Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I. RELATÓRIO
1. Elvensa, S.A., intentou a presente ação com processo comum de declaração contra, Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., que também utiliza a designação comercial C..., pedindo o seguinte:
“a) A condenação da ré ao pagamento, a título de compensação pelo dano da confiança, em montante nunca inferior a €50.000,00.
b) A condenação da ré a restituir-lhe as quantias transferidas à autora para construção da máquina, no valor global de €574.266,00.
c) A condenação da ré a pagar à autora, a título de juros vencidos, a quantia de €271.800,06.
d) A condenação da ré a restituir as quantias pagas pela autora, a título de encargo de impostos associados à transferência das quantias entregues e descritas na alínea a) deste pedido, no valor de €20.980,57.
e) A condenação da ré ao pagamento à autora, a título de lucros cessantes, da quantia de €507.679,80.”
Articulou, com utilidade, que contratou com a Ré que esta lhe fabricaria uma máquina, nos termos e condições descritas na petição inicial.
A Autora cumpriu as obrigações que sobre si impendiam nesse contrato e a Ré não cumpriu as suas.
O reiterado incumprimento da Ré levou a que a Autora resolvesse aquele contrato.
O comportamento da Ré causou à Autora os prejuízos mais bem descritos na petição inicial.
2. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação/reconvenção, alegando que cumpriu com todas as suas obrigações e foi a Autora que incumpriu com aquelas a que se vinculou naquele contrato, pelo que, o incumprimento e resolução do mesmo se ficaram a dever exclusivamente à conduta da Autora.
Quer por força da desistência unilateral do contrato operada pela Autora, quer pela resolução declarada por esta, que sustenta ser ilícita e ineficaz em relação à Ré, o contrato em questão tem de ser tido por extinto e a Autora tem de indemnizar a Ré pelos prejuízos que alegadamente sofreu, conforme descreve no articulado apresentado.
Conclui, pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição de todos os pedidos contra si dirigidos pela Autora.
Pede, a título reconvencional, a condenação da Autora a pagar à Ré a quantia de €523.060,30, acrescida de juros de mora legais contados desde a sua notificação para contestar o pedido reconvencional até integral pagamento.
Pede ainda a condenação da Autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da Ré, nunca inferior a € 5.000,00.
3. Através do requerimento, a Ré solicitou a retificação de um alegado erro de cálculo vertido na reconvenção e reduziu o seu pedido reconvencional para a quantia de €64.158,20, mantendo o pedido de juros.
4. A Autora replicou, reclamando a procedência da ação e improcedência da reconvenção, outrossim, pede a condenação da Ré como litigante de má-fé.
5. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou: “Da acção:
Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolve-se a ré dos pedidos deduzidos pela autora.
Absolver a ré do pedido de condenação como litigante de má-fé e condenar a autora na multa de 20 Uc como litigante de má-fé.
Do pedido reconvencional:
Julgar o pedido reconvencional totalmente procedente e em consequência, condena-se a autora/reconvinda a pagar à ré/reconvinte a quantia de € 64.158,09 (sessenta quatro mil cento e cinquenta e oito euros e nove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, vencidos e vincendos desde a notificação à autora do pedido reconvencional e até efectivo e integral pagamento.”
6. Inconformada, apelou a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., tendo o Tribunal a quo conhecido do recurso, proferindo acórdão, em cujo dispositivo enunciou: “Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a sentença recorrida.”
7. É contra este acórdão, proferido no Tribunal da Relação do Porto, que a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. se insurge, formulando as seguintes conclusões:
“1 – O recurso tem como objecto o erro na apreciação do direito, tendo como questões a versar pela recorrente são as seguintes:
- Incompetência Internacional do Tribunal Português;
- Incompetência Absoluta do Tribunal Judicial;
2 – ELVENZA S.A., empresa sediada no Equador, outorgou com ABILIO CARLOS PINTO FELGUEIRAS LDA, empresa sediada em Portugal um contrato de compra e venda de máquina, para o fabrico da máquina “Multibloc-Super”, e seus respectivos equipamentos.
3 - A recorrente na sua petição inicial, fundamentou a sua causa de pedir, no incumprimento das cláusulas escritas do contrato celebrado entre recorrida e recorrente.
4 - A recorrente esteve sempre convicta que o contrato outorgado entre os intervenientes seria um contrato de compra e venda de máquina.
5 - A recorrida nunca se deslocou ao Equador às instalações da recorrente, não tinha conhecimento onde eram as instalações da mesma ou onde seria instalada a máquina a fabricar.
6 - À recorrente nunca lhe foi demonstrado pela recorrida, quer por imagens, filmagens ou outra forma, que a máquina e seus equipamentos estavam fabricados e prontos a serem instalados.
7 - Estava no poder da recorrente, depois de receber a máquina ela própria escolher uma outra empresa para instalar a mesma.
8 - O nº 2 da cláusula quinta do contrato junto com a petição inicial sob o DOC 2, decorria que a instalação era por acordo das partes, e não por obrigação contratual.
9 - A compra e venda - em especial de coisa futura - a iniciativa e o plano do objeto a executar cabem ao que constrói ou fabrica a coisa.
10 - O empreiteiro realiza uma obra que lhe é encomendada, devendo executá-la segundo as diretrizes e fiscalização daquele que lha encarregou, respeitando o orçamento, a proposta, o projeto, o caderno de encargos e plano de trabalhos.
11 - A recorrente nunca pediu orçamento do acentamento da máquina encomendada e seus equipamentos, pois nunca foi vontade das partes que o contrato fosse uma empreitada.
12 - É requisito fundamental para se poder aferir ser um contrato de empreitada, existir um orçamento com avaliação e apreciação dos meios necessários para se realizar o empreendimento, devendo constar ou ser anexado um plano de trabalhos previamente aprovado.
13 - O contrato objetos dos presentes autos não se enquadra no conceito de obra material constante do artigo 1207.º do Código Civil.
14 - A compra e venda tem efeitos reais, ao passo que a empreitada tem sempre efeitos obrigacionais.
15 - A recorrida enviou à recorrente dois contentores com equipamentos, e não se deslocou ao Equador para os instalar.
16 - A restante máquina e equipamentos poderiam ter sido enviados pela recorrida e esta não pretender instalá-los no país de destino, até porque nada a obrigava a fazer a instalação.
17 - O artigo 471.º do Código Comercial, dispõe que o negócio se torna perfeito se o comprador examinar as coisas no ato de entrega e não reclamar, ou se, não as examinando logo, não reclamar no prazo de oito dias a contar dessa data, por se considerar “não verificada” a desconformidade de que trata o artigo 469.º.
18 - A solução legal prevista no artigo 469.º do Código Comercial visa tutelar os interesses do comprador, que corre o risco de adquirir mercadoria que não tem presente – e espera que a mercadoria que lhe venha a ser entregue corresponda à mercadoria que ele compraria se pudesse tê-la tido perante si e examinado aquando da celebração do contrato.
19 - Antes da propositura da ação, a recorrente não tinha informações que aferissem que verdadeiramente a máquina tinha sido produzida e estava supostamente nas instalações da recorrida pronta a ser enviada para as instalações da recorrente, em Equador, pelo facto da recorrida nunca a ter mostrado tanto por foto como por vídeo.
20 - Esperou recorrente que a recorrida produzisse e enviasse a máquina e os seus equipamentos faltando pagar um último montante acordada no contrato que ora se discute.
21 - A recorrente perdeu o interesse com o passar dos anos e resolveu o contrato conforme o documento DOC 7 junto com a petição inicial.
22 - A recorrente intentou os presentes autos contra a recorrida peticionando a anulação do contrato de compra e venda celebrado em Portugal e pedindo a condenação da recorrida em indemnizar a recorrente.
23 - Por se concluir estar perante um incumprimento de obrigações, um pedido de indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento, foram intentados os presentes autos no tribunal do domicílio do réu, junto do tribunal de Grande Instância ....
24 - A recorrente está convicta estar perante um contrato de compra e venda celebrado em Portugal.
25 - Resulta da sua petição inicial, um incumprimento da recorrida por não fabricar e enviar a máquina para as instalações da recorrente.
26 - O incumprimento da recorrida situa-se no território português e a indemnização a pagar à recorrente a ser prestado em Portugal.
27 - Vai de encontro com a convicção da recorrente o Acórdão de 23-05-2017 do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo nº 1012/16.8 T8CTB.C1, ao afirmar que “A competência afere-se, conforme entendimento jurisprudencial constante, face ao objecto da ação, tal como o autor o configura na petição inicial, sendo irrelevantes as alterações posteriores.”
28 - A exposição dos factos da recorrente na sua petição inicial e avaliando os pedidos realizados, a recorrente interpretou e concluiu que a competência internacional seria o Tribunal Português.
29 - O Tribunal em audiência prévia não apreciou, nem qualificou o tipo e o conteúdo do contrato celebrado entre as partes.
30 - Conclui-se que a falta de qualificação do contrato por parte do Tribunal de primeira instância, amordaçou a recorrente, no sentido de esta so em sede de sentença é que se deparou com um contrato de empreitada - prestação de serviços, cuja competência internacional seriam os tribunais equatorianos para dirimir o litígio.
31 - Não podia o Tribunal de primeira instância só na decisão final concluir que estávamos perante um contrato de empreitada, e se assim o fizesse, deveria de imediato, declarar-se internacionalmente incompetente para dirimir o litígio.
32 - A recorrente ao ter uma decisão surpresa do Tribunal de Primeira Instância, recorreu para o Tribunal “a quo”, no sentido de ser-lhe dado provisão ao considerar o tribunal de Grande Instância ... incompetente internacionalmente para dirimir o litígio, uma vez que o contrato foi enquadrado como sendo de empreitada.
33 - O Tribunal da Relação do Porto, não confirmou o provimento ao recurso, confirmando a competência do Tribunal da primeira instância para dirimir o litígio, o que salvo devido respeito um errado enquadramento legal.
34 - A competência dos Tribunais deve ser aferida em função dos termos em que a ação é proposta, no entanto, não significa que o tribunal esteja vinculado à qualificação jurídica errada.
35 - O juiz tem poderes oficiosos para proceder à qualificação jurídica dos factos e à determinação da norma aplicável, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do CPC, não estando pois o tribunal vinculado pela qualificação jurídica feita pelas partes - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-12-2020, proferido no processo n.º 12223/16.6T8PRT.P1.S1.
36 - As normas de direito internacional prevalecem sobre as normas de direito ordinário, (artigo 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
37 - Refere Lima Pinheiro - a venda de bens releva o lugar do (in)cumprimento da obrigação e, na prestação de serviços, o lugar de cumprimento da obrigação do prestador de serviços, o que nos leva a concluir mais uma vez que o Tribunal competente não pode deixar de ser considerado o Tribunal de Equador.
38 - O incumprimento decorrente de um contrato de empreitada apesar ter sido celebrado em Portugal, é o Tribunal do Equador internacionalmente competente.
39 - Verifica-se no DOC 2 junto com a Petição Inicial, o contrato foi redigido em língua espanhola, pelo que os outorgantes pretendiam atribuir jurisdição ao Tribunal do Equador.
40 - A jurisdição é concedida a um Tribunal em função da área territorial, com vista a facilitar o exercício da sua atividade, com o mínimo de custos materiais e humanos, sendo certo que o propósito das Convenções e Regulamentos Comunitários é, pois, o de tutelar o interesse da justiça, eximindo as partes ao ónus de superar dificuldades práticas à condução de uma lide em país estrangeiro.
41 - Tendo o tribunal de primeira instância ao não se declarar incompetente para a apreciação da presente ação, sendo internacional e territorialmente incompetente, violou as regras de competência internacional, pelo que deve o tribunal “ad quem” determinar a incompetência absoluta desse tribunal.
42 - Nos termos do nº 1 do artigo 104.º do CPC a incompetência é de caracter oficioso e deve ser conhecida oficiosamente pelo tribunal.
43 - O Tribunal de primeira instância errou na interpretação e aplicação do Direito, tendo em conta toda a legislação internacional, comunitária ao se declarar competente para dirimir o litígio.
44 - Andou mal o Tribunal “a quo” ao confirmar a competência do tribunal de Grande Instância ....
45 - No caso sub judice, a cláusula décima segunda do contrato que ora se discute nos presentes autos, recorrente e recorrida determinaram que a execução deste contrato seria regida pela legislação portuguesa ou legislação equatoriana onde se aplicar a matéria a tratar.
46 - A legislação comunitária e a legislação internacional são cristalinas ao considerarem que se estiver em litigio um contrato de empreitada, o lugar onde deveria ter sido cumprido a obrigação, é o lugar competente para dirimir o litígio, neste caso, o Equador.
47 - Ao focar-nos na Legislação comunitária, a mesma está de encontro com a linha de raciocínio da recorrente.
48 - No contrato junto sob o DOC 2 com a petição inicial, verifica-se que não existe pacto atributivo de exclusividade de jurisdição aos tribunais portugueses, para dirimir litígio relacionado com incumprimentos do contrato.
49 - Apenas a cláusula décima segunda tem uma alusão vaga à aplicação da legislação portuguesa ou equatoriana na resolução de qualquer litígio relacionado com a execução do contrato, sendo certo que, é de se concluir que, o lugar onde deve ser cumprida a obrigação é no Equador.
50 - A legislação comunitária, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 7º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, consagra que, a ação que, em matéria contratual, deve ser proposta nos tribunais do país onde, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.
51 - Existindo um pacto vazio ou vago na cláusula décima segunda do DOC 2 junto com a petição inicial quanto à competência dos tribunais, nomeadamente quanto à competência do tribunal português, significa que o tribunal que julgou a causa era internacionalmente incompetente para conhecer dos litígios emergentes desse contrato.
52 - Sendo o Equador um país da América Latina e Portugal um Estado Membro da União Europeia, a legislação comunitária afere que, o tribunal internacional territorialmente competente é o do lugar do cumprimento da obrigação, ou seja, em Equador.
53 - De acordo com a legislação comunitária, Convenção de Bruxelas e Convenção de Lugano, um contrato comercial celebrado entre um Estado-Membro e um país fora da União Europeia, consagra que o tribunal competente para dirimir qualquer litígio entre estes países é o lugar onde o serviço é prestado, ou seja no lugar onde deve ser cumprida a obrigação, (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23-09-2021, no âmbito do processo nº 30851/16.8T8LSB.L1-6).
54 - Em consonância com a legislação comunitária, Regulamento 44/2001 de 22 de Dezembro e toda a jurisprudência do existente define que, qualquer litígio entre os países da União Europeia, o tribunal competente é o tribunal onde deve ser cumprida a obrigação.
55 - Assim, qualquer empresa sediada em Portugal que tenha de fornecer bens ou serviços a um outro país dentro da União Europeia, é internacionalmente incompetente para dirimir qualquer litígio (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-05-2017, no âmbito do processo nº 1012/16.8 T8CTB.C1, e ainda no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-04-2016, no âmbito do processo nº 27630/13.8YIPRT-A.G1.S1).
56 - Do pondo de vista da legislação internacional, baseado na estrutura dos princípios UNIDROIT (Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado), a convenção de Haia também tem como objetivo regular de maneira uniforme o comércio internacional.
57 - Nos termos da al. b) do nº 2 do artigo 8º da Convenção sobre a lei aplicável aos contratos de compra e venda Internacional de mercadorias – Convenção de Haia – consagra que o contrato reger-se-á pela lei do Estado no qual o comprador tiver seu estabelecimento comercial no momento da conclusão do contrato, sempre que o contrato preveja expressamente que o vendedor deverá cumprir sua obrigação de entrega das mercadorias no referido Estado.
58 - Mais uma vez se conclui, de acordo com o direito internacional privado, o tribunal de Equador é o competente para dirimir o presente litígio, uma vez que, que era o lugar onde deve ser cumprida a obrigação de entrega da máquina e equipamentos produzidos pela recorrida.
59 - Ainda, sobre a escolha da lei aplicável, a convenção de Haia prevê, que a escolha da lei aplicável deve ser feita de maneira distinta das condições do contrato principal, e pode ser feito no próprio contrato ou então num acordo sobre a lei aplicável, distinguindo-se das cláusulas de jurisdição e de arbitragem.
60 - Em consonância com Gary Born, in International Arbitration: Law and Practice, Wolters Kluwer, Alphen aan den Rijn, Holanda, 2012, p. 55-56, além da lei aplicada ao contrato e ao procedimento arbitral, faz-se necessária a análise separada da escolha para determinar a lei que regula a validade substantiva da própria convenção de arbitragem.
61 - Destarte, mais uma razão da recorrente não concordar com a posição tomada pelo tribunal “a quo”, uma vez não podemos deixar de aferir que o tribunal de Equador é o competente para dirimir o presente litígio.
62 - No tocante à incompetência absoluta do tribunal judicial, consagra o artigo 4.º dos Princípios relativos à escolha de lei aplicável aos contratos comerciais internacionais (aprovados em 19 de março de 2015) que, “a escolha de lei ou a sua modificação deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato ou das circunstâncias do caso. Uma convenção de arbitragem ou de eleição do foro para decidir de quaisquer litígios decorrentes do contrato não é, por si só, equivalente à escolha de lei aplicável.”
63 - Novamente, andou mal o tribunal “a quo” ao confirmar que o tribunal de Grande Instância ... tinha competência para dirimir os presentes autos.
64 - Aponta a cláusula décima segunda do DOC 2 junto com a petição inicial que, a execução deste contrato será regida pela legislação portuguesa ou legislação equatoriana onde se aplicar a matéria a tratar, estipulando as partes acordo amigável como fonte de resolução de litígios e, no caso de não o alcançar, a sua submissão à arbitragem voluntária, caso em que cada parte nomeará um árbitro e estes, em conjunto, nomearão um terceiro árbitro que presidirá o tribunal.
65 - Verifica-se na cláusula décima segunda do DOC 2 que as partes definiram recorrer à arbitragem, apesar ser uma cláusula vazia, por não ser auto suficiente, uma vez que não estipula de forma clara e precisa quando e como a arbitragem será instituída e qual o tribunal arbitral competente para dirimir qualquer litígio.
66 - A cláusula do recurso à arbitragem ficou a constar do próprio contrato de que ora se discute.
67 - Ora, deveria primeiramente, ter sido apreciado esta cláusula compromissória do contrato que ora se discute, pelo princípio “pacta sunt servanda” e depois, sem consenso de ambas as partes ou sem a nomeação do tribunal arbitral competente, deveria ter prosseguido os autos, pese embora não era o tribunal internacionalmente competente para dirimir este litígio.
68 - As partes ao celebraram um compromisso arbitral, mas não ficou estabelecido qual a arbitragem, a alternativa prevista seria de levar a questão perante o Poder Judiciário para que então fossem determinadas em juízo as regras do procedimento arbitral, através da formalização do compromisso arbitral judicial.
69 - Face ao princípio consagrado no artigo 18º, nº1, da LAV, segundo o qual incumbe ao tribunal arbitral pronunciar-se sobre a sua própria competência, apreciando para tal os pressupostos que a condicionam - validade, eficácia e aplicabilidade ao litígio da convenção de arbitragem, deveria ter o tribunal de primeira instância abster-se de decidir sobre a matéria antes da decisão do tribunal arbitral. (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-01-2014 no âmbito do Processo nº 1257/13.2TBVCT.G1 da 2ª SECÇÃO CÍVEL).
70 - O tribunal de primeira instância deveria ter obrigado a que as partes recorressem ao tribunal arbitral competente para dirimir qualquer litígio devido ao compromisso arbitral da cláusula décima segunda do contrato que ora se discute.
71 - As partes poderiam assim ter escolhidos qualquer entidade arbitral, ou, inclusive, nomear a Câmara de Comércio Internacional – CCI, por ser um tribunal arbitral internacional com competências para dirimir os litígios emergentes de contratos internacionais ou com eles relacionados, de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional.
72 - A questão da determinação da jurisdição competente para a execução da cláusula compromissória nos contratos internacionais, de acordo com as normas de direito internacional prevalecem sobre as normas de direito ordinário.
73 - Tendo em conta o disposto no artigo 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e a legislação comunitária, a jurisdição competente para julgar a ação de execução da cláusula compromissória é o juiz que teria sido originariamente competente para conhecer do litígio se nenhuma arbitragem estivesse prevista.
74 - Assim, concluímos que neste caso, será necessário evocar as regras de competência internacional do Código de Processo Civil – CPC, para definir o juiz competente que iria conhecer da mencionada ação de execução, ou seja, o tribunal do Equador.
75 - Se assim não se entender, podemos sempre afirmar que, estamos perante uma cláusula compromissória – art. 1º, nº 2, 2ª parte da Lei 63/2011, de 14/12 – já que com tal convenção as partes cometeram a arbitragem (à decisão de árbitros) os eventuais litígios emergentes da relação jurídica contratual que entre si estabeleceram ao outorgarem o referido contratam, (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-09-2014, no âmbito processo nº 403/13.0TCGMR.G1.)
76 - As partes ao acordarem numa convenção de arbitragem para os litígios decorrentes do contrato que celebraram, e ao ser a ação proposta nos tribunais comuns, existiu, em violação da dita cláusula, a preterição de tribunal arbitral voluntário, o que gera a incompetência absoluta do tribunal, como decorre do disposto no art. 96º, al. b), do NCPC (2013). Constitui esta irregularidade uma exceção dilatória, como resulta do art. 577º, al. a) … (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 02-06-2015, no âmbito do processo nº 1279/14.6TVLSB.S1).
77 - A preterição de tribunal arbitral voluntário resulta da infração da competência convencional de um tribunal que tem competência para apreciar determinado objeto, de tal modo que seja instaurada num tribunal comum uma ação que devia ser proposta num tribunal convencionado pelas partes, (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-10-2005, no âmbito do processo nº 05A2222).
78 - Decorre do artigo 96º do CPC que a preterição do tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, constituindo uma exceção dilatória, conforme resulta da alínea a) do artigo 577º do CPP, obstando a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduzindo à absolvição da instância, conforme previsto no nº 2 do artigo 576º do CPC.
79 - O tribunal “a quo” andou mal quando decidiu que o tribunal era o competente decorre do princípio da competência, plasmado no artigo 18º da Lei da Arbitragem Voluntária, que, “(…) para decidir acerca da exceção de preterição do tribunal arbitral não tem o tribunal de apreciar a validade da convenção de arbitragem, sendo suficiente a existência de uma convenção de arbitragem que não seja patentemente nula” ( Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-03-2012, no âmbito do processo nº 3062/10.9TJVNF.P1).
80 - Nos termos do artigo 5º, nº 1 da Lei da Arbitragem Voluntária, “O tribunal estadual no qual seja proposta ação relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância…”.
81 - O tribunal a quo verificado que a cláusula décima segunda do contrato em causa nos autos é uma cláusula compromissória, convencionado o recurso à arbitragem como forma de resolução dos conflitos emergentes do contrato em apreço, incluindo a questão entre elas suscitada nos presentes autos, deveria ter apreciado primeiramente, por ser de conhecimento oficioso, e declarar-se incompetente para dirimir o presente litígio.
82 - Para as relações internacionais, o instituto da arbitragem é um mecanismo facilitador do desenvolvimento comercial harmônico entre os países, por permitir decisões mais satisfatórias para as partes, obtidas pela neutralidade característica deste método, pela ampla liberdade na escolha das leis e procedimentos que irão regular o litígio sob exame, bem como pela expertise de seus julgadores.
83 - Não se descortina que o art. 96º, alínea b) do CPC, seja inconstitucional por violação do art. 20º, n.º 1 da Constituição e do Princípio do Acesso ao Direito, na medida em que a LAV – Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011 de 14/12) continua a permitir o recurso aos tribunais estaduais nos casos de invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem. Pelo que, nos termos do art. 96º, b) do CPC a preterição do tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do Tribunal (Cfr. Acórdãos do STJ de 02-06-2015 no âmbito do processo nº 1279/14.6TVLSB.S1 e de 04-10-2005, no âmbito do processo nº 05A2222, disponíveis em www.dgsi.pt, entre outros).
84 - A cláusula compromissória (vazia ou cheia) e o compromisso arbitral têm a eficácia de extinguir qualquer processo judicial que trate de controvérsia cuja solução as partes contrataram submeter à arbitragem.
85 - O que, existindo uma convenção de arbitragem válida e interpondo uma ação judicial, em descumprimento daquela, levaria sempre à extinção do processo, sem apreciação do mérito.
86 - Pelo que, é nula a sentença quando, “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” - artigo 668º/1, alínea d), do CPC.
87 - Existindo um compromisso arbitral na cláusula decima segunda do contrato que ora se discute, deveria ter o douto tribunal de primeira instância declarado incompetente.
88 - Assim, é nula a sentença proferida pelo Tribunal de Grande Instância, uma vez que não decidiu pela incompetência na resolução dos presentes autos.
89 - O facto da recorrente ter partido do pressuposto que se tratava de um contrato de compra e venda de máquina, conduziu a que enquadrasse os tribunais portuguêses como os competentes.
90 - O tribunal de primeira instância ao qualificar o contrato sub judice, como contrato de empreitada, o tribunal competente automaticamente deveria ser apontado como aquele onde deveria ser cumprida a obrigação do contrato, ou seja, num tribunal Equatoriano, uma vez que a nossa Constituição ordena aplicar a legislação/convenção internacional, declarando-se o tribunal de primeira instancia incompetente para dirimir o litígio.
91 - A não qualificação do contrato pelo tribunal de primeira instância na audiência prévia, fez com que o tribunal de primeira instância não tomasse acertivamente uma posição quanto à competência do tribunal judicial português para dirimir o litígio.
92 - Ao ser só em sede de sentença que o tribunal qualificou o tipo de contrato, impediu de ser suscitado as excepções que ora se recorrem.
93 - O Tribunal “a quo” andou mal, quando afirma ser irónico “a recorrente depois de decidir intentar a ação no Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, uma vez proferida a sentença, venha arguir a incompetência internacional, considerando que compete para dirimir um litígio era o ..., no Equador.
94 - Em boa verdade, não existe ironia de ninguém, a recorrente apenas quer que se faça justiça, e que a mesma siga os inúmeros acórdãos, tratados, convenções e regulamentos intracomunitários e internacionais que são transparentes no sentido de atribuir competência ao lugar onde deve ser cumprida a obrigação, que no caso é no Equador.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser revogado o acórdão recorrido, pelos fundamentos supra expostos e, em consequência, ser declarado a incompetência internacional dos Tribunais Portugueses para dirimir o litígio, e serem declarados os Tribunais do Equador os competentes para dirimir o litígio, ou, se assim não se entender, ser revogado o acórdão recorrido, pelos fundamentos supra expostos e, em consequência, ser declarado a incompetência absoluta do tribunal de Grande Instância ..., para dirimir o litígio, e em consequência, deverá ser declarado o Tribunal Arbitral para dirimir o litígio, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA.”
8. A Recorrida/Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista, sem deixar de afirmar que está processualmente vedado à Recorrente interpor recurso a respeito da incompetência absoluta do Tribunal para julgar a ação, por alegada violação de cláusula compromissória, na medida em que a questão suscitada não se inclui no núcleo dos casos previstos na lei adjetiva em que a revista é sempre admissível.
9. Foram dispensados os vistos.
10. Cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. A questão a resolver, recortada das alegações apresentadas pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., consiste em saber se:
(1) Há fundamento para alterar o acórdão recorrido que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão das regras de competência internacional, importando que se declare o Tribunal português incompetente para conhecer da ação em causa, outrossim, ao conhecer da exceção de preterição de tribunal arbitral, impõe-se infirmar que a Instância de ... tinha competência para dirimir os presentes autos?
II. 2. Da Matéria de Facto
Factos Provados:
“1. A Autora dedica-se à atividade de Construção Civil, realizando obras pesadas, produção e comércio de blocos de cimento e prestação de serviços de Engenharia Civil.
2. A Ré dedica-se a atividade de fabricação de máquina e equipamentos de construção civil, cerâmica e vidro (alínea A) dos factos assentes).
3. A A. surgiu à R. em inícios do ano de 2013, por iniciativa daquela, pretendendo informação acerca das características de várias máquinas industriais, nomeadamente, das características relacionadas com a máquina descrita na cláusula terceira do contrato supra referido.
4. Na sequência dos diversos esclarecimentos que então lhe foram prestados, a A. manifestou à R. o interesse na encomenda do fabrico, fornecimento e montagem da máquina de produção de blocos de cimento identificada no anterior ponto 4, fazendo deslocar os seus responsáveis desde o Equador até Portugal, a fim de conhecerem as instalações fabris da R. e, bem assim, concretizarem as condições do referido negócio (confissão efectuada pela autora, através do depoimento de parte do seu legal representante em sede de audiência de julgamento – os factos da assentada referem-se à contestação).
5. Para tanto, a A. disponibilizou à R. a planta do local onde pretendia que a máquina fosse instalada, segundo as necessidades e a conveniência da sua organização fabril, bem como, o espaço aí disponível para esse efeito (confissão efectuada pela autora, através do depoimento de parte do seu legal representante em sede de audiência de julgamento – os factos da assentada referem-se à contestação).
6. Baseada nas indicadas informações, mas não só, a R. projetou uma máquina com a configuração própria para ser acolhida no aludido local e espaço, dentro da unidade fabril da A. tratando-se, por conseguinte, de uma máquina especificamente concebida e projetada para as necessidades deste concreto cliente (confissão efectuada pela autora, através do depoimento de parte do seu legal representante em sede de audiência de julgamento – os factos da assentada referem-se à contestação).
7. Ainda nessa ocasião foram estabelecidos entre a A. e a R. os termos, os valores envolvidos, os prazos de pagamento e de fabrico, fornecimento e montagem do dito equipamento, tudo segundo os interesses e as necessidades de ambas as partes.
8. Este negócio revestiu-se para a Ré de um interesse acrescido, já que se tratou do primeiro contrato desta natureza celebrado com uma empresa sedeada no Equador e, nesse sentido, podia funcionar como uma porta de entrada no mercado desse país.
9. Foi com esse fito que a R. aceitou reduzir substancialmente a sua margem de lucro no fabrico do aludido equipamento, por entender que a sua entrada no mercado equatoriano poderia vir a tornar-se rentável com novas e futuras encomendas.
10. Assim, a Autora a contatou a Ré para lhe fabricar uma máquina de fabrico de blocos de cimento (alínea B) dos factos assentes).
11. Em 11 de Julho de 2013, Autora e Ré outorgaram um contrato, mediante o qual a Ré se comprometeu a fabricar, entregar e montar à Autora, mediante o pagamento por esta da quantia de € 846.133,00 (oitocentos e quarenta e seis mil euros e cento e trita e três euros), a máquina “Multibloc-Super”, e seus respectivos equipamentos, nomeadamente:
a) Uma Prensa fixa completa automática vibrocompressora de modelo "Multibloc-Super";
b) Trilhos para o carro transportador em material fresco e seco; c) Uma unidade de fabrico de Betão HCF lSOOP-Planetária; d) Uma unidade de fabrico de Betão MCF 600L;
e) Moldes para linhas de fabrico "Multlbloc-Super", tudo nos termos e condições do documento n.º 2 junto com a petição inicial e que aqui se 6
dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (alínea C) dos factos assentes).
12. No referido contrato, Autora e Ré acordaram que o preço seria pago da seguinte forma:
a) 40% do valor, no acto da assinatura do contrato, a título de sinal para assegurar o bom cumprimento contratual;
b) 50% do valor, na data de saída dos equipamentos das instalações da Ré; e
c) 10% do valor, quando os equipamentos estivessem montados e a funcionar sem problema (alínea D) dos factos assentes).
13. Acordaram ainda que a máquina e os seus equipamentos seriam entregues no prazo de 120 (cento e vinte) dias (úteis) a partir da data de confirmação da primeira transferência bancária (alínea E) dos factos assentes).
14. Os pagamentos seriam realizados mediante transferência bancaria para a conta de: C..., LDA Banco 1... NIB. OO ...10 IBAN: PTS000...110 (alínea F) dos factos assentes).
15. Os equipamentos seriam enviados sob o CIF (Cost, Insurance and Freight) para a cidade de Guayaquil, em Equador (alínea G) dos factos assentes).
16. Acordaram, ainda, que a Ré, obrigava-se a comunicar, atempadamente, à Autora todos os dados relativamente aos equipamentos submetidos no(s) contentor(es), tais como peso, medidas e outros elementos essenciais para a Ré, posteriormente, proceder ao seu transporte (alínea H) dos factos assentes).
17. Acordaram, ainda, que a Autora ficava responsável pela recolha e transporte dos equipamentos enviados pelos contentores, desde o porto de Guayaquil até às suas instalações (alínea I) dos factos assentes).
18. A Autora, em 09 de Julho 2013, realizou uma transferência (alínea J) dos factos assentes) a favor da ré, sendo que, nessa transferência, a autora deu indicação para a mesma ser realizada pela quantia de 375.920,00 $ (trezentos e setenta e cinco mil e novecentos e vinte dólares).
19. Por força das retenções efectuadas pelo estado do Equador, a título de impostos pela transferência de capitais, no valor de 18.746 $ e/ou outras despesas, da transferência mencionada no ponto anterior apenas foi creditado, em 16 de Julho de 2013, na conta bancária da ré o montante de contravalor de € 286.189,07 (duzentos e oitenta e seis mil cento e oitenta e nove euros e sete cêntimos).
20. A Ré informou a Autora que a máquina e equipamentos estavam fabricados (alínea L) dos factos assentes).
21. A Autora, em 24 de Julho de 2014, realizou uma transferência a favor da ré, sendo que, nessa transferência, a autora deu indicação para a mesma ser realizada pela quantia de 380.000,00 $ (trezentos e oitenta mil dólares).
22. Por força das retenções efectuadas pelo estado do Equador, a título de impostos pela transferência de capitais, no montante de 18.950,00 $ e/ou otras despesas, da transferência mencionada no ponto anterior apenas foi creditado, em 4 de Agosto de 2014, na conta bancária da ré o montante de contravalor de € 282.264,53 (duzentos e oitenta e dois mil duzentos e sessenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos).
23. A Autora enviou à Ré uma carta, datada de 17 de Junho de 2020, por esta recepcionada, com o conteúdo vertido no DOC. 7 junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
24. As quantias supra referidas creditadas na conta da ré, na sequência das também mencionadas transferências, ficaram em poder desta.
25. Das transferências supra referidas transferências realizadas pela Autora desde o Equador para Portugal, a Autora teve de pagar a título de impostos a quantia total de 37.696,00$ = (18.746,00$ + 18.950,00$).
26. O relacionamento entre a A. e a R., até certa altura, sempre se desenrolou num ambiente de boa-fé e confiança mútua, razão pela qual, inicialmente, a generalidade das comunicações necessárias à boa execução do contrato foram estabelecidas entre as partes por telefone.
27. Em 16/07/2013, data em que o primeiro dos pagamentos convencionados entre as partes foi creditado na conta bancária da R., esta contactou a A., por telefone, a informá-la de que o valor creditado não satisfazia os termos do contrato celebrado, devendo esse pagamento, contratualmente, refletir a quantia de 338.453,20€ (40% de 846.133,00€).
28. A A. informou então a R. de que tinha tido de suportar despesas com a transferência bancária em apreço, bem como outras despesas que não especificou, mas que, segundo ela, a impediram de proceder ao pagamento integral da quantia convencionada no contrato.
29. Prevalecendo-se do ambiente de confiança mútua estabelecido entre as partes, a A. pediu à R. alguns dias para regularizar a situação, dizendo que estava a diligenciar para obter os meios que lhe permitissem liquidar rapidamente o valor do remanescente da prestação em dívida (52.264,13€).
30. Não sendo este facto impeditivo para a R. iniciar os trabalhos de fabrico da máquina, bem como, para adquirir as matérias-primas necessárias à primeira fase dos trabalhos a que se obrigou, a R. confiou na justificação avançada pela A. e deu início à construção da máquina e a realização das inerentes despesas.
31. O tempo foi passando sem que a autora procedesse ao pagamento do remanescente da primeira prestação em dívida, justificando-se, sempre, pelo telefone, que estava a experimentar dificuldades na obtenção dos meios necessário para liquidar os 52.264,13€ em falta.
32. Não obstante, a R. foi confiando nas justificações apresentadas pela A. para o atraso no cumprimento da sua obrigação e foi prosseguindo com a produção da máquina industrial encomendada pela A.
33. Até que, em meados do mês de outubro de 2013, quando se aproximava a conclusão do processo de fabrico da máquina encomendada, e respetivos componentes, a R. informou a A. desse facto e transmitiu-lhe que ia proceder ao envio dos materiais destinados a serem por ela utilizados na obra civil e de chumbadouro, da sua responsabilidade, nos termos da fatura proforma n.º ...32, bem como, alguns equipamentos da máquina, de menores dimensões.
34. Para evitar eventuais atrasos na montagem e colocação em funcionamento da máquina, e seus componentes, decorrentes do atraso na realização da obra civil e de chumbadouro, a R., com o aval da A., procedeu ao envio de todo o material necessário e adequado à realização da referida obra civil, a saber: • Conjunto de Carril S20 (1.320 mts); • Conjunto de Perfil IPN80 (1.056 mts); • Conjunto de máquina manual com molde (confissão efectuada pela autora, através do depoimento de parte do seu legal representante em sede de audiência de julgamento – os factos da assentada referem-se à contestação).
35. Em 21/10/2013, a R. faturou à A. os referidos bens pelo montante de 48.000,00€ (quarenta e oito mil euros) e procedeu à expedição dos mesmos no dia 28/10/2013.
36. Nos inícios do mês de novembro de 2013, a R. concluiu o fabrico da máquina industrial encomendada, e de todos os seus componentes, e contactou a A., via telefone, a dar-lhe nota desse facto, solicitando-lhe, além do pagamento do valor remanescente da primeira prestação, ainda não liquidado até àquela data, o pagamento do valor da segunda prestação convencionada no contrato, no montante de 423.066,50€ (50% de 846.133,00€).
37. Em resposta, a A. informou a R. de que não dispunha de meios para poder liquidar o remanescente da primeira prestação, ainda em dívida, bem como, o valor integral da segunda prestação acordada na al. b) da cláusula 4ª do contrato celebrado entre as partes.
38. Ainda nesta comunicação, a A. solicitou à R. que sobrestasse a saída de fábrica da máquina até ao final do mês de novembro de 2013, na medida em que, até esta data contava reunir os meios necessários para proceder à liquidação da quantia em dívida relativa à primeira prestação convencionada, bem como, da quantia atinente à segunda prestação estabelecida.
39. A R. acreditou na boa vontade da A. e confiou que esta iria proceder aos pagamentos em falta até ao final do mês de novembro de 2013, suspendeu as diligências de expedição da máquina, e seus componentes, e ficou a aguardar, tal como combinado com a A., que esta lhe desse a indicação de que estava em condições de cumprir com as obrigações contratuais a que se tinha vinculado.
40. No mês de dezembro de 2013, na ausência de informação da A., de que estava em condições de honrar os compromissos assumidos no contrato, a R. voltou a insistir junto daquela pelo pagamento das quantias em dívida, para proceder à expedição da máquina, e seus componentes, para o Equador.
41. A A. voltou a responder à R. que ainda não dispunha de meios para proceder à liquidação das sobreditas quantias em dívida, mas que, segundo informação prestada pela entidade bancária que a estava a financiar, esperava estar em condições de proceder aos ditos pagamentos durante o mês de janeiro de 2014.
42. Em 22.01.2014, a A. informou a R. de que estaria em condições de proceder ao segundo pagamento estabelecido no contrato na primeira semana de fevereiro de 2014, solicitando-lhe que lhe confirmasse se a máquina poderia ser embarcada nessa altura.
43. A R. respondeu à autora em 23.01.2014, dizendo-lhe que o envio da máquina, e seus componentes, poderia ser efetuado na primeira ou na segunda semana de fevereiro de 2014, dependendo da disponibilidade do navio que iria proceder ao referido transporte, ao que a A. retorquiu, no mesmo dia, agradecendo a informação e solicitando à R. que aguardasse por notícias do segundo pagamento convencionado no contrato, ainda em dívida.
44. A R. teve conhecimento de que a máquina, e seus componentes, poderiam ser expedidos durante a primeira semana do mês de fevereiro de 2014, pelo que, no dia 30.01.2014 informou a A. desse facto e solicitou-lhe a aprovação para proceder ao envio da máquina.
45. A A. respondeu à R. dizendo-lhe novamente que não dispunha dos meios para liquidar as duas prestações em dívida, e solicitou-lhe que aguardasse mais alguns dias para dar início ao processo de expedição da máquina e seus componentes.
46. No dia 17.02.2014, a A. reiterou a solicitação anterior à R. que suspendesse/retardasse o embarque da máquina, e seus componentes, porquanto ainda não dispunha dos meios financeiros necessários para pagamento dos valores devidos, imputando esta circunstância ao facto de o Equador estar em campanha eleitoral.
47. A R. foi insistindo, tanto por telefone, como por escrito, pelo cumprimento das obrigações da A., até que, em 27.02.2014, esta voltou a solicitar à R. que sobrestasse no processo de expedição/embarque da máquina, e seus componentes, até que a A. tivesse confirmação da disponibilidade dos meios financeiros necessários para proceder ao pagamento das quantias em dívida.
48. Desde esta data, foram inúmeros os pedidos da R. junto da A., por escrito, mas sobretudo pelo telefone, para que esta procedesse ao pagamento das quantias em dívida, obtendo sempre a resposta da A. de que a entidade que a estava a financiar ainda não tinha disponibilizado os meios financeiros para o efeito.
49. Designadamente a troca de mensagens de telemóvel (SMS) verificada entre um colaborador da R. e um representante da A., datada do dia 13.05.2014, no qual o primeiro insiste por informação acerca da data em que será possível a expedição da máquina, e seus componentes (facto que pressupunha o pagamento integral da segunda prestação convencionada), e o segundo responde que a A. está à espera de que lhe seja disponibilizada a quantia destinada a cumprir a referida obrigação contratual.
50. A ré tinha interesse em proceder o mais rapidamente possível ao embarque de tal mercadoria, porquanto, face à inexistência de espaço de armazenamento nas suas instalações, a situação estava a provocar constrangimentos no normal funcionamento do sector produtivo da R.
51. Em 25/07/2014, a A. informou a R. de que havia efetuado a transferência bancária referida nos anteriores pontos 21 e 22 para a conta da R., por conta do montante devido e previsto da alínea b) da cláusula 4ª do contrato em causa e do remanescente em falta relativo à alínea a) da mesma cláusula.
52. Esta informação só veio a ser confirmada pela R. em 04.08.2014, data em que o referido montante foi creditado na sua conta bancária.
53. Tal quantia mostrava-se insuficiente para o cumprimento do que havia sido contratualmente estabelecido entre as partes, dado que o montante em causa deveria corresponder ao valor de 423.066,50€ (50% de 846.133,00€), havendo uma diferença desfavorável à R. em 140.801,97€ (423.066,50 € - 282.264,53 €).
54. Além disso, A. não procedeu também à liquidação da quantia do valor remanescente da primeira prestação contratualizada, que à data se cifrava em 52.264,13€ e estava ainda em dívida.
55. À data, e pelo telefone e por email, a A. reconheceu a situação de incumprimento em que se encontrava, mas assegurou à R. que esperava a curto prazo poder regularizar o montante em dívida.
56. Mais uma vez solicitou à R. que sustasse o envio da máquina, e seus componentes, por mais algum tempo, até que reunisse os valores em falta para cumprir as suas obrigações.
57. Nem até a esta data, nem posteriormente, a A. em momento algum solicitou ou requereu à R. o envio da máquina, e seus componentes, nem a questionou relativamente a qualquer atraso no seu fabrico e fornecimento.
58. A A. tinha, como ainda tem, plena consciência de que sem a liquidação dos valores então devidos à R., a máquina encomendada, e seus componentes, não seriam expedidos para o Equador.
59. A R. interpelou diversas vezes a A. para que cumprisse as suas obrigações contratuais, a fim de se concretizar a entrega e montagem da mercadoria encomendada e fabricada.
60. Cerca de 3 meses depois de creditado o valor de 282.264,53€ na conta bancária da R., a A. questionou a R. a respeito da possibilidade de esta lhe enviar mais alguns componentes da máquina encomendada, tendo a R., depois de muito ter refletido e da insistência da A., acabou por aceder a fazê-lo, numa clara demonstração de boa vontade e cooperação na execução do contrato celebrado entre as partes.
61. Assim, em 02.03.2015, a ré procedeu à expedição do material descrito na fatura n.º ...96, datada de 12.11.2014, no valor de 61.551,47€, que efetivamente faturou à A..
62. Os equipamentos foram expedidos em 7 de Março de 2015 com previsão de entrega em 20 de Abril de 2015, em dois contentores marítimos, totalizando o valor global de € 61.551,47 (sessenta e um mil e quinhentos e um euros e quarenta e sete cêntimos).
63. Depois desta data e por força dos factos descritos, a Ré nunca mais enviou qualquer contentor com os equipamentos contratados.
64. A máquina e equipamentos contratados teriam o volume total de catorze contentores de quarenta pés, tendo a ré enviado à autora, por força dos factos descritos, os supra referidos dois contentores.
65. Por força dos factos descritos, a Ré não realizou a montagem dos equipamentos enviados nas instalações da Autora no prazo de 30 dias a partir da entrada desses equipamentos nas instalações da Autora.
66. A A. recebeu os referidos componentes da unidade industrial encomendada à R. e fê-los seus.
67. Desde então, começaram a escassear os contactos entre as partes, apesar de a R. ter insistido, por diversas vezes, junto da A., para que regularizasse a situação e, consequentemente lhe desse instruções para a efetiva entrega do restante equipamento encomendado, facto que pressupunha o pagamento das quantias em dívida.
68. Em resposta a tais insistências da R., a A. respondeu sempre dizendo que estava a experimentar muitas dificuldades na obtenção de financiamento junto da entidade financeira, bem como, outros problemas graves e de índole pessoal, relacionados com o agravamento do estado de saúde de um dos seus representantes.
69. A A. sempre transmitiu à R. que iria conseguir encontrar solução para os problemas financeiros que estava a atravessar, e nesse sentido, solicitaram à R. que tivesse paciência e compreensão pela sua situação.
70. Durante todo este período, a R. manteve sempre nas suas instalações o equipamento encomendado pela A. ali armazenado, pronto a ser carregado, o que originou, diversos transtornos na atividade produtiva da R., facto que era e é do conhecimento da A..
71. No início do mês de outubro de 2018, um dos gerentes da R. foi surpreendido por um telefonema de um representante da A., dizendo-lhe que esta pretendia desistir do contrato outorgado entre ambas as partes no dia 11/07/2013.
72. De acordo com o que então referiu o dito representante da A., no ano de 2017 falecera o seu progenitor, sendo este a pessoa que sempre dirigira, de facto, os destinos da A. e quem melhor conhecia o negócio a que esta se dedicava.
73. Para além disso, referiu ainda o dito representante da A. que as condições económicas do Equador se tinham agravado substancialmente, que este país estava a atravessar uma grave crise financeira e fiscal, bem como, uma acentuada desaceleração económica, circunstâncias que tinham modificado a perspetiva do negócio da A..
74. Por tais razões, segundo o representante da A., esta entendia que não reunia as condições para prosseguir o exercício da sua atividade social, pelo que não fazia qualquer sentido manter o contrato celebrado entre ambas as partes, para fabrico e fornecimento de um equipamento industrial a que não seria dado uso, pelo que, a A. desistia unilateralmente do referido contrato.
75. O representante da A. transmitiu ainda ao gerente da R. que, por tais motivos, a A. deveria ser reembolsada de todos os valores entretanto entregues à R., que ficaria com a máquina para si.
76. O teor da mencionada conversa veio a ser confirmado por escrito, através de um email enviado pelo dito representante da A. à R., no dia 3 de outubro de 2018.
77. Em resposta, a R. manifestou a sua surpresa, e ao mesmo tempo estranheza, pelo pedido formulado pela A., recusando o solicitado, pois, esta “proposta” não contemplava os direitos e o interesse da R. que, seguindo o raciocínio da A., ficaria com todo o prejuízo emergente da situação a que esta dera origem.
78. Apesar de tudo o que se passou durante a execução do contrato, em outubro de 2018, a R. ainda se mostrou disponível para concretizar o contrato em causa, dado que a máquina, e seus componentes, ainda não expedidos para o Equador, estavam armazenados nas suas instalações e prontos para entrega.
79. Desde então, a A. não mais contactou a R., senão em 17 de junho de 2020, data em que a R. foi “interpelada” pela A. através da carta supra referida e cujo conteúdo corresponde ao doc. 7 junto com a petição inicial.
80. A máquina não assume qualquer interesse para qualquer outro cliente da R., senão para a própria A..
81. O valor dos custos derivados do fabrico/produção com a máquina industrial e seus componentes foram na integra consumidos, dado que tal equipamento foi produzido na sua totalidade.
82. Esses custos/encargos originados pelo fabrico da dita máquina e seus componentes foram previamente apurados pela R. para elaboração de orçamento/proposta apresentada à A..
83. Dessa avaliação de custos, a R. verificou que todo o equipamento pretendido e depois encomendado pela A. orçava na sua totalidade em 694.038,30€ (seiscentos e noventa e quatro mil, trinta e oito euros e trinta e oito cêntimos).
84. O valor mencionado no número anterior diz respeito:
• ao fabrico da máquina industrial “Multibloc Super (437.805,44 €);
• ao fabrico da Central de Betão HCF (256.232,94€).
85. Do valor relativo aos custos de todo o equipamento encomendado, estima a R. poder recuperar o montante de 101.426,61 € (cento e um mil, quatrocentos e vinte e seis euros e sessenta e um cêntimos).
86. Essa possibilidade advém do facto de alguns dos elementos que, são usados e aplicados na máquina industrial, e seus componentes, produzidos para a A., poderem ser reaproveitados em outros equipamentos industriais a produzir pela R..
87. Achada a diferença entre o valor dos custos efetivos da totalidade do equipamento produzido pela R. para a A. e o valor do material que pode ser reaproveitado noutros equipamentos industriais produzidos pela R., conclui-se o valor correspondente aos efetivos prejuízos da R. com as perdas de mão-de-obra e de matérias-primas sem qualquer valor, por terem sido incorporados na máquina encomendada e não serem reaproveitáveis, ascende ao valor de 592.611,69 € (quinhentos e noventa e dois mil, seiscentos e onze euros e sessenta e nove cêntimos).
88. Para além dos prejuízos supramencionados, a R. deixou de auferir a sua margem de lucro no presente negócio, a qual se cifrava em 40.000,00 € (quarenta mil euros).
89. Durante cerca de 4 meses a R. deixou de produzir/fabricar outras máquinas ou equipamentos para outros clientes, onde podia inclusive obter maiores margens de lucro, e foi impedida de o conseguir, porquanto tinha um compromisso com a A. para honrar, mais concretamente, o contrato estabelecido pelas partes aqui identificadas e subscrito em 11/07/2013.
90. A Autora chegou a fazer publicidade da nova atividade de produção de blocos que a aquisição da máquina em questão lhe iria permitir desenvolver.”
Factos não provados:
“1. Por força da transferência referida em 18 dos factos provados tivesse sido creditada na conta bancária da ré a quantia de € 292.736,00 (duzentos e noventa e dois mil e setecentos e trinta e seis euros).
2. A transferência referida em 21 e 22 dos factos provados tivesse sido realizada quando a Ré informou a Autora que a máquina e equipamentos estavam fabricados.
3. Essa transferência tivesse sido no montante de € 281.530,00.
4. A informação referida em 20 dos factos provados tivesse sido prestada em 24 de Julho de 2014.
5. A Ré antes de enviar a máquina e seus respectivos equipamentos, não tivesse fornecido à Autora todos os elementos para o envio, nomeadamente, não forneceu o CIF, o peso, medidas e demais elementos essenciais para o seu transporte.
6. A Autora tivesse obtido a informação que a Ré não cumpriu com a sua obrigação, porque a mesma, entretanto, vendeu a máquina e equipamentos fabricados para a Autora a uma empresa sediada em Marrocos.
7. A Ré tivesse vendido a máquina e equipamentos fabricados para a Autora a uma empresa sediada em Marrocos.
8. O comportamento da Ré tivesse levado a Autora a perder a confiança na Ré e em consequência em qualquer empresa sediada em Portugal.
9. A carta referida em 23 dos factos provados tivesse sido enviada perante o constante comportamento da Ré, nomeadamente pela falta cooperação por parte desta.
10. O comportamento da Ré tivesse impedido a Autora de iniciar a sua actividade de produção de blocos de cimento e em consequência tivesse deixado de auferir os dividendos, frustrando os seus ganhos, não podendo assim reaver o seu investimento.
11. As quantias entregues pela Autora à Ré perfizessem o valor global de € 574.266,00.
12. As apuradas quantias creditadas na conta da Ré, na sequência das apuradas transferências da Autora, tivessem sido utilizadas pela Ré para se financiar à custa da Autora.
13. A Autora durante toda execução do negócio tivesse angariado clientes prontos para começarem a comprar blocos à Autora, e em consequência do descrito comportamento da Ré, não conseguiu comercializar os blocos.
14. A Autora fez um empréstimo no Banco do Equador para poder comprar a máquina e construir as instalações para a produção de blocos de cimento.
15. A Autora encontra-se ainda pagar o empréstimo, tendo-lhe sido vedado qualquer outro empréstimo bancário.
16. Por esta razão, a Autora ficou descapitalizada, não podendo investir em outra máquina idêntica para exercer a atividade de fabrico de blocos de cimento.
17. A Autora após a assinatura do contrato, imediatamente contactou diversas empresas de construção para lhes vender blocos de cimento.
18. Pelo que formalizou os respetivos negócios, para o fornecimento de tais blocos.
19. Com a capacidade produtiva da máquina, e os contratos que já tinha formalizado e os que se perspetivava formalizar, a Autora contabilisticamente, iria poder amortizar o valor em 10 anos.
20. A Autora idealizou iniciar a atividade em 2014, sendo certo que iria amortizar anualmente 10% do valor, pelo que, amortizaria o montante do investimento, na quantia anual de € 84.613,30 (oitenta e quatro mil seiscentos e treze euros e trinta cêntimos).
21. Desde o ano 2014 e até apresente data, a Autora deixou de amortizar o valor da máquina, na quantia global de (84.613,30 x 6) € 507.679,80 (quinhentos e sete mil seiscentos e setenta e nove euros e oitenta cêntimos).
22.Viu-se obrigada a restruturar a empresa para poder cumprir com as suas obrigações com as entidades bancárias, pelo empréstimo contraído para financiar a atividade de fabricação de blocos de cimento.
23. A Autora tivesse interpelado a Ré para entregar a máquina contratada ou para proceder à sua montagem ou à montagem de alguns dos equipamentos que apuradamente foram enviados àquela.
24. A pessoa identificada como remetente do email referido em 76 dos factos provados não tivesse poderes de representação da autora.
25. O actual representante da autora não tivesse tido conhecimento do referido email, aquando do seu envio.”
Com interesse para a ponderação da questão objeto da presente revista, enuncia-se de seguida o teor da petição inicial apresentada:
II. 3. Do Direito
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.
II. 3.1. Há fundamento para alterar o acórdão recorrido que julgou improcedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão das regras de competência internacional, importando que se declare o tribunal português incompetente para conhecer da ação em causa, outrossim, ao conhecer da exceção de preterição de tribunal arbitral, impõe-se infirmar que a Instância de ... tinha competência para dirimir os presentes autos? (1)
II. 3.1.1 Questão prévia
Antes mesmo de conhecer da revista interposta, cujo objeto contende com (i) a alegada incompetência internacional dos tribunais portugueses, em razão das regras de competência internacional; (ii) a alegada incompetência absoluta dos tribunais judiciais por preterição de tribunal arbitral, impõe-se a apreciação da questão preliminar suscitada pela Recorrida/Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., no sentido afirmado, como já adiantamos, estar processualmente vedado à Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. interpor revista a respeito da incompetência absoluta do Tribunal para julgar a ação, por alegada violação de cláusula compromissória.
Cuidemos, assim, da questão prévia suscitada:
A previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, todavia, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.
A lei processual civil estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, reconhecendo-se que a admissibilidade dum recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito.
No caso que nos ocupa é pacífica a legitimidade da Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., outrossim, a tempestividade do recurso apresentado em Juízo, encontrando-se a dissensão em saber se a decisão é recorrível, neste particular segmento do respetivo objeto, uma vez que, no que respeita a alegada violação pelo Ttribunal recorrido de regras de competência internacional, o recurso de revista é admissível com base na 1ª parte da alínea a) do n.º 2 do art.º 629º do Código de Processo Civil.
Quanto à alegada incompetência absoluta por preterição de tribunal arbitral, a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem-se dividido quanto à inclusão desse fundamento na previsão do art.º 629º n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
Assim, no sentido afirmativo, defendendo que a previsão desta norma abarca a apreciação da questão de competência absoluta (alínea b) do art.º 96º do Código de Processo Civil) resultante da preterição de tribunal arbitral, pronunciaram-se variados acórdãos, verbi gratia, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-04-2017 (Revista n.º 416/16.0YRLSB.S1 - 7.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-02-2018 (Revista n.º 461/14.0TJLSB.L1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-03-2018 (Revista n.º 1149/14.8T8LRS.L1.S1 - 6.ª Secção); e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2018 (Revista n.º 598/17.4YRLSB.S1 - 1.ª Secção).
Seguindo orientação diversa, que de resto também perfilhamos, ou seja, defendendo que a previsão do art.º 629º n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil abrange apenas as situações prevenidas na alínea a) do art.º 96º do Código de Processo Civil (infração das regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e das regras de competência internacional), não contemplando a respetiva alínea b), que se reporta à preterição do tribunal arbitral, pronunciaram-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-11-2018 (Revista n.º 22574/16.4T8LSB.L1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-04-2020 (Revista n.º 1556/18.7T8PVZ.P1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2021 (Revista n.º 2654/19.5T8LSB.L1.S1 - 7.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-09-2021 (Revista n.º 175/17.0TNLSB.L1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-01-2021 (Revista n.º 4440/14.0T8VIS-G.C1.S1 - 6.ª Secção).
Na verdade, também entendemos que, sendo a convenção de arbitragem um acordo das partes em submeter a resolução de um ou mais litígios, determinados ou determináveis, a arbitragem, excluindo, desse modo, a competência dos tribunais estaduais, a convenção de arbitragem transnacional não se confunde com a competência internacional dos tribunais portugueses, que se traduz na competência dos tribunais portugueses para conhecer de situações que, apesar de possuírem, na perspetiva do ordenamento português uma relação com ordens jurídicas estrangeiras, apresentam igualmente uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa, nem com a competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses que ocorre quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação de competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes.
A preterição do tribunal arbitral por força de uma cláusula compromissória determina a incompetência absoluta do tribunal judicial, nos termos do art.º 96º, alínea b), do Código de Processo Civil.
Comparando a delimitação dos casos de incompetência absoluta definidos na alínea a) e na alínea b) do art.º 96º do Código de Processo Civil, impõe-se concluir que o regime especial de recorribilidade a que aludem os artºs. 629º n.º 2, alínea a), e 671º n.º 3, parte inicial, do Código de Processo Civil, reporta-se única e exclusivamente aos casos de violação das regras de competência em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, não sendo de aplicar quando esteja em discussão a preterição de tribunal arbitral prevista na alínea b) do citado art.º 96 do Código de Processo Civil.
Poder-se-á, no entanto, questionar se, mesmo assim, a revista deveria ser admitida em termos excecionais.
Respondemos negativamente, porquanto, no presente caso, a Relação confirmou integralmente a sentença proferida pela 1.ª Instância, sendo que no que respeita à fundamentação, a Relação rejeitou a apelação na parte atinente à impugnação da decisão de facto por falta de cumprimento do disposto no art.º 640º n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, decisão com a qual a Recorrente se conformou, não a incluindo no presente recurso de revista, a par de que, mantendo-se integralmente a decisão sobre a matéria de facto, a Relação também considerou inexistir fundamento para alterar a decisão de direito da sentença de 1.ª Instância, mantendo a fundamentação seguida pela 1.ª instância, outrossim, a Relação manteve também a condenação da Autora como litigante de má-fé, matéria que a ora recorrente também não incluiu no seu recurso de revista.
Comparando a fundamentação das decisões das Instâncias, a única diferença significativa assenta na apreciação pela Relação dos pressupostos processuais relativos à competência internacional dos tribunais portugueses e à alegada preterição de tribunal arbitral, uma vez que tais questões foram apenas suscitadas no recurso de apelação, não tendo por isso sido objeto de apreciação pela 1.ª Instância.
Limitando-se o objeto da revista, interposta pela Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., à apreciação da competência internacional dos tribunais portugueses e à alegada preterição de tribunal arbitral, podemos entender que, nessa parte, não houve uma dupla apreciação das referidas questões, mas apenas a pronúncia inovadora da Relação, motivo pelo qual não se verifica o obstáculo da dupla conforme, daí não se colocar a admissibilidade da revista, em termos excecionais.
Em todo o caso, mesmo concebendo que não concedendo a admissibilidade da revista, importa reconhecer que sempre soçobraria a invocada pretensão recursiva acerca da incompetência absoluta do tribunal judicial por preterição de tribunal arbitral.
Vejamos:
A Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. invoca a incompetência absoluta do tribunal judicial, por preterição de tribunal arbitral, uma vez que na cláusula décima segunda do contrato celebrado entre as partes foi estipulado que caso não fosse possível alcançar um acordo amigável como fonte de resolução de litígios, deviam as partes submeter-se a arbitragem voluntária, caso em que cada parte nomeará um árbitro e estes, em conjunto, nomearão um terceiro árbitro que presidirá o tribunal.
De acordo com o disposto no art.º 96º, alínea b), do Código de Processo Civil, a preterição de tribunal arbitral determina a incompetência absoluta do tribunal, mas como se salienta no acórdão recorrido, trata-se de uma exceção dilatória (art.º 577º, alínea a), do Código de Processo Civil) que não é de conhecimento oficioso (artºs. 97º n.º 1, e 578º, ambos do Código de Processo Civil), pelo que deve ser arguida pelas partes até à dedução da contestação, nos termos previstos no art.º 573º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Uma vez que é a própria Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. que vem invocar a preterição de tribunal arbitral, deve considerar-se que a mesma, ao propor a presente ação nos tribunais comuns, renunciou tacitamente à convenção arbitral, o mesmo sucedendo com a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. que contestou a ação sem invocar a dita exceção, como, aliás, tem sido entendido por este Tribunal ad quem, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-09-2014 (Revista n.º 232/06.8TBBRR.L2.S1 - 6.ª Secção), donde, invocando a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. tal exceção apenas no recurso de apelação, a mesma é manifestamente intempestiva nos termos do regime legal adjetivo, acima descrito.
II. 3.1.2 Apreciada a questão prévia nos termos acabados de discretear, debrucemo-nos sobre a primeira questão suscitada no interposto recurso de revista, acima enunciada, qual seja, da alegada incompetência internacional dos tribunais portugueses.
Como sucede com os outros poderes e funções do Estado, a jurisdição dos tribunais portugueses tem limites e é demarcada por confronto com a jurisdição dos tribunais de outros países, sendo que para que os tribunais portugueses sejam competentes, no seu conjunto, é necessário que entre o litígio e a organização judiciária portuguesa haja um elemento de conexão considerado pela lei suficientemente relevante para servir de fator de atribuição de competência internacional para julgar esse litígio.
A Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. começa por alegar que na sua petição inicial configurou o contrato celebrado com a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. como um contrato de compra e venda, pedindo a condenação desta no pagamento de uma indemnização, alegando como causa de pedir o incumprimento contratual da Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. por não fabricar e enviar a máquina objeto do contrato para as instalações da Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A.
Mais articula que por o incumprimento da Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. se situar no território português, concluiu que a competência internacional seria dos Tribunais portugueses, motivo pelo qual aqui propôs a presente ação.
Porém, argumenta a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., tendo o Tribunal de 1ª Instância e a Relação concluído estarmos perante um contrato de empreitada, deveriam de imediato declarar os Tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para dirimir o litígio. Pois, se a competência dos Tribunais deve ser aferida em função dos termos em que a ação é proposta, tal não significa que o Tribunal esteja vinculado à qualificação jurídica feita pelas partes.
Tendo o Tribunal de 1ª Instância concluído que o acordo das partes deve ser qualificado como um contrato de empreitada, apesar deste ter sido celebrado em Portugal, o respetivo incumprimento deve ser apreciado pelos Tribunais do Equador, onde a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. tem a sua sede.
Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a esgrimida argumentação carece de sentido, sendo Jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça que a competência internacional dos Tribunais portugueses se afere pelos termos em que o demandante configura a relação jurídica controvertida, independentemente da apreciação do acerto substancial da sua pretensão, não relevando quaisquer alterações factuais ocorridas no processo, nomeadamente, as contraversões do litígio introduzidas pela defesa.
No presente caso, a 1ª Instância qualificou o acordo celebrado entre as partes como um contrato de empreitada, mas fê-lo com base não apenas nos factos alegados na petição inicial, mas também na versão apresentada pela Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. na sua contestação, nomeadamente, o facto de ter sido a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. a disponibilizar à Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. a planta do local onde pretendia que a máquina fosse instalada, segundo as necessidades e a conveniência da sua organização fabril, bem como, o espaço aí disponível para esse efeito (artigo 10.º da contestação e ponto 5 dos factos provados).
De igual modo, baseou-se também a 1ª Instância nos factos alegados pela defesa de que a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., sustentada nas informações indicadas pela Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., mas não só, projetou uma máquina com a configuração própria para ser acolhida no identificado local e espaço, dentro da unidade fabril da Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., tratando-se, por conseguinte, de uma máquina especificamente concebida e projetada para as necessidades deste concreto cliente (artigo 11.º da contestação e ponto 6 dos factos provados).
Para a aferição da competência internacional dos tribunais portugueses para o julgamento da presente ação, é, assim, irrelevante qualquer alteração da qualificação jurídica efetuada na sentença proferida pela 1ª Instância, que, como acima vimos, se baseou também em factos alegados pela Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., relevando somente para este efeito, a natureza da relação jurídica tal como ela é configurada pela demandante na petição inicial, ou seja, o pedido e a causa de pedir, neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-09-2022 (Revista n.º 3239/20.9T8CBR-A.C1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-06-2022 (Revista n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2021 (Revista n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1 - 1.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2021 (Revista n.º 449/18.2T8FAR.E1.S1 - 7.ª Secção), onde o relator do presente acórdão foi adjunto; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2020 (Revista n.º 12223/16.6T8PRT.P1.S1 - 1.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-11-2017 (Revista n.º 983/14.3T8PRT.E1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-07-2017 (Revista n.º 531/15.8T8LRA.C1.S2 - 1.ª Secção).
Para fundamentar a incompetência internacional dos Tribunais portugueses, a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. alega que o contrato foi redigido em língua espanhola, pelo que, os outorgantes pretendiam atribuir jurisdição ao Tribunal do Equador. Ademais, sustenta que apesar de não constar do contrato um pacto atributivo de jurisdição para dirimir um litígio relacionado com incumprimentos do contrato, consta na respetiva cláusula décima segunda, uma alusão vaga à aplicação da legislação portuguesa ou equatoriana na resolução de qualquer litígio relacionado com a execução do contrato, sendo que é de concluir que o lugar onde deve ser cumprida a obrigação é no Equador, sem deixar de aludir à alínea b) do n.º 2 do art.º 8º da Convenção sobre a lei aplicável aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias - Convenção de Haia - que consagra que o contrato reger-se-á pela lei do Estado no qual o comprador tiver o seu estabelecimento comercial no momento da conclusão do contrato, sempre que o contrato preveja expressamente que o vendedor deverá cumprir a sua obrigação de entrega das mercadorias no referido Estado.
Remata, assim, a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. que, de acordo com o direito internacional privado, o Tribunal do Equador é o competente para dirimir o presente litígio, uma vez que que era o lugar onde deveria ser cumprida a obrigação de entrega da máquina e equipamentos produzidos pela recorrida.
No que ao argumentário enunciado respeita, importa dizer que quanto à alegada cláusula décima segunda do contrato celebrado entre as partes, a mesma respeita à escolha da lei aplicável e não da jurisdição competente para dirimir os litígios decorrentes da execução do contrato.
A questão colocada pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. no seu recurso de revista assenta num conflito de jurisdições e não num conflito de leis, parecendo decorrer das suas alegações de revista, que a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. confunde a natureza destes dois tipos de conflito.
A cláusula décima segunda do contrato celebrado entre as partes, bem como as normas de direito internacional privado sobre conflitos de leis, visam determinar qual a Lei que o Tribunal internacionalmente competente deve aplicar para dirimir os litígios relacionados com a execução do contrato, o que é substancialmente diverso de um pacto de jurisdição, que inexiste no contrato celebrado pelas partes, e das normas sobre conflito de jurisdições, que visam determinar qual o Tribunal que é internacionalmente competente para dirimir esses litígios (sobre esta matéria atinente à diferença entre conflito de leis e conflito de jurisdições, veja-se, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-07-2019 ( Revista n.º 1689/17.7T8BGC.G1-A.S1, 7.ª Secção).
Também a circunstância do contrato estar redigido em espanhol é manifestamente insuficiente para determinar qual o tribunal internacionalmente competente.
Como adiantamos, alega, de igual modo, a Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. que a legislação comunitária e a legislação internacional são cristalinas ao considerarem que se estiver em causa um contrato de empreitada, o lugar onde deveria ter sido cumprida a obrigação é o lugar competente para dirimir o litígio, ou seja, no caso concreto dos autos, o Equador, chamando à colação a norma da alínea a) do n.º 1 do art.º 7º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, segundo a qual, em matéria contratual, a ação deve ser proposta nos tribunais do país onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão, concluindo que qualquer empresa sediada em Portugal que tenha de fornecer bens ou serviços a um outro país dentro da União Europeia, é internacionalmente incompetente para dirimir qualquer litígio.
Esta última conclusão da Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. encerra a solução ao caso dos autos, pois, a máquina e equipamentos que a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. se obrigou a fabricar e a fornecer à Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. deveriam ser entregues em país que não pertence à União Europeia, mais concretamente, no Equador onde a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. está sedeada.
Impõe-se dizer neste particular que constitui Jurisprudência consolidada neste Supremo Tribunal de Justiça que o âmbito espacial de aplicação do Regulamento n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, é o de que o demandado tenha domicílio no território de um dos Estados-Membros da UE.
É o que resulta da interpretação a contrario do art.º 6º, n.º 1 desse Regulamento segundo o qual: “Se o requerido não tiver domicílio num Estado-Membro, a competência dos tribunais de cada Estado-Membro é, sem prejuízo do artigo 18.º, n.º 1, do artigo 21.º, n.º 2, e dos artigos 24.º e 25.º, regida pela lei desse Estado-Membro.”
A este propósito já tivemos oportunidade de nos pronunciar em acórdão por nós relatado neste Supremo Tribunal de Justiça em 10-12-2020 (Revista n.º 1608/19.6T8GMR.G1.S1 - 7.ª Secção), onde consignamos no respetivo sumário:
“IV - Para que a apreciação da causa seja da competência dos tribunais portugueses em atenção às normas jurídicas europeias que decorrem do regime comunitário contido no Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012, importa que a causa trazida a juízo esteja compreendida no respectivo âmbito territorial (o Regulamento é aplicável em todos os Estados-Membros; a causa tem conexão com o território de Estados-Membros vinculados pelo Regulamento, a demandada está domiciliada num desses Estados-Membros); no âmbito material (a demanda tem por objecto matéria comercial não excluída do âmbito do Regulamento), e no âmbito temporal (o Regulamento aplica-se apenas às acções intentadas após a sua entrada em vigor).
V - Resulta do art. 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12-12-2012, ter sido adoptado um conceito autónomo de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço).
VI - A jurisprudência do TJUE tem considerado que os conceitos expressos nos Regulamentos têm carácter autónomo, ou seja, têm um significado e uma leitura no contexto do Direito da União Europeia e não como suporte densificador do Direito Nacional de cada um dos seus Estados-Membros.
VII - Tendo em vista a determinação da competência judiciária, importa qualificar o contrato ajuizado de acordo com o direito comunitário, prevalente sobre o direito interno, enquanto pressuposto necessário para se determinar se os tribunais portugueses são ou não internacionalmente competentes, considerando que o litígio tem por objecto matéria comercial, emergente de uma relação transnacional.
VIII - O TJUE já foi confrontado por mais de uma vez com a necessidade de encontrar critérios de qualificação, nomeadamente para situações nas quais se combinam, num mesmo contrato, fornecimento de bens com prestação de serviços pelo fornecedor, relativos à produção dos próprios bens.
IX - Tendo a autora sustentado a sua pretensão jurídica na circunstância de, no exercício da respectiva atividade, ter encomendado à ré, a elaboração de um projeto e cálculos para uma máquina, obrigando-se a ré a fornecer software e hardware para a instalação de recuperação de calor, fumos/água, que fabricou e enviou para Portugal, enviando ainda um técnico seu para proceder à instalação do software, ou seja, tendo a entrega material do equipamento ocorrido em Portugal, encerrará este critério – o da entrega material do equipamento ao comprador – um critério com um elevado grau de certeza jurídica com que as partes podiam contar para a determinação do tribunal internacionalmente competente, no caso os tribunais portugueses, sendo, assim, relevante para fundamentar a conexão do ajuizado contrato com um lugar, no caso Portugal, que, não só é razoavelmente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado, mas também é suficientemente seguro para permitir determinar o Estado cujos tribunais são competentes para julgar a deduzida pretensão, decorrente da invocada relação jurídica.”
No mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07-06-2022 (Revista n.º 24974/19.9T8LSB.L1.S1 - 2.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2021 (Revista n.º 20526/18.9T8LSB.L1.S1 - 1.ª Secção); Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-10-2020 (Revista n.º 23592/17.0T8LSB-A.L1.S1 - 7.ª Secção), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2019 (Revista n.º 262/18.7T8LSB-A.L1-A.S1 - 2.ª Secção).
No caso sub iudice, a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. tem sede em Portugal, país membro da UE, pelo que se aplica o Regulamento n.º 1215/2012, de 12-12.
De acordo com o disposto no art.º 4º n.º 1, desse Regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado-Membro, como sucede com a sociedade Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro.
Assim, de acordo com esta regra geral, a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., com sede em Portugal, deve ser demandada nos Tribunais portugueses.
Ao contrário do alegado pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., as restantes normas do Regulamento, nomeadamente, o art.º 7º, n.º 1, alíneas a) e b), nunca poderão atribuir competência aos Tribunais do Equador, mas apenas a Tribunais de países membros da UE, o que não sucede com aquele país da América Latina. Ou seja, segundo a referida norma do art.º 7º, n.º 1, alíneas a) e b), apenas se a máquina que a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. se obrigou a fabricar e entregar à Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. devesse ser entregue e instalada noutro país da UE que não Portugal, é que poderiam ser os Tribunais desse país os competentes para dirimir o litígio.
Não sendo o Equador um país membro da UE, nem tendo esse país se obrigado ao regime jurídico constante do referido Regulamento, o referido art.º 7º não tem aplicação como resulta expressamente do respetivo proémio: “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro podem ser demandadas noutro Estado-Membro”.
Também o art.º 5º, n.º 1 do Regulamento prevê expressamente que “As pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.”
Ou seja, o Regulamento pretende salvaguardar o princípio actor sequitur forum rei, que visa assegurar a proteção legal das pessoas domiciliadas na União Europeia, definindo o critério de definição da competência como o domicílio do réu, apenas afastando essa regra nos casos expressamente previstos, mas para atribuir competência aos tribunais de outro país da UE.
Acresce que, não estando em causa nenhuma das competências exclusivas previstas no art.º 24º do Regulamento, a competência definida pelo art.º 7º é alternativa à regra geral prevista no art.º 4º n.º 1, do Regulamento, ou seja, ainda que a máquina que a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. se obrigou a fabricar e a entregar à Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. devesse ser entregue noutro país da UE, poderia a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. escolher entre os tribunais do país onde a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. tem a sua sede, ou seja, os Tribunais portugueses e o Tribunal do Estado-Membro da UE onde a máquina devesse ser entregue. É o que decorre claramente do proémio do art.º 7º no qual se utiliza o verbo “poder”, o que claramente constitui uma alternativa à regra geral prevista no art.º 4º.
No caso dos autos, a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. claramente escolheu demandar a Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. nos Tribunais portugueses, pelo que, carece de sentido, salvo o devido respeito por opinião contrária, a invocação do Regulamento n.º 1215/2012, de 12-12 para justificar uma pretensa incompetência internacional.
Assim, em conformidade com o referido Regulamento comunitário, são competentes os Tribunais portugueses, não havendo qualquer convenção ou outro instrumento internacional celebrado entre Portugal e o Equador que defina o regime jurídico aplicável aos conflitos de jurisdições.
Outrossim, de acordo com o nosso direito interno, são os Tribunais portugueses os internacionalmente competentes de acordo com o disposto no artigo 62.º do Código de Processo Civil que textua: “Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”
A alínea a) do referido art.º 62º remete para as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa, ou seja, o disposto nos artºs. 70º e seguintes do Código de Processo Civil.
Atendendo à forma como a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. configurou a relação jurídica controvertida na sua petição inicial, ou seja, atendendo ao pedido e à causa de pedir, a mesma pediu a condenação da Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda. no pagamento de uma indemnização, alegando como causa de pedir o incumprimento contratual por parte desta, por não fabricar e enviar a máquina que é objeto do contrato para as instalações da Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A..
Estabelece o art.º 71º n.º 1 do Código de Processo Civil: “A ação destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu, podendo o credor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o réu seja pessoa coletiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o réu tenha domicílio na mesma área metropolitana.”
Ora, segundo esta norma, tendo a Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. na presente ação peticionado uma indemnização pelo não cumprimento do contrato celebrado pelas partes, o Tribunal competente é o do domicílio da Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., tendo sido a própria Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., credora, a escolher intentar a ação nos Tribunais portugueses, donde, nem sequer se coloca a questão da escolha prevista na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 71º do Código de processo Civil.
Assim, também de acordo com o disposto no referido art.º 62º, alínea a), do Código de Processo Civil são competentes os tribunais portugueses, sem deixar de se reconhecer que igualmente de acordo com a alínea b) do mesmo art.º 62º, seriam os Tribunais portugueses os competentes, pois, assentando a causa de pedir no incumprimento contratual da Ré/Reconvinte/Abílio Carlos Pinto Felgueiras, Lda., é a própria Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. a alegar que esse incumprimento teve lugar em Portugal.
Tudo visto, na improcedência da argumentação esgrimida e trazida à discussão pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A. nas suas doutas alegações de recurso, e na decorrência do consignado enquadramento jurídico normativo, importa sufragar a solução encontrada no Tribunal recorrido.
III. DECISÃO
Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A., negando-se a revista.
Custas pela Recorrente/Autora/Reconvinda/Elvensa, S.A.
Notifique.
Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 27 de outubro de 2022
Oliveira Abreu (Relator)
Nuno Pinto Oliveira
Ferreira Lopes