Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1996/05.1TTLSB.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: VASQUES DINIS
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
CATEGORIA PROFISSIONAL
DEVERES DO EMPREGADOR
BOA FÉ
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA
Sumário :
I - O artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 consigna a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 deste preceito, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora, de que se destaca a “violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador”.

II - O dever geral que impende sobre as partes de, na execução dos contratos procederem de boa fé, genericamente estabelecido no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, assume especial relevância no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, daí a sua expressa consagração no n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho.

III - Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa pelo período fixado para o aviso prévio.

IV - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos, havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção.

V - Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo Tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

VI - Traduz violação das garantias legais e convencionais do trabalhador o comportamento da empregadora que determinou que aquele A deixasse de realizar as funções que vinha desempenhando – com a categoria de primeiro assistente de direcção, numa pensão onde lhe competia dirigir a actividade da recepção, controlar a emissão de facturas, controlar e conferir a caixa, aceitar reservas e tratar do respectivo expediente, tratar de todas as compras, chefiar o pessoal e substituir o director nas suas ausências – atribuindo-lhe outras tarefas que nada tinham a ver com as que sempre exercera.

VII - São as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa, pelo que embora o trabalhador se mantivesse nominalmente na categoria que detinha, o conteúdo funcional desta foi esvaziado do seu núcleo essencial, com a consequente modificação da posição daquele na empresa, traduzindo ainda uma desvalorização profissional, dado que deixaria de reportar directamente à gerência, como sempre sucedera, para estar subordinado a uma funcionária à qual foram atribuídas as funções que ele antes desempenhava, o que viola a garantia consignada no artigo 122.º, alínea e) do Código do Trabalho.

VIII - Tal comportamento, acompanhado da retirada do trabalhador do local onde sempre exerceu as suas funções – um gabinete junto da recepção - e a sua colocação, num quarto de dormir adaptado, em piso onde apenas se situavam quartos de dormir – incumprindo uma decisão judicial -, infringe ainda os deveres de respeitar o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista moral.

IX - Perante este circunstancialismo, estão demonstrados o acentuado grau de ilicitude dos comportamentos da empregadora e a culpa de grau elevado, por esses comportamentos configurarem flagrantes e injustificados desvios ao padrão de comportamento de um empregador normalmente diligente, mostrando-se os mesmos adequados a ferir, de modo irreversível, o suporte psicológico de confiança recíproca entre as partes, não sendo exigível a um trabalhador de comum sensibilidade que permanecesse, por mais tempo, vinculado ao contrato, estando assim verificados os pressupostos da justa causa que legitimam a resolução do contrato.

X - Atento o referido grau de ilicitude e culpa, e o valor da retribuição do trabalhador, não se mostra excessiva a indemnização, fixada em 35 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade.

XI - O valor da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.

XII - Contudo, tendo a recorrente impugnado, apenas, a condenação em juros relativa ao período anterior à citação, os efeitos do caso julgado impedem a alteração da decisão na parte que compreende os juros contados a partir da citação.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. AA demandou, mediante acção com processo comum, instaurada em 5 de Maio de 2005 no Tribunal do Trabalho de Lisboa, P... A..., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

a) € 41.382,23, a título de indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho;

b) € 3.033,84, a título de “contas finais” decorrentes da cessação do contrato de trabalho e ou indemnização pelos prejuízos decorrentes dos reflexos, nessas “contas finais”, da situação de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença, causada culposamente pela Ré;

c) € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais;

d) Juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da resolução do contrato de trabalho, quanto às antecedentes alíneas a) e b) e, desde a citação, quanto à antecedente alínea c), sempre até efectivo e integral pagamento, contabilizando-se os juros já vencidos em € 1.776,64.

Para sustentar o pedido, o Autor aduziu os fundamentos que se condensam do seguinte modo:

— Em 11 de Maio de 2004, comunicou à Ré, por carta entregue em mão, a resolução com justa causa do contrato de trabalho que, desde 1 de Abril de 1976, vigorava entre as partes;

— Tinha, à data da resolução do contrato, a categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção, auferindo o vencimento base mensal de € 981,30, com direito a almoçar nas instalações da empresa e inteiramente à custa dela nos dias em que prestava serviço;

— Na sequência de alterações na titularidade do capital social da Ré, em 29 de Novembro de 2002, e na respectiva gerência, um dos novos gerentes, Dr. BB, assumiu funções com a incumbência de reduzir os custos com o pessoal e de substituir os antigos por novos trabalhadores da sua confiança;

— As funções desempenhadas pelo Autor, antes das referidas alterações, consistiam em dirigir a actividade da recepção; controlar a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e, bem assim, a emissão e o envio dos subsequentes recibos; controlar e conferir a caixa, entregando diariamente o respectivo produto ao gerente/director; aceitar reservas e tratar do respectivo expediente; elaborar cartas para os fornecedores/credores e tratar do respectivo expediente; em geral, tratar de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; coadjuvar a gerência em tudo o que lhe fosse solicitado; chefiar o pessoal, nomeadamente controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa dos contratos, dos vencimentos, etc.; substituir o gerente/director nas suas ausências e impedimentos;

— Por inerência das suas funções, estas sempre foram prestadas na zona da recepção, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, sempre tendo exercido as mesmas com grande dedicação, profissionalismo e excelentes resultados, sendo conhecida da Ré a sua abnegação, competência e mérito ao longo do tempo;

— Apesar de, no dia 2 de Dezembro de 2002, o Dr. BB ter dito ao Autor que tinha excelentes referências acerca da sua competência, que ele tinha sido o obreiro número um no desenvolvimento e crescimento da empresa e que, por tudo isso, lhe pedia a sua especial colaboração, o referido gerente, depois de, em meados daquele mês, lhe ter apresentado CC, dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da “P... A...”, ainda em Dezembro de 2002, chamou o Autor e disse-lhe que “prescindia” dos seus serviços, ao mesmo tempo que comunicou aos restantes trabalhadores da Ré que a referida CC passava a chefiar a recepção;

— O Autor retorquiu que se considerava totalmente apto para o exercício das suas funções e que, por ele, pretendia continuar a trabalhar com empenho e dedicação, mas, como não queria levantar problemas, estava disposto a aceitar a cessação do seu contrato, desde que lhe fossem pagas todas as quantias a que tinha direito, incluindo uma indemnização que tivesse em conta a sua antiguidade, tendo-lhe aquele gerente referido que iria analisar o assunto e que em Janeiro resolveriam.
— Com o decorrer do tempo, sem que o assunto fosse resolvido, foram, paulatinamente, sendo retiradas ao Autor todas as suas funções, as quais passaram a ser desempenhadas, efectivamente, pela referida CC, acabando a Ré por o proibir de permanecer na zona da recepção, não lhe distribuindo quaisquer funções, excepção feita quando era chamado a substituir aquela funcionária, enquanto esta tomava refeições;

— Por outro lado, reportados ao início do ano de 2003, foram efectuados aumentos generalizados dos vencimentos, mas o do Autor manteve-se inalterado;

— A partir de Setembro de 2003, o gerente da Ré, BB, deixou, ostensivamente, de cumprimentar o Autor enquanto que fazia gala em cumprimentar efusivamente os seus colegas presentes.

— No final do Verão de 2003, após o seu regresso de férias, o Autor já nem dispunha, sequer, de uma cadeira para se sentar, uma vez que a mesma lhe havia sido retirada pela Ré, tornando-se insustentável o ambiente de trabalho e insuportável a não prestação de trabalho efectivo;

— A Ré determinou que, a partir do dia 20 de Outubro de 2003, fosse distribuído ao Autor um “gabinete” no 6.º piso (a recepção era no rés-do-chão) da P... para o exercício das suas funções de “Assistente de Direcção” com a incumbência de, até 1 de Dezembro, apresentar os estudos que lhe eram discriminados num memo, sendo que naquele piso não funcionava qualquer estrutura da P... e não tinha, então, quaisquer condições de habitabilidade ou utilização — pretendendo a Ré, com esta atitude, isolar o Autor e ocultá-lo de todas as pessoas que frequentavam a P... —, pelo que ele se recusou, formalmente, a deslocar-se para o referido “gabinete”.

— Revelando total desinteresse pelo exercício efectivo de funções do Autor, e de forma perfeitamente vexatória e humilhante, a Ré, em 28 de Outubro de 2003, comunicou-lhe que devia abster-se de permanecer no serviço da “recepção” ou no “hall” de entrada da Pensão.

— A prepotente, humilhante e vexatória actuação da Ré causou ao Autor graves prejuízos de natureza patrimonial e não patrimonial, os quais foram reclamados em acção que corre termos pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa sob o n.º 1.325/04.1TTLSB;

— Entretanto, em 26 de Fevereiro de 2004, no âmbito de uma providência cautelar que instaurou contra a Ré, o Senhor Juiz determinou à Ré que:

– Atribuísse ao Autor reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção;
– Atribuísse ao Autor um local de trabalho (com pelo menos uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática da empresa), no gabinete envidraçado anexo à recepção da “Pensão Astória” ou no gabinete da gerência;
– Se abstivesse de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitassem o exercício de funções por parte do Autor, nomeadamente a proibição de ele frequentar ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a “P... A....” ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que lhe fosse atribuído nos termos da alínea anterior;

— Tendo-se o Autor apresentado ao trabalho em 10 de Maio de 2004, após baixa por doença que durou desde 4 de Novembro de 2003, provocada pela actuação da Ré, esta, em vez de cumprir aquela ordem judicial, decidiu continuar na senda de ilegalidade ainda mais incisiva, humilhante e vexatória colocando-o num “gabinete” no 4.º andar que não era mais do que um quarto de dormir da P..., ao qual foi retirado o respectivo mobiliário, tendo ali sido colocados uma pequena mesa de cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, absolutamente impróprio para o exercício das funções do Autor;

— Com os descritos comportamentos, a Ré violou, de forma reiterada e grave os seus deveres de empregadora, tornando imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, causando uma forte recaída no estado de saúde do Autor, pelo que este teve de proceder à resolução do contrato;

— Ao Autor assiste o direito à indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho, que deve ser fixada com base no valor mais elevado aí previsto atendendo às circunstâncias que levaram à resolução do contrato, bem como o direito a receber as importâncias referidas no artigo 104.º da petição e, ainda, o direito a uma indemnização pelos danos não patrimoniais que sofreu, cujo montante não deverá ser inferior a € 7.500,00, créditos estes que foram directamente reclamados pelo Autor à Ré em 22 de Julho de 2004.

2. Na contestação, a Ré, a pugnar pela improcedência da acção, alegou, em síntese e com interesse, que:

— Os factos articulados nos artigos 1.º e 3.º a 78.º da petição já estavam a ser apreciados no processo n.º 1325/04.1TTLSB, factos que foram alegados pelo Autor para fundamentar o pedido formulado nessa acção, razão pela qual não podem ser apreciados na presente acção sob pena de se correr o risco de decisões contraditórias, pelo que, a entender-se que os mesmos são pertinentes para a apreciação do pedido formulado na presente acção, deverá ser suspensa a instância logo a seguir aos articulados, até que transite em julgado a sentença que ali vier a ser proferida;

— Devido à pouca atenção que a anterior gerência da Pensão prestava ao estabelecimento, o Autor tinha alguma preponderância executiva; no entanto, era um funcionário muito fraco, sem quaisquer habilitações profissionais, já com mais de 66 anos de idade, que nunca se valorizou profissionalmente.

— Tinha a categoria de Primeiro Assistente de Direcção mas, de facto, era absolutamente incapaz de exercer as correspondentes funções;

— À medida que os funcionários mais antigos iam saindo, os funcionários mais novos na área da recepção têm habilitações literárias e profissionais muito superiores às do Autor, o qual, a esta realidade, reagiu desinteressando-se por completo do serviço chegando a dormir na recepção;

— Procurou a nova gerência aproveitar a sua eventual experiência colocando-o a colaborar em estudos que permitissem apoiar a remodelação dos serviços do estabelecimento, atribuindo-lhe um gabinete digno e com condições no 6.º piso.

— Desde logo, o Autor recusou deslocar-se para o 6.º piso, nunca aí chegando a trabalhar, nem sequer pediu quaisquer equipamentos de apoio, e arranjou um médico que lhe conferiu uma baixa, situação em que permaneceu entre 29 de Outubro de 2003 e 11 de Maio de 2004, data em que cessou o contrato de trabalho;

— Desde Janeiro de 2003 que o Autor manifestou interesse em deixar o serviço, desde que a Ré lhe pagasse uma indemnização de vários milhares de euros, mas como a Ré recusou pagar-lhe essa indemnização, ele tudo fez para ver se arranjava maneira de fazer cessar o contrato de trabalho com uma pretensa justa causa, para obter um enriquecimento à custa da Ré;

— O Autor passou a ser hostil à gerência, perturbando o funcionamento dos serviços e recusando-se a aceitar as determinações;

— Não têm qualquer cabimento as imputações feitas pelo Autor à Ré na sua petição, sendo ilícita a rescisão contratual por ele promovida, não lhe assistindo, por isso, o direito ao recebimento da correspondente indemnização.

3. Houve resposta do Autor, em que, entre o mais, se pronunciou no sentido de ser indeferido o pedido de suspensão da instância, formulado pela Ré.
Após despacho que indeferiu tal pedido e declarou a nulidade parcial daquela resposta e a nulidade total de posterior articulado apresentado pela Ré, foi proferido despacho saneador e, dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi prolatada sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor:

«.a quantia de euros 32.181,26, a título de indemnização prevista no art.º 443.º do CT;
.euros 1.656,12, a título de contas finais decorrentes da cessação do contrato de trabalho;
.juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde 12.05.2004, sobre as quantias referidas nas alíneas a) e b) até efectivo e integral pagamento.»

4. De tal decisão interpôs a Ré recurso de apelação, a que se seguiu a interposição pelo Autor de recurso subordinado.

Tendo o Tribunal da Relação do Lisboa confirmado integralmente a sentença, veio a Ré pedir revista. Formulou, a terminar a alegação do presente recurso as conclusões redigidas como segue:

«1. À categoria profissional do Autor, primeiro assistente de direcção, correspondem as seguintes funções, indicadas na p.i.: “auxiliar o director do hotel na execução das respectivas funções e substituí-lo nos seus impedimentos e ausências; encarregar-se da coordenação prática dos serviços por secções, podendo ser encarregado da reestruturação de certos sectores da unidade hoteleira e, acidentalmente, desempenhar funções ou tarefas em secções para que se encontra devidamente habilitado”;

2. Determinou a sentença proferida na providência cautelar n.º 503/2004 que a recorrente atribuísse ao Autor “reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de "Primeiro Assistente de Direcção"”. – facto provado n.º 47;

3. Em 10 de Maio de 2004, a recorrente, através do documento de fls. 247, distribuiu ao Autor as seguintes tarefas: “a) reportar à gerência através da Sra. Dra. CC; b) Coadjuvar a gerência no que lhe for solicitado; c) Proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade já apresentado à entidades oficiais; propor a aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel; d) Proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria com vista à sua remodelação, propondo a aquisição de bens e equipamentos para a remodelação em curso; Para qualquer esclarecimento ou necessidade de apoio deverá dirigir-se à Sra. Dra. CC que lhe prestará toda a ajuda. Poderá, desde que previamente comunicado, deslocar-se a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, que apresentará à consideração da gerência.” – facto provado n.º 54;

4. As tarefas distribuídas ao Autor, referidas no número precedente, respeitaram a categoria profissional do recorrido: “... Como é manifesto as novas funções atribuídas ao A. são assaz diferentes das que ele vinha exercendo há anos na recepção da Pensão, não tendo qualquer conexão com as mesmas, embora se possam considerar enquadradas no elenco de funções da categoria do A.” (sentença 1.ª instância, pág. 25);

5. No Acórdão do STJ, de 6.12.2000, citado na CJ, STJ, 2000, Tomo III, pág. 291, regista-se o seguinte: “I- Em funções de chefia são delegados ao trabalhador competências hierárquicas e funcionais, as quais dão ao trabalhador o direito de desempenhar tais funções. II - No uso do seu poder directivo, a entidade patronal pode retirar ao trabalhador certas funções de direcção e chefia, sem que tal signifique baixa de categoria e constitua fundamento para rescisão do contrato com justa causa.

6. No mesmo acórdão, citando-se as lições do Sr. Professor Monteiro Fernandes, refere-se que “se o empregador, entendendo ser conveniente para a gestão da empresa colocar em determinado posto de chefia outra pessoa, e resolver atribuir ao anterior titular exonerado funções de assessoria técnica, requerendo qualificações académicas e profissionais de nível idêntico às possuídas por ele – o trabalhador exonerado do posto de chefia não pode opor-se eficazmente sob a alegação de uma mudança ou baixa de categoria. Na verdade quando o empregador investe certos trabalhadores em cargos de direcção e chefia dentro da própria empresa, projecta neles parte do poder de direcção que a ele próprio pertence originariamente. Trata-se de actividades que envolvem o exercício de um mandato implícito da actividade empregadora... Atenta a especificidade desses cargos de direcção e chefia (tal como seria o caso da A.) resultante de neles se projectar uma parcela do poder directivo originário do empregador, envolvendo por isso uma especial valoração dos elementos de confiança e nível de responsabilidade atribuída, não pode ligar-se à nomeação para o exercício de um cargo dessa natureza a aquisição pelo respectivo trabalhador de um direito, ou mesmo de uma expectativa jurídica, ao desempenho de cargos hierárquicos desse nível ou superior”.

7. Confiar ao Autor, sob a direcção da gerência, a preparação do processo de inventariação e aquisição de equipamentos e mobiliário para os quartos e para a lavandaria, aproveitando a sua experiência de pessoa com mais de 65 anos, não é uma tarefa desonrosa, nem pouco digna, que de alguma forma fosse susceptível de pôr em causa a sua dignidade profissional, a tal ponto que justificasse o direito a uma rescisão de contrato com justa causa.

8. Não é humilhante, nem vexatório, determinar que o autor coadjuve a gerência e que reporte a esta através de pessoa licenciada na área da hotelaria, portanto, com habilitações muito superiores às do autor que tem apenas o quinto [ano] do liceu e nenhuma formação específica.

9. Na decisão constante da providência cautelar n.º 503/2004, na parte respeitante ao local de trabalho, consta na parte final o seguinte: “... b) Atribua ao requerente um local de trabalho (com pelo menos uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica, e acesso à rede informática da requerida) no gabinete envidraçado anexo à recepção da Pensão Astória, ou no gabinete da gerência;”, (factos provados n.os 44 e 47 e documento n.º 5 anexo à contestação);

10. Consta também da decisão referida no número precedente o seguinte: “Temos como certo que o Requerente não tem propriamente um direito ao local de trabalho que sempre ocupou, mas tem seguramente o direito a exercer as suas funções em condições dignas, num local compatível com a sua categoria profissional. E no caso dos autos só os dois gabinetes supra referidos (o gabinete anexo à recepção ou o gabinete da gerência) preenchem tais requisitos”. (factos provados n°s. 44 e 47 e documento n° 5 anexo à contestação);

11. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido no processo n° 1325/04.1TTLSB consta da matéria de facto provada o seguinte:
N.º 24 – Por inerência das funções em causa, que exigiam a sua presença física no local, as mesmas sempre foram desempenhadas peto Autor na zona da "recepção" da empresa Ré, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, com uma área de cerca de 6 metros quadrados;
“N.º 66 – O gabinete da gerência situado por cima da recepção e gabinete contíguo, tem uma área com cerca de 12 m2, sendo difícil a instalação de uma outra pessoa em tal espaço, para além do próprio gerente, não existindo no rés do chão ou no andar intermédio outro espaço apto e disponível para gabinete ou escritório, para além daquele gabinete de gerência ou do existente ao lado do balcão da recepção”. (facto provado 45 e cópia do acórdão nos autos junta pelo Autor com o requerimento de 21 de Maio 2007)

12. Com a criação de um novo gabinete no quarto piso do estabelecimento, que atribuiu ao recorrido, a recorrente satisfez o objectivo máximo pretendido com a decisão judicial proferida na providência cautelar n.º 503/2004, que era a atribuição ao recorrido de um local com dignidade para o exercício de funções, sem se tornar necessário colocá-lo no gabinete da gerência ou no gabinete da recepção.

13. Tendo a recorrente confiado ao Autor tarefas compatíveis com a sua categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção e tendo distribuído-lhe um gabinete adequado e digno para o exercício dessas mesmas tarefas, não tinha o Autor fundamento para rescindir o contrato de trabalho com fundamento em justa causa;

14. Mesmo que por absurdo e sem conceder se considere que o Autor teria justa causa para rescindir o seu contrato de trabalho, a ilicitude da conduta da recorrente deverá ser considerada mínima, face às especiais circunstâncias do próprio edifício e das instalações disponíveis, não se justificando, face ao disposto no art. 443.º do CT, que seja atribuída ao recorrido uma indemnização superior ao mínimo legal – 15 dias por cada ano completo de trabalho, ou seja, 981,30 €/2 = 490,65€, que multiplicada por 28 anos de trabalho corresponderia a 13.738,20 euros;

15. Nos termos do n.º 3 do art. 805.º do CC, a recorrente constituiu-se em mora apenas desde a data da citação, sendo devidos juros de mora, sobre a indemnização por antiguidade que tiver sido liquidada apenas desde essa data, ou seja em 25 de Maio de 2005.

16. A sentença recorrida violou o disposto nos arts. 150.º, 151.º, n.º 2, 441.º e 443.º do CT e no art. 805.º, n.º 3, do CC.

Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao presente recurso de Apelação e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, proferindo-se acórdão que absolva a recorrente do pedido.»
Na sua alegação de recorrido, o Autor defendeu a confirmação, na íntegra, do acórdão impugnado.
Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público pronunciou-se, em parecer a que as partes não reagiram, no sentido de ser negada a revista, excepto na parte que diz respeito ao momento a partir do qual são devidos juros sobre a indemnização de antiguidade.

3. Face ao teor das conclusões formuladas pela recorrente, na sua alegação, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:

— Saber se o Autor tinha ou não fundamento para pôr termo ao contrato de trabalho com fundamento em justa causa;

— Em caso de resposta afirmativa à anterior questão, saber se a fixação da indemnização por antiguidade a favor do Autor não deveria ter ido além do mínimo de 15 dias de retribuição base por cada ano completo de trabalho; e

— Saber se os juros de mora sobre essa indemnização só podem ser calculados a partir da data de citação.


Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Os factos materiais da causa foram, pelas instâncias, fixados nos seguintes termos:

«1. Na sequência de acordo verbal celebrado entre ambos, o A. foi admitido ao serviço da R. em 1 de Abril de 1976;
2. Entre 1 de Abril de 1976 e 11 de Maio de 2004, o A. trabalhou sob as ordens, orientações e disciplina da R. mediante uma contrapartida em dinheiro;
3. O A. pôs fim ao acordo que o unia à R. mediante a carta junta aos autos a fls. 29 a 32, invocando justa causa;

[Consta da referida carta:

«Pelos motivos especificamente expostos no requerimento que, em anexo junto à presente e que aqui dou por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, requeri contra essa Empresa uma providência cautelar comum, a qual, sob o n.º 503/04.8TTLSB, correu os seus termos pela 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho da Comarca de Lisboa.
Os comportamentos descritos no supra citado requerimento configuram inadmissíveis violações dolosas dos deveres dessa Empresa, enquanto empregadora, e das minhas garantias enquanto trabalhador, nomeadamente dos previstos nas alíneas a), c), d) e g) do art.º 120.º do Código do Trabalho (CT) e nas alíneas b) e f) do art.º 122.º do mesmo CT;
De tal forma foram graves esses comportamentos que me colocaram durante vários meses numa situação de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, a qual apenas cessou no dia 9 de Maio.
[...]
A providência cautelar foi, como bem sabem, julgada procedente, tendo o Meritíssimo Juiz determinado que essa Empresa:
a) me atribuísse reais tarefas no âmbito da minha categoria profissional de "Primeiro Assistente de Direcção";
b) me atribuísse um local de trabalho (com, pelo menos, uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática dessa Empresa), no gabinete envidraçado anexo à recepao da P... A... ou no gabinete da gerência;
c) se abstivesse de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitassem o meu exercício de funções, nomeadamente a proibição ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a P... A... ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que me atribuir nos termos descritos na alínea anterior.
Perspectivando a possível cessação da minha incapacidade para o trabalho, tive o cuidado de avisar antecipadamente essa Empresa do facto, por forma a que pudesse, sem sobressaltos, ser dado integral cumprimento à decisão judicial proferida.
Foi assim que me apresentei ontem ao trabalho.
Porém, essa Empresa decidiu, agora de forma mais incisiva e ainda mais humilhante e vexatória, continuar a violar os seus deveres e as minhas garantias decorrentes do contrato de trabalho, desrespeitando frontal e intencionalmente a decisão judicial proferida.


Desde logo, pretenderam V. Exas. que o meu local de trabalho fosse num denominado “gabinete” sito no 4.º piso do edifício, porta 410, o qual, além do mais, não é verdadeiramente um gabinete mas sim um quarto de dormir da P... A..., ao qual foi retirado o seu mobiliário habitual, colocada uma pequena mesa de cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, tudo fora dos locais e sem o equipamento determinados judicialmente e absolutamente impróprio para o adequado exercício das minhas funções.
Por outro lado, e apesar de eu reportar directamente à gerência (direcção) dessa Empresa, foi-me ordenado que o fizesse através da Senhora D. CC, trabalhadora recente e cuja categoria profissional, tanto quanto julgo saber, é de “Chefe de Recepção”, ou seja, inferior à minha, o que é atentatório da minha dignidade profissional e do meu estatuto na Empresa.
Finalmente, foram-me formalmente retiradas as funções mais nobres inerentes à minha categoria profissional, tais como constam da decisão judicial a que acima aludi, concretamente do seu ponto 5 que aqui dou também por integralmente reproduzido, as quais, em qualquer caso, fui impedido de exercer em termos efectivos, por não o poder fazer num dos locais determinados judicialmente, mas apenas no referido “gabinete” do 4.º piso.

Deste modo, essa empresa insiste e reitera, delibera e acintosamente, em comportamentos violadores dos seus deveres enquanto empregadora e das minhas garantias enquanto trabalhador, nomeadamente das constantes das alíneas acima citadas dos art.os 120.º e 122.º do CT, originando dessa forma uma forte recaída do meu estado de saúde e tornando imediata e praticamente impossível, em termos definitivos, a subsistência da relação de trabalho desde 1 de Abril de 1976.
Por todos os motivos expostos, venho, por este meio, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 441.º e seguintes do CT, resolver o meu contrato de trabalho, com fundamento em justa causa, nomeadamente por violação do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 2 do art.º 441.º do CT, por remissão para as alíneas a), c), d) e g) do art.º 120.º e para as alíneas b) e f) do art.º 122.º do CT e com as legais consequências, desde logo o pagamento da indemnização prevista nos n.os 1 e 2 do art.º 443.º do CT, fixada, atentas as circunstâncias, com base nos seu valor mais elevado, isto é, 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade»]

4. À data da cessação do contrato o A. tinha a categoria profissional de primeiro assistente de direcção. Em contrapartida do trabalho prestado, a R. pagava ao A. o vencimento base mensal de [€] 981,30 e proporcionava ao A., em todos os dias em que prestava o seu serviço, o almoço nas suas instalações e à sua custa (da R);
5. A R. é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à indústria hoteleira, concretamente à exploração do negócio de pensão;
6. No exercício da sua actividade a R. explora um estabelecimento hoteleiro denominado P... A... que está instalado numa parte do edifício sito na Rua ...., no 10 e 10-A, em Lisboa;
7. Este edifício é propriedade da R. sendo composto por rés-do-chão e seis pisos;
8. A totalidade das quotas representativas do capital social da R. foi cedida, em 29 de Novembro de 2002, às sociedades “E... - S.... de H.... e T..., Lda.” e “P... - C.... e M...., Lda.”;
9. Por força dessa cessão, a gerência da R. foi totalmente alterada, passando a ser exercida por três novos gerentes: DD, EE e BB;
10. Na prática e no dia-a-dia da R., era o Dr. BB quem exercia efectivamente a gerência;
11. À data em que a “E... - S... de H... e T..., Lda.” e “P... - C.... e M..., Lda.” adquiriram a totalidade das quotas do capital social da Ré, a P... A..., tinha licença para funcionar e funcionava no r/c, lado Esquerdo, no 2.º andar, lados Direito e Esquerdo, no 3.º andar, lados Direito e Esquerdo, no 4.º andar lados Direito e Esquerdo e no 5.º andar, lado Esquerdo;
12. A P... A.... funcionava ainda, embora não possuindo licença para o efeito, no 5.º andar do lado Direito do edifício;
13. O 6.º andar do edifício vinha sendo utilizado de forma precária, para lavandaria, vestiário de algum pessoal da P.... A.... e arrecadação de diversos materiais e equipamento, apesar de a Ré não se achar licenciada junto das Entidades competentes para ali exercer a sua actividade hoteleira;
14. A recepção da P... A... situa-se no rés-do-chão, lado esquerdo, do edifício no “hall” de entrada;
15. O Dr. BB, assumiu funções com a incumbência, entre outras, de reduzir os custos com o pessoal e, bem assim, de substituir pelo menos parte dos anteriores empregados por novos trabalhadores, mais novos, com melhores habilitações e da sua confiança;
16. Foi nesse contexto que vieram a deixar de prestar serviço à empresa Ré, nomeadamente, os seguintes trabalhadores:
- FF - recepcionista;
- GG - empregada de andares;
- HH - empregada de andares;
- II - lavadeira;
- JJ - recepcionista (empregado de balcão de 2.ª);
- LL - empregada de andares;
- MM; e,
- NN.
17. Em Dezembro de 2002, o Dr. BB chamou o Autor e apresentou-lhe a Dra. CC, de nacionalidade brasileira, que era uma colaboradora do Grupo adquirente das quotas da empresa Ré, o “G... E...”, dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da “P... A...”, pois iria exercer funções nesse espaço hoteleiro;
18. Essas instruções foram acatadas pelo Autor, que a apresentou ao restante pessoal e acompanhou e informou a Dra. CC dos diversos aspectos referentes à actividade, organização e funcionamento do estabelecimento, bem como das funções desempenhadas por ele próprio e pelos demais empregados, durante um período de tempo que mediou entre 15 a 30 dias;
19. Posteriormente, mas ainda em Dezembro de 2002, o Dr. BB chamou novamente o Autor, dizendo-lhe que a Dr.ª CC (que tinha assinado, em 1/6/2001, com a empresa E... — S... de H... e T..., Lda., o contrato de trabalho que se mostra junto a fls. 172 a 174) iria passar a chefiar a “recepção”, substituindo o Autor nas correspondentes funções, o que foi comunicado, também e de imediato, aos restantes trabalhadores da empresa Ré, vindo a Dr.ª CC, para o efeito, a assinar o acordo escrito que se mostra junto a fls. 170 a 171, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (Acordo/Comissão de Serviço);
20. O Autor e o Dr. BB, durante a conversa havida por altura da comunicação descrita na alínea anterior, admitiram a possibilidade de colocar termo à relação profissional existente entre o primeiro e a Ré, por mútuo acordo entre ambos, mediante o pagamento de todas as quantias a que o Autor legalmente tinha direito, incluindo, uma indemnização que tivesse em conta a sua antiguidade ao serviço da empresa Ré;
21. Na altura, essa conversa não foi conclusiva, tendo-lhe o Dr. BB referido que o assunto iria ser analisado pela Ré e que depois lhe comunicaria o que tinha sido resolvido pela empresa;
22. Nesse pressuposto, o Autor continuou a prestar à referida Dr.ª CC a colaboração que lhe era solicitada, embora com esta última a exercer já as funções de chefe de recepção;
23. O tempo foi-se passando sem que o Autor e a Ré chegassem a um entendimento quanto à saída do primeiro, ao mesmo tempo que, progressivamente, foi este deixando de exercer todas as suas funções que anteriormente executava, as quais passaram a ser executadas com recurso aos meios informáticos entretanto instalados, pela própria gerência ou pela Dr.ª CC, bem como no exterior, por empresas contratadas para o efeito (contabilidade, nomeadamente);
24. O Autor já não tratou do processamento dos vencimentos do mês de Dezembro de 2002, tendo tal procedimento sido encaminhado para um contabilista externo à empresa Ré;
25. Em Janeiro de 2003, foi colocado, na “recepção” , um computador, com dois terminais, bem como um programa informático de gestão hoteleira;
26. A situação de indefinição relativamente à cessação, por mútuo acordo, da relação profissional que existia entre as partes manteve-se pelo menos até Março ou Abril de 2003, dado as mesmas não conseguirem chegar a um consenso relativamente aos valores envolvidos, com especial incidência no montante indemnizatório que a Ré teria de pagar àquele;
27. O Dr. BB chegou a propor ao Autor que este aguardasse em casa a definição da sua situação profissional, proposta essa que o Autor não aceitou, continuando a apresentar-se no mencionado estabelecimento hoteleiro;
28. O Autor, no documento de fls. 195 e com data de 20/10/2003, apôs a seguinte declaração manuscrita: “Recuso-me a ir para o Gabinete do 6.º Andar por não ter condições para seres humanos. Além disso, durante 27 anos o meu trabalho foi sempre no rés-do-chão (recepção)”;
28-A. O A. manteve-se na recepção;
29. A Ré endereçou ao Autor, com data de 28 de Outubro de 2003, a comunicação assinada pela Drª. CC, na sua qualidade de “Front Desk Manager”, junta a fls. 197, do seguinte teor: “Determina-se que o local de trabalho do 1.º Assistente de Direcção, Sr. AA, é no Gabinete atribuído para o efeito, situado no 6.º piso. Deste modo, deverá o Sr. AA abster-se de permanecer no serviço de Recepção ou no Hall de entrada da P... A....”;
30. A Ré, antes da cessão de quotas a favor das sociedades “E... — S.... de H... e T..., Lda.” e “P.... — C.... e M...., Lda.”, funcionava sem recurso a quaisquer meios informáticos, com a emissão de documentos manuscritos, possuindo funcionários com poucas ou nenhumas habilitações e alguns com idade superior a 55 anos;
31. O A. desempenhava as seguintes funções à data da cessão referida em 30, as quais vinha exercendo há vários anos e que consistiam no seguinte:
- dirigir a actividade da recepção;
- controlar a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e, bem assim, a emissão e envio dos subsequentes recibos;
- controlar e conferir a caixa, entregando diariamente o respectivo produto ao gerente/director;
- aceitar reservas e tratar do respectivo expediente; elaborar cartas para os fornecedores/credores e tratar do respectivo expediente;
- em geral, tratar de todas as compras e reparação de mercadorias, com excepção das de grande vulto;
- coadjuvar a gerência em tudo quanto lhe fosse solicitado;
- chefiar o pessoal, nomeadamente, controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa, dos contratos, dos vencimentos, etc...;
- substituir o gerente/director nas suas ausências e impedimentos.
32. Por inerência das suas próprias funções, estas sempre foram desempenhadas pelo A. na zona da “recepção” da empresa R., e desde há vários anos, num gabinete envidraçado contíguo àquela recepção”;
33. O A. sempre exerceu as suas funções com grande dedicação, profissionalismo e seriedade o que foi sempre reconhecido pela R., ao longo do tempo;
34. A R. não deu ao A. qualquer formação para que ele pudesse utilizar o computador que foi colocado na recepção com dois terminais;
35. O A. deixou de ter qualquer função para exercer, e deixou de poder utilizar como utilizava há vários anos o gabinete envidraçado ao lado da recepção que passou a ser ocupado pela Dra. CC, apenas prestando alguns esclarecimentos esporadicamente a clientes quando os recepcionistas estavam ocupados ou no impedimento da Dra. CC;
36. O A. não tinha qualquer local destinado pela R. para permanecer durante o seu horário de trabalho, pelo que se via na necessidade de se manter de pé todo o horário junto à recepção, pois embora tivesse inicialmente uma cadeira onde se podia sentar, a mesma acabou por lhe ser retirada pela R;
36-A. A Dra. CC comunicou ao A., por incumbência da Administração da R., que o seu local de trabalho passaria a ser, a partir de 20 de Outubro de 2003, no 6.º piso da Pensão Astória;
37. O 6.º piso do edifício não tinha, condições de habitabilidade ou utilização, os tectos, janelas, paredes e chão encontravam-se degradados e ali não existiam detectores de incêndio, encontrando-se também a escada de serviço em mau estado;
38. Com a medida descrita em supra 29, a R. pretendeu afastar o A. da “recepção” da “P... A...” e dos demais pisos onde esta funcionava, isolando-o e ocultando-o de todas as pessoas que frequentam a referida P..., nomeadamente do público em geral e dos fornecedores;
39. Na ocasião em que a Dra. CC informou o A. de que o seu local de trabalho passava a ser no 6.º piso, também o incumbiu por determinação da R., de apresentar, até ao dia 1 de Dezembro de 2003, os seguintes estudos:
“1- Elaboração dos segmentos de mercado com maior potencial para a estrutura existente;
2- Proposta para o desenvolvimento de acções comerciais;
3- Análise à produção e custos dos serviços de lavandaria.”.
40. O local que a R. destinou ao A. no 6.º piso não dispunha de telefone, nem de computador para acesso à rede informática, nem de caneta, nem de papel, pelo que não permitia ao A. que ali desenvolvesse qualquer actividade;
41. A R. bem sabia que o A. não dispunha de qualificações nem de condições de trabalho para efectuar os estudos referidos em supra 39.
42. Face à comunicação da R. referida em supra 29, o A. deslocou-se para o 6.º piso do edifício;
43. Em consequência da actuação da R., o A. encontrava-se do ponto de vista psíquico e nervoso muito diminuído, tendo que recorrer à assistência de uma médica psiquiatra;
44. O A. intentou contra a R. uns autos de procedimento cautelar que correram seus termos pela 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, sob o n.º 503/04;
45. O A. instaurou contra a R. a acção que correu seus termos igualmente pela 2.ª Secção do 2.º Juízo, sob o n.º 1.325/04.1TTLSB, na qual foi proferida decisão com o seguinte teor: “ . . . decidindo-se, em síntese, reconhecer e declarar a ilegalidade da actuação da empresa Ré (impedimento injustificado da prestação efectiva de trabalho por parte do Autor e transferência ilegal) ser a mesma condenada a pagar ao A. uma indemnização pelos prejuízos emergentes daquela actuação, no montante global de [€] 7.454,03, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento”;
46. A R. interpôs recurso desta decisão, tendo por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 Maio de 2007, sido decidido em “julgar parcialmente procedente a apelação reduzindo o valor da indemnização que a R. foi condenada a pagar ao A. [€] 6.401,60, confirmando no demais a sentença recorrida”;
47. Em 26 de Fevereiro de 2004, no âmbito da providência cautelar referida em supra 44, foi proferida decisão, cuja parte dispositiva é a seguinte: “Por todo o exposto, vistos os factos provados à luz das disposições legais invocadas, julgo o presente procedimento cautelar procedente e em consequência, julgando ilegal o procedimento da Requerida, ao retirar ao requerente todas as funções que este efectivamente exercia, nos termos descritos nos autos, intimando-o a permanecer no 6.º andar do edifício, e proibindo-o de permanecer na recepção da P... A..., determino que a requerida:
a) atribua ao A. reais tarefas no âmbito da sua categoria profissional de “Primeiro Assistente de Direcção”;
b) atribua ao A. um local de trabalho (com, pelo menos, uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática da requerida), no gabinete envidraçado anexo à recepção da P... A... ou no gabinete da gerência;
c) se abstenha de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitem o exercício de funções por parte do A., nomeadamente a proibição de frequentar ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a P... A.... ou, a posteriori, alterar o local de trabalho que atribuir ao requerente nos termos descritos em b)”.
48. O A. esteve na situação de baixa por doença desde 4.11.2003 a 9 de Maio de 2004;
49. Perspectivando o fim da sua baixa por doença, o A. avisou a R. disso mesmo, através das suas cartas de 6 de Abril e de 5 de Maio de 2004, juntas aos autos a fls 25 e 26 e fls 27 e 28, respectivamente, cujo teor dou aqui por reproduzido;
50. Terminada a sua situação de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença, o A. apresentou-se ao trabalho, em 10 de Maio de 2004;
51. No dia 10 de Maio, a R. atribuiu ao A. um local no 4.º piso do edifício, porta 410, piso onde apenas se situam quartos de dormir;
52. Nesse local, que também estava destinado a quarto de dormir na P... A..., foi-lhe retirado o seu mobiliário habitual e colocada uma mesa, de cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, encontrando-se ainda fixada à parede, uma mesa-de-cabeceira;
53. Não existia equipamento que permitisse ligação à rede informática da requerida;
54. A R., através da Dra. CC, entregou ao A. no mesmo dia 10.05.2004, o documento junto a fls 247 onde lhe comunicava o seguinte:
LOCAL DE TRABALHO
Gabinete instalado no 4.º Piso, número de porta 410. Deverá indicar os equipamentos e consumíveis que necessitar.
FUNÇÕES DE 1º ASSISTENTE DE DIRECÇÃO
a) Reportar à Gerência através da Sra. Dra. CC;
b) Coadjuvar à Gerência, no que lhe for solicitado;
c) Proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade já apresentado às entidades oficiais; propor aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel;
d) Proceder a levantamento das necessidades da lavandaria com vista à sua remodelação, propondo a aquisição de bens e equipamentos para a remodelação em curso.
Para qualquer esclarecimento ou necessidade de apoio deverá dirigir-se à Sra. D.ª CC, que lhe prestará toda a ajuda.
Poderá, desde que previamente comunicado, deslocar-se a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, que apresentará à consideração da Gerência”.
55. A requerida interpôs recurso da decisão proferida no procedimento cautelar e não prestou caução.
56. Considerando que no decurso dos autos o requerente tinha posto fim ao contrato que o unia à R., por acórdão de 13.04.2005, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
57. No dia 10.05.2004, o A. perguntou à Dra. CC, que era quem lhe estava a mostrar o local que a R. lhe tinha destinado, se era mesmo aquele o local onde devia estar, uma vez que em seu entender, não obedecia ao ordenado na decisão do procedimento cautelar referido em supra 47, mas foi-lhe dito que não havia outro local;
58. Face ao comportamento da R. referido em supra 50 a 53, o A. remeteu-lhe a carta referida em supra 3, pondo fim ao contrato que os ligava, com invocação de justa causa.
59. O A. remeteu à R. a carta datada de 22 de Julho de 2004, junta a fls. 33 e 34, com o seguinte teor:
Na sequência da minha carta de 11 de Maio p.p. (...) venho, por este meio, notificar expressamente V. Exas. para efeitos do pagamento dos meus créditos decorrentes da resolução, com justa causa, do contrato de trabalho que me ligou a essa empresa por mais de 28 (vinte e oito) anos.
Efectivamente e nos termos da lei, sou credor dessa Empresa (i) das denominadas “contas finais” do contrato de trabalho, (ii) da indemnização prevista no art.º 443.º do Código do Trabalho (contada de 1 de Abril de 1976 a 11 de Maio de 2004, numa base de 45 dias de retribuição base por cada ano completo de antiguidade) e (iii) de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que me foram causados pelo comportamento ilícito dessa Empresa e que calculo, por defeito, no montante de 7.500,00 (sete mil e quinhentos) euros.
Nesta conformidade, fico a aguardar durante o prazo de 10 [ ] (dez) dias a contar da recepção da presente carta pelo pagamento integral das diversas quantias que me são devidas, posto o que, se isso não acontecer, desencadearei de imediato e sem mais avisos, todas as diligências e procedimentos adequados à defesa dos meus legítimos direitos”.
60. A R. tem em curso um processo de remodelação do prédio onde funciona o estabelecimento P... A... - que tem a classificação de P... residencial 3 estrelas - e a sua reclassificação como Hotel de 3 estrelas;
61. O A. não pediu qualquer equipamento de apoio à R. para trabalhar no 6.º piso;
62. O quarto 410 no 4.º andar tinha casa-de-banho privativa;
63. O gabinete envidraçado onde o A. trabalhava e passou a ser utilizado pela Dra. CC não tem espaço para comportar duas secretárias;
64. A partir de 30 de Abril de 2004, a Dra. CC passou a ter a categoria de Assistente de Direcção Operacional;
65. Quando começou a exercer funções na P... A..., a R. atribuiu-lhe a categoria de chefe de recepção;
66. O A. nasceu em 01.03.1938 e tem como habilitações literárias o então denominado 5.º ano do liceu;
67. Foi atribuída utilidade turística a título prévio ao H... A... com a classificação provisória de 3 estrelas, por despacho do Sr. Secretário de Estado do Turismo, de 8 de Novembro de 2005;
68. O A. possuía alguns conhecimentos de línguas estrangeiras que lhe permitiam exercer as suas funções junto dos clientes estrangeiros que frequentavam a P... A..., na maioria de língua espanhola.»

A decisão proferida sobre a matéria de facto não vem impugnada e não se verifica qualquer das situações que, nos termos dos artigos 729.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, autorizam o Supremo Tribunal a sobre ela exercer censura, por isso que é ao quadro factual supra descrito que haverá de atender-se para a solução das questões acima enunciadas.

Dado que a resolução do contrato e os factos invocados como seu fundamento ocorreram depois de 1 de Dezembro de 2003 e muito antes da publicação da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, têm — como consideraram as instâncias, sem discordância das partes — inteira aplicação ao caso as disposições que, no Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, disciplinam a matéria, atento o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, 1.ª parte, desta última Lei, e no artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 7/2009, que procedeu à revisão daquele compêndio de normas.

2. Da justa causa para a resolução do contrato

2. 1. A possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, mostra-se expressamente consignada no artigo 441.º da versão de 2003 do Código do Trabalho — versão a que pertencem as disposições adiante indicadas sem menção de diploma — para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 daquele artigo, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora e de que importa destacar a «[v]iolação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador» [alínea b)].

O artigo 122.º, que contempla a garantias do trabalhador, estabelece, como regra, a proibição dirigida ao empregador de «[b]aixar a categoria do trabalhador» [alínea e)] e o artigo 151.º consigna que «[o] trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado» (n.º 1), a qual «compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional» (n.º 2).

As excepções a tal regra encontram-se no artigo 313.º, n.º 1, segundo o qual «[o] trabalhador só pode ser colocado em categoria inferior àquela para que foi contratado ou a que foi promovido quando tal mudança, imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, seja por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho», e no artigo 314.º, n.º 1, que faculta ao empregador «quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador», na falta de estipulação contratual restritiva dessa faculdade (n.º 2) e desde que o seu exercício não implique diminuição da retribuição (n.º 3), devendo a «ordem de alteração ser justificada, com indicação do tempo previsível» (n.º 4).

Entre os deveres do empregador, o artigo 120.º consigna os de «[r]espeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador» [alínea a)] e de «[p]roporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral» [alínea c)].

Não pode, por outro lado, esquecer-se o dever geral que impende sobre as partes de, na execução dos contratos, procederem de boa fé, exigência esta que, genericamente estatuída no artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, assume especial relevância no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra — constituindo neste âmbito fonte de deveres acessórios de conduta, não apenas para o trabalhador, mas também para o empregador —, especial relevância de que é sinal a consagração desse dever geral no n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho, com projecção na proibição imposta ao empregador de obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, estatuída no artigo 122.º, alínea b).

Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio previsto no artigo 447.º, n.º 1 — é este o sentido útil do teor do citado artigo 447.º.

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).

Por outro lado, na acção em que for apreciada a justa causa da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (artigo 444.º, n.º 3).

Para que exista justa causa, que, nos termos expressos do artigo 441.º, condiciona o direito do trabalhador a resolver o contrato, é ainda necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

O n.º 4 do artigo 441.º dispõe que a justa causa de resolução imediata por parte do trabalhador tem de ser apreciada pelo tribunal nos termos do n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, deve o tribunal atender ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes e verificar se é de concluir pela impossibilidade imediata e prática da subsistência da relação de trabalho.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar, em razão da sua gravidade e das suas consequências, imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho — neste sentido, e já no âmbito da vigência do Código do Trabalho, os Acórdãos deste Supremo de 18 de Abril de 2007 (Revista n.º 4282/06), de 22 de Maio de 2007 (Revista n.º 54/07), de 26 de Setembro de 2007 (Revista n.º 1932/07) e de 9 de Janeiro de 2008 (Revista n.º 2902/07), todos sumariados em www.stj.pt, Jurisprudência/Sumários de Acórdãos; na doutrina, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2007, pp. 797 e 1045, e Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I – Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pp. 1044-1045.

Lança-se, assim, mão do conceito de justa causa consagrado pelo artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho — como já antes sucedia relativamente ao artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo (LCCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 69-A/89, de 27 de Fevereiro, e era, também, entendimento generalizado na vigência do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Junho (Lei dos Despedimentos) —, considerando-se que, embora a lei não o explicitasse, se achava subjacente ao conceito geral de justa causa a ideia de “inexigibilidade” que enforma igualmente a noção de justa causa disciplinar consagrada na lei no domínio da faculdade de ruptura unilateral conferida à entidade empregadora — cfr. António Monteiro Fernandes, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 1, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1981, pp. 340-341, e Direito do Trabalho, 10.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 539-540; e os Acórdãos de 13 de Janeiro de 1993 e de 10 de Fevereiro de 1999, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo I, 220, e Ano VII, Tomo I, 271, respectivamente.

2. 2. O acórdão recorrido, após tecer considerações gerais de sentido coincidente com as que vêm de ser expressas, examinou os factos relevantes e valorou-os, discorrendo como segue:

«Ora, demonstrou-se que o Autor tinha a categoria profissional de “Primeiro Assistente de Direcção” no estabelecimento hoteleiro da Ré sito na rua Braamcamp n.º 10 e 10-A em Lisboa, e que aí exercia, há já vários anos, a direcção da actividade da respectiva recepção; controlando a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e emissão dos subsequentes recibos; efectuando o controlo e conferência da caixa entregando, diariamente, o respectivo produto ao gerente/director; efectuando a aceitação de reservas e tratamento do respectivo expediente; elaborando cartas para os fornecedores/credores e tratamento do respectivo expediente; efectuando, em geral, o tratamento de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; coadjuvando a gerência em tudo o que lhe fosse solicitado; chefiando o pessoal, nomeadamente, controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa dos contratos, vencimentos, etc, e substituindo o gerente/director nas suas ausências e impedimentos.
Também se demonstrou que, por inerência das suas próprias funções, estas sempre foram desempenhadas pelo Autor na recepção da empresa Ré e, desde há vários anos, num gabinete envidraçado contíguo àquela.
É certo haver-se demonstrado que, em 29 de Novembro de 2002, a totalidade das quotas representativas do capital social da Ré foi cedida a outras duas sociedades e que, por força dessa cessão, a respectiva gerência foi totalmente alterada, passando a ser exercida por três novos gerentes, entre eles o Dr. BB que, na prática, era quem exercia, diariamente, essa gerência.
Compreende-se, por isso, que a nova gerência da Ré, quiçá, detentora de uma outra visão quanto à forma de gerir a mesma, entendesse que o Autor, dentro do exercício das suas funções, detivesse um excesso de poderes e pretendesse restringi-los. No entanto, também ficou demonstrado que, logo em Dezembro daquele ano, o Dr. BB apresentou ao Autor uma senhora Dr.ª CC dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da “P... A...” e que, posteriormente, mas ainda em Dezembro de 2002, aquele chamou o Autor, e disse-lhe que a Dr.ª CC iria passar a chefiar a recepção, substituindo o Autor nas correspondentes funções, o que, de imediato, foi comunicado aos restantes trabalhadores da empresa Ré.
Também sabemos que, tendo-se gorado a possibilidade de ambas as partes acordarem quanto ao termo da relação profissional existente entre o Autor e a Ré, aquele foi deixando de poder exercer todas as funções que anteriormente executava, situação que se prolongou até que, em Outubro de 2003, lhe foi atribuído um “gabinete” situado no 6.º piso da “P... A...”, devendo abster-se de permanecer no serviço de recepção ou no hall de entrada da mesma.
Todavia e no que agora aqui releva, demonstrou-se que, não obstante haver sido, judicialmente, declarado ilegal – no âmbito de uma Providência Cautelar instaurada pelo autor contra a Ré e que correu termos pela 2.ª Secção do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, sob o n.º 503/04 – o procedimento adoptado pela Ré em relação ao Autor ao retirar-lhe todas as funções que o mesmo exercia, intimando-o a permanecer no 6.º andar do edifício e proibindo-o de permanecer na recepção da “Pensão Astória”, tendo-se determinado, como consequência, que a Ré:
a) Atribuísse ao Autor reais tarefas da sua categoria profissional de “Primeiro Assistente de Direcção”;
b) Atribuísse ao Autor um local de trabalho com, pelo menos, uma secretária, uma cadeira, uma linha telefónica e acesso à rede informática da Ré, no gabinete envidraçado anexo à recepção da “P... A...” ou no gabinete da gerência, e que;
c) A Ré se abstivesse de praticar quaisquer actos que, por qualquer forma, limitassem o exercício de funções por parte do Autor, nomeadamente a proibição de frequentar ou permanecer em qualquer dos espaços onde funciona a “P... A...” ou, a posteriori, alterar aquele local de trabalho
O que é certo é que se provou que, tendo o Autor estado na situação de baixa por doença entre 04-11-2003 e 09-05-2004, quando se apresentou ao trabalho em 10 de Maio de 2004, a Ré atribuiu-lhe um local de trabalho no 4.º piso do edifício da Pensão no qual apenas se situavam quartos de dormir, sendo que aquele local também era um espaço destinado a quarto de dormir ao qual fora retirado o respectivo mobiliário e colocada apenas uma mesa com cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesinha de cabeceira, encontrando-se ainda fixada a uma parede uma mesa-de-cabeceira, não existindo equipamento que permitisse ligação à rede informática.
Por outro lado, também se demonstrou que, nesse mesmo dia, a Ré, através da Dr.ª CC, entregou ao Autor um documento em que lhe comunicava não só o mencionado local de trabalho, mas também quais os procedimentos a adoptar e as funções que o mesmo iria exercer a partir de então e que consistiam em:
a) Reportar à Gerência através da Sr.ª Dr.ª CC, sendo que era a esta que deveria dirigir-se para qualquer esclarecimento ou necessidade de apoio;
b) Desde que previamente comunicado, poderia deslocar-se a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, os quais apresentaria à consideração da gerência;
c) Coadjuvar a gerência no que lhe fosse solicitado;
d) Proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade apresentado às entidades oficiais, bem como propor a aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel;
e) Proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria, com vista à sua remodelação em curso.
Ora, perante estes factos provados, não temos dúvida que, quer o local de trabalho, quer as funções atribuídas pela Ré ao Autor aquando do seu regresso ao trabalho em 10 de Maio de 2004 após um período de baixa por doença, se apresentam violadoras das garantias legais e convencionais que a este assistiam na sequência da celebração do contrato de trabalho com a Ré em Abril de 1976 e seu subsequente desenvolvimento ao longo dos anos, para além de serem ofensivos da sua honra e dignidade enquanto trabalhador com a categoria de “Primeiro Assistente de Direcção” e tendo em consideração as funções que pelo mesmo foram efectivamente exercidas ao longo dos anos ao serviço da Ré. Com efeito, as funções atribuídas ao Autor em 10 de Maio de 2004 muito pouco tinham a ver com qualquer das funções por este exercidas anteriormente ao serviço da Ré no desempenho daquela categoria profissional, bem como com as que institucionalmente são atribuídas a um “Assistente de Direcção” no Contrato Colectivo de Trabalho para a Indústria Hoteleira e que são as que se fazem referência na sentença sob recurso. Sendo certo que de algumas das que foram atribuídas pela Ré ao Autor resulta, mesmo, haverem sido conferidas com um certo intuito vexatório ou humilhante para este (proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento; proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria; reportar à gerência apenas através da Dr.ª CC a quem teria de passar a pedir apoio ou esclarecimentos quando, até então, sempre o fizera reportando directamente à gerência da Ré e sem que nos possamos esquecer de que a referida Dr.ª CC, até então, tinha categoria hierárquica inferior à do Autor e não passou a ter categoria profissional superior à dele, etc.).
Por outro lado, o local de trabalho que lhe foi atribuído, nada tinha a ver com o que o Autor sempre utilizara e era próprio da sua função até àquela altura. É certo que se demonstrou que o gabinete envidraçado onde o Autor trabalhava e que passou a ser utilizado pela Dr.ª CC não tinha espaço para comportar duas secretárias. No entanto, não vemos qualquer razão para o mesmo não continuar a exercer as suas funções no espaço que sempre fora o seu local de trabalho. A Dr.ª CC bem poderia ocupar o espaço adaptado no 4.º piso do estabelecimento se a Ré entendia que o mesmo tinha aptidão para o desenvolvimento das funções de Assistente de Direcção que a esta foram atribuídas em 30 de Abril de 2004 e que o Autor já desempenhava há longos anos na Ré naquele outro local de trabalho.
Verificamos, pois, que a Ré, ao invés de cumprir as determinações judicialmente declaradas e ao invés de respeitar todo um passado profissional do Autor ao seu serviço, sendo certo haver-se demonstrado que o mesmo sempre exerceu as suas funções com grande dedicação, profissionalismo e seriedade, o que era reconhecido pela própria Ré, actuou de forma a pôr em causa tudo isso, sendo certo que podia (no sentido de ter capacidade) e devia ter actuado de outro modo.
Acresce que todo o comportamento assumido pela Ré, após a apresentação do Autor ao serviço em 10 de Maio de 2004 e tendo em consideração as relações que já existiam entre as mesmas por circunstâncias de facto anteriormente ocorridas, tornam inexigível para este a manutenção do seu relacionamento profissional com a Ré, sendo certo que existe um manifesto nexo de causa-efeito entre esse comportamento e esta inexigibilidade.
Mostra-se, pois, justificada a resolução de contrato operada pelo Autor com efeitos a partir de 11 de Maio de 2004 tal como foi reconhecido na sentença recorrida, a qual, nesse aspecto não merece censura.»

2. 3. Na alegação da revista, a recorrente defende, para sustentar a falta de fundamento para a resolução do contrato, por um lado, que as funções atribuídas ao Autor, em 10 de Maio de 2004, se contêm na categoria que lhe pertencia e, por outro lado, que o espaço de trabalho que lhe foi destinado, para o exercício das tarefas que, então, lhe foram cometidas, era adequado e digno (conclusões 1 a 13).

Face ao teor das conclusões 5 e 6 da alegação da recorrente, em que parece defender-se a licitude da modificação de funções na perspectiva de subsunção do caso a uma simples destituição de funções de chefia — traduzindo estas a delegação, por mandato implícito, de competências hierárquicas e funcionais —, impõe-se observar que o conteúdo funcional da categoria em causa, tal como vinha sendo executado, ao longo dos anos, compreendia, além de algumas funções daquela natureza, outras de natureza diferente, como são as de controlo de emissão de facturas, envio das facturas dos pagamentos a crédito e a emissão dos subsequentes recibos; controlo e conferência da caixa e entrega, diária, do respectivo produto ao gerente/director; aceitação de reservas e tratamento do respectivo expediente; elaboração de cartas para os fornecedores/credores e tratamento do respectivo expediente; tratamento de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; e tratamento da parte administrativa dos contratos e vencimentos.

Ora, ao determinar as novas funções, para vigorarem a partir de 10 de Maio de 2004, nos termos em que o fez, a recorrente não se limitou a retirar ao Autor funções de chefia, por isso que não pode deixar considerar-se desprovida de sentido útil a atinente alegação, tanto mais que as instâncias não alicerçaram o seu juízo de verificação da justa causa na apreciação dessa vertente de alteração funcional.

Assim, o que verdadeiramente importa é aquilatar se o juízo alcançado pelo acórdão recorrido, em resultado do confronto entre as funções (estranhas às de chefia) que o Autor, prolongadamente, exerceu e as que lhe vieram a ser determinadas na referida data, se mostra correcto, quando considera que as últimas «se apresentam violadoras das garantias legais e convencionais que a este assistiam na sequência da celebração do contrato de trabalho com a Ré em Abril de 1976 e seu subsequente desenvolvimento».

A resposta não pode, no entendimento deste Supremo, deixar de ser afirmativa, atentas as directrizes contidas nos citados artigos 122.º, alínea e), 151.º, n.os 1 e 2, 313.º, n.º 1, e 314.º, n.os 1 a 4, que acima se destacaram.

Com efeito, o núcleo essencial das novas funções atribuídas ao Autor — deslocar-se, após prévia comunicação, a estabelecimentos comerciais para obter preços e condições de pagamento, os quais apresentaria à consideração da gerência; proceder ao inventário dos móveis existentes no estabelecimento, tendo em atenção o processo de remodelação da unidade apresentado às entidades oficiais, bem como propor a aquisição de bens e equipamentos para os quartos do hotel; e proceder ao levantamento das necessidades da lavandaria, com vista à sua remodelação em curso nada, ou muito pouco, tinham a ver, como assinalaram as instâncias, com as que sempre exercera e que lhe foram retiradas.

Daí que não possa deixar de concluir-se que, embora se mantivesse nominalmente na categoria que detinha, o conteúdo funcional desta foi esvaziado do seu núcleo essencial, com a consequente modificação da posição do Autor na empresa Ré, traduzindo, outrossim, uma desvalorização profissional, ou despromoção, dado que, além do mais, deixaria de reportar directamente à gerência, como sempre sucedera para estar subordinado a uma funcionária à qual foram atribuídas as funções que ele antes desempenhava.

Como se observou no Acórdão deste Supremo de 23 de Março de 2009 (Documento n.º SJ20090325034464, em www.dgsi.pt), são as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa e não o inverso.

Pelo que vem de ser dito, uma vez que não se demonstraram factos susceptíveis de integrar as excepções consignadas 313.º, n.º 1 e 314.º, configurando-se o caso como colocação do Autor em categoria, substancialmente, inferior à que detinha, tem de considerar-se que a Ré violou a garantia consignada no artigo 122.º, alínea e).

Além disso, também infringiu os deveres de respeitar o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista moral [artigo 120.º, alíneas a) e c)], ao atribuir a um trabalhador da categoria de Primeiro Assistente de Direcção — que sempre exercera as suas funções com grande dedicação, profissionalismo e seriedade — um local de trabalho no 4.º piso do edifício da Pensão (no qual apenas se situavam quartos de dormir), que mais não era do que um espaço destinado a quarto de dormir, ao qual fora retirado o respectivo mobiliário e onde foram colocados, apenas, uma mesa com cerca de um metro, uma cadeira e um candeeiro de mesa de cabeceira, encontrando-se ainda fixada a uma parede uma mesa-de-cabeceira, não dotado de equipamento que permitisse ligação à rede informática, deste modo incumprindo a decisão judicial que determinara a atribuição de um local de trabalho, em condições de dignidade semelhantes às que sempre tivera, com “acesso à rede informática da Ré, no gabinete envidraçado anexo à recepção da “P... A...” ou no gabinete da gerência.

Os mencionados comportamentos da Ré, que se inseriram no desenvolvimento de outras suas condutas de idêntico cariz, revestem um acentuado grau de ilicitude objectiva — por violação do dever geral de boa fé e de outros deveres específicos inerentes à relação laboral e, também, do que, a respeito dos mesmos, havia sido determinado por decisão judicial.

A culpa, que, no caso, se presume (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) — sendo que a Ré não ilidiu a presunção —, apresenta-se de grau elevado, pois as referidas condutas configuram flagrantes e injustificados desvios ao padrão de comportamento de um empregador normalmente diligente (artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do Código Civil).

Os ditos comportamentos mostram-se, por outro lado, adequados a ferir de modo irreversível o suporte psicológico de confiança recíproca entre as partes, indispensável ao são desenvolvimento da relação laboral, não sendo exigível a um trabalhador de comum sensibilidade que, em tais circunstâncias, permanecesse, por mais tempo, vinculado ao contrato.

Verificam-se, assim, os pressupostos da justa causa que legitimam a resolução do contrato de trabalho — como entendeu o acórdão recorrido, a cuja motivação, deste modo, se anui —, havendo, por conseguinte, lugar à indemnização prevista no artigo 443.º, n.os 1 e e 2.

3. Do valor da indemnização

A sentença da 1.ª instância fixou a indemnização devida ao Autor em 35 dias de retribuição base, por cada ano completo de antiguidade, atendendo «à elevada ilicitude da conduta da R., não tendo o A. em nada contribuído para a mesma».

Este segmento decisório foi impugnado no recurso de apelação por ambas as partes — a Ré pretendendo a redução da base de cálculo para 15 dias e o Autor o seu agravamento para 45 dias.

Sobre o problema, o Tribunal da Relação afirmou:

«Nada há censurar quanto a esta decisão. Com efeito, de forma alguma se mostra equilibrado fixar o valor dessa indemnização pela sua expressão mínima legalmente admissível, na medida em que o comportamento assumido pela Ré, nas circunstâncias anteriormente mencionadas, se apresenta fortemente ilícito considerando as determinações que não cumpriu e deveria ter cumprido e a violação dos direitos do Autor que foram postos em crise.
Por outro lado, também não seria justificável fixar essa indemnização na sua expressão máxima pois, em termos relativos, podem haver outras situações ainda mais gravosas a reclamarem essa fixação.
Ao haver estabelecido a fixação da referida indemnização nos mencionados 35 dias por cada ano completo de antiguidade, teve a sentença recorrida em consideração aquela forte ilicitude, sendo a mesma equilibrada ainda face ao montante salarial auferido pelo Autor ao tempo da resolução do contrato.»

Na revista a Ré pretende que, a entender-se que ocorreu justa causa para a resolução do contrato, «a ilicitude da conduta da recorrente deverá ser considerada mínima, face às especiais circunstâncias do próprio edifício e das instalações disponíveis, não se justificando, face ao disposto no art. 443.º do CT, que seja atribuída ao recorrido uma indemnização superior ao mínimo legal — 15 dias por cada ano completo de antiguidade» (conclusão 14).

Face ao que acima se deixou expresso relativamente ao grau de ilicitude inerente aos comportamentos da Ré, tal pretensão não pode ser acolhida, tanto mais que as circunstâncias do edifício e das instalações disponíveis não apresentam qualquer conexão com a violação do direito à categoria profissional e não está demonstrado que tais circunstâncias impossibilitavam a atribuição ao Autor de um local de trabalho com a dignidade correspondente à categoria que detinha, em consonância com o ordenado por decisão judicial, e que, naturalmente, seria aquele em que sempre trabalhara, o qual só não estava disponível por facto imputável à Ré — ter lá colocado outra pessoa.

Ora, atendendo ao grau de ilicitude que — a par do valor da retribuição, relativamente ao qual não vem questionado o peso que lhe foi conferido pelas instâncias — se acha consignado, como critério a respeitar na fixação da indemnização (entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades), no artigo 439.º, n.º 1, para a situação paralela de despedimento ilícito, não se afigura excessivo ter-se situado aquele factor de cálculo ligeiramente acima (35 dias) do ponto médio da moldura legalmente estatuída.

Improcede, por isso, o que a tal respeito vem alegado.

4. Do momento a partir do qual são devidos juros de mora sobre a indemnização

Como decorre do relato supra, no articulado inicial o Autor pediu a condenação da Ré no pagamento de juros de mora calculados sobre a peticionada indemnização de antiguidade, contados desde a data da resolução do contrato.

Na 1.ª instância esta pretensão foi acolhida, fixando-se, para o efeito, o dia seguinte ao da entrega da carta de resolução, e o Tribunal da Relação, perante o inconformismo da Ré, a propósito manifestado no recurso de apelação — em que defendeu apenas serem devidos juros após a citação —, observou:

«Na sentença recorrida a fixação desses juros moratórios foi estabelecida desde 12 de Maio de 2004, ou seja, a partir do dia seguinte ao da resolução do contrato.
Ora, verificamos haver-se demonstrado que na carta que o Autor remeteu à Ré em 11 de Maio de 2004 e a que se alude no ponto 3 e 58 dos factos provados, aquele, para além de invocar a justa causa de rescisão contratual como motivo de resolução do contrato de trabalho que entre ambos existia, interpelava, já então, a Ré para o pagamento de indemnização por antiguidade, embora com base em 45 dias por cada ano completo ou fracção de antiguidade, indemnização a que se reconheceu ter direito.
Assim, tendo em consideração essa interpelação e o disposto no art. 805.º n.º 1 do Cód. Civil, não se mostra passível de censura a fixação de juros de mora sobre essa indemnização calculados a partir de 12 de Maio de 2004 tal como consta da sentença recorrida.»

Neste particular, não pode sufragar-se o juízo das instâncias.

De acordo com o disposto no artigo 805.º do Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (n.º 1), havendo, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação tiver prazo certo [n.º 2, alínea a)], se a obrigação provier de facto ilícito [n.º 2, alínea b)], ou se o próprio devedor impedir a interpelação [n.º 2, alínea c)]; se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor (n.º 3, 1.ª parte); tratando-se de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte do n.º 3 (2.ª parte do mesmo inciso).

Como se observou no Acórdão deste Supremo de 25 de Junho de 2008 (Documento n.º SJ200806250010334, em www.dgsi.pt) — subscrito pelo ora relator, na qualidade de 1.º adjunto —, «[a] regra in illiquidis non fit mora, acolhida na primeira parte do n.º 3 do artigo 805.º citado, justifica-se na medida em que não é razoável exigir ao devedor que cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objecto exacto da prestação que deve realizar, e a única excepção é a da falta de liquidez poder ser imputada ao próprio devedor, isto é, se o devedor for o culpado da não liquidação da prestação», sendo que a «obrigação é ilíquida quando é incerto o seu quantitativo (ALBERTO DOS REIS, Processo de Execução, vol. I, p. 446) ou, no dizer de ANTUNES VARELA, é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, pp. 918 e 920)».

Ponderando que a resolução do contrato de trabalho com fundamento no n.º 2 do artigo 441.º confere ao trabalhador «o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade» (artigo 443.º, n.º 1), concluiu-se, naquele acórdão, que «o valor da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então».

Vem a propósito referir que, no domínio da vigência da LCCT, se entendia serem os juros de mora relativos à indemnização por rescisão do contrato com justa causa devidos a partir da interpelação com a indicação de montante exacto, valendo como tal a citação se, antes não tivesse ocorrido — Acórdãos deste Supremo de 10 de Fevereiro de 1999 (Revista n.º 346/98), 16 de Dezembro de 1999 (Revista n.º 224/99), de 27 de Março de 2003 (Revista n.º 4677/02), e de 24 de Janeiro de 2007 (Revista n.º 2707/06), todos sumariados em www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social e o último disponível, como Documento n.º SJ200701240027074, em www.dgsi.pt.

Tal entendimento decorria da consideração de que a correspondente obrigação devia considerar-se líquida com a interpelação para o pagamento da quantia adrede indicada, dada a certeza do resultado do cálculo do valor da indemnização, que se traduzia no produto aritmético do valor de um mês de remuneração de base e do número de anos de antiguidade (tendo-se em conta, fracção de ano, se fosse o caso) — artigos 36.º e 13.º, n.º 3, da LCCT —, não estando, pois, sujeito a factores determinantes de variação dentro de limites mínimos e máximos, com apelo à equidade.

Não é assim no regime do Código do Trabalho que, estabelecendo uma moldura dentro da qual a indemnização pode, em larga margem, variar, não permite, antes de transitada em julgado a decisão, ao devedor saber quanto deve, o que, no domínio da responsabilidade subjectiva por facto ilícito contratual, se apresenta como condição da constituição em mora (sendo certo, por outro lado, que a 2.ª parte do n.º 3 do artigo 805.º do Código Civil apenas contempla os casos de responsabilidade extracontratual), o que, tudo, subjaz à solução expressa no citado Acórdão de 25 de Junho de 2008, que aqui se acolhe.

Porém, o inconformismo da recorrente dirige-se, apenas, à condenação relativa ao período anterior à citação, por isso que, devendo considerar-se não impugnada a condenação em juros relativa ao período posterior, os efeitos do caso julgado impedem a alteração da decisão na parte que compreende os juros contados a partir da citação, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 671.º, n.º 1, 673.º, 677.º, 684.º, n.º 4 e 690.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto).

Nesta conformidade, procede a pretensão da recorrente de ver revogado o acórdão impugnado, na parte em que a condenou a pagar juros sobre a indemnização de antiguidade reportados ao período que decorreu entre o dia seguinte ao da resolução do contrato e a data da citação.

III

Pelo exposto, decide-se conceder parcialmente a revista e, revogando-se a decisão recorrida na parte em que manteve o dia seguinte ao da resolução para o início do vencimento dos juros sobre a antedita indemnização, absolve-se a Ré do atinente pedido reportado ao período anterior à data da citação, confirmando-se, em tudo o mais o acórdão impugnado.

Custas nas instâncias e no Supremo, a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento.

Lisboa, 21 de Outubro de 2009.

Vasques Dinis (Relator)
Bravo Serra
Mário Pereira