Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | VASQUES DINIS | ||
Descritores: | RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO CATEGORIA PROFISSIONAL DEVERES DO EMPREGADOR BOA FÉ CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO JUROS DE MORA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 10/21/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA | ||
Sumário : | I - O artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 consigna a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 deste preceito, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora, de que se destaca a “violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador”. II - O dever geral que impende sobre as partes de, na execução dos contratos procederem de boa fé, genericamente estabelecido no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, assume especial relevância no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, daí a sua expressa consagração no n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho. III - Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa pelo período fixado para o aviso prévio. IV - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos, havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção. V - Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo Tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. VI - Traduz violação das garantias legais e convencionais do trabalhador o comportamento da empregadora que determinou que aquele A deixasse de realizar as funções que vinha desempenhando – com a categoria de primeiro assistente de direcção, numa pensão onde lhe competia dirigir a actividade da recepção, controlar a emissão de facturas, controlar e conferir a caixa, aceitar reservas e tratar do respectivo expediente, tratar de todas as compras, chefiar o pessoal e substituir o director nas suas ausências – atribuindo-lhe outras tarefas que nada tinham a ver com as que sempre exercera. VII - São as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa, pelo que embora o trabalhador se mantivesse nominalmente na categoria que detinha, o conteúdo funcional desta foi esvaziado do seu núcleo essencial, com a consequente modificação da posição daquele na empresa, traduzindo ainda uma desvalorização profissional, dado que deixaria de reportar directamente à gerência, como sempre sucedera, para estar subordinado a uma funcionária à qual foram atribuídas as funções que ele antes desempenhava, o que viola a garantia consignada no artigo 122.º, alínea e) do Código do Trabalho. VIII - Tal comportamento, acompanhado da retirada do trabalhador do local onde sempre exerceu as suas funções – um gabinete junto da recepção - e a sua colocação, num quarto de dormir adaptado, em piso onde apenas se situavam quartos de dormir – incumprindo uma decisão judicial -, infringe ainda os deveres de respeitar o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista moral. IX - Perante este circunstancialismo, estão demonstrados o acentuado grau de ilicitude dos comportamentos da empregadora e a culpa de grau elevado, por esses comportamentos configurarem flagrantes e injustificados desvios ao padrão de comportamento de um empregador normalmente diligente, mostrando-se os mesmos adequados a ferir, de modo irreversível, o suporte psicológico de confiança recíproca entre as partes, não sendo exigível a um trabalhador de comum sensibilidade que permanecesse, por mais tempo, vinculado ao contrato, estando assim verificados os pressupostos da justa causa que legitimam a resolução do contrato. X - Atento o referido grau de ilicitude e culpa, e o valor da retribuição do trabalhador, não se mostra excessiva a indemnização, fixada em 35 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade. XI - O valor da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então. XII - Contudo, tendo a recorrente impugnado, apenas, a condenação em juros relativa ao período anterior à citação, os efeitos do caso julgado impedem a alteração da decisão na parte que compreende os juros contados a partir da citação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, mediante acção com processo comum, instaurada em 5 de Maio de 2005 no Tribunal do Trabalho de Lisboa, P... A..., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a) € 41.382,23, a título de indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho; b) € 3.033,84, a título de “contas finais” decorrentes da cessação do contrato de trabalho e ou indemnização pelos prejuízos decorrentes dos reflexos, nessas “contas finais”, da situação de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença, causada culposamente pela Ré; c) € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais; d) Juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da resolução do contrato de trabalho, quanto às antecedentes alíneas a) e b) e, desde a citação, quanto à antecedente alínea c), sempre até efectivo e integral pagamento, contabilizando-se os juros já vencidos em € 1.776,64. Para sustentar o pedido, o Autor aduziu os fundamentos que se condensam do seguinte modo: — Em 11 de Maio de 2004, comunicou à Ré, por carta entregue em mão, a resolução com justa causa do contrato de trabalho que, desde 1 de Abril de 1976, vigorava entre as partes; — Tinha, à data da resolução do contrato, a categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção, auferindo o vencimento base mensal de € 981,30, com direito a almoçar nas instalações da empresa e inteiramente à custa dela nos dias em que prestava serviço; — Na sequência de alterações na titularidade do capital social da Ré, em 29 de Novembro de 2002, e na respectiva gerência, um dos novos gerentes, Dr. BB, assumiu funções com a incumbência de reduzir os custos com o pessoal e de substituir os antigos por novos trabalhadores da sua confiança; — As funções desempenhadas pelo Autor, antes das referidas alterações, consistiam em dirigir a actividade da recepção; controlar a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e, bem assim, a emissão e o envio dos subsequentes recibos; controlar e conferir a caixa, entregando diariamente o respectivo produto ao gerente/director; aceitar reservas e tratar do respectivo expediente; elaborar cartas para os fornecedores/credores e tratar do respectivo expediente; em geral, tratar de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; coadjuvar a gerência em tudo o que lhe fosse solicitado; chefiar o pessoal, nomeadamente controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa dos contratos, dos vencimentos, etc.; substituir o gerente/director nas suas ausências e impedimentos; — Por inerência das suas funções, estas sempre foram prestadas na zona da recepção, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, sempre tendo exercido as mesmas com grande dedicação, profissionalismo e excelentes resultados, sendo conhecida da Ré a sua abnegação, competência e mérito ao longo do tempo; — Apesar de, no dia 2 de Dezembro de 2002, o Dr. BB ter dito ao Autor que tinha excelentes referências acerca da sua competência, que ele tinha sido o obreiro número um no desenvolvimento e crescimento da empresa e que, por tudo isso, lhe pedia a sua especial colaboração, o referido gerente, depois de, em meados daquele mês, lhe ter apresentado CC, dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da “P... A...”, ainda em Dezembro de 2002, chamou o Autor e disse-lhe que “prescindia” dos seus serviços, ao mesmo tempo que comunicou aos restantes trabalhadores da Ré que a referida CC passava a chefiar a recepção; — O Autor retorquiu que se considerava totalmente apto para o exercício das suas funções e que, por ele, pretendia continuar a trabalhar com empenho e dedicação, mas, como não queria levantar problemas, estava disposto a aceitar a cessação do seu contrato, desde que lhe fossem pagas todas as quantias a que tinha direito, incluindo uma indemnização que tivesse em conta a sua antiguidade, tendo-lhe aquele gerente referido que iria analisar o assunto e que em Janeiro resolveriam. — Com o decorrer do tempo, sem que o assunto fosse resolvido, foram, paulatinamente, sendo retiradas ao Autor todas as suas funções, as quais passaram a ser desempenhadas, efectivamente, pela referida CC, acabando a Ré por o proibir de permanecer na zona da recepção, não lhe distribuindo quaisquer funções, excepção feita quando era chamado a substituir aquela funcionária, enquanto esta tomava refeições; — Por outro lado, reportados ao início do ano de 2003, foram efectuados aumentos generalizados dos vencimentos, mas o do Autor manteve-se inalterado; — A partir de Setembro de 2003, o gerente da Ré, BB, deixou, ostensivamente, de cumprimentar o Autor enquanto que fazia gala em cumprimentar efusivamente os seus colegas presentes. — No final do Verão de 2003, após o seu regresso de férias, o Autor já nem dispunha, sequer, de uma cadeira para se sentar, uma vez que a mesma lhe havia sido retirada pela Ré, tornando-se insustentável o ambiente de trabalho e insuportável a não prestação de trabalho efectivo; — A Ré determinou que, a partir do dia 20 de Outubro de 2003, fosse distribuído ao Autor um “gabinete” no 6.º piso (a recepção era no rés-do-chão) da P... para o exercício das suas funções de “Assistente de Direcção” com a incumbência de, até 1 de Dezembro, apresentar os estudos que lhe eram discriminados num memo, sendo que naquele piso não funcionava qualquer estrutura da P... e não tinha, então, quaisquer condições de habitabilidade ou utilização — pretendendo a Ré, com esta atitude, isolar o Autor e ocultá-lo de todas as pessoas que frequentavam a P... —, pelo que ele se recusou, formalmente, a deslocar-se para o referido “gabinete”. — Revelando total desinteresse pelo exercício efectivo de funções do Autor, e de forma perfeitamente vexatória e humilhante, a Ré, em 28 de Outubro de 2003, comunicou-lhe que devia abster-se de permanecer no serviço da “recepção” ou no “hall” de entrada da Pensão. — A prepotente, humilhante e vexatória actuação da Ré causou ao Autor graves prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial, os quais foram reclamados em acção que corre termos pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa sob o n.º 1.325/04.1TTLSB; — Entretanto, em 26 de Fevereiro de 2004, no âmbito de uma providência cautelar que instaurou contra a Ré, o Senhor Juiz determinou à Ré que: – Atribuísse ao Autor reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção; – Atribuísse ao Autor um local de trabalho (com pelo menos uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática da empresa), no gabinete envidraçado anexo à recepção da “Pensão Astória” ou no gabinete da gerência; – Se abstivesse de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitassem o exercício de funções por parte do Autor, nomeadamente a proibição de ele frequentar ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a “P... A....” ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que lhe fosse atribuído nos termos da alínea anterior; — Tendo-se o Autor apresentado ao trabalho em 10 de Maio de 2004, após baixa por doença que durou desde 4 de Novembro de 2003, provocada pela actuação da Ré, esta, em vez de cumprir aquela ordem judicial, decidiu continuar na senda de ilegalidade ainda mais incisiva, humilhante e vexatória colocando-o num “gabinete” no 4.º andar que não era mais do que um quarto de dormir da P..., ao qual foi retirado o respectivo mobiliário, tendo ali sido colocados uma pequena mesa de cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, absolutamente impróprio para o exercício das funções do Autor; — Com os descritos comportamentos, a Ré violou, de forma reiterada e grave os seus deveres de empregadora, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, causando uma forte recaída no estado de saúde do Autor, pelo que este teve de proceder à resolução do contrato; — Ao Autor assiste o direito à indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho, que deve ser fixada com base no valor mais elevado aí previsto atendendo às circunstâncias que levaram à resolução do contrato, bem como o direito a receber as importâncias referidas no artigo 104.º da petição e, ainda, o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu, cujo montante não deverá ser inferior a € 7.500,00, créditos estes que foram directamente reclamados pelo Autor à Ré em 22 de Julho de 2004. 2. Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, alegou, em síntese e com interesse, que: — Os factos articulados nos artigos 1.º e 3.º a 78.º da petição já estavam a ser apreciados no processo n.º 1325/04.1TTLSB, factos que foram alegados pelo Autor para fundamentar o pedido formulado nessa acção, razão pela qual não podem ser apreciados na presente acção sob pena de se correr o risco de decisões contraditórias, pelo que, a entender-se que os mesmos são pertinentes para a apreciação do pedido formulado na presente acção, deverá ser suspensa a instância logo a seguir aos articulados, até que transite em julgado a sentença que ali vier a ser proferida; — Devido à pouca atenção que a anterior gerência da Pensão prestava ao estabelecimento, o Autor tinha alguma preponderância executiva; no entanto, era um funcionário muito fraco, sem quaisquer habilitações profissionais, já com mais de 66 anos de idade, que nunca se valorizou profissionalmente. — Tinha a categoria de Primeiro Assistente de Direcção mas, de facto, era absolutamente incapaz de exercer as correspondentes funções; — À medida que os funcionários mais antigos iam saindo, os funcionários mais novos na área da recepção têm habilitações literárias e profissionais muito superiores às do Autor, o qual, a esta realidade, reagiu desinteressando-se por completo do serviço chegando a dormir na recepção; — Procurou a nova gerência aproveitar a sua eventual experiência colocando-o a colaborar em estudos que permitissem apoiar a remodelação dos serviços do estabelecimento, atribuindo-lhe um gabinete digno e com condições no 6.º piso. — Desde logo, o Autor recusou deslocar-se para o 6.º piso, nunca aí chegando a trabalhar, nem sequer pediu quaisquer equipamentos de apoio, e arranjou um médico que lhe conferiu uma baixa, situação em que permaneceu entre 29 de Outubro de 2003 e 11 de Maio de 2004, data em que cessou o contrato de trabalho; — Desde Janeiro de 2003 que o Autor manifestou interesse em deixar o serviço, desde que a Ré lhe pagasse uma indemnização de vários milhares de euros, mas como a Ré recusou pagar-lhe essa indemnização, ele tudo fez para ver se arranjava maneira de fazer cessar o contrato de trabalho com uma pretensa justa causa, para obter um enriquecimento à custa da Ré; — O Autor passou a ser hostil à gerência, perturbando o funcionamento dos serviços e recusando-se a aceitar as determinações; — Não têm qualquer cabimento as imputações feitas pelo Autor à Ré na sua petição, sendo ilícita a rescisão contratual por ele promovida, não lhe assistindo, por isso, o direito ao recebimento da correspondente indemnização. 3. Houve resposta do Autor, em que, entre o mais, se pronunciou no sentido de ser indeferido o pedido de suspensão da instância, formulado pela Ré. Após despacho que indeferiu tal pedido e declarou a nulidade parcial daquela resposta e a nulidade total de posterior articulado apresentado pela Ré, foi proferido despacho saneador e, dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi prolatada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor: «.a quantia de euros 32.181,26, a título de indemnização prevista no art.º 443.º do CT; .euros 1.656,12, a título de contas finais decorrentes da cessação do contrato de trabalho; .juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde 12.05.2004, sobre as quantias referidas nas alíneas a) e b) até efectivo e integral pagamento.» 4. De tal decisão interpôs a Ré recurso de apelação, a que se seguiu a interposição pelo Autor de recurso subordinado. Tendo o Tribunal da Relação do Lisboa confirmado integralmente a sentença, veio a Ré pedir revista. Formulou, a terminar a alegação do presente recurso as conclusões redigidas como segue: «1. À categoria profissional do Autor, primeiro assistente de direcção, correspondem as seguintes funções, indicadas na p.i.: “auxiliar o director do hotel na execução das respectivas funções e substituí-lo nos seus impedimentos e ausências; encarregar-se da coordenação prática dos serviços por secções, podendo ser encarregado da reestruturação de certos sectores da unidade hoteleira e, acidentalmente, desempenhar funções ou tarefas em secções para que se encontra devidamente habilitado”; 2. Determinou a sentença proferida na providência cautelar n.º 503/2004 que a recorrente atribuísse ao Autor “reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de "Primeiro Assistente de Direcção"”. – facto provado n.º 47; 3. Em 10 de Maio de 2004, a recorrente, através do documento de fls. 247, distribuiu ao Autor as seguintes tarefas: “a) reportar à gerência através da Sra. Dra. CC; b) Coadjuvar a gerência no que lhe for solicitado; c) Proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade já apresentado à entidades oficiais; propor a aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel; d) Proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria com vista à sua remodelação, propondo a aquisição de bens e equipamentos para a remodelação em curso; Para qualquer esclarecimento ou necessidade de apoio deverá dirigir-se à Sra. Dra. CC que lhe prestará toda a ajuda. Poderá, desde que previamente comunicado, deslocar-se a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, que apresentará à consideração da gerência.” – facto provado n.º 54; 4. As tarefas distribuídas ao Autor, referidas no número precedente, respeitaram a categoria profissional do recorrido: “... Como é manifesto as novas funções atribuídas ao A. são assaz diferentes das que ele vinha exercendo há anos na recepção da Pensão, não tendo qualquer conexão com as mesmas, embora se possam considerar enquadradas no elenco de funções da categoria do A.” (sentença 1.ª instância, pág. 25); 5. No Acórdão do STJ, de 6.12.2000, citado na CJ, STJ, 2000, Tomo III, pág. 291, regista-se o seguinte: “I- Em funções de chefia são delegados ao trabalhador competências hierárquicas e funcionais, as quais dão ao trabalhador o direito de desempenhar tais funções. II - No uso do seu poder directivo, a entidade patronal pode retirar ao trabalhador certas funções de direcção e chefia, sem que tal signifique baixa de categoria e constitua fundamento para rescisão do contrato com justa causa.” 6. No mesmo acórdão, citando-se as lições do Sr. Professor Monteiro Fernandes, refere-se que “se o empregador, entendendo ser conveniente para a gestão da empresa colocar em determinado posto de chefia outra pessoa, e resolver atribuir ao anterior titular exonerado funções de assessoria técnica, requerendo qualificações académicas e profissionais de nível idêntico às possuídas por ele – o trabalhador exonerado do posto de chefia não pode opor-se eficazmente sob a alegação de uma mudança ou baixa de categoria. Na verdade quando o empregador investe certos trabalhadores em cargos de direcção e chefia dentro da própria empresa, projecta neles parte do poder de direcção que a ele próprio pertence originariamente. Trata-se de actividades que envolvem o exercício de um mandato implícito da actividade empregadora... Atenta a especificidade desses cargos de direcção e chefia (tal como seria o caso da A.) resultante de neles se projectar uma parcela do poder directivo originário do empregador, envolvendo por isso uma especial valoração dos elementos de confiança e nível de responsabilidade atribuída, não pode ligar-se à nomeação para o exercício de um cargo dessa natureza a aquisição pelo respectivo trabalhador de um direito, ou mesmo de uma expectativa jurídica, ao desempenho de cargos hierárquicos desse nível ou superior”. 7. Confiar ao Autor, sob a direcção da gerência, a preparação do processo de inventariação e aquisição de equipamentos e mobiliário para os quartos e para a lavandaria, aproveitando a sua experiência de pessoa com mais de 65 anos, não é uma tarefa desonrosa, nem pouco digna, que de alguma forma fosse susceptível de pôr em causa a sua dignidade profissional, a tal ponto que justificasse o direito a uma rescisão de contrato com justa causa. 8. Não é humilhante, nem vexatório, determinar que o autor coadjuve a gerência e que reporte a esta através de pessoa licenciada na área da hotelaria, portanto, com habilitações muito superiores às do autor que tem apenas o quinto [ano] do liceu e nenhuma formação específica. 9. Na decisão constante da providência cautelar n.º 503/2004, na parte respeitante ao local de trabalho, consta na parte final o seguinte: “... b) Atribua ao requerente um local de trabalho (com pelo menos uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica, e acesso à rede informática da requerida) no gabinete envidraçado anexo à recepção da Pensão Astória, ou no gabinete da gerência;”, (factos provados n.os 44 e 47 e documento n.º 5 anexo à contestação); 10. Consta também da decisão referida no número precedente o seguinte: “Temos como certo que o Requerente não tem propriamente um direito ao local de trabalho que sempre ocupou, mas tem seguramente o direito a exercer as suas funções em condições dignas, num local compatível com a sua categoria profissional. E no caso dos autos só os dois gabinetes supra referidos (o gabinete anexo à recepção ou o gabinete da gerência) preenchem tais requisitos”. (factos provados n°s. 44 e 47 e documento n° 5 anexo à contestação); 11. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n° 1325/04.1TTLSB consta da matéria de facto provada o seguinte: “N.º 24 – Por inerência das funções em causa, que exigiam a sua presença física no local, as mesmas sempre foram desempenhadas peto Autor na zona da "recepção" da empresa Ré, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, com uma área de cerca de 6 metros quadrados;” “N.º 66 – O gabinete da gerência situado por cima da recepção e gabinete contíguo, tem uma área com cerca de 12 m2, sendo difícil a instalação de uma outra pessoa em tal espaço, para além do próprio gerente, não existindo no rés do chão ou no andar intermédio outro espaço apto e disponível para gabinete ou escritório, para além daquele gabinete de gerência ou do existente ao lado do balcão da recepção”. (facto provado 45 e cópia do acórdão nos autos junta pelo Autor com o requerimento de 21 de Maio 2007) 12. Com a criação de um novo gabinete no quarto piso do estabelecimento, que atribuiu ao recorrido, a recorrente satisfez o objectivo máximo pretendido com a decisão judicial proferida na providência cautelar n.º 503/2004, que era a atribuição ao recorrido de um local com dignidade para o exercício de funções, sem se tornar necessário colocá-lo no gabinete da gerência ou no gabinete da recepção. 13. Tendo a recorrente confiado ao Autor tarefas compatíveis com a sua categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção e tendo distribuído-lhe um gabinete adequado e digno para o exercício dessas mesmas tarefas, não tinha o Autor fundamento para rescindir o contrato de trabalho com fundamento em justa causa; 14. Mesmo que por absurdo e sem conceder se considere que o Autor teria justa causa para rescindir o seu contrato de trabalho, a ilicitude da conduta da recorrente deverá ser considerada mínima, face às especiais circunstâncias do próprio edifício e das instalações disponíveis, não se justificando, face ao disposto no art. 443.º do CT, que seja atribuída ao recorrido uma indemnização superior ao mínimo legal – 15 dias por cada ano completo de trabalho, ou seja, 981,30 €/2 = 490,65€, que multiplicada por 28 anos de trabalho corresponderia a 13.738,20 euros; 15. Nos termos do n.º 3 do art. 805.º do CC, a recorrente constituiu-se em mora apenas desde a data da citação, sendo devidos juros de mora, sobre a indemnização por antiguidade que tiver sido liquidada apenas desde essa data, ou seja em 25 de Maio de 2005. 16. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 150.º, 151.º, n.º 2, 441.º e 443.º do CT e no art. 805.º, n.º 3, do CC. Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, proferindo-se acórdão que absolva a recorrente do pedido.» Na sua alegação de recorrido, o Autor defendeu a confirmação, na íntegra, do acórdão impugnado. Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista, excepto na parte que diz respeito ao momento a partir do qual são devidos juros sobre a indemnização de antiguidade. 3. Face ao teor das conclusões formuladas pela recorrente, na sua alegação, são as seguintes as questões suscitadas no recurso: — Saber se o Autor tinha ou não fundamento para pôr termo ao contrato de trabalho com fundamento em justa causa; — Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, saber se a fixação da indemnização por antiguidade a favor do Autor não deveria ter ido além do mínimo de 15 dias de retribuição base por cada ano completo de trabalho; e — Saber se os juros de mora sobre essa indemnização só podem ser calculados a partir da data de citação. Corridos os vistos, cumpre decidir. II 1. Os factos materiais da causa foram, pelas instâncias, fixados nos seguintes termos: «1. Na sequência de acordo verbal celebrado entre ambos, o A. foi admitido ao serviço da R. em 1 de Abril de 1976; 2. Entre 1 de Abril de 1976 e 11 de Maio de 2004, o A. trabalhou sob as ordens, orientações e disciplina da R. mediante uma contrapartida em dinheiro; 3. O A. pôs fim ao acordo que o unia à R. mediante a carta junta aos autos a fls. 29 a 32, invocando justa causa; [Consta da referida carta: «Pelos motivos especificamente expostos no requerimento que, em anexo junto à presente e que aqui dou por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, requeri contra essa Empresa uma providência cautelar comum, a qual, sob o n.º 503/04.8TTLSB, correu os seus termos pela 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho da Comarca de Lisboa. Os comportamentos descritos no supra citado requerimento configuram inadmissíveis violações dolosas dos deveres dessa Empresa, enquanto empregadora, e das minhas garantias enquanto trabalhador, nomeadamente dos previstos nas alíneas a), c), d) e g) do art.º 120.º do Código do Trabalho (CT) e nas alíneas b) e f) do art.º 122.º do mesmo CT; De tal forma foram graves esses comportamentos que me colocaram durante vários meses numa situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, a qual apenas cessou no dia 9 de Maio. [...] A providência cautelar foi, como bem sabem, julgada procedente, tendo o Meritíssimo Juiz determinado que essa Empresa: a) me atribuísse reais tarefas no âmbito da minha categoria profissional de "Primeiro Assistente de Direcção"; b) me atribuísse um local de trabalho (com, pelo menos, uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática dessa Empresa), no gabinete envidraçado anexo à recepao da P... A... ou no gabinete da gerência; c) se abstivesse de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitassem o meu exercício de funções, nomeadamente a proibição ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a P... A... ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que me atribuir nos termos descritos na alínea anterior. Perspectivando a possível cessação da minha incapacidade para o trabalho, tive o cuidado de avisar antecipadamente essa Empresa do facto, por forma a que pudesse, sem sobressaltos, ser dado integral cumprimento à decisão judicial proferida. Foi assim que me apresentei ontem ao trabalho. Porém, essa Empresa decidiu, agora de forma mais incisiva e ainda mais humilhante e vexatória, continuar a violar os seus deveres e as minhas garantias decorrentes do contrato de trabalho, desrespeitando frontal e intencionalmente a decisão judicial proferida. Desde logo, pretenderam V. Exas. que o meu local de trabalho fosse num denominado “gabinete” sito no 4.º piso do edifício, porta 410, o qual, além do mais, não é verdadeiramente um gabinete mas sim um quarto de dormir da P... A..., ao qual foi retirado o seu mobiliário habitual, colocada uma pequena mesa de cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, tudo fora dos locais e sem o equipamento determinados judicialmente e absolutamente impróprio para o adequado exercício das minhas funções. Por outro lado, e apesar de eu reportar directamente à gerência (direcção) dessa Empresa, foi-me ordenado que o fizesse através da Senhora D. CC, trabalhadora recente e cuja categoria profissional, tanto quanto julgo saber, é de “Chefe de Recepção”, ou seja, inferior à minha, o que é atentatório da minha dignidade profissional e do meu estatuto na Empresa. Finalmente, foram-me formalmente retiradas as funções mais nobres inerentes à minha categoria profissional, tais como constam da decisão judicial a que acima aludi, concretamente do seu ponto 5 que aqui dou também por integralmente reproduzido, as quais, em qualquer caso, fui impedido de exercer em termos efectivos, por não o poder fazer num dos locais determinados judicialmente, mas apenas no referido “gabinete” do 4.º piso. Deste modo, essa empresa insiste e reitera, delibera e acintosamente, em comportamentos violadores dos seus deveres enquanto empregadora e das minhas garantias enquanto trabalhador, nomeadamente das constantes das alíneas acima citadas dos art.os 120.º e 122.º do CT, originando dessa forma uma forte recaída do meu estado de saúde e tornando imediata e praticamente impossível, em termos definitivos, a subsistência da relação de trabalho desde 1 de Abril de 1976. 2. 1. A possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 441.º da versão de 2003 do Código do Trabalho — versão a que pertencem as disposições adiante indicadas sem menção de diploma — para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 daquele artigo, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora e de que importa destacar a «[v]iolação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador» [alínea b)]. O artigo 122.º, que contempla a garantias do trabalhador, estabelece, como regra, a proibição dirigida ao empregador de «[b]aixar a categoria do trabalhador» [alínea e)] e o artigo 151.º consigna que «[o] trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado» (n.º 1), a qual «compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional» (n.º 2). As excepções a tal regra encontram-se no artigo 313.º, n.º 1, segundo o qual «[o] trabalhador só pode ser colocado em categoria inferior àquela para que foi contratado ou a que foi promovido quando tal mudança, imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, seja por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho», e no artigo 314.º, n.º 1, que faculta ao empregador «quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador», na falta de estipulação contratual restritiva dessa faculdade (n.º 2) e desde que o seu exercício não implique diminuição da retribuição (n.º 3), devendo a «ordem de alteração ser justificada, com indicação do tempo previsível» (n.º 4). Entre os deveres do empregador, o artigo 120.º consigna os de «[r]espeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador» [alínea a)] e de «[p]roporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral» [alínea c)]. Não pode, por outro lado, esquecer-se o dever geral que impende sobre as partes de, na execução dos contratos, procederem de boa fé, exigência esta que, genericamente estatuída no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, assume especial relevância no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra — constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta, não apenas para o trabalhador, mas também para o empregador —, especial relevância de que é sinal a consagração desse dever geral no n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho, com projecção na proibição imposta ao empregador de obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, estatuída no artigo 122.º, alínea b). Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio previsto no artigo 447.º, n.º 1 — é este o sentido útil do teor do citado artigo 447.º. A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2). Por outro lado, na acção em que for apreciada a justa causa da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (artigo 444.º, n.º 3). Para que exista justa causa, que, nos termos expressos do artigo 441.º, condiciona o direito do trabalhador a resolver o contrato, é ainda necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O n.º 4 do artigo 441.º dispõe que a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho. Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho — neste sentido, e já no âmbito da vigência do Código do Trabalho, os Acórdãos deste Supremo de 18 de Abril de 2007 (Revista n.º 4282/06), de 22 de Maio de 2007 (Revista n.º 54/07), de 26 de Setembro de 2007 (Revista n.º 1932/07) e de 9 de Janeiro de 2008 (Revista n.º 2902/07), todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; na doutrina, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 797 e 1045, e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pp. 1044-1045. Lança-se, assim, mão do conceito de justa causa consagrado pelo artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho — como já antes sucedia relativamente ao artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro, e era, também, entendimento generalizado na vigência do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Junho (Lei dos Despedimentos) —, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral conferida à entidade empregadora — cfr. António Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 1, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1981, pp. 340-341, e Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 539-540; e os Acórdãos de 13 de Janeiro de 1993 e de 10 de Fevereiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo I, 220, e Ano VII, Tomo I, 271, respectivamente. 2. 2. O acórdão recorrido, após tecer considerações gerais de sentido coincidente com as que vêm de ser expressas, examinou os factos relevantes e valorou-os, discorrendo como segue: «Ora, demonstrou-se que o Autor tinha a categoria profissional de “Primeiro Assistente de Direcção” no estabelecimento hoteleiro da Ré sito na rua Braamcamp n.º 10 e 10-A em Lisboa, e que aí exercia, há já vários anos, a direcção da actividade da respectiva recepção; controlando a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e emissão dos subsequentes recibos; efectuando o controlo e conferência da caixa entregando, diariamente, o respectivo produto ao gerente/director; efectuando a aceitação de reservas e tratamento do respectivo expediente; elaborando cartas para os fornecedores/credores e tratamento do respectivo expediente; efectuando, em geral, o tratamento de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; coadjuvando a gerência em tudo o que lhe fosse solicitado; chefiando o pessoal, nomeadamente, controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa dos contratos, vencimentos, etc, e substituindo o gerente/director nas suas ausências e impedimentos.
2. 3. Na alegação da revista, a recorrente defende, para sustentar a falta de fundamento para a resolução do contrato, por um lado, que as funções atribuídas ao Autor, em 10 de Maio de 2004, se contêm na categoria que lhe pertencia e, por outro lado, que o espaço de trabalho que lhe foi destinado, para o exercício das tarefas que, então, lhe foram cometidas, era adequado e digno (conclusões 1 a 13). Face ao teor das conclusões 5 e 6 da alegação da recorrente, em que parece defender-se a licitude da modificação de funções na perspectiva de subsunção do caso a uma simples destituição de funções de chefia — traduzindo estas a delegação, por mandato implícito, de competências hierárquicas e funcionais —, impõe-se observar que o conteúdo funcional da categoria em causa, tal como vinha sendo executado, ao longo dos anos, compreendia, além de algumas funções daquela natureza, outras de natureza diferente, como são as de controlo de emissão de facturas, envio das facturas dos pagamentos a crédito e a emissão dos subsequentes recibos; controlo e conferência da caixa e entrega, diária, do respectivo produto ao gerente/director; aceitação de reservas e tratamento do respectivo expediente; elaboração de cartas para os fornecedores/credores e tratamento do respectivo expediente; tratamento de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; e tratamento da parte administrativa dos contratos e vencimentos. Ora, ao determinar as novas funções, para vigorarem a partir de 10 de Maio de 2004, nos termos em que o fez, a recorrente não se limitou a retirar ao Autor funções de chefia, por isso que não pode deixar considerar-se desprovida de sentido útil a atinente alegação, tanto mais que as instâncias não alicerçaram o seu juízo de verificação da justa causa na apreciação dessa vertente de alteração funcional. Assim, o que verdadeiramente importa é aquilatar se o juízo alcançado pelo acórdão recorrido, em resultado do confronto entre as funções (estranhas às de chefia) que o Autor, prolongadamente, exerceu e as que lhe vieram a ser determinadas na referida data, se mostra correcto, quando considera que as últimas «se apresentam violadoras das garantias legais e convencionais que a este assistiam na sequência da celebração do contrato de trabalho com a Ré em Abril de 1976 e seu subsequente desenvolvimento». A resposta não pode, no entendimento deste Supremo, deixar de ser afirmativa, atentas as directrizes contidas nos citados artigos 122.º, alínea e), 151.º, n.os 1 e 2, 313.º, n.º 1, e 314.º, n.os 1 a 4, que acima se destacaram. Com efeito, o núcleo essencial das novas funções atribuídas ao Autor — deslocar-se, após prévia comunicação, a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, os quais apresentaria à consideração da gerência; proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade apresentado às entidades oficiais, bem como propor a aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel; e proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria, com vista à sua remodelação em curso — nada, ou muito pouco, tinham a ver, como assinalaram as instâncias, com as que sempre exercera e que lhe foram retiradas. Daí que não possa deixar de concluir-se que, embora se mantivesse nominalmente na categoria que detinha, o conteúdo funcional desta foi esvaziado do seu núcleo essencial, com a consequente modificação da posição do Autor na empresa Ré, traduzindo, outrossim, uma desvalorização profissional, ou despromoção, dado que, além do mais, deixaria de reportar directamente à gerência, como sempre sucedera para estar subordinado a uma funcionária à qual foram atribuídas as funções que ele antes desempenhava. Como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Março de 2009 (Documento n.º SJ20090325034464, em www.dgsi.pt), são as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa e não o inverso. Pelo que vem de ser dito, uma vez que não se demonstraram factos susceptíveis de integrar as excepções consignadas 313.º, n.º 1 e 314.º, configurando-se o caso como colocação do Autor em categoria, substancialmente, inferior à que detinha, tem de considerar-se que a Ré violou a garantia consignada no artigo 122.º, alínea e). Além disso, também infringiu os deveres de respeitar o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista moral [artigo 120.º, alíneas a) e c)], ao atribuir a um trabalhador da categoria de Primeiro Assistente de Direcção — que sempre exercera as suas funções com grande dedicação, profissionalismo e seriedade — um local de trabalho no 4.º piso do edifício da Pensão (no qual apenas se situavam quartos de dormir), que mais não era do que um espaço destinado a quarto de dormir, ao qual fora retirado o respectivo mobiliário e onde foram colocados, apenas, uma mesa com cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesa de cabeceira, encontrando-se ainda fixada a uma parede uma mesa-de-cabeceira, não dotado de equipamento que permitisse ligação à rede informática, deste modo incumprindo a decisão judicial que determinara a atribuição de um local de trabalho, em condições de dignidade semelhantes às que sempre tivera, com “acesso à rede informática da Ré, no gabinete envidraçado anexo à recepção da “P... A...” ou no gabinete da gerência”. Os mencionados comportamentos da Ré, que se inseriram no desenvolvimento de outras suas condutas de idêntico cariz, revestem um acentuado grau de ilicitude objectiva — por violação do dever geral de boa fé e de outros deveres específicos inerentes à relação laboral e, também, do que, a respeito dos mesmos, havia sido determinado por decisão judicial. A culpa, que, no caso, se presume (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) — sendo que a Ré não ilidiu a presunção —, apresenta-se de grau elevado, pois as referidas condutas configuram flagrantes e injustificados desvios ao padrão de comportamento de um empregador normalmente diligente (artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do Código Civil). Os ditos comportamentos mostram-se, por outro lado, adequados a ferir de modo irreversível o suporte psicológico de confiança recíproca entre as partes, indispensável ao são desenvolvimento da relação laboral, não sendo exigível a um trabalhador de comum sensibilidade que, em tais circunstâncias, permanecesse, por mais tempo, vinculado ao contrato. Verificam-se, assim, os pressupostos da justa causa que legitimam a resolução do contrato de trabalho — como entendeu o acórdão recorrido, a cuja motivação, deste modo, se anui —, havendo, por conseguinte, lugar à indemnização prevista no artigo 443.º, n.os 1 e e 2. 3. Do valor da indemnização A sentença da 1.ª instância fixou a indemnização devida ao Autor em 35 dias de retribuição base, por cada ano completo de antiguidade, atendendo «à elevada ilicitude da conduta da R., não tendo o A. em nada contribuído para a mesma». Este segmento decisório foi impugnado no recurso de apelação por ambas as partes — a Ré pretendendo a redução da base de cálculo para 15 dias e o Autor o seu agravamento para 45 dias. Sobre o problema, o Tribunal da Relação afirmou: «Nada há censurar quanto a esta decisão. Com efeito, de forma alguma se mostra equilibrado fixar o valor dessa indemnização pela sua expressão mínima legalmente admissível, na medida em que o comportamento assumido pela Ré, nas circunstâncias anteriormente mencionadas, se apresenta fortemente ilícito considerando as determinações que não cumpriu e deveria ter cumprido e a violação dos direitos do Autor que foram postos em crise. III Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e, revogando-se a decisão recorrida na parte em que manteve o dia seguinte ao da resolução para o início do vencimento dos juros sobre a antedita indemnização, absolve-se a Ré do atinente pedido reportado ao período anterior à data da citação, confirmando-se, em tudo o mais o acórdão impugnado. Custas nas instâncias e no Supremo, a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento. Lisboa, 21 de Outubro de 2009. Vasques Dinis (Relator) Bravo Serra Mário Pereira |