Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S3205
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERNANDES CADILHA
Descritores: PACTO DE NÃO CONCORRÊNCIA
QUANTUM INDEMNIZATÓRIO
DESCONTOS LEGAIS
CULPA DO LESADO
Nº do Documento: SJ200702070032054
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O artigo 36º da LCT não impõe a obrigatoriedade da fixação em concreto do montante retributivo correspondente à compensação pela limitação da actividade, em caso de ter sido instituído, no contrato de trabalho, um pacto de não concorrência, obrigando apenas a que cláusula que limite o período de actividade contemple o pagamento, como contrapartida, de uma retribuição, que poderá ser posteriormente negociada entre as partes;

II - Verifica-se uma situação de concorrência, susceptível de fazer accionar a responsabilidade decorrente do pacto de não concorrência, se o trabalhador passou a desempenhar funções numa empresa que tem uma influência dominante sobre outra que exerce a sua actividade na mesma área económica do anterior empregador;

III - Na situação referida na proposição anterior, não configura um caso de exclusão ou de redução da indemnização por culpa do lesado o pagamento, pela entidade empregadora, da compensação contratualmente prevista no pacto de não concorrência, ainda que esta entidade tenha sido informada antecipadamente da possibilidade de o trabalhador vir a prestar a sua actividade numa empresa concorrente;

IV - Correspondendo a indemnização devida por violação do pacto de não concorrência ao montante retributivo pago pela entidade patronal pela limitação do período de actividade, não há que deduzir no quantum indemnizatório as verbas referentes às contribuições ou quotizações para segurança social ou à retenção do IRS que contemporaneamente tenham sido entregues pelo empregador às entidades competentes. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório

Empresa-A, com sede em Lisboa, intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra AA, identificado nos autos, pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de € 61 875,00, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento, bem como o valor correspondente aos danos de imagem e de perturbação interna a contabilizar em execução de sentença.

Alegou, em síntese, que é uma empresa que se dedica à prestação de serviços postais e de transportador público rodoviário de mercadorias e que celebrou com o réu, em 25 de Janeiro de 2002, um contrato de trabalho por tempo indeterminado para o exercício de funções de "Director de Empresa-C". Contrato esse que previa um pacto de não concorrência, nos termos do qual o réu assumia a obrigação de, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer, quer por conta própria quer ao serviço de terceiro, actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente, sob a contrapartida do pagamento de uma compensação pecuniária na data da cessação do contrato. Em 22 de Junho de 2004, o réu comunicou à autora a rescisão do contrato de trabalho, informando o Administrador Delegado que iria trabalhar para os Empresa-B, o que levou a autora a pagar ao réu, a título da compensação respeitante ao pacto de não concorrência, a quantia ilíquida de € 42 000,00, sujeita aos descontos legais. Porém, o réu violou o aludido pacto, pois foi exercer as funções de Director de Distribuição numa empresa concorrente, os Empresa-B, causando-lhe prejuízos que desde logo se consubstanciam na compensação que foi desembolsada, no aludido montante de € 42 000,00, que incluem as verbas relativas às contribuições e quotizações para a segurança social e os descontos para o IRS.

O réu contestou e deduziu pedido reconvencional.

Por sentença de primeira instância, foi julgada parcialmente procedente a acção, e o réu condenado a pagar à autora a quantia de € 51 975,00, acrescida de juros moratórios, e julgado improcedente o pedido reconvencional.

Em apelação, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou o julgado, salvo quanto ao momento a partir do qual são os devidos os juros de mora, que considerou ser a da data da citação (30 de Outubro de 2004) e não a indicada na sentença (5 de Julho de 2004).

É contra esta decisão que o Autor vem interpor recurso de revista, em cuja alegação formula as seguintes conclusões:

1. A A. intentou acção contra o R. invocando em suma que é uma empresa que tem por objecto o exercício da actividade na área dos serviços postais não reservados e que, quando com o R. celebrou um contrato de trabalho, nele fez inserir uma cláusula configurando um pacto de não concorrência, e que o R., após ter cessado o contrato de trabalho com a A., recebera a compensação prevista naquele pacto de não concorrência, mas violara o mesmo pacto por ter ido trabalhar para os Empresa-B, razão porque devia indemnizar a A. não só pelos prejuízos causados mas também pelos montantes despendidos pela A. em execução do pacto de não concorrência;
2. O denominado "pacto de não concorrência" celebrado entre A. e R. consta da cláusula 8ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes nos termos transcritos no nº 7 da matéria de facto dada por provada na douta sentença recorrida, nos seguintes termos:
"1. Salvo no caso de revogação por mútuo acordo ou por não renovação do referido contrato de acordo com o disposto no art. 46º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o segundo contratante compromete - se a, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer (quer por conta própria, quer ao serviço de terceiro) em actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente.
2. Em contrapartida, a primeira contraente pagará ao segundo contraente uma compensação pecuniária na data da cessação do contrato.";
3. A questão da validade do pacto de não concorrência assim celebrado prende - se com o facto de não estar quantificado na sua redacção o valor da quantia compensatória a pagar ao R. no termo do contrato;
4. Trata - se no casos dos autos da aplicação do art. 36º do RJCIT, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49.408, sendo unânime a doutrina e a Jurisprudência no sentido de que o pacto de não concorrência tem que ser entendido como uma forma de limitação do princípio constitucional da liberdade de trabalho, e por isso ter de ser interpretado como norma de excepção por forma a não violar de forma intolerável o princípio constitucional referido - Ver por todos o Acórdão nº 256/2004, do Tribunal Constitucional;
5. Quer isto dizer que não é susceptível uma interpretação que alargue o sentido restritivo constante da norma em causa;
6. Está em causa saber se foi dado cumprimento à alínea c) do nº 2 do art. 36º citado quando se deixa em aberto a fixação do valor compensatório a pagar pelo empregador;
7. Exige de facto o nº 2 do art. 36º em análise que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:
a) Observância de forma escrita;
b) Tratar - se de actividade cujo exercício posse efectivamente causar prejuízo à entidade patronal;
c) Atribuir - se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade;

7. O Acórdão do Tribunal Constitucional citado, analisando aquele normativo defende que se trata de uma formalidade ad substantiam, que visa assegurar a assunção consciente da restrição e delimita o seu campo de aplicação;
8. A determinação da prestação compensatória à luz do carácter vincadamente excepcional da norma limitadora do princípio constitucional da liberdade de trabalho impõe inegavelmente que a prestação compensatória esteja estipulada no acordo escrito, sob pena de se mostrar violado o nº 2 do art. 36º, não se tendo pois por cumprida no caso dos autos a formalidade ad substantiam que o legislador quis configurar em termos suficientemente claros - Ver Acórdão citado a págs. 10 do mesmo;
9. Deste modo, ao contrário do que veio a ser decidido no Acórdão recorrido, entende-se sem margem para dúvidas (que o Acórdão citado não consente) que na cláusula 8ª do contrato celebrado entre A. e R. não se deu cumprimento ao estatuído no art. 36º, nº 2, do RJCIT, razão porque não é válida a cláusula que estatui o pacto de não concorrência;
10. O entendimento em contrário do Acórdão recorrido é claramente violador dos princípios constitucionais da liberdade de escolha de profissão e do direito ao trabalho consignados nos arts. 47º e 58º da Constituição;
11. Está provado nos autos que:
a) O R. ao cessar o contrato de trabalho com a A. foi trabalhar para os Empresa-B., onde desempenha as funções de Director de Distribuição, reportando ao Director Geral de Operações, o qual por sua vez reporta directamente ao Administrador do pelouro - facto provado sob o nº 32;
b) Os Empresa-B. tem a concessão do serviço postal universal que lhe foi concessionado e prestam em regime de exclusividade o serviço postal reservado - facto dado por provado sob o nº 33;
c) A A. exerce a sua actividade na área dos serviços postais não reservados - facto dado por provado nos nºs 37 e 45;
d) Os Empresa-B., para explorarem a actividade dos serviços postais não reservados constituíram diversas sociedades que actualmente estão unificadas na empresa Empresa-C, cujo capital é exclusivamente detido pelos Empresa-B. - factos provados sob os nº s 40 a 42;
e) Os Empresa-C têm um quadro de pessoal distinto dos Empresa-B., não lhes sendo aplicável o Acordo de Empresa em vigor nesta última empresa - facto provado sob o nº 44;
f) A Empresa-C tem a sua própria rede de operações;
g) A Empresa-C por acordo com os Empresa-B., recorre à rede de distribuição desta última em determinadas zonas do interior e de menor densidade populacional, representando os objectos postais da Empresa-C distribuídos nestas condições pelos Empresa-B, cerca de 20 a 30% do volume de objectos distribuídos pela Empresa-C - nºs 51 e 52 da matéria de facto;
h) Os Empresa-B., prestam também serviços na área do serviço postal não reservado, designadamente num denominado "correio verde" - facto provado nos nºs 47 e 48;
12. O Acórdão recorrido desvaloriza esse argumento salientando que tanto a Doutrina como a Jurisprudência assinalam que não é necessária a efectividade dos danos ou a ameaça dos mesmos, falando - se a propósito da proibição da concorrência de uma espécie de ilícito de perigo;
13. Entende-se que este tipo de questões tem de ser visto caso a caso pois, como é do conhecimento do público em geral os Empresa-B têm nas suas lojas comercialização de diversos produtos que vão do comércio de selos, incluindo a filatelia, ao comércio de artigos de papelaria, de livros, de produtos financeiros e/ ou bancários e até de refrigerantes;
14. A aceitar-se de forma ampla o que o Acórdão recorrido defende, o R. estaria a violar as regras da concorrência ainda que tivesse saído de uma editor ou de um Banco ou quiçá de um estabelecimento de restauração;
15. Impõe-se pois uma orientação mais limitadora que contemple aquilo que é a actividade da empresa para a qual o R. foi admitido quando saiu da A. e a verdadeira expressão do correio postal reservado como actividade quase exclusiva da empresa para a qual o R. foi trabalhar, não relevando o peso da actividade que ela presta no serviço postal não reservado e que se traduz ao fim e ao cabo na distribuição de encomendas postais em zonas mais despovoadas do país, sem que essa distribuição tenha qualquer interesse económico e antes traduza o exercício de uma obrigação assumida no âmbito da concessão do serviço postal universal, não se podendo recusar a prestá - los ainda que isoladamente se traduzam num prejuízo;
16. Nestas condições, o douto acórdão recorrido ao decidir que o R. foi exercer a sua actividade para uma empresa concorrente com a A. violou o art. 36º do RJCIT, no único entendimento admissível como norma limitadora dos arts. 47º e 58º da Constituição;
17. E o que releva para efeitos do pacto de não concorrência previsto no art. 36º do RJCIT é a protecção da empresa empregadora com quem o pacto foi celebrado, visando garantir que o trabalhador não vá levar para uma empresa concorrente os conhecimentos adquiridos na empresa onde deixou de trabalhar, e só com esse alcance se entende que se justifica a limitação dos princípios de liberdade de escolha de profissão e de trabalho e não de qualquer outro como facilmente se alcança do Acórdão que vem sendo citado;
18. Ficou dado por provado nos factos nºs 20 a 30 da sentença de 1ª instância que a A. sabia que o R. ao sair iria trabalhar para os Empresa-B e esse conhecimento não a inibiu de pagar uma compensação a título da obrigação de não concorrência que entendia vigorar entre as partes;
19. Ou seja, a A. que tinha o perfeito conhecimento da actividade dos Empresa-B sabendo que o R. iria trabalhar para aquela empresa não se coibiu de pagar a compensação para depois vir a Juízo pedir a condenação do R. num valor superior à compensação paga;
20. Essa questão, embora não trazida de forma expressa pelas partes aos autos acabou por resultar da matéria de facto dada por provada em 1ª instância;
21. O douto Acórdão recorrido que a despeito daqueles factos provados condenou o R. a pagar a indemnização violou pois o art. 570º do Código Civil, porquanto a A. actuou com culpa geradora do prejuízo que invoca o que afasta a obrigação de indemnizar;
22. Mas ainda que assim se não entendesse sempre a julgar-se válida a cláusula de não concorrência, bem como o facto de a Empresa-B ser uma empresa concorrente da A. - o que não se aceita - sempre não seria devida a indemnização nos termos constantes da condenação;
23. De facto, e como consta do recibo junto aos autos a fls 52 dos autos o que o R. recebeu da A. foi o montante de € 24.150,00, após a dedução dos encargos sociais de IRS e de Segurança Social;
24. Se esse pagamento não era devido, a A. pode pedir a restituição das contribuições para a Segurança Social e para o IRS, a título de pagamento indevido em resultado da sentença proferida nos autos, sendo certo que só a A. pode pedir essa devolução pois foi ela que efectuou a entrega dos respectivos valores, não tendo o R. qualquer legitimidade para o fazer;
25. E o mesmo se diga da parcela contributiva para a Segurança Social a cargo do empregador e que a A. terá entregue, no montante de € 9.975,00;
26. Nos termos do art. 562º do Código Civil o douto Acórdão recorrido não poderia condenar o R. a restituir mais do que recebeu porquanto os créditos decorrentes do pagamento à Segurança Social e ao IRS são créditos reembolsáveis pela A. e não pode esta receber mais do que aquilo que pagou ao R.;
27. O douto Acórdão recorrido ao condenar o R. a pagar à A. também os montantes dispendidos por esta com a Segurança Social e IRS, violou por isso também o art. 562º do Código Civil.

A Ré, ora recorrida, contra-alegou, defendendo a manutenção do julgado, e o Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

Colhidos os vistos dos Exmos juízes adjuntos, cumpre apreciar e decidir.

2. Matéria de facto

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços postais e a assegurar, na qualidade de transportador público rodoviário de mercadorias e comissários de transporte, a recepção, o transporte sob todas as formas e a entrega de volumes e documentação, tanto em Portugal como no estrangeiro.
2. No dia 25.01.2002 o R. e a A. subscreveram o contrato de trabalho por tempo indeterminado constante a fls 35 a 38 dos autos (doc. nº 2 junto com a petição inicial), mediante o qual o R. obrigou-se a prestar à A. as funções de Director de Logística, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, mediante retribuição.
3. Enquanto Director de Logística o R. exercia funções de gestão, nomeadamente, nos seguintes âmbitos:
- organização das várias áreas de departamento;
- qualidade do serviço prestado de acordo com os objectivos estratégicos da empresa;
- garantia da fiabilidade e segurança do serviço prestado;
- melhoria da produtividade dos meios humanos e materiais disponibilizados;
- definição e implementação de normas diversas;
- gestão dos recursos humanos do departamento de logística.
4. O A. fazia parte dos Comités de Direcção da Empresa e participava na tomada de decisões estratégicas, quer a curto quer a longo prazo.
5. O A. mantinha contactos com os clientes da empresa, tendo em vista a apreciação do modo como os serviços seriam ou eram prestados àqueles, nomeadamente para prevenir ou corrigir eventuais falhas e melhorá-los.
6. Competia à Direcção Comercial e ao Director geral da empresa decidir os aspectos comerciais e/ou de condições de preços ou pagamentos.
7. No contrato de trabalho supra referido a A. e o R. incluíram uma cláusula 8ª, designada de "Pacto de Não Concorrência", com o seguinte teor:
"1. Salvo no caso de revogação por mútuo acordo ou por não renovação do referido contrato de acordo com o disposto no art.º 46º nº 1 do DL nº 64 A/89 de 27 de Fevereiro, o segundo contratante compromete-se a, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer (quer por conta própria, quer ao serviço de terceiro) actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente.
2. Em contrapartida, a primeira contraente pagará ao segundo contraente uma compensação pecuniária na data de cessação do contrato.
3. No caso de incumprimento do presente contrato pelo segundo contraente, este ficará sujeito ao pagamento de uma indemnização a fixar de acordo com os prejuízos efectivamente causados à primeira contraente."
8. O R. assumiu, no desenvolvimento da sua actividade profissional, um papel que a A. considerou fundamental na estrutura organizativa da A..
9. O R. era, juntamente com o Director Comercial da A., um dos homens de confiança do Administrador Delegado/Director Geral da A., com quem trocava impressões sobre as grandes evoluções estratégicas da empresa e inclusive do Grupo La Poste de que a A. faz parte.
10. O R. era, juntamente com o Director Comercial da A. e o Administrador Delegado/Director Geral da A., um dos interlocutores da A. junto das restantes empresas do grupo empresarial no qual a A. se insere.
11. Consequentemente, o R. esteve presente, no dia 11 de Junho de 2004, na reunião do comité de gestão internacional do Grupo La Poste ("COMEX") com apenas mais um director (o Director Comercial da A.) entre os oito directores existentes na empresa, além do Director Geral/Administrador Delegado da R..
12. Nesta reunião apenas estão presentes os membros do Conselho de Administração da Holding do Grupo e, eventualmente, alguns trabalhadores convidados, os quais participam na totalidade ou em parte da reunião.
13. Na reunião referida em 11 discutiram-se projectos de investimento em Espanha e em Portugal, assim como a estratégia a adoptar face àquilo que a A. considerava serem ataques dos Empresa-B ou de empresas do respectivo grupo, as quais tinham contratado vários trabalhadores da A. da área comercial e tinham abordado muitas empresas que eram clientes da A..
14. No dia 22 de Junho de 2004, na parte da manhã, realizou-se, nas instalações da A., mais uma reunião sobre a actividade do grupo da A..
15. Antes da reunião o R. questionou o Administrador Delegado da A. sobre qual ia ser o respectivo tema.
16. O Administrador Delegado disse ao R. que era melhor esperar pela reunião.
17. Em dia não apurado, que foi o dia 21 ou o dia 22 de Junho de 2004, o R. recebeu dos Empresa-B, a comunicação escrita constante a fls 166, datada de 21.6.2004, na qual os ... formalizavam uma proposta de contratação do R. ao serviço dos Empresa-B, para ocupar a posição de Director de Distribuição.
18. O A. aceitou tal proposta em 22.6.2004.
19. Na parte da tarde do dia 22.6.2004 o R. entregou ao Administrador Delegado da A. a carta constante a fls 40, na qual, sob o assunto "Pedido de Demissão", declarava "por este meio comunicar formalmente o meu pedido de demissão, com data efectiva de 22 de Junho de 2004".
20. Nessa ocasião o R. disse ao Administrador Delegado da A. que iria trabalhar para os Empresa-B.
21. Perante tal declaração a A. dispensou o R. do período de aviso prévio.
22. No dia 23.6.2004 a A. enviou ao R., por carta registada com aviso de recepção, cuja cópia consta a fls 42 dos autos (doc. nº 4 junto com a p.i.), a quantia de € 20 007,75, a título de quantias devidas pela cessação do contrato de trabalho, "com efeitos a partir do dia 23 de Junho de 2004" (sic).
23. Juntamente com a aludida carta a A. enviou ao R. um recibo de quitação, para este assinar, cuja cópia consta a fls 45 dos autos (doc. nº 5 junto com a p.i.), no qual a A. fizera constar que "A presente declaração, depois de assinada, vale como recibo de quitação dos montantes referentes à rescisão do meu contrato de trabalho. Declaro, ainda, nada mais ter a receber da Empresa-A, encontrando-se liquidados todos os créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude da cessação".
24. O R. assinou o aludido recibo, que restituiu à A., em 02.7.2004, mas aditou ao recibo o seguinte texto, por si manuscrito: "O presente Recibo de Quitação não inclui nada do que respeita à cláusula 8ª - Pacto de Não Concorrência".
25. No dia 23.6.2004 a A. enviou ao R. a carta constante a fls 47 dos autos (doc. nº 6 junto com a p.i.), na qual relembra que o R. celebrou um pacto de não concorrência, "nos termos do qual, nos três anos subsequentes à cessação do mesmo, está impedido de exercer qualquer actividade concorrente com a desta empresa" (sic) e comunica que como contrapartida dessa obrigação, a A. pagará uma compensação pecuniária ilíquida de € 42 000,00, na data da cessação do contrato.
26. Juntamente com a aludida carta a A. enviou ao R. um cheque no valor de € 24 150,00, alegadamente correspondente ao valor da compensação supra referida, deduzida dos descontos legais.
27. Na carta a A. acrescentava que "esta empresa não prescinde do integral cumprimento do pacto assumido, constante do contrato de trabalho, o qual é válido e se encontra em vigor, sendo certo que, em caso de violação do mesmo, recorrerá às competentes instâncias judiciais".
28. Por carta datada de 02.7.2004, constante a fls 50 dos autos (doc. nº 7 junto com a p.i.), o R. pediu à A. que clarificasse a "forma de cálculo que determinou a apresentação da compensação pecuniária, porquanto se considera manifestamente desadequada".
29. A A. respondeu ao R. por meio da carta, datada de 09.7.2004, cuja cópia consta a fls 52 dos autos (doc. nº 8 junto com a p.i.), na qual informa que a compensação pecuniária de € 42 000,00 ilíquidos corresponde a oito meses de remuneração média mensal.
30. Depois de receber a resposta supra referida, o R. apresentou o cheque a pagamento, tendo recebido a respectiva quantia, no valor de € 24 150,00.
31. A A. entregou à segurança social a quantia de € 14 595,00, respeitante à compensação referida em 25, sendo € 9 975,00 a título de contribuição da A. para a segurança social e € 4 620,00 a título de contribuição do R., descontada pela A. na aludida compensação.
32. O R. encontra-se a exercer a sua actividade profissional para os Empresa-B, desde 09.8.2004, onde desempenha as funções de Director de Distribuição, reportando ao Director Geral de Operações, o qual por sua vez reporta directamente ao Administrador do pelouro.
33. Em Portugal, o chamado "serviço postal universal", considerado reservado e encarado como serviço público, foi concessionado aos Empresa-B, S.A. (...), mediante contrato de concessão celebrado no dia 01.9.2000, por um período de 30 anos.
34. Os Empresa-B, S.A., prestam, em regime de exclusividade (serviços reservados), os seguintes serviços:
- Serviço postal de envios de correspondência, incluindo a publicidade endereçada, quer seja ou não efectuado por distribuição acelerada, cujo preço seja inferior a 3 vezes a tarifa pública de um envio de correspondência do 1º escalão de peso da categoria normalizada mais rápida (correio azul), desde que o seu peso seja inferior a 100 g; no âmbito nacional e internacional;
- Serviço postal de envios de correspondência registada e de correspondência com valor declarado, incluindo os serviços de citação via postal e notificações penais, dentro dos mesmos limites de preço e peso referidos na alínea anterior no âmbito nacional e internacional;
- Emissão e venda de selos e outros valores postais;
- Emissão de vales postais;
- Colocação, na via pública, de marcos e caixas de correio destinados à recolha de envios postais.
35. Estão abertos à concorrência, mediante licença, os seguintes serviços postais:
- Serviço postal de envios de correspondência, incluindo a publicidade endereçada, quer seja ou não efectuado por distribuição acelerada, cujo preço seja igual ou superior a 3 vezes a tarifa pública de um envio de correspondência do 1º escalão de peso da categoria normalizada mais rápida, desde que o seu peso seja igual ou superior a 100g e inferior a 2 kg; no âmbito nacional e internacional;
- Serviço postal de envios de livros, catálogos, jornais e outras publicações periódicas, até 2 kg de peso;
- Serviço de encomendas postais até 20 kg de peso;
- Serviço postal de envios registados e de envios com valor declarado, incluindo os serviços de citação e notificação judiciais por via postal não abrangidos nos limites de preço e peso anteriormente mencionados.
36. Estão abertos à concorrência, mediante autorização, os seguintes serviços postais:
- Serviço de correio expresso (também designado de courrier), que se caracteriza pela aceitação / recolha, tratamento, transporte e distribuição com celeridade acrescida, de envios de correspondência e encomendas, diferenciando-se dos respectivos serviços de base pela realização, entre outras, das seguintes características suplementares: prazo de entrega pré-definido; registo dos envios; garantia de responsabilidade do prestador autorizado; controlo do percurso dos envios;
- Exploração de centros de trocas de documentos - locais onde os utilizadores podem proceder à auto-distribuição através de uma troca mútua de envios postais, dispondo de caixas próprias, devendo os utilizadores para esse efeito formar um grupo de aderentes, mediante a assinatura desse serviço;
- Outros serviços, que se enquadrem na definição de serviço postal e que não estejam abrangidos no elenco do serviço universal, nomeadamente os que a evolução tecnológica permite prestar e que se diferenciam dos serviços tradicionais.
37. A A. dedica-se, preferencialmente, à prestação de serviços postais não reservados e não abrangidos no âmbito do serviço postal universal...
38. ... Tendo obtido, para o efeito, autorização da ANACOM - Autorização nº ICP - 04/2001-SP.
39. Os Empresa-B, S.A., pelo facto de terem a concessão do serviço postal universal, têm ainda a faculdade de explorar os serviços postais não reservados e não abrangidos no âmbito do serviço postal universal.
40. Para explorar o serviço, não reservado, de correio expresso, os Empresa-B, constituíram as sociedades Empresa-D, S.A. e Empresa-E, Lda, cujo capital é totalmente detido pelos Empresa-B.
41. No início de 2004 a Empresa-E fundiu-se com a Empresa-D, tendo deixado de existir a Empresa-E.
42. Actualmente a Empresa-D tem a denominação de Empresa-C.
43. Os membros do Conselho de Administração da Empresa-C também integram o Conselho de Administração dos Empresa-B, S.A.
44. Os Empresa-C têm um quadro de pessoal distinto do dos Empresa-B S.A., não lhes sendo aplicado o Acordo de Empresa dos Empresa-B S.A.
45. A A. exerce a sua actividade de prestação de serviços postais não reservados, na área do correio expresso.
46. Ao R. compete, como Director da Distribuição nos Empresa-B, S.A.:
- Assegurar com qualidade e eficiência a distribuição e a recolha do correio a nível nacional;
- Definir estratégias e objectivos para a Rede de Distribuição, estudando e implementando novas metodologias que visem a melhoria dos padrões de qualidade definidos e a minimização dos custos operativos;
- Promover a criação de condições materiais - instalações, equipamentos, viaturas - que permitam o desempenho eficaz e eficiente das funções de distribuição e recolha;
- Desenvolver as acções necessárias para promover a imagem da Distribuição, a nível externo e interno;
- Desenvolver e implementar sistemas de informação da Distribuição e proceder à informatização dos Centros de Distribuição Postal;
- Elaborar anualmente um programa de obtenção de excelência na actividade dos CDP.
47. Além do serviço postal reservado, os Empresa-B, S.A., prestam igualmente os serviços referidos em 35.
48. Os Empresa-B, S.A., prestam igualmente um serviço postal que designam de Correio Verde, e que consiste num serviço de correio, nacional e internacional, efectuado através de embalagens de diversos formatos e dimensões (envelopes, saquetas e caixas de cartão), vendidas pelos Empresa-B nas suas estações de correio e ainda em alguns hipermercados; tais embalagens devem ser depositadas nos "balcões verdes" situados nas estações de correios ou em "marcos verdes" localizados em determinados hipermercados; os objectos de correio verde são entregues no dia útil seguinte no Continente e em dois dias úteis nas Regiões Autónomas; mediante a aquisição de etiquetas pré-impressas de código de barras, para colocar no objecto de correio verde, o cliente pode obter informação imediata sobre a localização do objecto ("track and trace").
49. Os produtos da Empresa-C, S.A. podem ser adquiridos aos balcões das estações de correios dos Empresa-B, S.A.
50. A Empresa-C tem a sua própria rede de operações.
51. Porém, em regiões do interior e de menor densidade populacional a Empresa-C recorre, por acordo com os Empresa-B S.A., à rede de distribuição desta última empresa.
52. Os objectos postais distribuídos pelo meio referido em 51 representam entre 20% a 30% do volume de objectos entregues pela Empresa-C.
53. O R. aufere, ao serviço dos Empresa-B, S.A., o vencimento base de € 6 553,70.

3. Fundamentação de direito

O réu, ora recorrente suscita no recurso de revista as mesmas questões que foram já analisadas em apelação e que se resumem ao seguinte: (a) invalidade do pacto de não concorrência inserido no contrato de trabalho celebrado entre as partes, por não estar quantificado no respectivo clausulado o valor da quantia compensatória a pagar ao trabalhador no termo do contrato; (b) inexistência de concorrência entre a entidade para a qual o réu passou a prestar serviço e a sua antiga entidade empregadora, porquanto aquela se dedica quase exclusivamente ao correio postal reservado, enquanto que esta exerce a sua actividade no âmbito do serviço postal não reservado; (c) exclusão do dever de indemnizar com fundamento em culpa do lesado, dado que a autora não deixou de proceder ao pagamento da verba de compensação prevista no pacto de não concorrência apesar de saber que o réu iria prestar a sua actividade, após o termo da relação laboral, para a empresa tida como concorrente; redução do montante indemnizatório à quantia líquida que lhe foi efectivamente paga a título de compensação pelo pacto de não concorrência.

Está, pois, em causa, em primeira linha, a validade do pacto de não concorrência que foi incluído no contrato de trabalho celebrado entre as partes.

O artigo 36º da LCT, sob a epígrafe "Liberdade de trabalho; pacto de não concorrência", na parte que agora interessa considerar, dispõe:

"1- São nulas as cláusulas dos contratos individuais e das convenções colectivas de trabalho que, por qualquer forma, possam prejudicar o exercício do direito ao trabalho, após a cessação do contrato.
2 - É lícita, porém, a cláusula pela qual se limite a actividade do trabalhador no período máximo de três anos subsequente à cessação do contrato de trabalho, se ocorrerem cumulativamente as seguintes condições:
a) Constar tal cláusula, por forma escrita, do contrato de trabalho;
b) Tratar-se de actividade cujo exercício possa efectivamente causar prejuízo à entidade patronal;
c) Atribuir-se ao trabalhador uma retribuição durante o período de limitação da sua actividade, que poderá sofrer redução equitativa quando a entidade patronal houver despendido somas avultadas com a sua formação profissional".

No caso em apreço, conforme decorre do n.º 7 da matéria de facto, as partes incluíram no contrato de trabalho uma cláusula 8ª, designada de "Pacto de não Concorrência", pela qual

"1- Salvo no caso de revogação por mútuo acordo ou por não renovação do referido contrato de acordo com o disposto no art.º 46º nº 1 do DL nº 64 A/89 de 27 de Fevereiro, o segundo contratante compromete-se a, durante três anos após a cessação do vínculo, não exercer (quer por conta própria, quer ao serviço de terceiro) actividade profissional em empresa concorrente com a primeira contraente.
2. Em contrapartida, a primeira contraente pagará ao segundo contraente uma compensação pecuniária na data de cessação do contrato.
3. No caso de incumprimento do presente contrato pelo segundo contraente, este ficará sujeito ao pagamento de uma indemnização a fixar de acordo com os prejuízos efectivamente causados à primeira contraente."

Pretende o recorrente, face ao estatuído no transcrito artigo 36º, n.º 2, da LCT, que a sobredita cláusula é inválida por não quantificar a compensação a atribuir ao trabalhador, entendendo que a fixação em concreto desse montante constitui formalidade ad substantiam e que, face ao princípio constitucional da liberdade de trabalho, não é possível efectuar uma interpretação que alargue o sentido restritivo do mencionado preceito legal.

Em sintonia com a interpretação formulada pelas instâncias, não parece, contudo, que a cláusula se tenha tornado ilegal apenas porque as partes, tendo previsto o pagamento de uma indemnização pela sujeição do trabalhador ao pacto de não concorrência, não fixaram desde logo o montante indemnizatório a arbitrar.

A cláusula prevê uma retribuição e satisfaz, no quadro de uma interpretação meramente declarativa, o requisito da alínea c) do n.º 2 do artigo 36º da LCT. E só no caso em que o empregador viesse a fixar, em execução do clausulado, uma retribuição que fosse irrisória e que não satisfizesse a finalidade da lei - que é de compensar condignamente o trabalhador pelo impedimento temporário de exercer a sua actividade profissional em empresa concorrente -, é que poderia considerar-se que a referida norma da LCT era inconstitucional, quando interpretada no sentido de que permite que seja atribuída ao trabalhador uma verba manifestamente insuficiente para compensar o prejuízo resultante de não poder trabalhar em actividade concorrente.

Qualquer outra solução é que poderia ser penalizadora do princípio da liberdade do trabalho. Na lógica do recorrente, se as partes tivessem acordado num montante retributivo meramente simbólico ou desfasado da realidade, não deixaria de ficar preenchido o requisito da retribuição e não poderia imputar-se à norma qualquer vício de inconstitucionalidade; quando é certo que a observância do princípio constitucional da liberdade do trabalho terá de ser aferida em função da retribuição que em cada caso tiver sido fixada, e não do mero cumprimento formal da imposição legal.

4. Insubsistente mostra-se também o segundo fundamento a revista, assente na ideia de não existiu, no caso, qualquer violação do pacto de não concorrência por não ocorrer uma efectiva identidade entre o objecto da actividade desenvolvida pelos Empresa-B, onde o réu passou a desempenhar funções, e o da autora.

O argumento é, desde logo, desmentido pelos factos tidos como assentes.

É certo que os Empresa-B têm a concessão do serviço postal universal que lhe foi concessionado e prestam em regime de exclusividade o serviço postal reservado (nº 33), ao passo que a autora exerce a sua actividade na área dos serviços postais não reservados (nºs 37 e 45); e que é uma outra entidade (Empresa-C), com um quadro de pessoal distinto dos Empresa-B (n.ºs 40 a 42 e 44) e uma rede de operações própria (n.º 50), que explora o serviço não reservado de correio expresso dos ...(n.º 40). No entanto, como os elementos dos autos também evidenciam, a CCT Expresso resultou da fusão de empresas criadas pelos ... para explorar o referido serviço postal não reservado, sendo esta entidade que detém a totalidade do capital daquela outra empresa (n.º 40), para além de que os membros do Conselho de Administração da ... Expresso também integram o Conselho de Administração dos Empresa-B, S.A. (n.º 43). Por outro lado, os produtos da .... Expresso podem ser adquiridos aos balcões das estações de correios dos .... (n.º 49) e nas regiões do interior e de menor densidade populacional a ... Expresso recorre, por acordo com os ..., à rede de distribuição desta última empresa (n.º 51), sendo que os objectos postais distribuídos por via deste acordo representam entre 20% a 30% do volume de objectos entregues pela ... Expresso (n.º 52).

Vemos que os ..., entidade a favor de quem o réu passou a prestar serviço, com a categoria de Director de Distribuição, exerce indirectamente, através de uma empresa do mesmo grupo societário em relação à qual detém de poderes de direcção, ou directamente, por de delegação conferida por essa mesma empresa, uma actividade concorrente com a da autora, na área do serviço postal não reservado. Sendo também evidentes os laços de interdependência e colaboração existente entre as duas sociedades do grupo, quer por via da falada utilização da rede de distribuição da Empresa-B, quer pela possibilidade de os produtos da ....-Expresso poderem ser adquiridos nos próprios postos de recepção e venda da Empresa-B.

Não tem qualquer relevo, neste contexto, que a actividade referente ao serviço postal não reservado, que os ... estão autorizados a prestar (n.º 47), se encontre formalmente atribuída a uma pessoa jurídica distinta, quando é certo que a ligação económica e funcional entre as duas sociedades torna possível a imputação de resultados e de estratégias de mercado à sociedade dominante, e, simultaneamente, subsiste uma intercomunicabilidade entre os órgãos directivos de ambas as empresas, que permite caracterizar, com facilidade, um fenómeno de desconsideração da personalidade jurídica da empresa tida economicamente dependente (quanto a este aspecto, ainda numa diferente perspectiva de imputação do vínculo laboral com um trabalhador à sociedade dominante, o recente acórdão do STJ de 10 de Janeiro de 2007, no Processo n.º 2700/06).

Neste condicionalismo, não pode deixar de reconhecer-se que o réu colocou-se numa situação de poder causar prejuízo à sua antiga entidade patronal, no ponto em que passou a prestar a sua actividade profissional, numa função relevante, numa empresa que detém um interesse directo na implementação e desenvolvimento de uma actividade económica concorrente com a exercida pelo anterior empregador.

5. O recorrente sustenta ainda, à luz dos factos dados como provados nos nºs 20 a 30 da matéria de facto, que a autora sabia que o réu iria trabalhar para a Empresa-B e esse conhecimento não a inibiu de pagar uma compensação a título da obrigação de não concorrência, pelo que, desse modo, contribuiu com a sua própria conduta para produção dos danos de que pretende ressarcir-se.

O acórdão recorrido entendeu, quanto a esta matéria, que se trata de questão nova que não foi suscitada pelas partes até ao encerramento da discussão, nem analisada na sentença, e que, como tal, não poderia ser objecto de recurso jurisdicional, que apenas visa reapreciar as questões decididas no tribunal inferior.

Afigura-se, porém, que não estamos, no rigor dos termos, perante uma questão nova mas uma simples actividade de subsunção jurídica.

Quando se afirma que os recursos interpostos para a Relação visam normalmente reapreciar o pedido formulado na primeira instância e que os recursos interpostos para o Supremo se destinam a facultar a reapreciação da decisão com base nos mesmos fundamentos que foram invocados no recurso de apelação (salvaguardadas as situações de conhecimento oficioso), isso apenas pretende significar que não é possível alterar, em recurso, o pedido ou a causa de pedir, fora dos casos a que se refere o artigo 272º do Código de Processo Civil (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, 2ª edição, Lisboa, 1997).

No caso vertente, porém, a alegação do recorrente não se insere em qualquer pretensão que determine a modificação objectiva da instância, e unicamente chama à colação os critérios legais de determinação da obrigação de indemnizar.

E sendo embora certo que o réu tinha o ónus de alegar e provar factos que pudessem consubstanciar uma situação de culpa lesado, para efeitos de exclusão ou redução do dever indemnizatório (acórdão do STJ de 5 de Julho de 1994, Processo n.º 24513), o ponto é que o tribunal pode e deve, através dos materiais probatórios adquiridos no processo, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las (artigo 515º do Código de Processo Civil), atender, segundo os princípios da causalidade, à quota parte de responsabilidade de cada um dos intervenientes por forma a fixar a medida da indemnização. É justamente esse o critério que decorre do artigo 570º do Código Civil, pelo qual "quando um facto danoso do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade da culpa de ambas as partes e às consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída".

O que sucede no caso vertente é que nenhum motivo existe para considerar verificada a culpa do lesado.

Ressalta da matéria de facto que o réu informou o Administrador Delegado da autora que iria trabalhar para os Empresa-B, S.A. (n.º 20). No entanto, o réu fez constar do recibo de quitação de retribuições em dívida por cessação do contrato de trabalho, que esse recibo não incluía quaisquer verbas respeitantes ao Pacto de Não Concorrência (n.º 24), o que permite inferir que o réu não prescindia do pagamento da indemnização devida em aplicação da cláusula 8ª do contrato de trabalho. E, por outro lado, foi a autora que fez lembrar que o réu se encontrava condicionado pelo pacto de não concorrência (n.º 25), e na carta em que enviou o cheque destinado a pagar o montante da compensação devida como contrapartida da obrigação de não concorrência, a autora referiu "esta empresa não prescinde do integral cumprimento do pacto assumido, constante do contrato de trabalho, o qual é válido e se encontra em vigor, sendo certo que, em caso de violação do mesmo, recorrerá às competentes instâncias judiciais" (n.º 27).

Como bem se vê, a autora não fez mais do que cumprir a obrigação contratual resultante da referida da cláusula 8ª do contrato de trabalho, que lhe impunha o pagamento de uma retribuição pela sujeição do seu trabalhador a um pacto de não concorrência. A autora reafirmou, por outro lado, no momento em que procedeu ao pagamento da retribuição, que não liberava o réu do cumprimento do clausulado, e mesmo este deu indicações, mediante a declaração que manuscreveu no recibo de quitação mencionado no n.º 24 da matéria de facto, que não prescindia do pagamento da compensação, o que inculca que o réu continuava a conferir exequibilidade ao pacto de não concorrência.

Não se descortina, portanto, em que termos é que a autora possa ter contribuído para a produção dos danos, quando é certo que o desembolso do montante compensatório constituía uma estrita obrigação contratual que tinha como contrapartida, por parte do réu, o dever de não exercer, no período de tempo convencionado, uma actividade concorrente. Sendo que, para além do mais, o comunicação informal feita ao administrador-delegado da autora, tal como resulta do n.º 20 da matéria de facto, não é suficientemente precisa quanto à natureza da actividade que o réu iria exercer na Empresa-B e à eventualidade de as suas novas funções poderem representar, na prática, uma violação do pacto de concorrência.

Improcedem, pois, também, as conclusões 18ª a 21ª da alegação de recurso.

6. O recorrente sustenta, por fim, que apenas recebeu, a título de contrapartida pelo pacto de não concorrência, o montante de € 24.150,00, após a dedução dos encargos sociais de IRS e de Segurança Social, e, se esse pagamento não era devido, cabe à autora pedir a restituição das contribuições para a Segurança Social e para o IRS, já que o réu não tem legitimidade para o fazer.

Também, neste ponto, não tem razão.

Na verdade, o dispêndio feito pela autora, a título de compensação pecuniária pelo pacto de não concorrência, foi de € 42 000,00 (n.º 29), e se o réu apenas auferiu a importância líquida de € 24.150,00, isso deve-se ao facto de a entidade empregadora se encontrar vinculada a efectuar os descontos legais sobre a remuneração devida.

A obrigação de indemnizar, como foi já sublinhado no acórdão recorrido, quando deva ser fixada em dinheiro, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria se não existissem os danos (artigo 566º, n.º 2, do Código Civil).

A autora desembolsou a importância total de € 42 000,00, pelo que é essa a medida da diferença para efeito de determinar o quantum indemnizatur. Sendo o dever indemnizatório uma consequência de um facto ilícito imputável ao réu, não faria qualquer sentido que o lesante respondesse apenas pelo montante líquido que indevidamente se locupletou e que o lesado respondesse por outras importâncias que, tendo desembolsado, se destinaram a satisfazer os encargos legais. É claro que o lesante é responsável pelo dano produzido na sua integralidade, pelo que, se a repetição do indevido torna inexigível as obrigações contributivas, é ao réu que cabe obter junto das entidades competentes a devolução das importâncias que, por responsabilidade sua, foram indevidamente entregues.

É certo que as entidades empregadoras são responsáveis pelo pagamento das contribuições à segurança social por si devidas e das quotizações correspondentes os trabalhadores, bem como pela retenção do IRS, que devem descontar nas respectivas remunerações (artigos 47º, n.º 1, da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, e 91º do Código do IRS). Foi justamente essa responsabilidade que a autora, no caso dos autos, atempadamente satisfez. Porém, não estamos agora perante uma qualquer obrigação contributiva da autora, mas perante um dever indemnizatório do réu; pelo que se o ressarcimento a que haja lugar tiver como consequência a devolução dos montantes contributivos que foram descontados, cabe ao réu realizar as diligências necessárias para o efeito, para o que dispõe de legitimidade, visto que é quem suporta o empobrecimento.

7. Decisão

Termos em que acordam em negar a revista e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2007

Fernandes Cadilha
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo