Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A4569
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
NULIDADE
PROPRIEDADE HORIZONTAL
OBRAS
CONSENTIMENTO
RECONVENÇÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
Nº do Documento: SJ200701310045696
Data do Acordão: 01/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Sumário :
I. Em processo Civil, nenhuma disposição legal impõe que a sentença se debruce sobre os factos julgados não provados, de modo a que à sua omissão corresponda a nulidade da al. d) do nº 1 do art. 668º do C. de Proc. Civil.
II. A dispensa da obrigatoriedade de elaboração do regulamento do condomínio prevista no art. 1429-A do Cód. Civil, em nada afecta a obrigatoriedade do consentimento de dois terços do valor do condomínio, previsto no art. 1422º, nº 3 do mesmo código, para a realização de obras que alterem a linha arquitectónica do imóvel.
III. A realização daquelas obras sem o referido consentimento é sancionada com a demolição das mesmas, independentemente de a realização daquelas estar ou não autorizada pela respectiva autarquia.
IV. Indeferido o pedido reconvencional no despacho saneador de que se não recorreu, transitou em julgado a mesma decisão, pelo que não podem os réus ver reapreciada essa rejeição no recurso de apelação que interpuseram da sentença final.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, na 2ª Vara de Competência Mista da comarca de Loures, contra BB e mulher CC, alegando, resumidamente, o seguinte:
- A A. é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “B” do prédio urbano correspondente ao lote nº. 5 e 5-A, sito na Rua Nuno Álvares Pereira, Vale Figueira, S. João da Talha, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. .......
- Os RR. são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “A” do mesmo prédio.
- A. e RR. residem nas respectivas fracções autónomas de que são proprietários.
- Nos termos da escritura de propriedade horizontal do prédio em causa, a fracção “A”, correspondente ao rés-do-chão do prédio, é constituída por habitação com 3 casas assoalhadas, cozinha, hall, despensa, varanda, casa de banho, logradouro e garagem na cave, sendo que, entretanto, os RR. aumentaram a área da sua fracção, ampliando-a para o logradouro em cerca de 30 m2.
- A área de construção ampliada foi fechada com paredes laterais, numa das quais foi aberta uma porta para o exterior, e coberta com uma placa de cimento armado, que funciona, também, como terraço, passando a constituir mais uma divisão da fracção dos RR. ligada interiormente a esta.
- A placa de cobertura da área ampliada pelos RR. foi executada cerca de 30 cm mais alta que a placa divisória das fracções da A. e dos RR. e encosta ao longo de cerca de 4 metros à parede exterior do edifício e a cerca de 60 cm de altura, na vertical, do parapeito das janelas da casa da A.
- Refere, ainda, que aproximadamente a meio da cobertura/terraço, e a cerca de 2,5 metros das janelas da A., sai uma chaminé vinda de dentro da área ampliada pelos RR., pela qual são expelidos diariamente fumos e cheiros que se espalham no ar até ao interior da casa da A., tornando-se incomodativos.
- As obras efectuadas pelos RR. não foram precedidas da apresentação de qualquer projecto na Câmara Municipal de Loures, nem da necessária licença camarária para a sua realização, e apesar de embargadas no início da sua construção, os RR. concluíram-nas.
- Apesar de já ter sido ordenada a sua demolição, nem os RR., nem os Serviços da.... de Loures procederam a tal demolição.
- Dado os RR. utilizarem o referido terraço/cobertura como zona de lazer, a casa da A. fica completamente devassada pela presença daqueles ao nível das suas janelas, retirando-lhe toda a privacidade e segurança da vida familiar da A., bem como as vistas que usufruíam de sua casa para o logradouro do prédio, tendo a A. de ter permanentemente as janelas e persianas fechadas.
- Acrescenta que a construção dos RR. impede o normal escoamento da água de uma varanda da A., já que foi fechado pelo exterior o orifício próprio para o efeito, provocando humidades e infiltrações para o interior da casa da A.
- Tais obras foram efectuadas sem qualquer autorização da A., ou deliberação dos condóminos, sendo que a existência das mesmas causa prejuízos à A. não inferiores a 50 000$00 mensais.
Conclui, pedindo sejam os RR. condenados a demolir todas as obras de ampliação efectuadas no logradouro da sua fracção autónoma, a colocar aquele no estado em que se encontrava antes da realização das mesmas e a indemnizar a A. pelos prejuízos que para ela resultam da existência de tais obras, à razão de 50 000$00 mensais até efectiva demolição daquelas e reposição do logradouro no estado inicial.
Contestaram os RR., alegando, em síntese, o seguinte:
Os RR. ampliaram a área da sua fracção em 16 m2, e não 30 m2 como refere a A., mas não utilizam, nem nunca utilizaram, a cobertura da cozinha, tanto mais que está coberta por tela, não sendo possível caminhar em cima deste tipo de revestimento.
- A cobertura da cozinha dos RR. ficou a cerca de 85 cm de altura do parapeito das janelas da casa da A., para além de que a chaminé daqueles encontra-se acima das janelas da A. e dista 3,5 m das janelas da marquise desta, o que torna impossível a entrada de fumos e cheiros no interior da sua casa.
- Os RR. na altura em que fizeram as obras, com a autorização da A., taparam o orifício por onde inicialmente era escoada a água da varanda, a qual já havia sido transformada em cozinha pela A.
- Tais obras realizadas em 1987 foram autorizadas e acompanhadas de perto pela A. e seu marido, excepcionando, assim, a prescrição do direito a uma indemnização invocado pela A.
Deduziram pedido reconvencional contra a A., alegando que esta, sem a autorização ou conhecimento dos RR., se apoderou de uma parte comum do prédio, construindo no sótão do prédio uma cozinha, uma sala e um quarto, obras essas que não foram precedidas de qualquer alteração do título constitutivo.
Terminam, pedindo a procedência das excepções peremptórias invocadas, com a sua absolvição do pedido formulado pela A., e da reconvenção, condenando-se esta a demolir as obras que efectuou nas partes comuns do prédio bem como a condenação da A. como litigante de má-fé, por esta ter alterado, conscientemente, a verdade dos factos e omitido factos relevantes para a decisão da causa, deduzindo uma pretensão cuja falta de fundamentação não ignora.
Na réplica, veio a A. responder à excepção da prescrição deduzida pelos RR. e impugnar o pedido reconvencional, alegando, em síntese, que:
- Enquanto se mantiver a lesão dos seus direitos, não há prescrição desses mesmos direitos;
- Quando comprou a sua fracção autónoma no início de 1979, já o sótão o edifício se encontrava ligado à mesma através de passagem aberta no tecto, sendo utilizado exclusivamente como espaço pertencente à fracção da A., com o conhecimento e sem a oposição dos RR., tendo, por isso, adquirido tal espaço por usucapião.
Conclui, pedindo a improcedência da reconvenção e do pedido de condenação por litigância de má fé.
Os RR. apresentaram tréplica, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas pela A., alegando, para tanto, que só passaram a residir na sua fracção em 1982, desconhecendo se o sótão do prédio, antes dessa data, já era utilizado pela A., e que esta fez várias inovações no sótão sem o conhecimento e consentimento dos RR., tendo estes permitido que a A. utilizasse aquele espaço na condição de fazerem uso do mesmo, caso necessitassem, e em contrapartida a A. autorizado que os RR. ampliassem a área da sua fracção em 16 m2.
Por despacho de fls. 126 a 130, já transitado em julgado, não foi admitida a reconvenção deduzida pelos RR.
Foi proferido despacho saneador e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, que sofreram reclamação por parte dos RR., a qual foi desatendida por despacho de fls. 236 e 237 dos autos.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com decisão da matéria de facto a que se seguiu a prolação da sentença que julgou procedente apenas o pedido de condenação dos réus na demolição da obra realizada pelos réus.
Inconformados, vieram os réus apelar daquela tendo o mesmo recurso sido julgado improcedente.
Mais uma vez inconformados, vieram os réus interpor a presente revista, tendo nas suas alegações formulado conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se vê que, para conhecer neste recurso, levantam as seguintes questões:
a) A sentença da 1ª instância é nula por ser completamente omissa quanto à matéria de facto não provada ?
b) Há contradição na sentença de 1ª instância entre a matéria de facto dada por provada e a decisão ali proferida ?
c) A inexistência de deliberação da assembleia de condóminos é irrelevante para a decisão aqui tomada ?
d) Apesar de os réus terem levado a cabo as obras sem precedência de projecto e licenciamento municipal, essa situação foi depois regularizada através da entrega de projecto e de construção e de especialidade, o que a Relação não valorizou ?
e) O tribunal demandado é incompetente em razão da matéria e, sendo tal questão do conhecimento oficioso, não poderia a Relação ter-se recusado a conhecer da mesma com o fundamento de se tratar de questão nova ?
f) A não admissão do pedido reconvencional pela 1ª instância constitui uma nulidade insanável que a Relação deveria ter conhecido ?

A recorrida não apresentou contra-alegações.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
Já vimos acima quais as concretas questões que os aqui recorrentes levantam para conhecer neste recurso.
Mas antes de mais vejamos os factos que as instâncias deram como provadas e que são os seguintes:
1) - Pela Ap. nº. .. - 25-Julho-1979, encontra-se inscrita a favor da A. a aquisição, por compra, da fracção autónoma designada por letra “B” do prédio urbano correspondente ao lote nº. ... e ...... da Rua Nuno Álvares Pereira, Vale Figueira, S. João da Talha, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. ...... (al. A) da matéria de facto assente).
2) - Pela Ap. nº. .. - 27-Abril-1979, encontra-se inscrita a favor dos RR. a aquisição, por compra, da fracção autónoma designada por letra “A” do prédio urbano correspondente ao lote nº. da Rua Nuno Álvares Pereira, Vale Figueira, S. João da Talha, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. .....(al. B) da matéria de facto assente).
3) - O prédio urbano correspondente ao lote nº. 5 e 5-A da Rua Nuno Álvares Pereira, Vale Figueira, S. João da Talha, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. ...... é constituído unicamente pelas fracções autónomas identificadas em A) e B) - al. C) da matéria de facto assente.
4) - Autora e RR. residem nas respectivas fracções autónomas de que são donos (al. D) da matéria de facto assente).
5) - A fracção autónoma identificada em B) corresponde ao rés-do-chão do prédio identificado em C) e é constituída por “habitação com três casas assoalhadas, cozinha, hall, despensa, varanda, casa de banho, logradouro e garagem na cave...” (al. E) da matéria de facto assente).
6) - Após a realização da escritura a que se reporta o documento de fls. 17 a 22, os RR. aumentaram a área da sua fracção, ampliando-a para o logradouro (al. F) da matéria de facto assente).
7) - A área de construção ampliada foi fechada com paredes laterais, numa das quais foi aberta uma porta para o exterior (al. G) da matéria de facto assente).
8) - A área de construção ampliada passou a constituir mais uma divisão da fracção autónoma identificada em B) e ligada interiormente a esta (al. H) da matéria de facto assente).
9) - E encosta ao longo de cerca de 4 metros à parede exterior do edifício (al. I) da matéria de facto assente).
10) - As obras levadas a efeito pelos RR. para ampliação da sua fracção não foram precedidas de apresentação de projecto na Câmara Municipal de Loures, nem de licenciamento municipal (al. J) da matéria de facto assente).
11) - Os RR. ampliaram a sua fracção autónoma para o logradouro em cerca de 16 m2, com o esclarecimento de que tal área corresponde à área de implantação, em 2 pisos (cave e rés-do-chão), sendo a área global de construção superior a 30 m2 (resposta aos quesitos 1º e 14º).
12) - A área de construção ampliada foi coberta com uma placa de cimento armado (resp. ao ques. 2º).
13) - Após a realização das obras pelos RR. a cobertura da cozinha destes ficou a cerca de 84 cm de altura do parapeito das janelas da casa da A. (resp. aos ques. 4º e 15º).
14) - Na cobertura, a cerca de 3,40 metros das janelas da marquise da A., saía uma chaminé vinda de dentro da área ampliada pelos RR., pela qual eram expelidos por vezes fumos, com o esclarecimento de que a mesma foi retirada do local (resp. aos ques. 5º e 16º).
15) - A construção do anexo pelos RR. alterou as condições de segurança do 1º andar (resp. ao ques. 9º).
16) - A A. tem frequentemente fechadas as janelas e persianas da sua casa (resp. ao ques. 10º).
17) - A construção levada a efeito pelos RR. retirou à A. as vistas de que esta usufruía de sua casa para o logradouro do prédio (resp. ao ques. 11º).
18) - Tais obras dos RR. foram efectuadas sem qualquer deliberação dos condóminos (resp. ao ques. 13º-A).
19) - A A. e seu marido acompanharam desde 1987 a realização das obras levadas a efeito pelos RR. (resp. ao ques. 17º).

Antes de passarmos para a apreciação das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso, diremos que aquelas são, essencialmente, as mesmas questões colocadas na apelação e que foram doutamente rejeitadas no acórdão em recurso pelo que bastaria a remessa para a fundamentação daquele, para a negação da revista agora peticionada.
Porém, sempre iremos conhecer das referidas questões embora de forma breve e sintética, até por o recurso não merecer grandes considerações tal é a evidência da sua improcedência.
a) Nesta primeira questão defendem os recorrentes que a sentença de 1ª instância é nula por ser completamente omissa em relação à matéria de facto não provada.
Tal como o douto acórdão recorrido sentenciou, nenhuma disposição legal impõe que a sentença se debruce sobre os factos não provados - cfr. art. 659º, números 2 e 3.
Não havendo qualquer imposição legal de apreciar esses factos, não se pode dizer que a sentença, que não os tenha apreciado, tenha omitido o conhecimento de qualquer questão de que cumpra conhecer, pelo que se não preenche o dispositivo da al. d), primeira parte, do nº 1 do art. 668º.
Por isso, a sentença de 1ª instância não cometeu a nulidade arguida.
Soçobra, assim, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão defendem os recorrentes que a mesma sentença de 1ª instância contém contradição entre a matéria de facto dada por provada e a decisão ali tomada.
A confirmar-se esta contradição, verifica-se-ia ali uma nulidade prevista no art. 668º, nº 1 al. c).
Também tal como já opinou a Relação não se verifica aquela contradição.
É habitualmente entendido que a contradição referida na mencionada al. c) consiste no erro lógico contraído na elaboração da sentença de modo a que o julgador, seguindo determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, em vez de a tirar, decide em sentido oposto ou divergente.
Ora segundo os recorrentes essa contradição consiste em tendo-se provado que a autora e o marido acompanharam desde 1987 as obras aqui em causa, levadas a cabo pelos réus, não se poder concluir que a autora não deu consentimento à realização das mesmas.
Os recorrentes ainda fazem apelo à matéria da fundamentação dada às respostas à matéria de facto.
Porém, nesta última parte tal não é de considerar por não constar da matéria de facto apurada pelas instâncias, não podendo este Supremo alterar aquela matéria, salvo nos termos da parte final do nº 2 do art. 722º, que não estão aqui em causa.
Também tal como entendeu a Relação, do facto de a autora ter acompanhado a realização das obras levadas a cabo pelos réus, em nada está em oposição com a referência a que aquela não autorizou a mesma realização, até pelo facto de tal consentimento ter sido quesitado directamente e ter sido tal julgado não provado – cfr. resposta restritiva dada ao quesito 17º.
Logicamente, nenhuma contradição há entre acompanhar a realização das obras – o que era inegável por as mesmas se realizarem no logradouro do imóvel habitado pela autora e o resultado das mesmas obras ter retirado vistas à habitação daquela – e não ter autorizado a realização daquelas.
São muito diferentes os conceitos de acompanhar ou ver a efectivação das obras de terceiro, por um lado, e haver autorizado a realização daquelas, por outro.
Por isso, se não verifica qualquer contradição no processo lógico em que se traduz a elaboração da sentença e, por isso, improcede, este fundamento do recurso.

c) Nesta terceira questão pretendem os recorrentes que a inexistência de deliberação da assembleia de condóminos é irrelevante para a decisão aqui em causa.
Ora apesar do disposto no art. 1429º-A do Cód. Civil, dispensar de elaboração de regulamento do condomínio no caso de haver menos de cinco condóminos, não deixa de ser exigido o consentimento de dois terços do valor do prédio, nos termos do art. 1422º, nº 3 do Cód. Civil, para a realização das obras em causa que alteraram a linha arquitectónica do imóvel, como bem decidiram as instâncias.
Daí que tendo a autora a maioria do valor do prédio – na permilagem da sua fracção, conforme documento de fls. 11-, e não tendo sido dada a autorização da autora para a realização das obras dos réus, tinham estas de ser mandadas demolir, com também doutamente decidiram as instâncias.
Por outro lado, ainda pretendem os recorrentes que houve um consentimento tácito da autora para a realização das obras.
Ora tal não resulta dos factos provados, tendo, como dissemos, sido dado por não provado o consentimento, e o silêncio da autora, nos termos do art. 218º do Cód. Civil, não equivale a consentimento.
Assim, soçobra, também, este fundamento do recurso.

d) Nesta quarta questão defendem os recorrentes que apesar de as obras dos réus terem sido realizadas sem precedência de projecto e de licenciamento camarário, foram regularizadas com a entrega de projecto de construção e de especialidade, o que a Relação não valorizou.
Ora antes de mais, tal como opinou o douto acórdão, a circunstância de as obras estarem ou não legalizadas pela autarquia em causa, nenhuma relevância tem para a decisão do pedido aqui em causa, pois o fundamento legal para o deferimento daquele pedido consta do disposto nos arts. 1422º, nº 1 al. a) e nº 3 e art. 1425º do Cód. Civil e não da violação das regras legais administrativas que condicionam a realização de obras em imóveis, como o Regulamento Geral das Edificações Urbanas.
Por outro lado, dos factos provados não resulta que as obras dos réus tenham sido aprovadas ou regularizadas pelas autoridades camarárias nem tal resulta, pelo menos de forma clara dos documentos de fls. 408 e segs. dos autos.
Naufraga, assim, mais este fundamento do recurso.

e) Pretendem os recorrentes nesta quinta questão que sendo o tribunal demandado incompetente em razão da matéria e sendo esta questão do conhecimento oficioso, não podia a Relação recusar-se a dela conhecer com o fundamento de se tratar de questão nova.
Ora efectivamente a questão da competência em razão da matéria é questão do conhecimento oficioso - art. 102º, nº 1.
Por isso, sendo apenas levantada a incompetência em razão da matéria nas alegações de recurso de apelação, apesar de constituir questão nova, por não ter sido levantada ou conhecida na 1ª instância, é de a conhecer no recurso, sob pena de se cometer uma nulidade, prevista no art. 668º, nº 1 al. d), primeira parte,
Porém, o douto acórdão em recurso, apesar de ter referido tratar-se de questão nova, dela conheceu – cfr segundo parágrafo de fls. 463 – onde se concluiu que “é manifesta a ausência de razão dos apelantes, que verdadeiramente nem justificam por que invocam a referida incompetência material”.
E tanto basta para ver que foi conhecida da referida questão, no sentido da sua rejeição.
É que sendo a competência material dos tribunais judiciais, a regra, nos termos do art. 66º do Cód. Civil e do art. 18º, nº 1do LOFTJ, teriam os recorrentes de esclarecer a que outra jurisdição era atribuída a competência para conhecer desta acção e a norma legal em que fundamentava tal alegação, para preencher a excepção, o que os recorrentes não fizeram – cfr. as alegações da apelação a fls. 401.
Logo, perante tamanha pobreza de fundamentação, não era exigível maior fundamentação da decisão de improcedência da referida incompetência.
E nem sequer os recorrentes nas alegações apresentadas na revista acrescentam qualquer outro fundamento para a referida incompetência, não dizendo qual o tribunal competente, nem a norma onde esta competência fosse deferida, para preencher a excepção à regra acima mencionada.
E também se não conhece qualquer disposição legal nesse sentido pelo que se mantém a competência em razão da matéria do tribunal demandado, imposta pela regra acima mencionada, com o que improcede este fundamento do recurso.

f) Finalmente, resta apreciar a questão de a não admissão do pedido reconvencional pela 1ª instância se tratar de nulidade insanável.
Facilmente se vê a ausência de qualquer razão nesta pretensão dos recorrentes.
As nulidades processuais constituem quaisquer desvios do formalismo processual seguido em relação ao formalismo processual prescrito na lei, a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.
Do regime legal destas que consta dos arts. 193º e segs., resultam vários princípios, entre os quais, o de que a nulidade é, em regra, meramente relativa, ou seja, depende de ser arguida em prazo fixo, e o princípio de que essa irregularidade é sanável, salvo disposição em contrário
Fora das nulidades principais previstas nos arts. 193º a 200º, que não estão em causa no caso dos autos, as nulidades não são do conhecimento oficioso – art. 202º - e só podem ser invocadas pelos interessados na observância da prescrição omitida.
Além disso, nos termos do art. 205º, nº 1, a parte interessada tem de argui-la no momento em que a mesma foi cometida, se a ela estiver presente e não o estando, pode argui-la no prazo de dez dias – art. 153º -, contado o mesmo prazo, do dia, após aquela, em que interveio em algum termo dele ou foi notificada para qualquer termo do mesmo, mas neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.
Ora no caso dos autos, foi o pedido reconvencional deduzido na contestação pelos réus, tendo tal pedido sido rejeitado no despacho saneador, despacho este de que os réus foram logo notificados e nada requerem ou impugnaram.
Desta forma, a referida rejeição constitui uma decisão em matéria processual que foi tomada e cuja não impugnação, levou ao trânsito em julgado, nos termos do art. 672º, ficando tal decisão definitiva nesta acção e não podendo ser reapreciada no recurso de apelação que versa a decisão final e não o despacho interlocutório proferido sobre a admissibilidade processual do pedido reconvencional.
Mas mesmo que se tratasse de uma nulidade, ter-se-ia de considerar uma nulidade geral que ficara sanada com a não arguição, nos termos do art. 205º, nº 1, logo decorrido o prazo de dez dias após a notificação do despacho saneador.
Soçobra, desta forma, mais este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida.
Custa pelos recorrentes.
Lisboa,31de Janeiro de 2007

João Moreira Camilo ( Relator )
Fernando Azevedo Ramos
Manuel Silva Salazar