre Autor e o réu, com o sentido de que tais bens foram adquiridos para o desenvolvimento do escopo social.";

ii) A revogação do segmento da decisão tem por fundamento indevida consideração de convolação operada, dita em violação dos parâmetros legais imperativos previstos no artigo 609º, nº1 do CPC;

iii) Vindo pedido inicialmente o reconhecimento de direito de compropriedade sobre património imobiliário formalmente adquirido pelo Réu, com o concurso de capitais do Autor, mas emergindo da matéria de facto fixada que entre ambos se constituiu sociedade irregular [melhor caracterizada sob as alíneas C) a I), T) e U), DD) e OO), QQ), PPP) e QQQ) da matéria assente, para a actividade de rentabilização do património imobiliário adquirido (formalmente) pelo Réu ao BPSM], não importa violação do princípio do pedido a declaração do direito do autor a uma quota parte qualitativamente definida do produto da liquidação;

iv) Demais que a convolação [eventualmente] operada fora considerada admissível por acórdão anterior do mesmo Tribunal da Relação do Porto, proferido em 03.11.2014, condicionada apenas ao prévio exercício do contraditório [cumprindo em baixa do processo à 1ª instância];

v) Violaria o princípio da confiança excluir-se agora a admissibilidade de uma solução, aplicada pela 1ª instância, e validada pelo anterior acórdão de 2ª instância, que determinou ou renovou a determinação dos Autores de não recorrerem das sentenças proferida pela instância de julgamento;

vi) A convolação que se censura no acórdão recorrido é a do pedido de reconhecimento de quota parte direito de propriedade sobre imóveis em reconhecimento de direito de participação social (irregular);

vii) Porém, a questão da liquidação da participação, como tendo o valor correspondente a 32% do capital social, não respeita à convolação do pedido, antes respeita à liquidação do direito (do sócio);

viii) Reconhecida por convolação [como afirmado na sentença de 1ª instância, e ao menos implicitamente confirmado pelo acórdão da Relação do Porto de 03.11.2014], e ou independentemente de convolação [como sempre defendido pelo Autor, e agora ao menos implicitamente confirmado pelo Tribunal da Relação no acórdão recorrido de 14.09.2015], a constituição de sociedade irregular [por inobservância da forma legal do acto constitutivo, com a consequência da declaração de nulidade e entrada em liquidação] deve afirmar-se que a quantificação do valor da quota [em 32%] não constitui caso de violação do regime do artigo 609º, nº 1 do CPC;

ix) Mais deve reconhecer-se que a quantificação do valor da quota [em 32%] tão só respeita à liquidação qualitativa do direito do Autor, que o tribunal estava obrigado a declarar por aplicação do regime do artigo 608º, nº 2 do CPC.

x) A decisão recorrida viola, no segmento revogatório levado ao número 1 do dispositivo, o regime processual dos artigos 608º, nº 2 e 609º, nº 1 do CPC.


Termos em que, na procedência das conclusões de recurso deve (i) ser revogado o número 1 do dispositivo do acórdão recorrido, e (ii) integralmente repristinada a sentença de 1ª instância que procedeu à correcta aplicação do direito à relação material controvertida.


Os recorridos contra alegaram, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.


6. O objecto da presente revista mostra-se, assim, circunscrito à questão da admissibilidade processual da convolação que, em sede do pedido formulado, a sentença realizou – entendendo a Relação que não era, no caso, admissível convolar ou converter um pedido deduzido em sede de contitularidade de direitos reais sobre determinados imóveis para a titularidade de uma determinada participação na sociedade irregular que – conforme qualificação da relação contratual existente entre as partes – considerou existir.

Invoca, em primeiro lugar, o recorrente a violação de caso julgado, que considera resultante de o primeiro acórdão proferido pela Relação –que determinou a audição das partes acerca da admissibilidade da convolação operada na sentença inicialmente proferida, reconhecendo a nulidade processual decorrente da violação da regra do contraditório – já ter considerado admissível tal reconfiguração normativa do pedido formulado.

Tal argumento é, porém, manifestamente improcedente, já que, como é óbvio, o acórdão proferido primeiramente pela Relação, reconhecendo apenas o cometimento da dita nulidade processual e mandando dar às partes oportunidade para se pronunciarem sobre a possibilidade de tal convolação ser feita, não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a regularidade procedimental da convolação a que o juiz a quo havia procedido na sentença primeiramente emitida : como é evidente, esta matéria dependia naturalmente do prévio cumprimento da regra do contraditório, permitindo-se às partes a pronúncia sobre a – surpreendente – convolação do objecto do pedido, alegadamente realizada naquela sentença, só podendo e devendo o Tribunal pronunciar-se sobre tal questão depois de as partes terem tido plena oportunidade para exporem as suas razões, sustentando a admissibilidade ou inadmissibilidade da dita convolação – só nesse momento cumprindo naturalmente ao Tribunal emitir pronúncia sobre tal tema, depois de ponderadas as razões apresentadas pelas partes.

Em suma: não pode considerar-se ínsito na decisão que – reconhecendo a existência de determinada nulidade processual, por violação do princípio de proibição de decisões surpresa, manda ouvir as partes sobre a matéria em questão – qualquer juízo antecipatório ou pré juízo acerca da matéria ou questão essencialmente controvertida – a possibilidade de convolação do pedido formulado na petição inicial -  a qual só pode e deve ser solucionada pelo tribunal após se haver facultado adequadamente o contraditório aos litigantes.

Sustenta, em segundo lugar, o recorrente que a dita convolação do objecto do pedido, operada em 1ª instância, se deveria ter por suportada na matéria de facto alegada na petição inicial, já que da mesma emergiria em termos suficientes que teria sido vontade das partes constituir uma sociedade comercial, financiá-la e através dela prosseguir uma finalidade económica comum: ou seja, tendo o A. configurado, em termos minimamente consistentes, matéria de facto que poderia efectivamente integrar a existência de um contrato de sociedade, não extravasaria da matéria litigiosa a sentença que lhe atribuísse uma determinada participação nessa sociedade.

Note-se que, na situação dos autos, ninguém questiona a possibilidade de o tribunal qualificar livremente a matéria de facto apurada, em termos de ter por preenchida determinada realidade contratual : na verdade, o que, para tal, releva é naturalmente a factualidade alegada e provada, considerada em si mesma, independentemente da qualificação jurídica que os litigantes lhe deram, a qual não vincula o juiz, que não está sujeito à qualificação jurídica que as partes realizaram da realidade factual em litígio.

Daqui decorre naturalmente que a qualificação jurídica, operada quanto à causa petendi invocada, configurando normativamente a respectiva factualidade complexa como integrando uma sociedade irregular, pressuponha obviamente que tinham sido invocados, efectiva e oportunamente, pelas partes factos essenciais configuradores da existência de um contrato de sociedade…

Ora, como é evidente, perante tal possível qualificação jurídica dos factos essenciais que integravam a causa de pedir – que o A. vem agora dizer que ele próprio admitia – cabia-lhe ter tomado as devidas cautelas no momento da formulação do – ou dos – pedidos, adequando-os minimamente à eventual prevalência da tese que considerasse existir uma sociedade irregular: ou seja, numa estratégia processual adequada cabia ao A. ter formulado pretensão – pelo menos, a título subsidiário - cujo conteúdo e natureza se adequasse minimamente à possível prevalência do entendimento que visse nos factos alegados o preenchimento da figura da sociedade irregular. Ora, tal não ocorreu manifestamente no caso dos autos, já que a pretensão formulada, assente num direito à contitularidade de determinado património imobiliário, se não coaduna minimamente com a configuração da relação material controvertida como implicando a existência de uma sociedade entre os litigantes…


7. Resta, assim, determinar se era ou não processualmente admissível a convolação operada na sentença apelada, em termos de – tendo o A. optado por formular um pedido de reconhecimento de um direito relativamente à contitularidade em determinado património imobiliário, decorrente de actividade exercida conjuntamente com o R. – será possível, como decorrência da subsunção da relação material controvertida no âmbito da figura normativa das sociedades irregulares, atribuir-lhe antes o direito a uma determinada participação ou quota na dita sociedade, tendo como fim e objecto a actividade de rentabilização do património imobiliário entretanto adquirido pelos interessados.

Como é sabido, o processo civil é há muito regido pelo princípio dispositivo (sendo manifesto e incontroverso que, apesar de o novo CPC o não enunciar explicitamente nas disposições introdutórias, ele continua a estar subjacente aos regimes estabelecidos em sede de iniciativa e de delimitação do objecto do processo pelas partes, não sendo postergado pelos regimes de maior flexibilidade e de reforço de determinadas vertentes do inquisitório, estabelecidos quanto ao ónus de alegação de factos substantivamente relevantes): é que a iniciativa do processo e a conformação essencial do respectivo objecto incumbem – e continuam inquestionavelmente a incumbir - às partes; pelo que – para além de o processo só se iniciar sob o impulso do autor ou requerente – tem este o ónus de delimitar adequadamente o thema decidendum, formulando o respectivo pedido , ou seja , indicando qual o efeito jurídico, emergente da causa de pedir invocada, que pretende obter e especificando ainda qual o tipo de providência jurisdicional requerida, em função da qual se identifica, desde logo, o tipo de acção proposta ou de incidente ou providência cautelar requerida -  definindo ainda o núcleo essencial da causa de pedir em que assenta a pretensão deduzida .

Daqui decorre naturalmente um princípio de correspondência ou congruência entre o pedido deduzido e a pronúncia jurisdicional obtida pela parte, devendo o decidido pelo juiz adequar-se às pretensões formuladas, ser com elas harmónico ou congruente, sob pena de se verificar a nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Não estando obviamente em causa que o pedido formulado constituirá normalmente o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir, importa, porém, aprofundar esta matéria, de modo a verificar quais as exactas balizas à actuação nesta sede do juiz

Deverá, nomeadamente, valer em sede de pedido um regime paralelo ao que sempre vigorou pacificamente quanto à causa de pedir, distinguindo-se a materialidade desta - expressa no conjunto de factos que a integram – da respectiva qualificação jurídica – para se concluir que tal qualificação jurídica, sem alteração da realidade ou materialidade dos factos, é – como sempre foi - facultada ao juiz ?  Ou seja: poderá também em sede de pedido – pretensão material ou processual – operar-se uma cisão entre a materialidade da pretensão formulada e a coloração ou qualificação jurídica desta?

Na praxis judiciária, encontramos posições antagónicas sobre a possibilidade de convolação jurídica quanto ao pedido formulado – opondo-se um entendimento mais rígido e formal, que dá prevalência quase absoluta à regra do dispositivo, limitando-se o juiz a conceder ou rejeitar o efeito jurídico e a específica forma de tutela pretendida pelas partes, sem em nada poder sair do respectivo âmbito; e um entendimento mais flexível que – com base, desde logo, em relevantes considerações de ordem prática – consente, dentro de determinados parâmetros, o suprimento ou correcção de um deficiente enquadramento normativo do efeito prático-jurídico pretendido pelo autor ou requerente, admitindo-se a convolação para o decretamento do efeito jurídico ou forma de tutela jurisdicional efectivamente adequado à situação litigiosa ( vejam-se, em clara ilustração desta dicotomia de entendimentos, a tese vencedora e as declarações de voto apendiculadas ao acórdão uniformizador 3/2001).

Note-se que (como salientamos no estudo O Princípio Dispositivo e os Poderes de Convolação do Juiz no Momento da Sentença, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Lebre de Freitas, pags. 781 e segs.) a prevalência de uma visão que tende a sacralizar a regra do dispositivo, dando-lhe nesta sede uma supremacia tendencialmente absoluta, conduz a resultado profundamente lesivo dos princípios – também fundamentais em processo civil – da economia e da celeridade processuais: na verdade, a improcedência da acção inicialmente intentada e em que se formulou pretensão material juridicamente inadequada não obsta a que o autor proponha seguidamente a acção correcta, em que formule o – diferente pedido juridicamente certo e adequado, por tal acção ser objectivamente diversa da inicialmente proposta (e que naufragou em consequência da errada e insuprível perspectivação e enquadramento jurídico da pretensão); ora, sendo actualmente o principal problema da justiça cível o da morosidade na tutela efectiva dos direitos dos cidadãos, não poderá deixar de causar alguma perplexidade esta inelutável necessidade de repetir em juízo uma acção reportada a um mesmo litígio substancial, fundada exactamente nos mesmos factos e meios de prova, só para corrigir uma deficiente formulação jurídica da pretensão, através da qual se visa alcançar um resultado cujo conteúdo prático e económico era inteiramente coincidente ou equiparável ao pretendido na primeira causa…

Como exemplos paradigmáticos da prevalência na jurisprudência desta visão substancialista e mais flexível das coisas, podem referir-se, desde logo, o Assento do STJ de 28/3/95 e o Acórdão uniformizador de jurisprudência 3/2001.

No primeiro daqueles arestos, entendeu-se (de forma, aliás, unânime) que Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido com fundamento no nº1 do art. 289º do CC.

O que estava em causa na controvérsia jurisprudencial dirimida pelo citado assento era a questão da admissibilidade de convolação pelo tribunal da configuração jurídico - normativa que o A. dava à causa de pedir em que fundava a respectiva pretensão, passando a sustentá-la, não no cumprimento de certa relação contratual, mas antes nas consequências legais da declaração oficiosa da nulidade do negócio jurídico invocado como base da pretensão do demandante – envolvendo ainda tal reconfiguração jurídica da «causa petendi» uma alteração na configuração jurídica do próprio pedido, da pretensão material deduzida, que deixava de assentar na obtenção de uma prestação por via do contrato, para passar a incidir sobre a obtenção de determinado bem ou quantia pecuniária como mera decorrência da declaração oficiosa de nulidade dessa relação contratual.

Subjacente ao assento está, pois, não apenas o reconhecimento de que é lícito ao Tribunal convolar para uma qualificação jurídica da causa de pedir diferente da formulada pelo A. – no caso, como decorrência da inquestionável possibilidade de conhecimento oficioso das nulidades da acto jurídico - mas também a admissibilidade de uma inovatória qualificação da pretensão material deduzida, cuja identificação não se faz apenas em função das normas e do instituto jurídico invocado pelo A., mas essencialmente através do efeito prático-jurídico que este pretende alcançar ( só assim se explicando que o tribunal possa atribuir o bem, valor ou montante pecuniário pedido, não em consequência ou a título de cumprimento do contrato em que se consubstanciava a causa de pedir, mas através da figura do dever de restituir tudo aquilo que se obteve em consequência de um negócio oficiosamente tido por nulo).

Esta mesma ideia é realçada – ainda com maior nitidez – no Ac. 3/2001, em que se uniformizou a jurisprudência no sentido de que Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (nº1 do art. 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar a ineficácia, como permitido pelo art. 664º do CPC.

Considera-se, deste modo, que o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo lícito ao tribunal , alterando ou corrigindo tal coloração jurídica, convolar para o decretamento do efeito jurídico adequado à situação litigiosa, sem que tal represente o julgamento de objecto diverso do peticionado.

Importa, todavia, estabelecer, na medida do possível, quais os parâmetros dentro dos quais se move esta possibilidade de convolação jurídica, não se podendo olvidar que – continuando a ser a regra do dispositivo pedra angular do processo civil que nos rege – o decretamento de efeito jurídico diverso do especificamente peticionado pressupõe necessariamente uma homogeneidade e equiparação prática entre o objecto do pedido e o objecto da sentença proferida, assentando tal diferença de perspectivas decisivamente e apenas numa questão de configuração jurídico-normativa da pretensão deduzida.

E daqui decorre que não será possível ao julgador atribuir ao autor ou requerente bens ou direitos materialmente diferentes dos peticionados, não sendo de admitir a convolação sempre que entre a pretensão formulada e a que seria adequado decretar judicialmente exista uma essencial heterogeneidade, implicando diferenças substanciais que transcendam o plano da mera qualificação jurídica.

O Ac. de 5/11/09, proferido pelo STJ no P. 308/1999.C1.S1, ilustra, de forma clara, as balizas em que é lícita esta actividade de reconfiguração ou reconstrução normativa pelo juiz da pretensão efectivamente formulada pela parte. Assim, entendeu-se que:

- nada obstava a que se pudesse convolar do pedido de anulação de certo negócio jurídico de  doação, realizada mediante intervenção de procurador, cuja legitimação assentava em procuração que havia sido anulada por se ter verificado erro dolosamente provocado, para a declaração de ineficácia do negócio jurídico em relação ao doador, decorrente da representação sem poderes, nos termos do art. 268º do CC; porém:

- tendo-se o autor limitado a formular um pedido constitutivo de anulação do negócio jurídico de doação, já não seria, porém,  lícito ao tribunal proferir sentença em que, para além do decretamento de certo valor negativo do acto ( independentemente de este se configurar como invalidade ou ineficácia) se condenasse ainda  oficiosamente a parte a restituir o que obteve em consequência do negócio destruído, já que, nesse caso, a decisão acabaria por incidir sobre um objecto material – a restituição de certos bens – claramente diferenciado e destacável do objecto da pretensão formulada, situada apenas no plano da aniquilação dos efeitos do negócio.

Deste modo, tendo-se o autor limitado a formular um pedido de anulação de certo negócio jurídico, não é lícito ao tribunal proferir sentença de condenação na restituição ou entrega dos bens, consequente ao decretamento da invalidade - ou da ineficácia do negócio - por tal implicar violação do princípio de que o juiz não pode condenar em objecto diverso do pedido.

Ou seja: é lícito ao tribunal, através de uma requalificação ou reconfiguração normativa do pedido, atribuir ao A., por uma via jurídica não coincidente com a que estava subjacente à pretensão material deduzida, o bem jurídico que ele pretendia obter; mas já não será processualmente admissível atribuir-lhe, sob a capa de tal reconfiguração da materialidade do pedido, bens ou direitos substancialmente diversos do que o A. procurava obter através da pretensão que efectivamente, na sua estratégia processual, curou de formular.

O grupo de situações em que se pode admitir – e em que vem sendo mais frequentemente admitida - a reconfiguração jurídica do específico efeito peticionado pelo autor situa-se no campo dos valores negativos do acto jurídico: pretendendo o autor, em termos práticos e substanciais, a destruição dos efeitos típicos que se podem imputar ao negócio jurídico celebrado, ocorre uma deficiente perspectivação jurídica desta matéria, configurando a parte o efeito prático-jurídico pretendido – de aniquilação do valor e eficácia do negócio – no plano das nulidades quando, afinal, a lei prevê para essa situação um regime de ineficácia ou inoponibilidade; ou na invocação de um regime de anulabilidade quando o valor negativo do acto se situa no plano da nulidade, ou vice-versa.

Sendo o objectivo prosseguido pela parte a aniquilação ou destruição dos efeitos produzidos pelo acto em causa, não deverá um simples erro de configuração normativa do valor negativo do acto e do particular regime que lhe corresponde ditar a injustificável improcedência da acção, com os custos de celeridade e economia processual a que atrás se aludiu, quando, com toda a certeza, o autor se conformaria inteiramente com a aplicação do regime que decorre da correcta caracterização normativa da pretensão deduzida .


8. Ora, como parece evidente e inquestionável, nada disto se passa no caso dos autos, dada a perfeita heterogeneidadequer jurídica, quer prático-económica – entre o pedido efectivamente formulado pelo A., situado claramente no plano real da compropriedade sobre determinado património imobiliário, e o resultado da convolação operada pelo juiz, reconhecendo-lhe, não qualquer direito de natureza real sobre tais imóveis, mas antes determinada quota ou participação na sociedade que se teve por existente, face à qualificação jurídica da relação material litigiosa .

Na verdade, para além de direitos reais e associativos serem realidades juridicamente bem diferenciadas, é manifesto que – mesmo no plano prático-jurídico - representam posições totalmente diversificadas quanto ao seu conteúdo e efeito prático as de comproprietário num conjunto de imóveis identificados e de sócio numa sociedade irregular que, porventura, detenha – ou haja detido – tais imóveis no património social.

E, nesta medida, nada há censurar ao decidido pela Relação no acórdão recorrido, não se mostrando violadas as disposições legais invocadas pelo recorrido.

Sustenta o recorrente, na respectiva contra alegação, que seria indispensável atentar na circunstância de a sociedade irregular, cuja nulidade foi oficiosamente decretada pelas instâncias, ter necessária e imediatamente entrado em liquidação: e, deste modo, os direitos patrimoniais, reivindicados pelo A. na petição inicial, poderiam ser precisamente decorrência de tal liquidação da sociedade, representando a quantificação da quota detida pelo A. no património da sociedade extinta.


Tal via argumentativa é, porém, manifestamente inviável, já que o procedimento de liquidação de uma sociedade extinta obedece a regras específicas, definidas cabalmente e de modo imperativo pelo C. S. Comerciais, por tal matéria afectar os direitos de terceiros-credores da sociedade em liquidação.

E, por isso, nunca seria admissível que se procedesse incidentalmente, no âmbito de uma qualquer acção, processada na forma comum e que corresse termos entre os sócios, às operações de liquidação do ente social, definindo logo qual era a parcela dos bens sociais que caberia a cada um deles: para além de tal matéria não ter sido minimamente aflorada durante o processo, já que o decretamento oficioso da nulidade que origina a liquidação apenas ocorreu na sentença proferida no termo da presente acção, a partilha dos activos patrimoniais entre os sócios –a definição do produto da liquidação que a cada um deles cabe – só poderá naturalmente ter lugar depois de apurado se existem dívidas sociais, impondo-se ainda a prática das operações preliminares de liquidação que têm necessariamente lugar no âmbito daquele procedimento especial, regulado nos arts. 146º e seguintes do CSC.

Em suma: a liquidação dos direitos dos sócios numa sociedade extinta e em liquidação só pode operar-se no âmbito daquele procedimento especial, nunca podendo ser incidentalmente decretada no termo de uma acção declaratória comum, a correr termos entre os sócios, versando sobre objecto que nada tem a ver com as referidas operações de liquidação do ente social extinto.


9. Nestes termos e pelos fundamentos apontados nega-se provimento à revista, confirmando inteiramente o decidido no acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 07 de Abril de 2016


Lopes do Rego (Relator)

Orlando Afonso

Távora Victor