Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05A2606
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: SJ200510250026066
Data do Acordão: 10/25/2005
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1251/04
Data: 01/01/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - o art.º 751º do Cód. Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados, pelo que não está envolvido de sequela.
II - Assim, os direitos de crédito garantidos por tais privilégios cedem perante direitos de crédito garantidos por hipoteca.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Por sentença proferida em 22/6/98, foi declarada a falência de A - Companhia Internacional de Electrónica, S.A.
Aberto concurso de credores, foram reclamados os créditos seguintes:
1º - Banco B, S.A.: reclama crédito no valor de 1.543.207.793$00, proveniente do não pagamento de financiamentos concedidos à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 1.206.071.786$00;
2º - Banco C, S.A., actualmente Banco ...., S.A. - Sociedade ..., por fusão: reclama crédito no valor de 1.144.131.250$00, resultante do não pagamento de financiamento efectuado à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 667.712.609$00, e despesas no valor de 25.260.904$00, num total de 1.837.104.763$00;
3º - Banco D, S.A.: reclama crédito no valor de 1.442.212.973$00, proveniente do não pagamento de financiamento e garantias subscritas pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 196.977.479$00, num total de 1.639.190.451$00;
4º - Banco E, S.A.: reclama crédito no valor de 741.027.926$00, proveniente do não pagamento de financiamento sob a forma de conta corrente concedido à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 124.745.614$00, e imposto de selo no valor de 3.742.191$00, num total de 869.515.731$00;
5º - Magistrado do M.º P.º: reclama crédito no valor de 812.574.152$00, proveniente do não pagamento de contribuições (IVA, IRS, contribuição autárquica e juros);
6º - Banco ..., S.A.: reclama crédito no valor de 674.335.282$00, proveniente do não pagamento de financiamentos e livranças subscritas pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 83.999.654$00, e de imposto de selo no valor de 3.359.986$00, num total de 761.694.922$00;
7º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 467.575.125$00, proveniente do não pagamento de contribuições (contribuição autárquica, IRC, imposto complementar, contribuição industrial e contribuição de circulação), acrescido de juros vencidos no valor de 5.009.835$00, num total de 472.584.960$00;
8º - F,: reclama crédito no valor de 289.402.773$00, resultante do não pagamento de financiamento efectuado à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 146.643.953$00, num total de 436.046.726$00;
9º - Banco G, S.A.: reclama crédito no valor de 249.633.133$00, resultante do não pagamento de financiamento efectuado à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 88.643.430$00, e imposto de selo no valor de 3.545.737$00, num total de 341.822.301$00;
10º - "H", : reclama crédito no valor de 193.617.790$00, proveniente do não pagamento de financiamentos e livranças subscritas pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 18.881.320$00, num total de 212.499.110$00;
11º - Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo: reclama crédito no valor de 116.079.923$00, resultante do não pagamento de contribuições pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 67.477.459$00, num total de 183.557.382$0;
12º - "I", S.A.: reclama crédito no valor de 126.565.431$00, proveniente do não pagamento de livranças subscritas pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 10.784.068$00, e de imposto de selo no valor de 476.363$00, num total de 137.825.862$00;
13º - J, S.A.: reclama crédito no valor de 71.107.376$00, resultante do não pagamento de facturas referentes ao fornecimento de serviços à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 29.055.461$00, num total de 100.162.837$00;
14º - Banco K, S.A.: reclama crédito no valor de 55.096.004$00, resultante do não pagamento de financiamento efectuado à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 13.621.544$00, e despesas no valor de 544.862$00, num total de 69.262.410$00;
15º - Banco L, actualmente B.C.P.- Sociedade Aberta, por fusão: reclama crédito no valor de 21.475.000$00, proveniente do não pagamento de financiamento sob a forma de conta corrente caucionada, concedido à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 3.475.419$00, num total de 24.950.419$00;
16º - "M": reclama crédito no valor de 12.038.831$00, por não pagamento de dívida e juros proveniente de sentença condenatória proferida pelo 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu (processo n.º 281/96);
17º - "N": reclama crédito no valor de 7.554.254$00, proveniente do não pagamento, em contrato de avença, e despesas, referente a serviços prestados à falida;
18º - "O", L.da: reclama crédito no valor de 7.166.040$00, resultante do não pagamento de serviços prestados à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 340.000$00, num total de 7.506.040$00;
19º - "P": reclama crédito no valor de 2.892.600$00 proveniente do não pagamento como trabalhador, acrescido de indemnização no valor de 1.280.000$00 e juros vencidos no valor de 2.868.663$00, num total de 7.041.263$00;
20º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 6.798.900$00 proveniente de dívida pedida em acção n.º 2015/94 da 1ª Secção do 10º Juízo Cível de Lisboa;
21º - Q: reclama crédito no valor de 5.044.525$00, proveniente do não pagamento como trabalhador;
22º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 4.043.008$00, proveniente de dívida de custas em processo da 1ª Secção do 10º Juízo Cível de Lisboa (n.º 2015/94 - Ap. E);
23º - "R" e mulher, S: reclamam crédito no valor de 3.204.972$00, proveniente do não pagamento pela falida de indemnização pelos danos patrimoniais causados na fracção pertencente aos autores e liquidação do valor de uso de que a ré ilegitimamente beneficiou com a ocupação da fracção (acção n.º 101/96 do 2º Juízo e execução de sentença n.º 101-A/96, do Tribunal Judicial da comarca de Seia);
24º - "T": reclama crédito no valor de 3.134.804$00, proveniente de não pagamento como trabalhadora;
25º - C.R.S.S. de Lisboa e Vale do Tejo (Setúbal): reclama crédito no valor de 1.936.334$00, proveniente de não pagamento de contribuições pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 1.140.612$00, num total de 3.076.946$00;
26º - "U", Contabilidade, Gestão e Cobranças, L.da: reclama crédito no valor de 2.642.750$00, proveniente do não pagamento de serviços efectuados à falida (acção n.º 691/95 da 2ª Secção do 1º Juízo Cível de Lisboa);
27º - C.R.S.S. de Lisboa e Vale do Tejo (Santarém): reclama crédito no valor de 1.320.653$00, resultante do não pagamento de contribuições pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 881.647$00, num total de 2.202.300$00;
28º - "V": reclama crédito no valor de 988.315$00, proveniente do não pagamento como trabalhador, acrescido de indemnização no valor de 1.120.000$00, num total de 2.108.315$00;
29º - C.R.S.S. de Lisboa e Vale do Tejo (Coimbra): reclama crédito no valor de 1.272.896$00, resultante do não pagamento de contribuições pela falida, acrescido de juros vencidos no valor de 653.525$00, num total de 1.926.421$00;
30º - "X": reclama crédito no valor de 1.184.026$00, proveniente do não pagamento como trabalhadora, acrescido de indemnização no valor de 213.000$00 e de juros vencidos no valor de 280.224$00, num total de 1.677.250$00;
31º - AG: reclama crédito no valor de 822.090$00, proveniente do não pagamento como trabalhador, acrescido de indemnização no valor de 840.000$00, num total de 1.662.090$00;
32º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 735.617$00, proveniente de dívidas de custas em processo da 1ª Secção do 5º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (n.º 359/75 - Ap. H);
33º - "Z": reclama crédito no valor de 322.595$00, proveniente de não pagamento como trabalhadora, acrescido de indemnização no valor de 320.400$00, e juros vencidos no valor de 17.569$00, num total de 660.564$00;
34º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 591.999$00, proveniente do não pagamento de salários no valor de 573.749$00 à trabalhadora AH e de dívidas de custas no valor de 18.250$00 (proc. n.º 242/98 do 1º Juízo do Tribunal do Trabalho do Porto e Ap. F);
35º - Ministério Público: reclama crédito no valor de 446.876$00, proveniente de dívidas de custas em processo do 7º Juízo Cível do Porto (n.º 5643/94);
37º - C.R.S.S. de Aveiro: reclama crédito no valor de 232.729$00, proveniente da falta de pagamento de contribuições, acrescido de juros vencidos no valor de 127.912$00, num total de 360.641$00;
38º - M.ºP.º: reclama crédito no valor de 331.838$00, proveniente de dívida de custas em processo da 2ª Secção do Tribunal Judicial de Mangualde (n.º 34/95 - Ap. I);
39º - "AA": reclama crédito no valor de 174.020$00, proveniente de não pagamento como trabalhador, acrescido de juros vencidos no valor de 37.704$00, num total de 211.724$00;
40º - "AB", S.A.: reclama crédito no valor de 194.834$00, proveniente do não pagamento de facturas referentes à prestação de serviços à falida e juros, tendo esta reclamante desistido do pedido, o que foi homologado por sentença;
41º - M.ºP.º: reclama crédito no valor de 167.050$00, proveniente de dívida de custas em processo do 3º Juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra (n.º 293/94);
42º - "AC" - Elevadores, S.A.: reclama crédito no valor de 111.075$00, resultante do não pagamento de facturas referentes a serviços prestados à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 20.985$00, num total de 132.060$00;
43º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 116.723$00, proveniente de dívida de custas em processo da 2ª Secção do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (n.º 362/97);
44º - Administração do Porto de Lisboa: reclama crédito no valor de 102.216$00, resultante do não pagamento de serviços prestados à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 1.180$00, num total de 103.396$00;
45º - "AD" - Comércio de Pneus, S. A.: reclama crédito no valor de 61.445$00, proveniente do não pagamento de serviços prestados à falida, acrescido de juros vencidos no valor de 30.475$00, num total de 91.920$00;
46º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 78.000$00, proveniente de dívida de custas em processo do 7º Juízo Cível do Porto (n.º 5643/13/94);
47º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 68.600$00, por dívida de custas em processo da 2ª Secção do Tribunal de Círculo de Santo Tirso (n.º 215/95);
48º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 62.400$00 por dívida de custas em processo da 3ª Secção do 13º Juízo Cível de Lisboa (n.º 22.881/94);
49º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 46.800$00 por dívida de custas em processo da 2ª Secção do 3º Juízo Criminal de Lisboa (n.º 15.232/91.2. TI)/152/91);
50º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 18.978$00, proveniente do não pagamento de imposto de circulação e de dívidas de custas;
51º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 14.000$00, proveniente de dívida de custas em processo do 2º Juízo Criminal de Lisboa (n.º 809/95);
52º - Administração do condomínio do prédio urbano sito na Rua Tomás Ribeiro, n.º 90, Lisboa: reclama crédito no valor de 1.542.340$00, proveniente de dívida de quotizações de condomínio, acrescido de juros vencidos no valor de 28.906$00, num total de 1.571.246$00;
53º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 66.600$00, de dívida de custas em processo do Tribunal Central Administrativo (n.º 63083);
54º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 92.327$00, por dívida de custas em processo da 1ª Secção do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (n.º 7568/93/A);
55º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 2.131.650$00, proveniente de dívida referente a um processo do 1º Juízo Cível de Viseu (n.º 281/96B);
56º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 48.900$00 por dívida de custas em processo da 3ª Secção do 2º Juízo Cível de Lisboa (n.º 2798/97);
57º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 33.140$00 por dívida de custas em processo da 2ª Secção do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa (n.º 120/99);
58º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 140.240$00 por dívida de custas em processo da 2ª Secção do 4º Juízo Cível de Lisboa (n.º 11.146/D/95);
59º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 66.750$00 por dívida de custas em processo do 2º Juízo da 1ª Delegação do Tribunal do Trabalho de Lisboa (n.º 364/97/T);
60º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 48.900$00 por dívida de custas em processo da 3ª Secção do 12º Juízo Cível de Lisboa (n.º 209/98);
61º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 64.362$00 por dívida de custas em processo do 2º Juízo Criminal das Caldas da Rainha (n.º 50B/93);
62º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 291.650$00 proveniente de indemnização não paga à trabalhadora "AE", acrescida da quantia de 15.537$00 referente a exames médicos e deslocações ao tribunal e exames de especialista no valor de 6.000$00, num total de 313.187$00;
63º - "AF": reclama crédito no valor de 800.000.000$00, proveniente de dívida contratual por negócio com a falida;
64º - M.º P.º: reclama crédito no valor de 143.200$00, por dívida de custas em processo da 2ª Secção da 1ª Vara Cível de Lisboa (n.º 691/95).
Oportunamente foi proferido despacho saneador que decidiu não haver excepções nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração dos factos desde logo dados por assentes e a elaboração da base instrutória, com um único quesito que, efectuada a audiência de discussão e julgamento, foi considerado provado.
Proferida a sentença, foram julgados reconhecidos os créditos reclamados, acima enumerados, tendo-se procedido à sua graduação nos seguintes termos:

1º - As custas, aí se incluindo as despesas de administração, saem precípuas do produto da liquidação da massa falida;
2º - Do remanescente, pelo produto da venda de todos os bens móveis e imóveis da falida, pagar-se-ão pela seguinte ordem:
em primeiro lugar, os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores da falida P, Q, T, V, X, AG, Z, AH e AA (créditos n.ºs 19, 21, 24, 28, 30, 31, 33, 34 e 39);
em seguida, pelo produto dos bens móveis e dos créditos recuperados, todos os restantes créditos, já que não beneficiam de quaisquer privilégios;
pelo produto da liquidação dos bens imóveis garantidos pelas respectivas hipotecas, o crédito do Banco C (actualmente B.C.P.), o do B.E.S.C.L., o do B.I.C., e o do B.C.P.;
pelo remanescente e pelos demais bens, os restantes créditos não privilegiados.

Apelou o Banco Comercial Português, que além do mais invocou inconstitucionalidade do art.º 12º da Lei n.º 17/86, de 14/6, quando interpretado no sentido de que o privilégio imobiliário geral nele conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca, nos termos do art.º 751º do Cód. Civil.
A Relação concedeu provimento a esse recurso e graduou os créditos, na parte objecto da apelação, relativamente ao produto da venda dos bens hipotecados a favor do B.C.P., colocando em primeiro lugar os créditos garantidos por hipoteca reclamados pelo B.C.P., seguindo-se-lhe os créditos dos trabalhadores, e finalmente os demais créditos não privilegiados.
Tendo o M.º P.º recorrido para o Tribunal Constitucional sobre a dita questão da inconstitucionalidade, que a Relação entendera existir, aquele Tribunal, concedendo provimento a esse recurso, decidiu não julgar inconstitucional a dita norma do art.º 12º, mencionado, n.º 1, na interpretação apontada, revogando nessa parte a decisão ali recorrida, que deveria em consequência ser reformulada de acordo com o juízo então feito de não inconstitucionalidade.
Por isso foi proferido na Relação novo acórdão, nele se tendo julgado então, face ao decidido pelo Tribunal Constitucional nos termos acima referidos, improcedente a apelação, confirmando-se a sentença da 1ª instância.
É desse novo acórdão da Relação que vem interposta a presente revista, pelo B.C.P., que, em alegações, formulou as seguintes conclusões:
1ª - A sentença de graduação de créditos recorrida graduou incorrectamente os créditos dos ex-trabalhadores da falida, ao considerá-los com preferência sobre o produto da venda de todos os bens móveis e imóveis da falida, em detrimento dos créditos garantidos por hipoteca no que aos bens imóveis diz respeito;
2ª - Ainda que haja sido julgado que a invocada norma não está ferida de inconstitucionalidade, a norma aplicada na sentença da 1ª instância e agora no acórdão recorrido teria de conduzir a graduação diversa nos termos do Direito aplicável;
3ª - A leitura a fazer do art.º 751º do Cód. Civil deverá considerar que apenas os privilégios imobiliários especiais, e só estes, preferem sobre a hipoteca, sob pena de existir uma incoerência grave entre o art.º 686º, n.º 1, e o art.º 751º, do referido Código, desde o momento em que foram instituídos por lei privilégios imobiliários gerais;
4ª - O privilégio imobiliário conferido pelo art.º 12º da Lei n.º 17/86, de 14/6, é um privilégio imobiliário geral, pois incide sobre todo e qualquer bem imóvel existente no património do devedor, mesmo que com ele não tenha qualquer conexão, nem seja o facto gerador do respectivo crédito privilegiado;
5ª - O privilégio imobiliário conferido por aquele art.º 12º subsume-se à disciplina do art.º 749º do Cód. Civil, entendimento considerado por grande parte da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, reafirmando a prioridade dos créditos garantidos por hipoteca.
Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a graduação dos créditos reclamados por ele Banco recorrente (Banco Comercial Português e ex-Banco C) com preferência sobre os créditos da titularidade dos ex-trabalhadores da falida pelo produto da venda dos bens imóveis onerados com hipoteca a favor do recorrente.

Em contra alegações, quer o M.º P.º, quer o credor P, pugnaram pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos assentes com interesse para decidir a questão suscitada pelo recorrente nas suas alegações do presente recurso são os seguintes:

1º - Os créditos reclamados pelos ex-trabalhadores da falida, P, Q, T, V, X, AG, Z, AH, e AA (créditos n.ºs 19, 21, 24, 28, 30, 31, 33, 34 e 39), respeitam a remunerações laborais não pagas pela falida e a indemnizações;
2º - Os créditos reclamados, e reconhecidos, pelo Banco Comercial Português, encontram-se garantidos por hipotecas voluntárias constituídas em data anterior aos créditos dos trabalhadores sobre os imóveis apreendidos até aos montantes máximos de 23.400.000$00 (fracções A e B de Santiago do Cacém - verba n.º 3), de 34.542.720$00 (fracção A de Casais de Cambra constante do auto de apreensão e que corresponde à verba n.º 2), de 552.720.000$00 (fracção G (Lisboa) constante do auto de apreensão e que corresponde à verba n.º 4), e de 474.000.000$00 (fracção H (Lisboa) constante do auto de apreensão e que corresponde à verba n.º 4).

Decidido definitivamente neste processo, pela entidade com a última palavra a este respeito - Tribunal Constitucional -, não haver inconstitucionalidade do disposto no art.º 12º, n.º 1, da Lei n.º 17/86, de 14/6, quando interpretado no sentido de o privilégio imobiliário geral nele conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prevalecer sobre a hipoteca, mesmo que anteriormente registada, há que decidir se, à luz da lei ordinária, tal privilégio prefere efectivamente à hipoteca, como o entenderam a sentença da 1ª instância e o acórdão recorrido, ou se, ao invés, cede perante esta.
Tal é a questão suscitada pelo recorrente.
Encontra-se reconhecido que os aludidos créditos dos trabalhadores gozam de privilégio imobiliário geral, ao abrigo do disposto no art.º 12º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 17/86, de 14/6, ao passo que os créditos do ora recorrente se encontram garantidos por hipoteca registada anteriormente à declaração de falência.
Nos termos do art.º 686º, n.º 1, do Cód. Civil, a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Por sua vez, o privilégio creditório é a faculdade que a lei, em atenção à causa do crédito, concede a certos credores, independentemente do registo, de serem pagos com preferência a outros (art.º 733º do mesmo Código). Trata-se de uma garantia que visa assegurar dívidas que, pela sua natureza, se encontram especialmente relacionadas com determinados bens do devedor, justificando-se por isso que sejam pagas de preferência a quaisquer outras, até ao valor dos mesmos bens.
Os privilégios creditórios podem ser, como se vê do disposto no art.º 735º, n.º 1, do Cód. Civil, de duas espécies: mobiliários ou imobiliários. Os mobiliários são gerais, se abrangem o valor de todos os bens móveis existentes no património do devedor à data da penhora ou acto equivalente, ou especiais, quando compreendem só o valor de determinados bens móveis (n.º 2 do citado art.º 735º). Já os privilégios imobiliários, segundo o n.º 3 do mesmo artigo, eram sempre especiais.
Apesar do disposto neste n.º 3, alguns diplomas avulsos posteriores à publicação do Cód. Civil vieram criar privilégios imobiliários gerais.
É precisamente o caso da Lei n.º 17/86, de 14/6, que no seu art.º 12º dispõe que os créditos emergentes de contrato individual de trabalho, regulados por essa Lei, gozam de privilégio imobiliário geral (n.º 1, al. b), graduando-se antes dos créditos referidos no art.º 748º do Cód. Civil e ainda antes dos créditos por contribuições devidas à Segurança Social (n.º 3, al. b).
Mais recentemente, também a Lei n.º 96/2001, de 20/8, estabeleceu no seu art.º 4º que os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei n.º 17/86 gozam de privilégio imobiliário geral (n.º 1, al. b), graduando-se antes dos créditos referidos naquele art.º 748º e ainda dos créditos da Segurança Social (n.º 4, al. b).
Ora, quanto à eficácia dos privilégios creditórios em relação a terceiros, ou seja, ao conflito entre direitos dos credores e direitos de terceiro estabelecidos sobre os bens que constituem objecto do privilégio, há que distinguir entre privilégios mobiliários e imobiliários.
Sobre tal questão, ensina o Prof. Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 8ª edição, pág. 897, que, quanto aos privilégios mobiliários, os art.ºs 749º e 750º do Cód. Civil fixam as seguintes soluções:
"Tratando-se de privilégio geral, este não vale contra terceiros que sejam titulares de direitos oponíveis ao credor exequente, quer dizer, que não possam abranger-se na penhora; mas, tratando-se de privilégio especial, como a garantia incide sobre determinados bens, o legislador adoptou o critério da prioridade da constituição".
"Apura-se, deste modo, que os privilégios mobiliários gerais não conferem ao respectivo titular o direito de sequela sobre os bens em que recaiam (art.º 749º). Daí que se devam excluir da categoria das verdadeiras garantias reais das obrigações. Apenas existe algo de parecido com a eficácia própria dos direitos reais, enquanto o titular do privilégio goza de preferência, na execução, relativamente aos credores comuns do devedor".
"Pelo que toca aos privilégios imobiliários, determina o art.º 751º que "são oponíveis a terceiros que adquiram o prédio ou um direito real sobre ele; e, em confronto com as outras garantias reais (consignação de rendimentos, hipoteca ou direito de retenção), o privilégio prevalece, ainda mesmo que estas, sendo caso disso, se encontrem registadas e tenham data anterior".
Acrescenta, porém, logo de seguida, na pág. 898, o mesmo ilustre Professor: "Claro que a referida disciplina só abrange os privilégios imobiliários especiais. Foram estes que o legislador do Código Civil teve em conta".(Isto, claro, acrescentamos nós, porque só admitia privilégios imobiliários especiais). Assim, "às hipóteses que possam verificar-se de privilégios imobiliários gerais, criadas posteriormente, aplica-se o regime, há pouco indicado, dos correspondentes privilégios mobiliários (art.º 749º). Também não se qualificando, pois, como garantias reais das obrigações. Constituem meros direitos de prioridade que prevalecem, contra os credores comuns, na execução do património debitório".
No mesmo sentido se pronuncia o Prof. Menezes Cordeiro ("Direito das Obrigações", 2º Vol., págs. 500/501), quando escreve:
"A figura do privilégio imobiliário geral foi introduzida na nossa ordem jurídica pelo Dec. - Lei n.º 512/76, de 16 de Junho, em favor de instituições de previdência.
Este diploma não indica o regime concreto dos privilégios imobiliários gerais que veio criar.
Pensamos, no entanto, que o seu regime se deve aproximar do dos privilégios gerais (mobiliários) que consta do Código Civil.
Isto porque, dada a sua generalidade, não são direitos reais de garantia - não incidem sobre coisas corpóreas, certas e determinadas - nem, sequer, verdadeiros direitos subjectivos, mas tão só preferências gerais anómalas.
Assim sendo, deve ser-lhes aplicado o regime constante do art.º 749 do Cód. Civil: nomeadamente, eles não são oponíveis a quaisquer direitos reais anteriores ou posteriores aos débitos garantidos".
Ainda no mesmo sentido se pronuncia A. Luís Gonçalves ("Privilégios Creditórios, Evolução Histórica, Regime e sua Inserção no Tráfico Creditício", in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. LXVII, pág. 7).
Entende-se, assim, que o referido art.º 751º do Cód. Civil contém um princípio geral insusceptível de aplicação ao privilégio imobiliário geral, por este não incidir sobre bens determinados e pelo facto de os privilégios imobiliários gerais não serem conhecidos aquando do início da vigência do actual Código Civil, o que implicava que, dizendo o n.º 3 do art.º 735º que os privilégios imobiliários eram sempre especiais, só a privilégios imobiliários especiais o art.º 751º se podia referir, só estes, portanto, preferindo à hipoteca, aliás de harmonia com a referência aos privilégios especiais feita no dito art.º 686º, n.º 1. Não se compreenderia sequer que o legislador, perante a delicadeza da questão, se pretendesse integrar os privilégios imobiliários gerais no regime do art.º 751º, não procedesse à alteração radical de regime que tal determinaria no que respeita àqueles n.º 3 do art.º 735º e n.º 1 do art.º 686º, deixando subsistir enormes dúvidas susceptíveis de provocar grave insegurança no comércio jurídico e concorrendo para defraudar legítimas expectativas dos credores hipotecários, por ele próprio criadas. Logo, se não produziu tal alteração, só pode ser porque não quis integrar os privilégios imobiliários gerais no regime do citado art.º 751º.
E tanto é assim que, entretanto, o Dec-Lei n.º 38/03, de 8/3, veio dar nova redacção ao dito art.º 751º, que passou a referir apenas, de forma expressa, os privilégios imobiliários especiais: ou seja, apenas estes, e não os gerais, é que preferem à consignação de rendimentos, à hipoteca ou ao direito de retenção.
Tal diploma veio, pois, decidir a questão já então controvertida de saber quais dos créditos ora em causa devem ser graduados em primeiro lugar, questão essa forçosamente conhecida do legislador e que este quis resolver excluindo explicitamente do art.º 751º os privilégios imobiliários gerais. Assim, constitui esta nova formulação uma norma de natureza interpretativa, que, nos termos do art.º 13º, n.º 1, do Cód. Civil, se integra naquele dispositivo e, consequentemente, nas leis que atribuíram aos créditos laborais privilégio imobiliário geral.
Conclui-se, pois, que os privilégios imobiliários gerais se traduzem em meras preferências de pagamento, só sendo susceptíveis de prevalecer em relação a titulares de créditos comuns, pois, não incidindo eles sobre bens determinados, - pelo que não estão envolvidos de sequela -, o regime aplicável tem de ser o dos privilégios mobiliários gerais a que se reporta o art.º 749º do Código Civil, cedendo os direitos de crédito por eles garantidos perante os direitos de crédito garantidos por hipoteca.
Daí que os créditos do recorrente, encontrando-se garantidos por hipoteca, anteriormente registada, hão-de gozar de prioridade, na sua graduação, sobre os créditos dos trabalhadores, que beneficiam de privilégio imobiliário apenas geral conferido pelo mencionado art.º 12º, n.º 1, al. b), tal como foi decidido, entre outros, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 3/4/2001, 19/3/02, 25/6/02, 3/4/03, 13/5/04, 22/6/04, 26/10/04 e13/1/05, os cinco últimos, pelo menos, susceptíveis de fácil consulta na Internet.
Entende-se, por isso, assistir razão ao recorrente.

Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e graduando-se os créditos reclamados e reconhecidos, no que respeita ao produto dos bens objecto da hipoteca constituída a favor do recorrente, nos mesmos termos, embora com diferente fundamentação, em que foram graduados pelo primeiro acórdão da Relação.
Custas pela massa falida.

Lisboa, 25 de Outubro de 2005
Silva Salazar,
Ponce de Leão,
Afonso Correia. (vencido)
-------------------------------------------
Declaração de vencido
É do seguinte teor o artigo 12.° da Lei 17/86:

(Privilégios creditórios)

1 - Os créditos emergentes de contrato individual de trabalho regulados pela presente lei gozam dos seguintes privilégios:
a) - Privilégio mobiliário geral;
b) - Privilégio imobiliário geral.
2 - Os privilégios dos créditos referidos no n.° 1, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça, sem prejuízo, contudo, das privilégios anteriormente constituídos, com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.
3 - A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte
a) - Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no n.° 1 do artigo 747.° do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737.° do mesmo Código;
b) - Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748.° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à Segurança Social.
4 - Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no número anterior.

A Lei nº 96/2001, de 20 de Agosto, reforçou os créditos dos trabalhadores, dando nova redacção ao art. 12º da Lei nº 17/86 e acrescentando o regime criado pelo art. 4º:

«O artigo 12º da Lei nº 17/1986, de 14 de Junho, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 12º [...]

1 - ..........................................
2 - Os privilégios dos créditos referidos no Nº 1, ainda que resultantes de retribuições em falta antes da entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, incluindo os créditos respeitantes a despesas de justiça.
3 - ..........................................
4 - .........................................»

...
Artigo 4º - Créditos dos trabalhadores exceptuados da Lei nº 17/86, de 14 de Junho

1 - Os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua violação não abrangidos pela Lei nº 17/1986, de 14 de Junho, gozam dos seguintes privilégios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário geral.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os créditos de carácter excepcional, nomeadamente as gratificações extraordinárias e a participação nos lucros das empresas.
3 - Os privilégios dos créditos referidos no nº 1, ainda que sejam preexistentes à entrada em vigor da presente lei, gozam de preferência nos termos do número seguinte, sem prejuízo, contudo, dos créditos emergentes da Lei nº 17/1986, de 14 de Junho, e dos privilégios anteriormente constituídos com direito a ser graduados antes da entrada em vigor da presente lei.
4 - A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737º do mesmo Código;
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos devidos à segurança social.
5 - Ao crédito de juros de mora é aplicável o regime previsto no artigo anterior.

Nos termos do artigo 377° do Código do Trabalho - Artigo 3° Entrada em vigor
1 - O Código do Trabalho entra em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003.
2 - Os artigo 33° a artigo 70° , artigo 79° a artigo 90° , a alínea e) do n° 2 do artigo 225° e o artigo 281° a artigo 312°, artigo 364° e artigo 624° só se aplicam depois da entrada em vigor da legislação especial para a qual remetem.
3 - O disposto no n° 2 do artigo 139° só se aplica depois da entrada em vigor da legislação especial prevista no artigo 138°.
Privilégios creditórios

1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) - Privilégio mobiliário geral;
b) - Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) - O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes dos créditos referidos no n° 1 do artigo 747° do Código Civil;
b) - O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

No Código do Trabalho Anotado, 3ª edição, de Pedro Romano Martinez, Luís Miguel Monteiro, Joana Vasconcelos, Pedro Madeira de Brito Guilherme Dray E Luís Gonçalves da Silva, na pág. 613 consta:

"São três as novidades relativamente ao direito anterior. A primeira consiste no alargamento do âmbito de aplicação dos privilégios creditórios a todos os "créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador". Surge-nos, depois, a graduação do privilégio mobiliário geral "antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil claramente diferente da que constava dos artigos 12.°, n.° 3, alínea a), da LSA e 4.°, n.°4, alínea a), da Lei n.° 96/2001. Refira-se, finalmente, a substituição do privilégio imobiliário geral, criado pelo artigo 12.°, n.° 1, alínea b), da LSA, e alargado a todos os créditos emergentes do contrato de trabalho pela alínea b) do mesmo preceito, por um privilégio imobiliário especial sobre os "bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade, graduado nos mesmos termos em que o era aquele".

Destes três conjuntos de normas resulta evidente a contínua e crescente preocupação do Legislador em dotar os créditos laborais de garantias que os colocavam, na fila dos credores, à frente do Estado e da Segurança Social.

..."o disposto no nº 3, al. b) do art. 12° da Lei nº 17/86, de 14/6 e nº 4, al. b) do art. 4º da Lei nº 96/2001, de 20/8, determina a aplicabilidade do regime previsto no art. 751° do Código Civil ao privilégio imobiliário por eles criado, na medida em que determina que a graduação dos créditos por ele garantidos - os créditos laborais - haverá de efectuar-se à frente dos créditos mencionados no art. 748º do Código Civil, créditos estes (do art. 748º) que beneficiam de privilégio imobiliário (especial).
A entender-se inaplicável o regime do art. 751° do C. Civil, criar-se-ia uma dificuldade de conjugação de tais normativos sempre que houvesse que proceder à graduação de créditos privilegiados referidos no art. 748° do C. Civil, créditos garantidos por hipoteca e créditos por salários em atraso, na medida em que estes cederiam, então, perante a hipoteca e aqueles (os do art. 748° do C. Civil) teriam de ficar à frente da hipoteca por força do art. 751º do C. Civil que não podia deixar de se lhes aplicar, tornando-se plenamente ineficaz (letra morta) a norma contida naqueles art. 12º, nº 3, al. b) da Lei nº 17/86 e 4º, n° 4, al. b) da Lei nº 96/2001, relegados que ficariam os créditos por salários em atraso para depois da hipoteca e, por consequência, para depois dos créditos referidos no art. 748º do C. Civil, prejudicando ou impedindo a aplicabilidade de tais preceitos legais - São palavras do Acórdão da Relação do Porto abaixo identificado.".
...
Em suma: ao mandar (Leis 12/86, 96/2001 e Código do Trabalho) graduar os créditos laborais antes dos créditos do Estado (art. 748º) que preferem à hipoteca (art. 751º) o Legislador quis, sem sombra de dúvida, colocar os créditos do trabalho à frente da hipoteca.

Nem se veja neste comando legal assim interpretado sombra de inconstitucionalidade.
São do Acórdão da Relação do Porto (Ex.mo Desembargador Fonseca Ramos) de 08-11-2004, na base de dados do ITIJ, Processo nº 0455436, Documento nº RP200411080455436, estas palavras:

«Poderíamos, citar a doutrina social da Igreja e as encíclicas papais "Rerum Novarum (1891), Quadragésimo Anno (1931), Mater et Magistra (1961) e Populo-rum Progressio (1967) ... para sustentar que o direito ao trabalho e ao salário são dos valores mais caros à dignidade humana e que constitui "pecado social" não pagar a quem trabalha, mas quedamo-nos pela Lei Fundamental que, a par da consagração do princípio da igualdade e da confiança, afirma no art. 59º, nº 1, a):

"Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna".
...
E no nº 3:
"os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei".

Considerar que a mora ou incumprimento da retribuição salarial, por não ser conhecida da generalidade dos credores, pode "surpreendê-los" no momento em que exercem o seu direito de reclamação creditória e, por isso, constituir um "ónus oculto" é, com o devido respeito, insustentável.

O empresário sabe que é um seu dever jurídico do maior relevo pagar a quem trabalha; as instituições previdenciais têm o dever de fiscalizar a situação contributiva de empregadores e empregados; a inspecção do trabalho deve assegurar o cumprimento da legislação laboral, e as entidades financiadoras, sejam elas bancos ou locadoras financeiras, dispõem de meios para acautelarem os seus interesses quando financiam as empresas. Assim, os agentes económicos sabem, ou podem saber, da real situação das empresas, não sendo razoável alegarem surpresa a menos que a falência seja fraudulenta. Importa é que sejam diligentes e cautos.
O princípio constitucional da igualdade - art. 13º da C. R. P. - não desprotege os trabalhadores com salários em atraso, sob pena de conceder um injustificado "privilégio", lá onde mais protecção se justifica, quando existe uma situação socialmente dramática, intolerável num estado de direito, qual seja a de não se dotar de garantia sólida e exequível o direito à retribuição salarial, tutelando-o com sólida armadura jurídica.

É certo que o princípio da segurança propiciado pelo registo desvanece a possibilidade de "surpresa", já que a sua função publicística evidencia a situação dos prédios, mormente, em caso de existência de garantia hipotecária.

Com fundamento na violação do princípio da confiança ... o Tribunal Constitucional ... [concretamente no Acórdão nº 363/2002, no DR IA, de 16.10.2002, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes do artigo 11° do Decreto-Lei n°103/80, de 9 de Maio, e do artigo 2° do Decreto-Lei nº 512/76, de 3 de Julho, na interpretação, segundo a qual o privilégio imobiliário geral nelas conferido à segurança social prefere à hipoteca, nos termos do artigo 751° do Código Civil.

Mas o mesmo Tribunal Constitucional, não podendo desconsiderar a protecção que a Lei Fundamental confere ao salário, no seu aresto nº 498/2003, de 22.10, publicado no D.R. II Série de 3.1.2004, pronunciou-se pela não inconstitucionalidade da norma constante da alínea b) do nº 1 do artigo 12º da LSA, "na interpretação segundo a qual o privilégio imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual de trabalho prefere à hipoteca", nos termos do artigo 751° do Código Civil, doutrinando:
...
«Com efeito, do lado do credor hipotecário está em causa a tutela da confiança e da certeza do direito, constitucionalmente protegidas pelo artigo 2º da Constituição e particularmente prosseguidas através do registo, como se observou, por exemplo, no Acórdão n.º 215/2000 (Diário da República, II série, de 13 de Outubro de 2000)...

Do outro lado, porém, encontra-se um direito constitucionalmente incluído entre os direitos fundamentais dos trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho, que visa "garantir uma existência condigna", conforme preceitua o artigo 59º, n.º 1, alínea a), da Constituição, e que o Tribunal Constitucional já expressamente considerou como direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias (cfr. Acórdão n.º 373/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20, p. 111 e segs. e Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, ed., Coimbra, p. 152, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 318, João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Trabalhadores e a Constituição, Coimbra, 1985, p. 141, nota 215 e João Leal Amado, ob. cit., p. 32, nota 44).

O caso dos autos coloca-nos, assim, perante uma situação de conflito entre um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, o direito dos trabalhadores à retribuição do trabalho, e o princípio geral da segurança jurídica e da confiança no direito.
...
Muito embora a falência da entidade empregadora seja também a falência da entidade devedora, é precisamente este último aspecto, ou seja, a retribuição como forma de assegurar a sobrevivência condigna dos trabalhadores, que permitiria justificar em face da Constituição a solução da norma impugnada, na interpretação aludida.
...
Acresce ainda que a inclusão, repita-se, para o efeito agora em causa, do direito ao salário e do direito à indemnização por despedimento no âmbito da tutela constitucional do direito à retribuição é a que mais se ajusta à referência constitucional a uma "existência condigna", exprimindo o que João Leal Amado (ob. cit., p. 22) designa de carácter alimentar e não meramente patrimonial do crédito salarial, neste sentido (ou seja, no confronto com os créditos dos titulares de direitos reais de garantia levados ao registo).

Nesta conformidade, deve entender-se que a restrição do princípio da confiança operada pela norma impugnada não encontra obstáculo constitucional».
...
«Discorrendo acerca do princípio da democracia social, que não consideramos alheio à complexa problemática do recurso, cabem as considerações do Professor Gomes Canotilho, in "Direito Constitucional e Teoria da Constituição", 6ª edição, pág. 348:

"Para além da dimensão subjectiva do princípio da democracia social, implícita no reconhecimento de numerosos direitos sociais (direitos subjectivos públicos), o princípio da democracia social, como princípio objectivo, pode derivar-se ainda de outras disposições constitucionais. Desde logo, a dignidade da pessoa humana (cfr. art. 1°) é considerada noutros países como um princípio objectivo e uma "via de derivação" política de direitos sociais.
Do princípio da igualdade (dignidade social, art. 13°), deriva-se a imposição, sobretudo dirigida ao legislador, no sentido de criar condições sociais (cfr., também, art. 9º/d) que assegurem uma igual dignidade social em todos os aspectos (cfr. por ex., arts. 81.°/a, b e d e 93°/c).
Do conjunto de princípios referentes à organização económica (cfr. arts. citados) deduz-se que a transformação das estruturas económicas visa também uma igualdade social.
Neste sentido, o princípio de democracia social não se reduz a um esquema de segurança, previdência e assistência social, antes abrange um conjunto de tarefas conformadoras, tendentes a assegurar uma verdadeira "dignidade social" ao cidadão e uma igualdade real entre os portugueses (art.9º/d».

... estando em causa direitos fundamentais aparentemente colidentes, como sejam o direito de confiança ínsito no estado de direito e o direito ao salário, tendo este um valor mais relevante que aqueloutro, por contender com o indeclinável direito a uma vida digna e ter mais que natureza patrimonial, uma insofismável natureza alimentar, visando a subsistência pessoal, é este que deve prevalecer, numa hierarquia de normas constitucionais».

Dizer que aos privilégios imobiliários gerais regulados em leis avulsas se aplica o regime do art. 749º do CC porque no Código Civil os privilégios imobiliários eram sempre gerais (art. 735º, nº 3, do CC, na redacção originária) é proibir ao Legislador a conformação de interesses que só a Ele em cada momento compete e esquecer que a nova redacção dada ao referido nº 3 do art. 755º - Os privilégios imobiliários estabelecidos neste Código - As palavras sublinhadas foram acrescentadas pelo Dec-lei nº 38/2003, de 8 de Março. são sempre especiais - pelo Dec.-lei nº 39/2003, de 8 de Março, deixa intocados os privilégios imobiliários gerais constantes de leis extravagantes, como as aqui em causa.
Se os privilégios imobiliários gerais em causa não foram estabelecidos pelo CC, não há que lhes aplicar nenhuma norma do CC, nem dos privilégios gerais (art. 749º) nem dos especiais (art. 751º). Antes se deve respeitar a preferência estabelecida pela lei que os criou.

Tal preferência está claramente expressa no nº 4 do art. 4º da Lei nº 96/2001:
4 - A graduação dos créditos far-se-á pela ordem seguinte:
a) Quanto ao privilégio mobiliário geral, antes dos créditos referidos no nº 1 do artigo 747º do Código Civil, mas pela ordem dos créditos enunciados no artigo 737º do mesmo Código;
b) Quanto ao privilégio imobiliário geral, antes dos créditos referidos no artigo 748º do Código Civil e ainda dos créditos devidos à segurança social.

Mandando graduar os créditos laborais à frente dos créditos do Estado com privilégio imobiliário - os do art.748º CC - o Legislador quis, por razões bem ponderosas e já julgadas sem mancha de inconstitucionalidade, conceder àqueles créditos preferência sobre créditos privados (e das autarquias e segurança social) como os do art. 751º do CC, designadamente a hipoteca, ainda que anterior, créditos estes sempre graduados atrás daqueles do art. 748º.

Perde todo o sentido a referência à nova redacção dada aos art. 749º e 751º do CC quando o intérprete se atenha, como deve - art. 8º, nº 2 e 9º, n.os 2 e 3 CC - à letra e sentido daquele art. 4º da Lei 96/2001, aceitando a graduação ali determinada, ou seja, à frente dos créditos do Estado do art. 748º que preferem à hipoteca.
Respeitando esta graduação fixada nas leis 17/86 e 96/2001 nenhuma lacuna (como dito nos Acórdãos deste Supremo Tribunal, de 22.6.2005, no Processo 05B1511 e de 5.5.2005, no Processo 05B835, da base de dados do ITIJ) ou ineficácia (como escrito nos Acórdão deste Tribunal, de 7.6.2005, no Processo 05A1774 e de 13.1.2005, Processo 04B4398, da mesma base de dados) existe que permita a aplicação, por analogia, do art. 749º do CC.

Assim como não colhe doutrina certamente muito perfeita de jure condendo mas imprestável de jure condito.

O novo Código do Trabalho - aqui inaplicável - abandonou a figura do privilégio imobiliário geral mas criou o privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade; e manteve exactamente nos mesmos termos a graduação do privilégio imobiliário especial que estabeleceu:
...
b) - O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes dos créditos referidos no artigo 748° do Código Civil e ainda dos créditos de contribuições devidas à segurança social.

Por fim, não pode deixar de notar-se que ao revogar o Acórdão recorrido, elaborado em obediência a decisão do Tribunal Constitucional que revogou o agora repristinado, este Supremo Tribunal está a desrespeitar a decisão de não inconstitucionalidade da Lei que criou estes privilégio dos créditos laborais, embora decida, confessadamente, à luz da lei ordinária.

Por tudo se impõe a graduação dos créditos salariais à frente da hipoteca.
Ribeiro de Almeida.
Nuno Cameira.