Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
317/04.5TBVIS-C.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: ATENDIBILIDADE DOS FACTOS SUPERVENIENTES
ACÇÃO EXECUTIVA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
REQUISITOS DO REQUERIMENTO
GARANTIA REAL
HIPOTECA VOLUNTÁRIA GENÉRICA
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO - SENTENÇA - PROCESSO DE EXECUÇÃO - CONCURSO DE CREDORES (RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS)
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 693.º, N.º2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 663.º, N.º1, 865.º
Sumário :

1. A norma constante do art. 663º, nº1, só permite a consideração de factos supervenientes até ao momento do encerramento da discussão e julgamento da causa, ou seja, perante a 1ª instância, não sendo possível vir invocar, em recurso de revista, a ocorrência de factos novos, posteriores à prolação da decisão da 1ª instância, por ser no momento do encerramento da discussão da causa que ocorre a irremediável e definitiva cristalização e estabilização da base factual do litígio .

2.No requerimento de reclamação de créditos em acção executiva recai sobre o credor reclamante o ónus de definir e concretizar cada uma das relações creditórias, providas de garantia real, que invoca, especificando, nomeadamente, relativamente a cada uma delas, os montantes do capital e acessórios que considera abrangidos por tal garantia real, emergente de hipoteca.

3. A circunstância de a garantia real invocada decorrer de uma «hipoteca genérica», abrangendo uma multiplicidade de relações jurídicas, presentes e futuras, não pode conduzir à prolação de uma sentença de verificação e graduação de créditos genérica, que deixe de concretizar e definir, relativamente a cada relação creditória autónoma reclamada, o exacto montante de cada um desses créditos - e respectivos acessórios - que está provido de garantia real – deixando para momento ulterior a definição desses valores, de modo a permitir ao credor , no caso de extinção superveniente de parte dos créditos reclamados, a aplicação indistinta dos valores pecuniários mencionados no registo predial aos empréstimos que subsistissem na data do pagamento executivo.
Decisão Texto Integral:
    Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


    1. Em apenso à acção executiva em que figura como executada AA Lda, foi deduzida pela CGD reclamação de créditos providos de garantia real, invocando, para tal, as obrigações emergentes de três contratos de empréstimo, respectivamente sob a forma de mútuo, de garantia bancária autónoma e de desconto de livrança, celebrados com a executada e garantidos pela hipoteca genérica sobre determinado prédio , documentada pela escritura junta, reclamando-se, a final, o pagamento do montante de €76.191,38, constante do registo, valor esse a aplicar indistintamente em qualquer um dos empréstimos especificados pela entidade reclamante.

    Foi proferida sentença graduando os créditos reclamados, entre eles o reclamado pelo credor hipotecário CGD na parte em que foi reconhecido, nos seguintes termos:

    “desse crédito […] apenas reconheço, com o limite de 26.311,59€ quanto aos acessórios do crédito peticionado a título de capital, as seguintes parcelas:

    a) quanto ao empréstimo nº PT00000000000000:

    capital: 27.070,04€
    juros de 08/08/2004 a 08/08/2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 195€

    b) quanto ao empréstimo nº PT00000000000000:

    capital: 14.243,22€
    juros de 19/11/2004 a 19/11/2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 29 despesas: 9.98€

    c) quanto ao empréstimo nº PT000000000000000:

    capital: 8.566,53€
    juros de 24/06/2004 a 24/06/2007 (em montante a liquidar)
    imposto: 106,32€

    A CGD veio requerer a rectificação da sentença e a sua reforma quanto a custas , sustentando, por um lado, que não existiria fundamento para restringir proporcionalmente o capital em cada um dos empréstimos, em termos estanques, como o fez a sentença reclamada; e, por outro lado, porque as quantias reconhecidas na sentença corresponderiam inteiramente às quantias que peticionou, não tendo, por isso, ocorrido decaimento.

    Por despacho ulteriormente proferido, determinou-se - com vista a explicitar e quantificar o decaimento do credor reclamante /CGD – que se procedesse ao cômputo dos juros vencidos nos períodos assinalados na sentença, facultando-se às partes o exercício do contraditório em relação a tal cálculo.

    Efectuado o dito cômputo, dele foram notificadas as partes; vindo então a CGD pedir a revogação deste último despacho, pôr em causa o cômputo efectuado, pedir a prolação de decisão em relação ao pedido de aclaração anteriormente formulado; e, para o caso de ser desatendida a sua primeira pretensão, desde logo interpôs recurso de agravo do dito despacho

    Foi proferido despacho sobre os dois requerimentos da CGD, nos seguintes termos:

    Na reclamação que apresentou, pediu a CGD, a final, “o pagamento do montante de 76.191,38€ nos termos constantes do registo correspondente ao montante máximo de hipoteca registada a favor da CGD […], valor esse a aplicar indistintamente em qualquer um dos empréstimos” identificados na reclamação de créditos.
    Nessa reclamação vêm identificados 3 empréstimos, correspondentes, cada um deles, à soma de capital, juros, imposto, comissões e/ou despesas, que excedem em muito a quantia mencionada no registo.
    No registo, encontra-se previsto um montante máximo de capital e acessórios garantidos por hipoteca.
    Assim, “para garantia das obrigações pecuniárias assumidas ou a assumir decorrentes de quaisquer operações bancárias, nomeadamente mútuos, aberturas de crédito de qualquer natureza, descobertos em contas à ordem, letras, livranças, cheques, extractos de factura, warrantes, garantias bancárias, fianças, avales e empréstimos obrigacionistas até ao montante de 10.000.000$ - juro anual de 12,25%, elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal - Despesas: 400.000$, ascendendo o montante máximo assegurado a 15.275.000$00, encontra-se registada, com data de 11/10/2000, hipoteca voluntária a incidir sobre o imóvel referido na sentença, a favor do BNU, SA, ao qual sucedeu a CGD, SA.

    Verifica-se assim que apenas são atendíveis a quantia global de 49.879,79€ a título de capital, a quantia global de 24.316,40€ a título de juros de mora, a quantia de 1995,19€ a título de despesas.
    Caso se deferisse, tal como foi pedido pela CGD, “o pagamento do montante de 76.191,38€ nos termos constantes do registo correspondente ao montante máximo de hipoteca registada a favor da CGD, valor esse a aplicar indistintamente em qualquer um dos empréstimos identificados na reclamação de créditos”, tal permitiria, por exemplo, aplicando “indistintamente” esse valor no empréstimo nº PT000000000000, que a CGD recebesse em relação ao mesmo a quantia peticionada de 47.401,57€ a título de capital e 28.789,81€ a título de juros, o que violaria o limite máximo de juros garantido por hipoteca e a função constitutiva do registo da hipoteca.
    Ora, não é possível o pagamento do montante de 76.191,38€ correspondente ao montante máximo de hipoteca registada a favor da CGD aplicando esse valor indistintamente em qualquer um dos empréstimos identificados na reclamação de créditos, pois que não é possível atingir em qualquer deles o montante máximo de acessórios constante do registo no período de 3 anos em que é possível computar juros de mora.
    Por forma a respeitar a função constitutiva do registo em relação à garantias hipotecária e na falta de indicação de outro critério atendível, optou-se na sentença por calcular, proporcionalmente, a fracção de capital de cada um dos empréstimos invocados que pode ser atendida até atingir, por soma, aquele montante máximo mencionado no registo, já que nenhum dos empréstimos individualmente considerado esgota o montante máximo de capital atendível.
    Por outro lado, estipulou-se que os juros a considerar seriam os respeitantes aos períodos assinalados na sentença, sem exceder 3 anos e o montante máximo constante do registo, “em montante a liquidar”.
    Finalmente condenou-se o credor CGD nas custas devidas na proporção do respectivo decaimento.
    Antes de apreciar o pedido de aclaração formulado pela CGD, ordenou-se o cômputo dos juros mencionados na sentença, em relação aos quais se mencionou “em montante a liquidar”, na medida em que tal cômputo é necessário para explicitar o decaimento mencionado na sentença em sede de custas.
    O cômputo efectuado respeita o ordenado, pois que, para os efeitos assinalados, não interessa o cômputo dos juros vincendos a que o credor hipotecário faz referência no requerimento que antecede.
    Na verdade, a sentença apenas respeita a juros vencidos, sendo certo que o despacho que ordenou a realização do cômputo apenas visa essas juros.
    Tendo reclamado a quantia de 76.191,38€ e tendo sido considerado na sentença o montante máximo de capital atendível, o decaimento da credora CGD corresponderá, pois, à diferença entre o montante máximo de juros abrangidos pelo registo e o montante de juros “a liquidar” mencionado na sentença.
    De facto, de acordo com o decidido na sentença e o cômputo efectuado, o credor reclamante poderá receber o montante máximo de capital garantido por hipoteca e apenas o montante de 24.044,05€ de juros, o que somado ao capital e restantes acessórios reconhecidos, ascende ao montante global de 74.264,14€, quantia essa inferior à reclamada (76.191,38€) pelo que verificado e quantificado está o decaimento desse credor reclamante.


    Do que atrás ficou exposto resulta o esclarecimento da metodologia adoptada na sentença, a qual teve por objectivo a estrita observância da função constitutiva do registo da hipoteca que poderia ser contornada e, até, violada pela eventual procedência do pedido em apreço nos precisos moldes em que foi formulado pela CGD (como acima foi exemplificado).
    Por outro lado, constituindo o cômputo dos juros “em montante a liquidar” o complemento da sentença cujo esclarecimento foi pedido, não existe qualquer fundamento para revogar o despacho que ordenou a realização desse cômputo antes de prestado o esclarecimento em causa.
    Finalmente, resulta claramente da sentença e do seu complemento (o dito “cômputo”) que a credora CGD decaiu no pedido formulado pois que, com a limitação de capital e acessórios constante do registo e a limitação temporal aplicável aos juros de mora, a CGD não consegue receber, em qualquer uma das hipóteses de cálculo possíveis, a quantia máxima de 76.191.38€ que reclamou, correspondente à soma do montante máximo de capital e acessórios garantido por registo.
    Pelo exposto e prestados os esclarecimentos que antecede, indefiro o pedido de reforma da sentença formulado a fls. 106-107, tal como indefiro o pedido de revogação do despacho que determinou o cômputo dos juros e o pedido de revogação do cálculo efectuado.
    […]

    E , tendo ainda em vista o recurso condicional interposto pela CGD, decidiu-se:

    Tendo sido interposto condicional recurso do despacho que determinou o cômputo dos juros, verifica-se que o mesmo não é admissível por falta de sucumbência.
    De facto, o prejuízo que do mesmo advém para o reclamante corresponde ao decaimento anunciado nesse despacho e que se quantifica em 272,35€, correspondente à diferença entre a quantia de 24.316,40€ (montante máximo de juros de mora garantidos por hipoteca, em função do registo) e o montante liquidado (24.044,05€).
    Sendo esse o valor da sucumbência, não é admissível a interposição de recurso à luz do disposto no art. 678/1 do CPC na anterior redacção.
    […]
    *

    Inconformada com o decidido, veio a CGD recorrer daquela sentença, complementada por esta última decisão, pedindo a sua revogação e substituição por decisão que verifique e gradue o crédito da aqui reclamante/recorrente no montante global de 76.191,38€, sendo 49.879,79€ em capital, e respectivos juros, no montante de 26.311,59€, relativos a três anos e despesas, a aplicar indistintamente em qualquer dos empréstimos reclamados, nos termos do respectivo registo predial, eliminando-se a condenação da Recorrente nas correspondentes custas, por não ter havido qualquer decaimento ou decisão desfavorável.

    A Relação, porém, negou provimento à apelação, afirmando, nomeadamente, quanto à questão fundamental a decidir:

    A recorrente entende que pode aplicar, como quiser, os valores a receber, indistintamente em qualquer dos empréstimos. Invoca para isso, o disposto no art. 784 do CC.

    Mas a sentença (na decisão que a complementou) explicou, concretizando, que a aplicação indistinta poderia levar a que fossem pagos mais juros do que os garantidos legalmente, e a recorrente nada retorquiu.

    Por outro lado, o art. 784 do CC não legitima a pretensão da recorrente. Depois de o art. 783/1 do CC prever que se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha (embora com restrições) designar as dívidas a que o cumprimento se refere, o nº. 1 do art. 784 prevê diversas regras supletivas para o caso de o devedor não fazer essa designação. Regras supletivas entre as quais não existe nenhuma que dê ao credor o direito invocado pela CGD.

    É certo que se poderia dizer que talvez fosse de aplicar alguma dessas regras supletivas (por exemplo: imputação na dívida mais onerosa para o devedor…) e não a regra aplicada pela sentença, mas nenhuma delas vai no sentido pretendido pela CGD (a única recorrente).

    Por outro lado, a sentença até faz a aplicação de uma regra que está prevista no mesmo artigo, agora no seu nº. 2 -: não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763 -, e que no caso tem todo o sentido, face à razão invocada pela sentença. É que, de outro, como diz a sentença recorrida, tal poderia levar ao pagamento (e por essa via ao reconhecimento) de juros para além do limite legal invocado.

    Por fim, a sentença não poderia deixar indeterminado o montante de cada parcela do crédito reclamado, que ao fim e ao cabo até correspondem a dívidas diferentes, com condições diferentes e com datas de entrada em mora diferentes.

    Pois que uma sentença do incidente de reclamação de créditos destina-se a verificar, reconhecendo, os créditos, e a graduá-los (art. 868/1 do CPC) entre si, tendo que ser preciso o montante de cada um.

    2. Novamente inconformada, interpôs a reclamante CGD a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

    A) A aqui Recorrente alegou no seu requerimento de reclamação de créditos, tempestivamente, autuado nos autos em epígrafe, que era credora da Executada no "montante
    global de 135,465,43€, reportado à data de 25.11.2008" (sic, art° 12° do requerimento de reclamação de créditos de fls.), decorrentes dos empréstimos n°s "PT0000000000000000",
    "PT0000000000000 e "PT000000000000000".
    Porém,
    B)No mesmo requerimento de reclamação de créditos, e mais concretamente no seu art° 13° "...a aqui Reclamante apenas reclama o pagamento do montante de 76.191,386 (esc. 15.275.000$00), nos termos constantes do registo, correspondente ao montante máximo da hipoteca registada a favor da Caixa, sem que tal corresponda a perdão ou renúncia do remanescente em dívida, valor esse a aplicar indistintamente em qualquer um dos empréstimos supra referenciados"'(sic).
    C)0 crédito reclamado pela aqui Recorrente encontra-se garantido por "...hipoteca genérica até ao montante em capital de 49.879,796 (esc. 10.000.000$00), acrescido dos juros e despesas nos termos constantes do registo, até ao montante máximo de 76.191,386 (esc. 15.275.000$'00) constituída sobre a fracção "K"... do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mangualde sob o n"0000000000, freguesia de Mangualde, inscrito na matriz com o art° 5.306°..."(sic, art° 5º do requerimento de reclamação de créditos), fracção esta penhorada nestes autos pela Ap.00 de 2008.09.01.
    D)Da douta sentença de verificação e graduação de créditos, e a fls., consta que "acendendo ao preceituado no n° 4 do art° 868° do CPC, cumpre reconhecer os créditos ora reclamados, com excepção ... da parte do crédito da CGD, SA que exceda os limites da garantia registada
    Assim sendo, face aos montantes máximos abrangidos pelo registo e à restrição temporal relativa aos juros atendíveis, apenas podem ser considerados:
    a)quanto ao empréstimo n° PT000000000000:
    capital: 27.070.04€
    juros de 08-08-2004 a 08-08-2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 195€
    b)quanto ao empréstimo n° 00000000000:
    capital: 14.243.22€
    juros de 19-11-2004 a 19-11-2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 29€
    despesas: 9.98€
    enquanto ao empréstimo n° PT0000000000000:
    capital: 8.566,53€
    juros de 24-06-2004 a 24-06-2007 (em montante a liquidar)
    imposto: I06,32€
    Pelo exposto, reconheço os créditos ora reclamados, com excepção ... da parte do crédito da CGD, SA que exceda os limites da garantia hipotecária registada, pelo que, desse crédito hipotecário da credora CGD, apenas reconheço, com o limite de 26.311,59€ quanto aos acessórios do crédito peticionado a título de capital, as seguintes parcelas:
    a)quanto ao empréstimo n° PT00000000000000:
    capital: 27.070.04€
    juros de 08-08-2004 a 08-08-2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 195€
    b) quanto ao empréstimo n° PT0000000000000000:
    capital: 14.243,22€
    juros de 19-11-2004 a 19-11-2007 (em montante a liquidar)
    comissões: 29€
    despesas: 9.98€
    c)guanto ao empréstimo n° PT000000000000000:
    capital: 8.566.53C
    juros de 24-06-2004 a 24-06-2007 (em montante a liquidar)
    imposto: 106,32€
    Mais condeno o credor hipotecário reclamante... no pagamento das custas devidas na proporção dos respectivos decaimentos..." (sic).
    E) Por requerimento de fls. , a aqui Recorrente requereu a aclaração da douta sentença de verificação e graduação de créditos agora sob sindicância, que foi indeferido por decisão de 20.11.2009 com "Custas pelo recorrente" (sic).
    F)Por requerimento autuado em 03.01.2011 (que se junta e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos) a aqui Recorrente confessou nos autos que, "A aqui Credora Reclamante deduziu reclamação de créditos nestes autos, peticionando o pagamento da divida decorrentes dos empréstimos/operações n °s PT000000000000000, PT00000000000000 e PT00000000000000, garantido por hipoteca sobre o imóvel penhorado, tudo conforme melhor se encontra documentado neste apenso.
    Sucede que em data posterior, a aqui Credora viu a totalidade dos seus créditos, decorrentes das operações n°s PT000000000000000 e PT00000000000000, liquidados pelo produto da venda doutro imóvel hipotecado.
    Consequentemente, e dos três empréstimos reclamados, apenas se encontram em dívida os montantes decorrentes do empréstimo n° PT0000000000000, nos termos melhor constantes do requerimento de reclamação de créditos, oportunamente, deduzido.
    Requer-se, assim, a extinção da presente instância (de reclamação de créditos), apenas no que aos créditos reclamados decorrentes dos empréstimos n°s PT000000000000 e PT000000000000 diz respeito, por inutilidade superveniente da lide, com custas a cargo da Executada por a elas ter dado causa.

    A aqui Requerente interpôs recurso da douta sentença de verificação e graduação de créditos, por discordância com a graduação que a mesma efectuou do crédito por si reclamado.
    O supra peticionado é questão relevante -prejudicial - em relação ao objecto do recurso interposto da douta sentença de verificação e graduação de créditos.
    Efectivamente, a decisão que venha a ser proferida sobre a pretensão supra deduzida ... será relevante para a decisão que vier a ser proferida no recurso interposto da douta sentença de verificação e graduação de créditos.

    Assim, requer-se a V. Ex* se digne deferir o supra peticionado no art° ..., e comunicar, de imediato e em conformidade à instância que, nesta data, se encontra a apreciar o objecto de recurso ".
    G)Assim, em data posterior à data da dedução do requerimento de reclamação de créditos, a aqui Recorrente viu a totalidade dos créditos por si reclamado, e referente aos empréstimos n°s PT00000000000000 e PT0000000000000 serem liquidados, pelo produto da venda doutro imóvel hipotecado à aqui Recorrente;
    H)A factualidade acabada de expor, é ulterior à data em que foi proferida a sentença de verificação e graduação de créditos que se encontra sob recurso, não tendo, por esse motivo, a sentença Recorrida levado em consideração os factos expostos;
    I)A apreciação da nova factualidade exposta, decorrente da confissão expressa da aqui Recorrente, não apreciada pelas decisões da .primeira nem segunda instâncias em virtude de constituírem factos supervenientes, é relevante para a apreciação da decisão sob recurso, e notoriamente questão prejudicial, em relação à decisão que este Supremo Tribunal de Justiça venha no âmbito deste recurso;
    J)Em concreto, ao circunscrever-se, nesta data, a dívida exequenda ao empréstimo n° PT000000000000000, encontra-se prejudicado o cerne da decisão que originou o presente recurso, qual seja, a repartição proporcional, de modo estanque e inalterável, dos montantes que venham a ser pagos à aqui Recorrente/Exequente, ao capital de cada empréstimo reclamado;
    De facto,
    L)Resulta do competente registo predial que a hipoteca genérica, que garante o crédito reclamado pela aqui Recorrente, garante o montante de 49.879,79€ em capital e, entre outros, juros de três anos à taxa de "12,25%, elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal", tudo no montante máximo de 76.191,38€;

    Por sua vez,
    M)No que tange ao empréstimo n° PT00000000000000, a aqui Recorrente reclamou, a título de capital, o montante de 47.401,57€, encontrando-se tal montante totalmente incluído e abrangido no valor garantido pela referida hipoteca a título de capital,

    N)Acresce que, a aqui Recorrente ao limitar a sua reclamação de créditos ao montante de 76.I9I,38€ (montante máximo garantido pela hipoteca em menção), limitou os juros reclamados (daquele empréstimo n° PT00000000000000) aos três anos, previstos no art° 693° do Código Civil;
    Assim,
    0)a totalidade dos montantes peticionados (a título de capital e juros de três anos) e atinentes ao referido empréstimo n° PT000000000000000, encontra-se abrangida e incluída na garantia hipotecária invocada;
    P)Ora, nos termos do art° 663°, n° 1 do Código Processo Civil, "deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão";
    Q)Assim, deverá ser reconhecido que o crédito reclamado pela aqui Recorrente, e referente ao empréstimo n° n° PT000000000000 único actualmente em dívida, se encontra integralmente garantido, no que tange ao capital reclamado de 47.401,57€ e respectivos juros vencidos referentes a três anos, por hipoteca sobre a fracção penhorada, graduando-o em conformidade;
    R)Por sua vez, dispõe o art° 729°, n°s 2 e 3 do mesmo diploma que "a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada e "o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito..." (sic, negrito nosso);
    S)Assim, e na eventualidade de se entender não ser admissível a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão do Tribunal Recorrido quanto à matéria de facto apurada, ou levar em consideração, de imediato, a nova factualidade exposta, dever-se-á, ao abrigo das normas invocadas, decidir pelo retorno do processo ao Tribunal Recorrido para ampliação da matéria de facto dada como provada, em face da factualidade superveniente invocada, para posterior decisão em conformidade com a factualidade a ampliar;
    Sem prescindir,
    U)Resulta do competente registo predial que a hipoteca genérica (inscrita pela Ap. 14 de 2000/10/II) que garante o crédito reclamado pela aqui Recorrente, e que foi invocada no respectivo requerimento de reclamação de créditos, garante o montante de "10.000.000,00 Escudos" em "CAPITAL", "400.000S00" em "Despesas", e juros de três anos à taxa de "12,25%, elevável em mais 4% em caso de mora a título de cláusula penal", tudo no montante máximo de "15.275.000,00 Escudos", ou seja, 76.191,38€.
    Assim,
    V)A aqui Recorrente apesar do seu crédito global sobre a Executada se cifrar, à data de 25.11.2008, no valor global de 135.465,43€, limitou o crédito reclamado ao montante de 76.I9I,38€ de modo, ao mesmo se conter dentro do valor garantido pela hipoteca invocada.
    Ora,
    X)A douta sentença de graduação de créditos, bem como a douta decisão de não reforma/rectificação do pedido de aclaração, reconheceram à aqui Reclamante, e para pagamento pelo produto da fracção penhorada, o crédito no montante de 49.879,79€ a título de capital e ainda o montante de 26.311,59€ a título de juros, ou seja, o montante global de 76.191.386.
    Z)Consequentemente, a douta sentença sob sindicância reconheceu à aqui Recorrente créditos nos exactos termos e limites com que foram peticionados no requerimento de reclamação de créditos, verificando-se, assim, que existe coincidência entre os valores que a aqui Recorrente peticionou para pagamento nestes autos, e os valores que a sentença recorrida aceita que venham a ser pagos à aqui Apelante, pelo produto da venda da fracção penhorada.
    AA) Deste modo, mal esteve a douta sentença de graduação de créditos ao reconhecer e graduar o crédito da aqui Recorrente, apenas "na parte em que foi reconhecido", com condenação nas "custas devidas na proporção dos respectivos decaimentos .
    BB) Sucede que a aqui Recorrente também peticionou que o valor que viesse a receber do produto da venda da fracção penhorada, e hipotecada à aqui Recorrente, fosse "a aplicar indistintamente em qualquer dos empréstimos" reclamados.

    CC) Consequentemente, entende a aqui Recorrente que mal esteve a douta sentença recorrida ao restringir o pagamento à aqui Recorrente (pelo produto da venda da fracção penhorada) a título de capital, nos termos supra expostos.
    De facto,
    DD) Não se compreende o critério da proporcionalidade usado na douta sentença de verificação e graduação de créditos, na sequência da qual se limitou, de modo estanque e inalterável, a imputabilidade dos montantes que venham a ser pagos, ao capital de cada empréstimo.
    EE) A pretensão da aqui Recorrente de aplicar os valores a receber, indistinta: qualquer dos empréstimos reclamados é legítima e legalmente admissível, nos termos do art° 784° do Código Civil.
    FF) Desde que não se ultrapassem os limites impostos pelo registo predial e garantidos pela invocada hipoteca, nomeadamente, o montante de 49.879,79€ a título de capital, despesas e respectivos juros com o limite de três anos, é legítima a aplicação indistinta em qualquer dos empréstimos reclamados, dos montantes que a aqui Recorrente venha a receber pelo produto da venda da fracção penhorada.
    Aliás,
    GG) A restrição no pagamento, em capital, em cada um dos empréstimos, eventualmente, a efectuar nos termos constantes da douta sentença recorrida, prejudica, os direitos de crédito da aqui Recorrente.
    Efectivamente,
    HH) Admitindo-se, que a liquidação, fora do âmbito destes autos de execução, dos empréstimos reclamados n°s PT0000000000000 e PT0000000000000, como aliás sucedeu nos termos constantes do requerimento que se junta às presentes alegações, mesmo que a fracção penhorada seja vendida por valor superior, nos termos constantes da douta sentença sob recurso a aqui Recorrente apenas poderia receber/ser paga, em capital, o valor de 27.070,046, reconhecido no outro empréstimo n° PT000000000000000, quando a sua garantia real lhe permitiria receber até ao montante de 49.879,79€ em capital.
    II) Consequentemente, mal esteve a douta sentença sob recurso ao limitar o pagamento, em capital, em cada um dos empréstimos reclamados, nos termos constantes da mesma,

    devendo, pelo contrário, restringir o pagamento em capital ao montante de 49.879,796 (conforme reclamado/peticionado pela aqui Recorrente), mas a aplicar indistintamente em qualquer dos empréstimos reclamados.
    Por último,
    JJ) Ao pretender a aqui Recorrente que a douta, sentença de verificação e graduação de créditos seja revogada nos termos supra expostos, também pretende que a mesma seja revogada nas custas a que condenou a aqui Recorrente.
    LL) Dado que a douta decisão datada de 20.11.2009, faz parte integrante da douta sentença de verificação e graduação de créditos (nos termos do n° 2 do art° 670° do Código Processo Civil), requer-se também a sua integral revogação.
    Termos em que nos melhores de direito e sempre com mui douto suprimento de V.s Exas requer-se: se dignem:
    Requer-se, assim, a V.s Exas se dignem:
    a)Revogar a decisão recorrida, reconhecendo que o crédito reclamado pela aqui Recorrente, e referente ao empréstimo n° n° PT00000000000000, único actualmente em dívida, se encontra integralmente garantido, no que tange ao capital reclamado de 47.401,576 e respectivos juros vencidos referentes a três anos, por hipoteca sobre a fracção penhorada, graduando-o em conformidade;
    na eventualidade de se entender não ser admissível a este Supremo Tribunal de Justiça alterar a decisão do Tribunal Recorrido quanto à matéria de facto apurada, ou levar em consideração, de imediato, a nova factualidade exposta,
    b)Ordenar a remessa dos presentes autos de recurso ao Tribunal Recorrido de modo a ser ampliada a matéria de facto dada como provada, em face da factualidade superveniente invocada, para posterior decisão em conformidade com a factualidade a ampliar;
    ou, subsidiariamente,
    c)Revogar as decisões sob recurso (douta sentença de verificação e graduação de créditos e respectiva reforma/aclaração), substituindo-as por douta decisão que verifique e gradue o crédito da aqui Reclamante/Recorrente no montante global de 76.191,386, sendo 49.879,796 em capital, e respectivos juros no montante de 26.311,596 relativos a três anos e despesas, a aplicar indistintamente em qualquer dos empréstimos reclamados, tudo nos termos do respectivo registo predial, e elimine a condenação da aqui Recorrente nas correspondentes custas por não ter havido qualquer decaimento ou decisão desfavorável.
    assim se fazendo justiça.

    3. Importa, antes do mais, definir com rigor e precisão as questões jurídicas fundamentalmente controvertidas na presente revista: na verdade, analisada a argumentação da recorrente, verifica-se que aparecem entrecruzadas duas questões perfeitamente diferenciadas e autónomas.

    A primeira delas, tem a ver com a temática, situada no plano claramente adjectivo ou procedimental, da atendibilidade de factos jurídicos supervenientes, obrigando naturalmente a convocar a norma constante do art. 663º do CPC: na verdade, alega a entidade recorrente que, em data ulterior à prolação da sentença de graduação, teria ocorrido factualidade relevante, consubstanciada em dois dos créditos, garantidos pela hipoteca e reclamados nos autos, terem sido satisfeitos pelo produto da venda de um outro imóvel, mostrando-se consequentemente extintos, e pretendendo-se que tal factualidade nova e superveniente ditasse uma substancial reformulação do conteúdo da sentença proferida, substituindo a repartição ou rateio proporcional e estanque do montante do capital, constante do registo, pelos 3 créditos reclamados pela sua afectação em exclusividade ao único crédito que subsistia, nesse momento, por liquidar.

    É, porém, manifesta a inviabilidade de tal pretensão, já que a norma constante do art. 663º, nº1, só permite a consideração de factos supervenientes ( no caso, a extinção de dois dos créditos reclamados) até ao momento do encerramento da discussão e julgamento da causa, ou seja, perante a 1ª instância : não é, deste modo, obviamente possível vir invocar, num recurso de revista, a ocorrência de factos novos, posteriores à prolação da decisão da 1ª instância, por ser no momento do encerramento da discussão da causa que ocorre, como se referiu, a irremediável e definitiva cristalização e estabilização da base factual do litígio – não sendo admissível vir invocar, em instância de recurso, – que não visa naturalmente suscitar e apreciar «questões novas», mas tão somente verificar se a sentença recorrida dirimiu certeiramente a lide, com base nos factos processualmente adquiridos e que, nesse momento, lhe era lícito conhecer – factualidade nova e superveniente que o nº1 do referido art. 663º obsta a que possa ter-se por processualmente adquirida no âmbito da acção.

    Não tem, pois, fundamento – face às regras processuais em vigor - pretender que a sentença de graduação de créditos possa ser sucessivamente refeita , com base na invocação pelas partes de factos novos e supervenientes, relativamente ao momento em que foi proferida : aliás, se tais factos novos forem apenas a extinção pelo pagamento de determinado crédito, oportunamente reclamado, tal facto extintivo será naturalmente tido em conta, sem necessidade de específica verificação jurisdicional, bastando à parte interessada em invocar a extinção da obrigação documentar o pagamento, inclusive na fase tipicamente executiva, nos termos do art. 814º, al. g) , do CPC – mas sem que tal possibilite qualquer alteração do conteúdo decisório da sentença, no segmento respeitante aos créditos ( não extintos), nos precisos termos em que nela foram reconhecidos e graduados.

    Por outro lado, não faz sentido, neste peculiar circunstancialismo, invocar a possibilidade que é dada ao STJ pela norma constante do art. 729º do CPC : é que, como é pacífico, a possibilidade de determinar a ampliação pelas instâncias da base factual do litígio pressupõe que estas não tomaram em consideração factos processualmente adquiridos, que podiam e deviam ter sido considerados na sentença –não podendo obviamente tal faculdade ser utilizada como meio para fazer introduzir no processo factos que a parte interessada não alegou tempestivamente ou que – como acontece na situação dos autos – o nº1 do art. 663º exclui que possam ser tomados em conta na concreta solução do litígio, face aos princípios que vigoram quanto aos chamados «limites temporais» da sentença e do caso julgado.

    4. Deste modo, a única questão que realmente importa ponderar no presente recurso de revista é a que se traduz em saber se a sentença de graduação de créditos se mostra correctamente proferida, face ao quadro jurídico e factual que lhe era lícito ter em consideração, no exacto momento da respectiva prolação, isto é, com respeito pelo regime definido pelo nº1 do art. 663º do CPC.

    Ora, o núcleo essencial da controvérsia pode definir-se nos traços seguintes:

    - a CGD, na qualidade de credora hipotecária, reclamou na execução pendente 3 créditos contra a empresa executada, resultantes de relações jurídicas perfeitamente diferenciadas e autónomas ( mútuo, garantia bancária autónoma e desconto de livrança);
    - tais relações creditórias estavam providas de garantia real em consequência da escritura de constituição de hipoteca sobre determinado imóvel , a qual abrangia, em termos genéricos, toda uma multiplicidade de obrigações pecuniárias, já então assumidas pelas partes, ou decorrentes inclusivamente de relações futuras;
    - pressupondo, como é óbvio, a reclamação de créditos, nos termos do art. 865º do CPC, que se trate de relação obrigacional provida de garantia real, a mesma só era naturalmente admissível dentro dos limites quantitativos definidos no registo predial, quanto ao capital, juros e despesas, a que acrescia, quanto aos acessórios do crédito, o limite temporal de 3 anos, imperativamente imposto pelo nº2 do art. 693º do CC;
    - porque o montante global dos créditos reclamados ultrapassava manifestamente o valor máximo da garantia real, emergente da hipoteca, a sentença de graduação procedeu a um rateio, reduzindo proporcionalmente tais valores , de modo a que os mesmos se incluíssem no âmbito da cobertura hipotecária, incluindo o necessário respeito pelo limite temporal de 3 anos , vigente quanto aos juros;
    - é precisamente contra esta operação de rateio que se insurge a entidade recorrente, sustentando que – em conformidade com o que peticionara – o valor máximo constante do registo deveria poder ser aplicado indistintamente em qualquer um dos 3 empréstimos especificados : o objectivo prosseguido pela CGD era salvaguardar a hipótese de, até ao pagamento executivo, ocorrer – como efectivamente ocorreu – liquidação extraprocessual de algum ou alguns de tais empréstimos, podendo, nesse caso, o valor máximo constante do registo de hipoteca ser integralmente adjudicado ao empréstimo que subsistisse em dívida.

    Será tal pretensão compatível com a fisionomia do procedimento de reclamação e graduação de créditos?

    Note-se que, em bom rigor, esta questão não tem nada a ver com a problemática da imputação do cumprimento, regulada nos arts. 783º e 784º do CC: é que não estamos confrontados com a designação da dívida a que, em consequência de pagamento, deve ser imputado o cumprimento – mas antes com a questão de saber se uma sentença de verificação e graduação de créditos autónomos, providos de garantia real, reclamados pelo credor, poderá ou deverá abster-se de quantificar exactamente cada um desses créditos reclamados, tratando antes de os «unificar» através da mera especificação global, por referência a um valor pecuniário máximo, constante do registo de «hipoteca genérica», cuja escritura de constituição abarcava múltiplas relações, inclusivamente a constituição de obrigações futuras.

    O que, em bom rigor, pretende alcançar a CGD com a pretensão que formulou de aplicação indistinta do produto da venda do imóvel penhorado a qualquer dos créditos reclamados, cujos montantes individualizados – enquanto providos de garanta real - se não especificariam na sentença é uma espécie de decisão genérica de verificação e graduação de créditos, que apenas se concretizaria definitivamente no momento do pagamento executivo, cabendo ao juiz apreciar, até essa fase terminal da execução, a possível ocorrência de factos extintivos de cada uma das relações creditórias genericamente reclamadas, ajustando, em consequência, o valor garantido pela hipoteca do crédito ou créditos que ainda subsistissem.

    Entende-se. porém, que a circunstância de a garantia real invocada decorrer de uma «hipoteca genérica» não pode conduzir à prolação de uma sentença de verificação e graduação de créditos genérica, que deixe de concretizar e definir, relativamente a cada relação creditória autónoma reclamada, o exacto montante de cada um desses créditos e respectivos acessórios que está provido de garantia real.

    Na verdade, não parece que tal possibilidade seja compatível com as regras processuais em vigor naquele enxerto declaratório da acção executiva.
    Assim, incumbe ao credor reclamante – ao formular a verdadeira petição inicial em que o requerimento de reclamação se consubstancia – especificar, relativamente a cada relação creditória autónoma que deduza, o exacto montante que considera abrangido pela garantia real, incidente sobre os bens penhorados, que invoca – já que o objecto da reclamação se circunscreve ao montante pecuniário de certo crédito, na estrita medida em que estiver provido de garantia real.
    Por outro lado, infere-se claramente da norma constante do nº7 do art. 865º que a concretização do direito do reclamante terá de fazer-se, necessária e integralmente, no requerimento de reclamação, sendo aí que ele tem o ónus de especificar e concretizar integralmente a dívida reclamada, tornando-a certa e líquida se, porventura, o não fosse já : tal regime inculca claramente que não pode haver sentenças de verificação e graduação parcialmente genéricas, deixando para fase ulterior – que não existe, na especificidade da tramitação do processo executivo – a exacta definição dos montantes de cada relação creditória autónoma reclamada, providos de efectiva garantia real sobre os bens penhorados.

    Saliente-se que, a não ser assim, a parcial indefinição e fluidez da sentença de graduação, omitindo a especificação do montante exacto de cada crédito provido de garantia real que se teve por reconhecido - e obrigando a sucessivos arranjos posteriores, até ao momento do pagamento executivo, em consequência de vicissitudes ocorridas supervenientemente fora do próprio processo, teria efeitos claramente nocivos na tramitação da acção executiva, obrigando o juiz que a proferiu a reponderar e concretizar indefinidamente a exacta hierarquia e montantes dos créditos reconhecidos e graduados, em momento processual em que tal enxerto declaratório da acção executiva já estaria normalmente exaurido e findo.

    Como é evidente, este entendimento não preclude à entidade reclamante a possibilidade de - até ao encerramento da audiência em 1ª instância - vir invocar factos novos e supervenientes, com relevância para a exacta hierarquização e definição dos montantes dos créditos reclamados - deduzindo o pertinente articulado superveniente, com vista a fazer adquirir processualmente tais factos, atendíveis nos termos do art. 663º: o que já não lhe será possível é, depois de proferida a sentença, – que obrigatoriamente tem de concretizar e definir, integral e definitivamente, os montantes de cada relação creditória autónoma que considera abrangidos pela garantia real invocada – obter a sua alteração, com base em vicissitudes extra-processuais posteriores ao momento do proferimento de tal decisão, - nomeadamente, como sucede no caso dos autos, em plena fase de recurso que, como é sabido, não visa criar matéria nova.

    E, neste entendimento, nenhuma censura merece o decidido pelas instâncias, ao proceder ao rateio, pelos vários créditos autónomos reclamados, do valor máximo constante do registo da hipoteca, aplicando ainda aos respectivos juros, calculados naturalmente em relação a cada um desses créditos autónomos, o limite temporal de 3 anos : na verdade, tendo obrigatoriamente, como se referiu, a sentença de concretizar definitivamente, no momento da respectiva prolação, o montante de cada crédito autónomo reclamado, enquanto provido de garantia real, e não fornecendo as partes outra indicação sobre a forma de realizar tal desiderato, configura-se como solução adequada o rateio proporcional efectivado pela sentença.

    Note-se, finalmente que, como é evidente, ocorreu um decaimento parcial da entidade reclamante, não apenas quanto ao valor, - aliás, reduzido, por inferior à alçada da 1ª instância - dos juros abrangidos pela hipoteca, mas essencialmente pela improcedência da sua pretensão de obter a referida aplicação indistinta do valor máximo constante do registo predial em qualquer dos empréstimos reclamados – prejudicada pelo rateio proporcional realizado pelo Tribunal.

    5. Nestes termos e pelos fundamentos apontados, nega-se provimento à revista.
    Custas pela recorrente.


    Lisboa, 12 de Julho de 2011

    Lopes do Rego (Relator)
    Orlando Afonso
    Távora Victor