Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A3397
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: DANOS FUTUROS
INDEMNIZAÇÃO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200512070033971
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 47/05
Data: 07/15/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Só os danos futuros previsíveis são indemnizáveis.
II - Não se pode relegar a demonstração do dano futuro meramente hipotético para liquidação em execução de sentença.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


"A" - COMÉRCIO DE DOCES L.DA, intentou acção ordinária contra a B, pedindo que:
a) Lhe seja restituída, a título definitivo, a posse do imóvel sito na Rua do Rosário, nº 28, em Ponte de Lima;
b) A ré seja condenada a indemnizá-la em valor a liquidar em execução de sentença.
Na sentença da 1ª instância foi o pedido da al. a) julgado procedente e a ré condenada a pagar à autora a indemnização a liquidar em execução de sentença, nos termos do disposto no artº 661º,n.º 2 do Código de Processo Civil.
A ré apelou para a Relação de Guimarães que, julgando o recurso parcialmente procedente, revogou a sentença na parte em que condenou a ré em indemnização, absolvendo-a do correspondente pedido, confirmou a sentença na parte em que julgou procedente o pedido de restituição do gozo do imóvel arrendado à autora, e condenou a apelante, como litigante de má fé no recurso, na multa de 2 UC e a pagar à apelada a indemnização de 100 euros.
Inconformada, recorre agora a A. de revista, formulando as seguintes conclusões:
1ª - A decisão recorrida viola o disposto nos artºs 471º, 661º e 378º e segs. do CPC;
2ª - Estas normas devem ser interpretadas no seu sentido literal: é possível deduzir pedidos genéricos - o pedido deduzido pela A. enquadra-se neste tipo de pedidos - a sentença pode condenar no que vier a ser liquidado na fase executiva - e foi proferida nesses termos - e a liquidação, em consequência, pode ocorrer após a própria extinção da instância, nos termos previstos na lei do processo - o que a A. pretende e pode fazer,
Devendo ser anulado acórdão recorrido na parte impugnada, e ser confirmada a sentença das 1ª instância.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A) A ré é uma instituição de solidariedade social com sede em Ponte de Lima;
B) Autora e Ré celebraram em 28 de Abril de 2000, a primeira como inquilina e a segunda como senhoria, o contrato de arrendamento junto com o Procedimento Cautelar apenso, como doc. 1;
C) Nos termos do referido contrato, a Ré arrendou à Autora, pelo prazo de sete anos, um prédio urbano de que aquela é proprietária, arrendamento que teve o seu início em 1 de Julho de 2000;
D) Este imóvel tem número de polícia 28;
E) A Autora foi imediatamente investida na posse do arrendado: foi-lhe entregue a chave do imóvel e facultado o aceso integral ao mesmo;
F) A Autora, ao longo deste ano, foi regularmente ao imóvel para efectuar actos preparatórios do projecto de investimento e do projecto de decoração e instalação de um estabelecimento comercial denominado "Gelataria";
G) O que fez à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, nomeadamente da Ré;
H) Simultaneamente decorreram estudos arqueológicos na zona onde se insere o imóvel pelo que, os técnicos do IPA - Instituto Português de Arqueologia e do IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico tiveram necessidade de vistoriar diversas vezes o interior do imóvel;
I)Tendo efectuado inclusive alguns buracos no prédio;
J) A Autora, para facilitar o acesso ao imóvel e a pedido da R., deixava a chave do imóvel num café próximo ou na própria sede da Ré;
k) Até porque a chave é muito antiga e de reprodução difícil;
L) A Ré autorizou a Autora a efectuar obras no imóvel - cf. Ponto 6º do contrato junto (doc. 1);
M) As obras a efectuar careciam - e carecem - de licenciamento camarário;
N) A Ré apresentou o respectivo projecto, imóvel, na Câmara Municipal de Ponte de Lima;
O) À data da propositura da acção, a Ré ainda não levantou a respectiva licença de obras;
P) A Autora apenas foi restituída à posse do imóvel no passado dia 16 de Agosto de 2001, por força da decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar que corre seus termos sob o n.º 381/2001 no 1º Juízo deste Tribunal Judicial;
Q) A autora não efectuou qualquer pagamento de renda à ré até à presente data;
R) Isto apesar de, em 5 de Outubro de 20001, mediante carta registada a ter interpelado com vista ao pagamento das mensalidades em falta;
S) Por via disso, instaurou à Autora a correspondente Acção de Despejo, por falta de pagamento de rendas, a qual corre termos neste Tribunal sob o nº 390/2001, do 1º juízo;
T) A porta do imóvel é uma porta velha, em mau estado de conservação, que inclusive se encontrava aberta à data da decidida restituição de posse;
U) Em meados de Março de 2001, a ré negou-se a devolver a chave do referido imóvel à autora;
V) Alegando que a direcção da ré tinha mudado e a nova direcção não estava de acordo com o contrato existente;
1º) A autora é uma sociedade comercial que tem como actividade principal a manufactura de gelados e o comércio de doces e afins;
2º) Os estudos do IPA e do IPPAR efectuados no imóvel identificado referido em B) ficaram concluídos no final do ano de 2000;
5º) A ré impossibilitou o uso do arrendado por parte da autora;
6º) O projecto referido em N) foi aprovado;
7º) Devido ao acordo referido na alínea M), a autora está impedida de iniciar as obras;
8º) A Autora apresentou um projecto de candidatura ao Programa de Apoio à Modernização do Comércio - PROCOM, o qual foi aprovado e celebrado o respectivo contrato;
9º) Necessitava de dar início às obras de remodelação, adaptação e referido estabelecimento comercial;
10º) Sob pena de não fazendo perder o direito ao respectivo subsídio;
11º) A ré tinha conhecimento da urgência da autora em efectuar as obras;

13º) A qual pode ser lesada em milhares de contos;

14º) A autora é uma empresa jovem e sem possibilidades de fazer face a tal prejuízo;

15º) Pode não ser possível à autora cumprir os compromissos já assumidos, com os custos do projecto e encomendas a fornecedores;

18º) A ré não colaborou no processo de licenciamento das obras;

19º) A autora, não podendo efectuar as obras, perde o direito ao subsídio que lhe foi concedido e vê inviabilizado o seu investimento;

22º) A ré obrigou-se a obter as necessárias licenças a que se faz referência em M).

A Relação limitou-se a fazer as duas seguintes observações, sobre esta matéria de facto, confirmando-a no resto:

1ª - O vertido em S) do elenco dos factos provados encontra-se parcialmente desactualizado, visto que entretanto foi apresentada prova documental no sentido de que a acção de despejo aí referida já foi julgada, tendo improcedido;

2ª - O facto narrado em 7º) dos factos provados é ininteligível, pois o constante de M), que corresponde à resposta dada ao quesito 7º (que por sua vez se reporta a M)) não refere qualquer acordo.

Considera-se definitivamente adquirido o quadro factual tal como foi acolhido no acórdão em crise, por não se verificar qualquer das excepções contempladas na parte final do nº 2 do artº 722º do CPC, e não se justificar a baixa do processo nos termos do artº 729º, nº 3, ibidem.

Tendo o STJ de acatar a referida matéria de facto, importa avançar desde já que falece razão à recorrente na impugnação parcial que faz do decidido pela 2ª instância.

A absolvição da ré do pedido de condenação em indemnização a liquidar em execução de sentença é decorrência necessária das judiciosa fundamentação constante do acórdão recorrido.

Negar-se-á pois a revista, a final, com remissão para a fundamentação do acórdão recorrido, nos termos do artº 713º, nº 5, ex vi artº 726º do CPC.

Algumas considerações apenas, em abono da decisão a confirmar.

É verdade que aquele que, com o objectivo de obter uma indemnização, propõe uma acção de responsabilidade civil obrigacional ou extraobrigacional, pode fazer um pedido específico, fixando na petição inicial o montante da indemnização almejada, ou formular um pedido genérico, deixando a fixação do montante que pretende do réu para momento ulterior, ainda na pendência do processo, através de requerimento separado, sendo a liquidação discutida e julgada conjuntamente com a causa principal.

É igualmente verdade que, reunidos todos os requisitos legais mas não sendo ainda possível a liquidação no processo declarativo, será esta relegada para o processo executivo.

Todavia, o artº 564º, nº 2 do C. Civil é claro no sentido de que na fixação da indemnização o tribunal apenas pode atender aos danos futuros que sejam previsíveis, só podendo a liquidação ser relegada para execução de sentença se os danos futuros já forem efectivamente previsíveis, embora não ainda determináveis.

Como expende Galvão Telles (Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e Actualizada, pág. 394) no cálculo da indemnização devem entrar também os danos futuros, desde que sejam certos e seja possível determinar desde logo o seu quantitativo, remetendo-se aquela determinação para ulterior decisão se não existir esta possibilidade. Ou seja, os danos futuros (que tanto podem ser danos emergentes como lucros cessantes - ut Pires de Lima e Antunes Varela, anotado, I, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 580) têm de ser já certos, não podendo ser meramente hipotéticos. Se forem certos e o seu quantitativo já estiver determinado, a condenação no seu ressarcimento é proferida logo na sentença. A liquidação será relegada para execução de sentença apenas se já se tiver a certeza jurídica da produção de danos no futuro mas o seu montante não puder ainda ser determinado, por haver falta de elementos ou necessidade de os já reunidos serem objecto de aclaração ou de concretização de pormenores.

Ora, não se provou que do comportamento da ré advirão para a autor danos futuros, danos estes que a autora nem sequer articulou convenientemente.

O dano (ou prejuízo) consiste em sofrer um sacrifício, sendo patrimonial se tiver conteúdo económico, e não patrimonial ou moral se o não tiver.

Mas na peça inicial a autora apenas traça um quadro meramente hipotético, ao alegar que com o comportamento da ré pode ser lesada em várias dezenas de milhares de contos (artº 30º), pode não lhe ser possível cumprir os compromissos já assumidos, com custos do projecto, encomendas e fornecedores (artº 32º), o que pode conduzir à sua falência (artº 33º), causando-lhe o comportamento da ré, ou podendo causar-lhe graves prejuízos (artº 34º), desconhecendo quais os danos que se vão ou não verificar (artº 36º).

A matéria de facto provada não permite formular com segurança um juízo de que, por causa do comportamento da ré, a autora vai ter futuramente um prejuízo, que a própria autora, como se disse, colocou no seu articulado como mera hipótese, admitindo que se possa verificar, mas também que não venha a acontecer.

Amâncio Ferreira (Curso de Processo de Execução, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 96) refere que uma obrigação é ilíquida, para efeitos de execução, quando o seu quantitativo não se encontra ainda determinado ou o seu objecto é uma universalidade, face ao disposto nos artºs 471º e 805º do CC.

E inexistindo no caso sub judice a certeza de que virá a produzir-se futuramente um dano, não se pode configurar a obrigação de indemnizar, não se enquadrando o caso vertente, portanto, em nenhuma das duas aludidas situações.

Ao invés do que pretende a recorrente, não se trata de deixar para liquidação em execução de sentença a determinação dos concretos tipos de dano (que denomina de objecto) e seu correspondente valor (que chama de quantidade).

Importa aquilatar, a montante, se há a certeza jurídica de que sobrevirão à autora danos futuros, e a resposta a essa questão é negativa.

Não é em sede de execução de sentença que se pode fazer a demonstração da existência de um dano futuro que na acção declarativa se não conseguiu provar. Não se pode relegar a demonstração do dano para liquidação em execução de sentença. Essa demonstração tem de ser feita na acção declarativa. A liquidação em execução de sentença constitui uma fase declarativa excepcional, destinada unicamente a, por falta de elementos, fixar o objecto da obrigação (v.g. alguém reclama um rebanho e logra ver o seu direito judicialmente reconhecido, desconhecendo-se porém quais os animais que compõem a respectiva universalidade, devendo por isso a fixação da obrigação de entrega do rebanho ser relegada para execução de sentença), ou a sua quantidade (v.g. a obrigação já judicialmente reconhecida de indemnizar o lesado pela prática de um facto ilícito, não sendo ainda possível determinar as suas consequências, havendo por isso necessidade de concretizar o quantum indemnizatur em sede de liquidação em execução de sentença).

Tudo visto e ponderado, acordam em negar a revista, remetendo, com estas breves considerações, para a fundamentação do acórdão recorrido, nos termos dos artºs 713º, nº 5 e 726º do CPC, condenando a recorrente nas custas.


Lisboa, 7 de Dezembro de 2005
Faria Antunes,
Moreira Alves,
Alves Velho.