Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
067594
Nº Convencional: JSTJ00003701
Relator: DANIEL FERREIRA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CASO JULGADO PENAL
EXTINÇÃO DO CASO JULGADO
ACÇÃO CIVEL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198007080675942
Data do Acordão: 07/08/1980
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1980/10/21, PÁG. 3533 A 3535 - BMJ Nº 299 ANO 1980 PÁG. 111
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR PROC PENAL.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CE54 ARTIGO 68.
CPP29 ARTIGO 34 PAR3.
CPC67 ARTIGO 46 A ARTIGO 193 N4 ARTIGO 199 ARTIGO 449 N1 N2 C ARTIGO 471 N2 ARTIGO 496 A ARTIGO 498 ARTIGO 500 ARTIGO 661 N2 ARTIGO 763 N1 ARTIGO 766 N3 ARTIGO 804 ARTIGO 805 ARTIGO 810.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC67594 DE 1978/05/04.
ACÓRDÃO STJ DE 1975/02/25 IN BMJ N244 PAG227.
Sumário :
A condenação em processo penal do responsavel por acidente de viação, em indemnização a liquidar em execução de sentença, constitui caso julgado, que obsta a que o lesado o possa demandar em acção declarativa civel tendente a obter indemnização pelo mesmo facto, ainda que proposta tambem contra a mesma seguradora.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:

A, identificado nos autos, recorreu para o Tribunal Pleno do acordão certificado a folhas 6 e seguintes, proferido por este Supremo Tribunal em 4 de Maio de 1978, com o fundamento de que ele esta em oposição, relativamente a solução dada a mesma questão fundamental de direito, com o acordão deste Tribunal, de 25 de Fevereiro de 1975, transitado em julgado e publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 244, a paginas
227 e seguintes.
Por acordão da 2 Secção Civel deste Tribunal de folhas 18 foi reconhecida a existencia da oposição invocada e mandado prosseguir o recurso.
Na sequencia deste e quanto ao objecto do mesmo, apresentou o recorrente a alegação de folhas 23 e seguintes, na qual terminou por pedir a revogação do acordão recorrido e a condenação do reu no pedido, visto ter sido citado para a causa e não ter oferecido nela a sua contestação e que fosse formulado assento no sentido de que "condenado o reu em processo criminal por acidente de viação, na indemnização a liquidar em execução de sentença, pode o ofendido demanda-lo tambem na acção declarativa de condenação que proponha posteriormente contra a companhia seguradora da respectiva responsabilidade civil que foi estranha aquele processo criminal em que foi condenado o seu segurado e autor do acidente, pedindo, em conjunto, a condenação no pedido certo e determinado que nesta acção se deduz".
Adoptava o recorrente, fundamentalmente, a doutrina que resultava do acordão citado em oposição de 25 de Fevereiro de 1975.
O recorrido não alegou.
O Excelentissimo Procurador-Geral Adjunto, analisando o tema do conflito jurisprudencial exposto nestes autos, emitiu o douto parecer a folhas 32 e seguintes e concluiu que deve firmar-se assento no sentido de que "condenado o lesante, em processo penal, a indemnizar no que se liquidar em execução de sentença por responsabilidade civil conexa com a responsabilidade penal decorrente de infracção a disciplina do transito, não pode o lesado, na acção que proponha nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada contra a seguradora , demanda-lo tambem a ele, por a tal obstar a excepção de caso julgado".
Corridos os vistos, cumpre decidir:
1 - Como resulta do n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil pode agora e ainda este Tribunal decidir em sentido contrario do acordão da Secção que, nos termos ja ditos, reconheceu a existencia de oposição dos julgados em confronto.
Reexaminando tal questão, este Tribunal não encontra fundamento para concluir em contrario do que a referida Secção decidiu. Na verdade, a oposição notada entre os acordãos de 25 de Fevereiro de 1975 e o de 4 de Maio de 1978 consiste no seguinte:
- Enquanto no primeiro destes acordãos se decidiu que o lesado em acidente de viação, depois de ter obtido, em processo crime, a condenação do lesante por sentença transitada em julgado no pagamento de indemnização a liquidar em execução de sentença (isto de conformidade com o paragrafo 3 do artigo 34 do Codigo de Processo Civil), pode demandar em posterior acção com processo especial nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada, não so a companhia seguradora mas tambem o lesante sem que, quanto a este, o pedido formulado em tal acção importa contradição com a causa de pedir, irregularidade da petição, ofensa de caso julgado e erro no emprego da forma do processo, - no segundo acordão (o recorrido) entendeu-se, perante o mesmo condicionalismo, que a acção civel, proposta subsequentemente, importa, quanto ao lesante, erro no emprego da forma de processo por o adequado ser o da acção executiva.
Embora os fundamentos invocados nos acordãos em presença não coincidam em toda a sua extensão, a questão fundamental de direito que ambos decidiram e essencialmente esta: se o lesado pode demandar em acção especial de condenação nos termos do artigo 68 do Codigo da Estrada, tambem o lesante alem da companhia seguradora que, como simples responsavel civil, não interviera no processo crime anteriormente instaurado e no qual o lesante fora condenado, por sentença transitada em julgado a pagar indemnização a liquidar em execução de sentença.
Os dois acordãos pronunciando-se sobre esta questão, embora apoiados em fundamentos diferentes, chegaram a conclusões diametralmente opostas como resulta do que foi exposto.
Ora, e a oposição das respectivas soluções que, nos termos do artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil, precisamente fundamenta e justifica o recurso de que se trata e a intervenção deste Tribunal Pleno.
2 - Passemos, pois, a conhecer do fundo, em ordem a solucionar o exposto conflito de jurisprudencia: a) Contrariamente ao que o recorrente pretende insinuar, a sentença proferida em processo crime nos termos do paragrafo 3 do artigo 34 do Codigo de Processo Penal, constitui verdadeiro titulo exequivel ou executivo.
Esta disposição o declara expressamente na sua parte final e o mesmo decorre dos termos latos em que a expressão "sentença condenatoria" se encontra empregada no artigo 46, alinea a), do Codigo de Processo Civil.
Alias, a falta de indicação em termos precisos do "quantum" indemnizatorio não subtrai a dita sentença virtualidade executiva.
Refere a este proposito o Professor Jose Alberto dos Reis, com a autoridade e clareza que todos lhe reconhecem:
"Em regra, a liquidez do credito não e condição de exequibilidade dos titulos. Uma sentença, um auto de conciliação e uma escritura publica não deixam de ser titulos executivos pelo facto de ser iliquida a obrigação do condenado ou do devedor; o que a lei determina e que a execução se não promova sem que a obrigação se torne liquida....
E nos termos dos artigos 805 a 810 que se faz a liquidação, que se converte em liquida a prestação iliquida" - Processo de Execução, 1 volume, pagina 117.
Esta liquidação constitui uma fase da propria execução e so por isso e que foi alterada a anterior redacção do artigo 804 daquele Codigo (Conselheiro Lopes Cardoso, Codigo de Processo Civil Anotado, pagina 476). b) O recorrente retira do artigo 499, ns. 1 e 2, alinea c), do Codigo de Processo Civil, argumento no sentido de que o uso do processo executivo tem caracter facultativo ficando o autor que esteja munido de suficiente titulo executivo apenas sujeito a sanção do pagamento das custas da acção executiva quando seja desnecessaria a instauração deste por o titulo se apresentar com a manifesta força executiva.
Na obra atras citada, a paginas 201, adverte Jose Alberto dos Reis:
"Pode dar-se o caso de o credor apesar de dispor de um titulo exequivel, lançar mão da acção declarativa, em vez de se socorrer da acção executiva. - O credor renuncia a exequibilidade do titulo, tomando pelo caminho mais longo do processo de declaração, a que se seguira o processo de execução, quando podia imediatamente entrar na via executiva. Sera licito ao credor fazer isto?
Ha que distinguir duas hipoteses:
1 - O titulo executivo de que o credor esta provido e uma sentença;
2 - O titulo e diverso de sentença;
Na primeira hipotese e fora de duvida que o credor corre o risco de ver invocado o caso julgado. Se a questão ja foi decidida por sentença transitada em julgado, o credor não precisa de obter nem pode obter uma nova sentença, embora a primeira lhe tenha sido favoravel...".
E este o tratamento juridico adequado ao caso sub-judice como lucidamente proprõe o ilustre representante do Ministerio Publico no seu douto parecer.
A sanção do pagamento das custas a que o artigo 449, n. 2, alinea c), se refere aplica-se a titulos diversos de sentenças quando se verifique o condicionalismo ai previsto. c) Se fosse possivel demandar, na posterior acção especial, o lesante ja condenado no processo crime por sentença transitada, a pagar a indemnização que vier a liquidar-se em execução de sentença repetir-se-ia a demanda que conduzira a prolação duma sentença apta a ser executada. Partir-se-ia do mesmo facto danoso e a acção seria identica quanto aos sujeitos, ao pedido e a causa de pedir (artigo 498 do Codigo de Processo Civil).
Verificar-se-ia-como se verifica no caso em apreço-
- a excepção peremptoria do caso julgado da qual se pode conhecer oficiosamente (artigos 496, alinea a), e 500 do Codigo citado).
Não constitui obstaculo quanto a identidade do pedido o ter-se formulado um pedido generico no processo crime quanto a fixação da indemnização e em pedido liquido na acção declarativa. E que, como bem foi notado no dito parecer, a folhas 33 verso, a condenação em quantia iliquida contem ja virtualmente, a quantia a liquidar (artigos 471, n. 2, e 661, n. 2, do Codigo de Processo Civil).
A identidade dos sujeitos e da causa de pedir e evidente. d) Não sofre duvida que o uso, no presente caso, da acção declarativa, quanto ao lesante, e inadequado para se fazer a liquidação de quanto e devido pela indemnização. Tal liquidação, como se deixou dito, constitui uma fase do processo executivo.
Todavia, face ao modo como as coisas se apresentam, não podem considerar-se operante para a decisão o fundamento em que se apoiou o douto acordão recorrido, o da nulidade consistente no erro do processo empregado. E que formulando o autor um pedido de condenação do lesante no pagamento de certa indemnização - isto na acção proposta posteriormente a condenação em processo crime - e sem duvida o que foi empregado. E a face do pedido formulado que tem de ajuizar-se da adequação ou inadequação do meio processual usado. Isto resulta da conjugação dos artigos 193, n. 4, e 199 do Codigo de Processo Civil. e) a circunstancias de passar a ser tambem demandada a companhia de seguros por não ter intervindo no processo crime e de o lesado necessitar de obter titulo executivo contra ela não altera a doutrina enunciada, ja que e facultativa a intervenção de todos os responsaveis não sendo caso de litisconsorcio necessario. f) Nos termos expostos nega-se provimento ao recurso (embora não se perfilhem as razões do douto acordão recorrido ), absolve-se o recorrido B do pedido, condena-se o recorrente nas custas e estabelece-se o seguinte assento:

A condenação em processo penal do responsavel por acidente de viação, em indemnização a liquidar em execução de sentença, constitui caso julgado, que obsta a que o lesado o possa demandar em acção declarativa civel tendente a obter indemnização pelo mesmo facto, ainda que proposto tambem contra a mesma seguradora.

Lisboa, 8 Julho de 1980

Daniel Ferreira (Relator)- Abel de Campos - Avelino Ferreira Junior - Santos Vitor - Costa Soares -
- Hernani de Lencastre - Aquilino Ribeiro -
- Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - Octavio Dias Garcia - Henrique da Rocha Ferreira - Rui de Matos Corte Real - Augusto de Azevedo Ferreira - Oliveira Carvalho - Bruto da Costa - Rodrigues Bastos - Sebastião Sa Gomes -
- Manuel Arelo Ferreira Manso - Angelico Sequeira de Carvalho.