Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
079950
Nº Convencional: JSTJ00009410
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: DENOMINAÇÃO SOCIAL
CONFUSÃO
NOVIDADE
Nº do Documento: SJ199105230799502
Data do Acordão: 05/23/1991
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Referência de Publicação: BMJ N407 ANO1991 PAG571
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - REGISTOS / SOC COMERCIAIS. DIR ECON - DIR CONC.
Legislação Nacional: DL 231/81 DE 1981/07/28 ARTIGO 15.
DL 425/83 DE 1983/12/06 ARTIGO 16 N1.
CCOM888 ARTIGO 27.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1928/02/04 IN BMJ N314 PAG335.
Sumário : I - Do artigo 15 do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Setembro, não resulta como obrigatoria, para os membros de um consorcio, a adopção de uma denominação, sendo obrigatorio sem que, quando seja adoptada uma denominação, dela constem os nomes, firmas ou denominações sociais dos respectivos membros, precedidos da expressão "consorcio de..." ou seguidos da expressão "...em consorcio". Mas esta norma não proibe aditamentos a denominação de quaisquer indicações de fantasia desde que tenham uma relação directa e evidente com o ramo de negocio explorado.
II - Para se poder concluir da possibilidade da confusão por parte dos clientes entre duas denominações sociais, não deve atender-se isoladamente a um elemento de semelhança mas sim ao todo de cada uma das denominações.
III - O principio da novidade da firma ou da denominação consagrado no artigo 27 do Codigo Comercial não tem aplicação relativamente a comerciantes que exerçam actividades ou ramos de comercio diferentes, porque nestas situações não ha perigo de um dos comerciantes se apropriar da clientela do outro e dos fornecedores.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - Transdata - Informatica Transaccional, Limitada, moveu a presente accção com processo ordinario contra Correios e Telecomunicações de Portugal e Telefones de Lisboa e Porto, (duas empresas publicas), pedindo a condenação das res:- a) a fazerem cessar o uso da denominação "Transdata", dada ao consorcio entre elas formado, "com a consequente eliminação de todos os seus papeis de correspondencia e propaganda e das fachadas das suas instalações"; e b) a pagarem-lhe a indemnização de 23000000 escudos.
Alega em resumo:- que ha confusão entre a sua denominação social e a denominação utilizada no consorcio formado pelas res; que dessa confusão lhe advieram danos e continuarão a vir durante os proximos 5 a 6 anos; e que a sua denominação se encontra registada, enquanto que a do consorcio não o esta. As res contestaram, excepcionando a incompetencia do tribunal e pugnando pela improcedencia da acção. Houve replica, que nada de novo trouxe ao processo.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da incompetencia do tribunal e, conhecendo-se do fundo da causa, foi a acção julgada improcedente.
Interposto recurso, a Relação revogou essa decisão, condenando as res no pedido da alinea a) e ordenando o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido da alinea b).
Desse acordão trazem as res o presente recurso, pedindo a sua revogação, para que seja mantida a decisão da 1 instancia. Na sua alegação formulam as seguintes conclusões: a) os consorciados podem atribuir aos seus consorcios as denominações de fantasia que entendam, desde que lhes acrescentem os seus nomes, firmas ou designações sociais, pois que podem fazer, nesse particular, tudo o que não for expressamente proibido por lei; b) a utilização pela recorrida da denominação "transdata" ofende o principio da verdade, visto não traduzir a actividade exercida pela mesma recorrida; c) a denominação do consorcio e a da recorrida referem-se a entidades de diversa natureza com diferente objecto social; d) destinando-se o principio da novidade da firma ou denominação social a prevenir a concorrencia desleal, so ha concorrencia quando se verifica o concurso a um mesmo mercado e a uma mesma clientela; e) foram violados, no acordão recorrido, o artigo 15 do Decreto-Lei 231/81 de 28-07, os artigos 10 n. 5, 200 n. 2 e 275 n. 2 das Sociedades Comerciais e artigos 2, 7 e 11 do Decreto-Lei 425/83 de 6-12 e o artigo 3 deste mesmo Decreto-Lei.
A Autora contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado.
II - Estão provados os seguintes factos:-
A autora e uma sociedade por quotas, constituida em 18-03-82, e tem a sua sede em Matosinhos. Encontra-se registada desde 19-01-83 na Conservatoria do Registo Comercial do Porto, com a denominação de Transdata - Informatica Transaccional, Limitada". Tem por objecto a exploração de um centro de informatica, incluindo a recolha, estudo e tratamento de dados, bem como a selecção e preparação de profissionais destinado aquela actividade, podendo, no entanto, dedicar-se a qualquer outra actividade em que os socios acordem.
Pela Portaria 291/85, de 18-05, o Ministerio do Equipamento Social criou o "Serviço Publico de Comunicação de Dados por Pacotes"; aprovou o respectivo regulamento e tarifario; e autorizou a comercialização deste serviço pelas res, sob a designação de "Transdata-CTT e TLP em consorcio",(alinea c) do artigo 2). O dito consorcio e, no entanto, designado abreviadamente, tão so pela palavra "Transdata", em varios artigos dessa Portaria, artigo 8, 9, 10, 11, 13, 14 a 21, 24 a 29 e 31 a 34).
As res celebraram entre si um contrato de consorcio para exercerem o indicado serviço publico, e adoptaram a denominação "Transdata-CTT e TLP em consorcio", -
- denominação essa que vem utilizando na comercialização do dito serviço.
III - Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:-
Apesar da questão não ter sido directamente suscitada pela autora, quer nos articulados, quer no recurso para a Relação, este tribunal decidiu que, por força do artigo 15 do Decreto-Lei 231/81 de 28-07, as res não podiam utilizar, na denominação do consorcio por elas formado, a palavra Transdata". Considerou-se que o indicado preceito era imperativo e, por isso, as unicas denominações que as res, membros do consorcio, podiam utilizar, eram as seguintes:- "Correios e Telecomunicações de Portugal E.P. e Telefones de Lisboa e Porto E.P. em consorcio"; ou estoutra:- "Consorcio de Correios e Telecomunicações de Portugal E.P. e Telefones de Lisboa e Porto E.P".
No presente recurso não e suscitada a questão da nulidade do acordão, (artigos 660 n. 2 e 668 n. 1, alinea d) do Codigo de Processo Civil), e, por isso, ha que apreciar da justeza, ou não, da decisão tomada.
O indicado artigo 15 dispõe que "os membros do consorcio externo podem fazer-se designar colectivamente, juntando todos os seus nomes, firmas ou denominações sociais, com o aditamento "Consorcio de..." ou "...em consorcio".
Daqui resulta que não e obrigatorio, para os membros do consorcio, a adopção de uma denominação. E, nesta parte, o preceito não e imperativo.
Ja não assim quando seja adoptada uma designação. Quando tal suceda, e obrigatorio que dela constem os nomes, firmas ou denominações sociais dos respectivos membros, precedidos da expressão "Consorcio de..." ou seguidos da expressão "...em consorcio".
Todavia dai não se segue que so esses nomes e expressões devam ser adoptados. Isso so seria assim se do preceito constasse qualquer adverbio de exclusão. A interpretação feita pela Relação estaria certa se dele constasse que a designação colectiva dos membros do consorcio seria efectuado "juntando (tão so) todos os seus nomes, firmas ou denominações sociais, com o aditamento "Consorcio de..." ou "...em consorcio".
Todavia nenhuma limitação se faz no preceito.
No acordão recorrido se diz (em nota), que a denominação so pode ser formada nos termos do indicado artigo 15 "a fim de não iludir terceiros acerca da natureza do contrato, da falta de personalidade juridica, de tutelar a segurança do comercio juridico, - tudo interesses publicos muito fortes". E acrescenta-se:- "a norma e injuntiva, (embora não de ordem publica), no duplo sentido de impor a formação da denominação nos termos ali designados e proibir a sua formação em outros termos".
Com o devido respeito, todos os interesses e riscos que se referem são acautelados e afastados, respectivamente, com a introdução da palavra "consorcio" na denominação.
Se o legislador tinha intenção de limitar a denominação do consorcio aos nomes dos seus membros, seguidos ou precedidos da palavra "consorcio", deve-lo-ia ter dito, pois que, por certo, não lhe era estranha a doutrina defendida a respeito da constituição da firma. Com efeito autores ha, (confere Fernando Glavo um Direito Comercial
I, 2 edição, paginas 297 e 298, e Pinto Coelho em Lições de Direito Comercial I, 3 edição, paginas 246), que defendiam a possibilidade de aditamento ao nome da firma ou a denominação de quaisquer indicações de fantasia, desde que elas tivessem uma relação directa e evidente com o ramo de negocio explorado.
Acresce que, ja depois da regulamentação do consorcio, foi publicado o Decreto-Lei 425/83 de 06-12, referente aos institutos do Registo Nacional das Pessoas Colectivas e do Registo Comercial, e nele se preve, (artigo 16 n. 1), ser permitida "a utilização de siglas, composições ou expressões de fantasia nas firmas das sociedades comerciais" quando constituidas por uma denominação.
Ora estranho seria que se permitisse uma tal utilização na denominação das sociedades, e ja se recusasse na denominação dos consorcios.
Acresce que no relatorio do Decreto-Lei 231/81 se diz expressamente:- "Na regulamentação do contrato de consorcio constante do presente diploma predominam preceitos supletivos como ja se disse acima, não e intuito do governo estancar a imaginação dos interessados, mas, sim, por um lado, criar as grandes linhas definidoras do instituto e, por outro, fornecer uma regulamentação tipo, da qual os interessados possam afastar-se quando julguem conveniente e a qual eles possam introduzir os aditamentos que considerem aconselhaveis".
Por tudo isto consideramos não estar vedado as res a utilização da palavra "transdata" na denominação do consorcio.
IV - Mas, a ser assim, importa saber se se verifica a confusão, alegada pela autora, entre a denominação dele e a dela.
A denominação da autora e: - "Transdata - Informatica Transaccional, Limitada", e a denominação do consorcio formado pelas res e: -"Transdata- e CTT e TLP em consorcio" (folhas 71).
Confrontando as duas denominações, desde logo se nota que elas apenas tem de comum um unico elemento:- o elemento de fantasia "transdata". Não ha qualquer outra semelhança gramatical ou fonetica, pelo que com facilidade qualquer pessoa as distinguira.
Tal como sucede com as marcas, não pode considerar-se isoladamente um elemento de semelhança das duas denominações, mas ha que atender-se ao todo de cada uma, para se concluir da possibilidade de confusão por parte dos clientes, (confere acordão Supremo Tribunal de Justiça 4-2-82 no Boletim do Ministerio 314-335).
Depois ha que considerar a sede da autora, que e na cidade de Matosinhos, enquanto que o consorcio não tem sede propria, situando-se as sedes das res nesta cidade de Lisboa.
Dai que, com estes elementos, dificilmente se podera verificar qualquer confusão por parte dos respectivos clientes.
Acresce que, "pelo menos no que respeita a Bancos, a informatização dos respectivos serviços (implicando a identificação dos clientes atraves de referencias codificadas), torna absolutamente impossivel tal confusão", (decisão da 1 instancia).
Mas acontece que o principio da novidade da firma ou da denominação social consagrada na lei, (artigo 27 do Codigo Comercial), não tem aplicação relativamente a comerciantes que exerçam actividades ou ramos de comercio diferentes.
E que, em situações dessas, não ha o perigo de, atraves da confusão das denominações, um dos comerciantes se apropriar da clientela do outro e dos fornecedores.
Não partilha desta opinião o Professor Ferrer Correia, que escreve:- "cremos... que ainda aqui a diferenciação das firmas se impõe. E que, se para o publico - os clientes - pode não haver confusão, esse perigo continua a subsistir, por exemplo, para os fornecedores de materias- -primas, para os bancos, etc" (Lições de Direito Comercial, I, pagina 279).
Com o devido respeito, não acreditamos na subsistencia do indicado perigo, sabido como e, (facto que e do conhecimento publico em geral - artigo 514 do Codigo de Processo Civil), que as empresas muito se tem modernizado, informatizando os seus serviços, e tendem a continuar essa modernização.
Não podemos esquecer que as lições do Professor Ferrer Correia datam de 1973. Nessa altura justificar-se-iam as afirmações do Mestre.
Mas hoje não tem razão de ser, e estamos certos de que ele as não manteria face aos progressos verificados no campo da informatica.
No entender do Professor Pinto Coelho, "so existe para o comerciante, ao organizar a sua firma, necessidade de a diferenciar em absoluto das outras ja existentes, quando, pelas circunstancias, em virtude das condições de lugar e da especie de negocio ou objecto da actividade exercida, haja efectivamente perigo de confusão com outros comerciantes, com prejuizo, ja para o publico, ja para os proprios comerciantes", (Lições de Direito Comercial I, 3 edição, paginas 249).
No caso presente a autora tem por objecto a exploração de um centro de informatica, em que "se incluem a recolha, estudo e tratamento de dados, bem como a selecção e preparação de profissionais destinados aquela finalidade" (folhas 11).
Por sua vez o consorcio formado pelas res "tem por objecto principal a comercialização e a exploração da rede publica dos sistemas de comunicação de dados, Telepac, bem como novos serviços de caracter Telematico (Teletex, videotex, datafax, etc)" (folhas 71).
Daqui resulta que são totalmente diferentes as actividades exercidas pela autora e pelo consorcio. Enquanto ela se ocupa do estudo e tratamento de dados (alem da preparação de profissionais de informatica), o consorcio se ocupa do serviço publico de comunicação de dados por pacotes,criado pela Portaria 291/85 de 18-05.
Por isso não ha qualquer possibilidade de confusão; mas, se alguma houver, não tera significado nem sera susceptivel de causar quaisquer danos, e sera devida mais a desatenção dos proprios fornecedores e clientes do que a semelhança das duas denominações.
Nestes termos entendemos dever ser concedida revista, para que subsista a decisão da primeira instancia.
V - Antes, porem, importa considerar uma outra questão suscitada pelas res.
Defendem elas que a utilização, pela recorrida, do termo "transdata" na sua denominação, ofende o principio da verdade, visto não traduzir a actividade por ela exercida, mas uma actividade diferente:
Segundo elas o elemento "trans" identifica transporte e o elemento constitutivo "data" identifica dados, donde advem que o termo "transdata" significa transporte de dados, e essa actividade não e exercida pela autora.
Deve dizer-se, desde ja, que não se compreende bem uma tal argumentação, sabido como e que a denominação da autora se encontra registada e as res se limitaram a pedir, na sua contestação, a improcedencia da acção.
De qualquer maneira importa referir que a argumentação desenvolvida não colhe.
Em primeiro lugar (que) o elemento "trans" não significa transporte. Trata-se de um prefixo latino que significa "para alem" ou "alem de" e "excesso", (confere Grande Enciclopedia Portuguesa e Brasileira, volume 32, paginas
489 e Elementos de Gramatica Portuguesa por Adriano A Gomes, paginas 119).
Admitindo que o termo "data" se refere a "dados", resulta que a actividade da autora vai para alem dos dados:- não se limita a proceder a sua recolha, mas os estuda e trata.
E, sendo assim, resulta ser legitimo, por parte da autora, o uso da indicação de fantasia "transdata", visto ela ter uma relação directa e evidente com o ramo de actividade por ela exercido.
Nos termos expostos se acorda em conceder revista, revogando-se o acordão recorrido para que subsista a decisão da primeira instancia que absolveu as res dos pedidos formulados na petição.
Custas nas instancias e neste Supremo Tribunal a cargo da autora.
Lisboa, 23 de Maio de 1991.
Pereira da Silva,
Maximo Guimarães,
Tato Marinho,
Sampaio Silva,
Roger Lopes, (vencido, conforme declaração que junto).
Declaração de voto:
Vencido.
I - O artigo 15 do Decreto-Lei n. 231/81 de 28 de Julho, interpretado na perspectiva de que o consorcio não gera uma nova pessoa juridica, impõe que a sua denominação seja constituida, apenas, pela junção dos nomes dos seus membros.
II - O vocabulo "Transdata" tanto pode inculcar a ideia de "Transporte de dados" como a de "transacção de dados" e, nesta ultima acepção, entra na denominação da autora.
III - O mesmo vocabulo e o elemento, preponderante nas duas denominações e e empregado, isoladamente, tanto na Portaria n. 291/85 de 18 de Maio, como no Regulamento que lhe esta anexo.
IV - Os potenciais clientes da autora ou do consorcio não terão a sua disposição imediata os textos da constituição daqueles, necessitarão de variados serviços de Informatica, fixarão em primeiro lugar, ou mais facilmente o vocabulo "Transdata" e poderão ser induzidos em erro.
Confirmaria, por estes fundamentos, o acordão recorrido.
Roger Lopes.