Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
122/1998.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MOREIRA ALVES
Descritores: SIMULAÇÃO
CESSÃO DE QUOTA
MEIOS DE PROVA
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ABUSO DO DIREITO
BOA FÉ
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/12/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - A simulação, desde que não invocada pelos próprios simuladores entre si, pode provar-se por qualquer meio de prova admissível em direito e, portanto, por prova testemunhal ou por meras presunções judiciais (art. 394.º, n.ºs 2 e 3, do CC).
II - Considerando que a prova da simulação, quando invocada por terceiro, não está submetida a prova vinculada, mas à regra geral da livre apreciação das provas pelo tribunal, não pode o STJ sindicar a decisão da Relação que, perante a impugnação das respostas dadas a determinados quesitos, reapreciou a prova e os teve por não provados; já quanto à decisão da Relação que, por violação de regras de direito probatório material, teve por não escrita a resposta positiva dada pela 1.ª instância a um dos quesitos, pode ser questionada pelo STJ, por se tratar de uma questão de direito.
III - Viola manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim social ou económico do direito (art. 334.º do CC) o pedido de nulidade, por simulação, de cessão de quotas ocorrida mais de dez anos antes, formulado pela autora, provado que foi casada com o 2.º réu e, na sequência do divórcio, prometeu ceder-lhe a sua quota na sociedade 1.ª ré pelo preço de 300 000$00, que recebeu imediatamente, após o que se desinteressou dos negócios da sociedade, deixando de comparecer às assembleias gerais para que era convocada, nunca recebeu dividendos da sociedade e nunca contribuiu para as suas despesas, recusando-se, porém, a outorgar a escritura de cessão de quotas a que se obrigou.
IV - A autora, apesar de saber da cessão de quotas alegadamente simulada, entre o 2.º e o 3.º réus, ocorrida mais de dez anos antes da data da instauração da acção, manteve perfeita passividade e desinteresse perante tal negócio, que só agora pretende ver anulado, agindo na qualidade de sócia da 1.ª ré, que desde há muito não teria se tivesse cedido ao ex-marido a sua quota na 1.ª ré, como se obrigou contratualmente e não cumpriu, apesar de ter recebido o respectivo preço.
V - O desinteresse da autora pelo destino da 1.ª ré, sobretudo tendo em conta que nunca cumpriu o contrato-promessa, embora tenha recebido desde logo o preço convencionado, representa uma conduta que se prolongou por mais de uma década, tempo suficiente para criar na 1.ª ré e nos 2.º e 3.º réus a convicção fundada de que a autora jamais viria arguir a nulidade da cessão alegadamente simulada, pelo que realizaram uma 2.ª cessão de quotas.
VI - A instauração da acção, supondo simulados os negócios em causa, veio seguramente desfazer o equilíbrio de interesses sedimentado pelo tempo, violando o princípio da tutela da confiança na estabilidade da situação criada, para a qual a autora contribuiu. Além disso, servindo-se a autora da qualidade de sócia que não teria já se tivesse cumprido o contrato-promessa de cessão de quota a que se obrigou perante o 2.º réu, a arguição da nulidade por simulação dos negócios em questão representa um verdadeiro venire contra factum proprium ou traduz mesmo a neutralização do direito, ambas figuras que qualificam condutas abusivas nos termos do art. 334.º do CC.
Decisão Texto Integral: