Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
155/07.3TBTVR.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
RECURSO
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
PRINCÍPIO DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INCONSTITUCIONALIDADE
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. DEFERIR, PARCIALMENTE, A REFORMA DO ACÓRDÃO QUANTO A CUSTAS
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Impugnar-se o uso de uma norma por se entender que não tem aplicação no caso concreto, é coisa distinta do que reagir contra a aplicação de uma norma que se entende violar preceito constitucional.

II - Ensina Prof. Alberto Reis, in (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 203) que “A simples apensação de acções não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de economia processual e, acima de tudo, em ordem a evitar contradições”.

III - A decisão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é do juiz da 1.ª instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos.

IV - Entende a jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar o pagamento, ou da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível.


AA intentou a ação declarativa ordinária n.º 155/07.3TBTVR contra Sorimin, Compra e Venda de Imóveis, Lda..

Ação a que foi apensa a n.º 1/08.O…, intentada por Sorimin, Compra e Venda de Imóveis, Lda. contra AA.

Prosseguiu o processo o seu percurso e foi prolatado acórdão de revista, vindo a Sorimin, ré e autora, reclamar do mesmo e pedindo:

“Deve a reclamação ser julgada procedente e, em consequência, repetida a decisão reclamada, desta feita, observando o dever de fundamentação e incluindo a pronúncia quanto às questões cuja decisão foi omitida.

Deve o acórdão ser aclarado nos termos requeridos.

Deve a decisão quanto a custas ser reformada, ordenando-se a dispensa, ou, caso não se entenda adequada a dispensa, a redução em pelo menos 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça de todo o processo, incluindo todos os recursos interpostos, considerando que a conta a elaborar é uma só;

Subsidiariamente, caso se tenha entendimento diferente quanto à oportunidade e/ou competência para a apreciação da taxa de justiça referente aos recursos interpostos, deve ser dispensada, ou, caso não se entenda adequada a dispensa, a deve ser reduzido em pelo menos 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça do processo principal e do apenso A, julgados por este Tribunal”.

Responde AA, autor e réu, pedindo que este Tribunal decida:

“a) INDEFERIR A RECLAMAÇÃO APRESENTADA, ANTE A AUSÊNCIA DE NULIDADE;

b) INDEFERIR A RECLAMAÇÃO POR DESNECESSIDADE DE ACLARAÇÃO;

c) NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ART.º 6.º, N.º 7, DO R.C.P., DISPENSAR O AUTOR/RÉU DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA;

SUBSIDIARIAMENTE:

DISPENSAR, PARCIALMENTE, O AUTOR/RÉU O PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA EM PERCENTAGEM NÃO INFERIOR A 90%”.


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Alega a reclamante:

1 - A nulidade do acórdão, por falta de fundamentação:

a) - “o acórdão sob reclamação é nulo porque o Tribunal não especificou os fundamentos de facto que justificam porque é que, no seu entender, a causa de pedir da ação 154/1997 é a mesma que a causa de pedir da ação apensa”.

b) - “Nulidade por omissão de pronuncia quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação do artigo 263.º, n.º 3, do CPC feita pelo Tribunal Recorrido”.

c) - “Nulidade por omissão de pronúncia e inconstitucionalidade da interpretação feita pelo acórdão sob reclamação do artigo 263.º, n.º 3, do CPC conjugado com os artigos 2.º, n. 1, al. a) e 3.º n.º 1, al. a) do CRPred.

d) - “Pedido de aclaração do teor do paragrafo: “o caso julgado apenas releva na medida em que julgou, ou seja, que a Gracer, e por consequência a adquirente Sorimin, não têm o direito de propriedade porque tal não lhes foi reconhecido, em resultado da desistência do pedido””.

2 - Requer “Dispensa ou redução (em pelo menos 90%) do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

Na resposta a reclamada pede:

1 - O indeferimento da reclamação, “ANTE A AUSÊNCIA DE NULIDADE” e a “DESNECESSIDADE DE ACLARAÇÃO”.

2 - Requer a dispensa “DO PAGAMENTO DO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA” ou dispensa parcial “EM PERCENTAGEM NÃO INFERIOR A 90%”.


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Conhecendo:

a) - “o acórdão sob reclamação é nulo porque o Tribunal não especificou os fundamentos de facto que justificam porque é que, no seu entender, a causa de pedir da ação 154/1997 é a mesma que a causa de pedir da ação apensa”.

O acórdão ao tratar a questão da alegada ofensa do caso julgado teve em conta o que, sobre a matéria, já havia sido decidido no processo.

Da tríade exigida pelo art. 581º do CPC, identidade de sujeitos, identidade de pedido e, identidade de causa de pedir, o acórdão reclamado enfatizou, apenas, a primeira e porque as demais já haviam sido decididas.

Como se constata no saneador da ação e sobre caso julgado, a pág. 2/3 e pág. 15 se diz: “Reportando ao caso vertente, é apenas pacífica a questão da identidade da causa de pedir e do pedido; não se verificando a identidade das partes como pressuposto para a procedência dessa excepção (cfr. fls. 806 e 807 da acção n.º 155/07.3TBTVR)”.

Deste despacho apenas o autor e réu, AA interpôs recurso e reclamou: “O recurso tem por objecto a parte do despacho saneador que julgou improcedente a excepção, invocada pelo Réu, de violação de caso julgado (art.º 684.º, do C.P.C.)”.

E conforme nº 1, do art. 631º, do CPC, os recursos podem ser interpostos por quem tenha ficado vencido e, o recorrente ficou vencido no segmento, da tríade de pressupostos, respeitante à identidade das partes e, apenas sobre esse segmento lhe interessava interpor recurso.

Do despacho saneador a ora reclamante apenas deduz reclamação da seleção e organização da matéria de facto e a base instrutória.

E o mesmo na sentença, onde se refere: “Foi proferido despacho-saneador, que não admitiu a réplica do Autor na parte em que responde à matéria das contestações por não ter sido deduzida exceção, julgou improcedente a invocada exceção dilatória do caso julgado e fixou a matéria de facto assente e a base instrutória”.

Da sentença a ora reclamante não recorre.

Como se diz no acórdão recorrido (da Relação), “AA veio interpor recurso da decisão final (interpondo também vários outros recursos, juntamente com aquele, descritos infra nas questões a decidir)”.

Do recurso interposto por AA, na altura recurso de agravo e com subida diferida, alegava o recorrente: “B) – O despacho recorrido entendeu que existe identidade da causa de pedir e do pedido, entre os presentes autos e os que correram termos sob o Proc. n.º 1…4/1997, na Secção Única do Tribunal Judicial de …, mas não identidade de sujeitos”.

E fundamenta toda a alegação reportando-se à tentativa de demonstrar a identidade de sujeitos nas duas ações e que a legitimidade do transmitente foi substituída pela do adquirente.

E o acórdão recorrido (da Relação) refere que “No caso dos autos o despacho recorrido afasta o caso julgado de forma muito simplista por falta da identidade de sujeitos” (sublinhado nosso).

E acrescenta: “Como vimos, em termos subjectivos, a recorrida não tem razão ao afirmar que o caso julgado não lhe é oponível, pois é abrangida pelo caso julgado da sua dimensão de autoridade de caso julgado, como adquirente, mesmo não tendo tido intervenção no processo anterior, estando assim obrigada a aceitar e cumprir o que foi decidido na acção n.º 1…4/97. 

Em termos objectivos, importa aferir se a relação entre a sentença homologatória da desistência do pedido na 1.ª acção, em confronto com os presentes autos, preenche os pressupostos da excepção de caso julgado ou se deverá ser respeita a autoridade de caso julgado”.

Por isso se concluiu que a Sorimin pretende que seja de novo apreciado em tribunal -apenso A- processo n.º 1/08.O…- a questão da propriedade quando já foi reconhecido, na ação 1…4/97, que tal direito não assistia à entidade que lho transmitiu, face à desistência do pedido aí formulado e homologado por sentença.

Sendo que jurisprudência há que entende que a invocação e o funcionamento da autoridade do caso julgado dispensam a identidade de pedido e de causa de pedir, pelo que, e como sustenta o acórdão recorrido “A desistência do pedido pelo autor traduz um reconhecimento – bem ou mal, não interessa – que o mesmo não tinha qualquer cabimento, ficando a composição do litígio definitivamente resolvida com a declaração de que o autor não tem o direito que invocou, tudo se passando como se a acção fosse julgada improcedente”.

E por isso, questionado nos autos, pela recorrente, vinha apenas a questão subjetiva de saber se no caso se verificavam os pressupostos enunciados no art. 263º, do CPC e que a Relação entendeu verificarem-se e serem aplicáveis no caso, o que veio a ser confirmado pelo acórdão recorrido.

Do exposto resulta que o acórdão reclamado não tinha de se pronunciar sobre questão que já havia sido decidida (no despacho saneador) e cuja decisão transitou em julgado.


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b) - “Nulidade por omissão de pronuncia quanto à invocada inconstitucionalidade da interpretação do artigo 263.º, n.º 3, do CPC feita pelo Tribunal Recorrido”.

A recorrente/reclamante estrutura a sua defesa na alegação do recurso, não na inconstitucionalidade da norma do art. 263º, nº 3, do CPC (conjugada ou não com os artigos 2.º, n. 1, al. a) e 3.º n.º 1, al. a) do C. R. Predial), mas no entendimento da não aplicação dessa norma ao caso concreto.

A recorrente/reclamante alega no seu recurso de revista: “Questões a resolver

16. Uma vez que o objeto do recurso é a decisão do tribunal recorrido que julgou procedente a exceção de caso julgado formado pela sentença proferida na ação 1…4/1997, as questões a resolver são as de saber se estão preenchidos os pressupostos de que depende essa exceção:

a) A primeira questão: quais são os limites subjetivos do caso julgado formado na ação 1…4/1997? O que se desdobra nas seguintes questões:

i) Se a Gracer agiu como substituto da Sorimin na ação 1…4/1997 e, como tal, a Sorimin se encontra subjetivamente abrangida pelo caso julgado dessa ação? Ou seja, se estão reunidos os pressupostos de que depende a substituição processual, nos termos do artigo 263. ° do CPC?

ii) Se, estando reunidos os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 263. ° do CPC, o caso julgado formado na ação 1…4/1997 produz efeitos em relação à Sorimin apesar de a ação não ter sido registada?

iii) Se, não estando reunidos os pressupostos de que depende a aplicação do artigo 263. ° do CPC, a Sorimin está, ainda assim, abrangida pelo caso julgado formado na ação 154/1997 por ocupar a mesma posição, sob o ponto de vista da qualidade jurídica, que a Gracer ocupava na ação 1…4/1997?”

E como segunda questão a que se segue e que já foi analisada no anterior ponto da reclamação.

“b) Segunda questão: quais são os limites objetivos do caso julgado formado na ação 1…4/1997? O que se desdobra nas seguintes questões:

i) Os pedidos formulados pela Sorimin contra AA na ação apensa são, na sua totalidade, uma repetição dos pedidos formulados pela Gracer contra o mesmo na ação 154/1997?

ii) As causas de pedir em que a Sorimin sustenta os pedidos que formulou contra AA na ação apensa são, todas elas, uma repetição da causa de pedir em que a Gracer sustentou os pedidos formulados contra o mesmo na ação 1…4/1997?

Questões que resolveremos seguindo esta ordem de exposição”.

Matéria que a recorrente desenvolve ao longo das alegações, limitando-se a alegar e concluir que entendimento contrário ao que sufraga é inconstitucional por violação do disposto no art. 20º da Constituição.

A recorrente, apesar das longas alegações apenas disse: “44. Portanto, por todos os motivos expostos, para que o caso seja de substituição processual e se possa aplicar o artigo 263.° do CPC, nomeadamente para que o caso julgado formado na ação em que se litiga a coisa possa abranger o transmissário dela, é pressuposto que se esse transmissário conhecesse o caráter litigioso da coisa.

Aliás, qualquer interpretação do n.° 3 do artigo 263.° do CPC no sentido de que se considera abrangido pelo caso julgado formado numa ação em que se litiga a coisa o terceiro que a adquira e que se não habilite nessa ação, nem tenha a possibilidade de se habilitar por desconhecer o caráter litigioso da coisa, é inconstitucional, por violação do direito a um processo justo, contraditório e equitativo, ínsito no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invocou perante o tribunal a quo, e ora expressamente se invoca e se requer que este Tribunal aprecie”.

O que repete na conclusão 40ª: “40ª. Aliás, qualquer interpretação do n.º 3 do artigo 263.° do CPC no sentido de que se considera abrangido pelo caso julgado formado numa ação em que se litiga a coisa o terceiro que a adquira e que se não habilite nessa ação, nem tenha a possibilidade de se habilitar por desconhecer o caráter litigioso da coisa, é inconstitucional, por violação do direito a um processo justo, contraditório e equitativo, ínsito no artigo 20.° da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que expressamente se invocou perante o tribunal a quo, e ora expressamente se invoca e se requer que este Tribunal aprecie”.

Inconstitucional porquê?

Porque o transmissário não conhecia o caráter litigioso da coisa adquirida?

O conhecimento do litígio sendo dado, ou não, pelo transmitente ao transmissário é mero assunto das relações jurídicas entre ambos, não gerador de qualquer inconstitucionalidade.

O transmitente é que poderá ter a “obrigação” de provocar a habilitação e para que o transmissário seja admitido a substituí-lo no litígio.

No caso de a transmitente não ter dado conhecimento do litígio (da pendência do processo), poderá é tratar-se de vício do negócio, por erro, e que eventualmente poderia ser fundamento de anulação do mesmo.

Mas nos termos em que é formulada a alegação e conclusão não foi em moldes de invocação de violação de norma constitucional como questão processual a conhecer autonomamente.

Dizer que determinada norma não tem aplicação no caso concreto não é o mesmo que alegar a inconstitucionalidade, no caso de aplicação.

Não se trata de arguição de inconstitucionalidade da norma ou da interpretação da mesma.

Refere Lopes do Rego in «O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, 3, pág. 8. que “É, aliás, perceptível que, em numerosos casos – embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida – o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio […]; a adequação e correcção do juízo de valoração das provas e de fixação da matéria de facto provada na sentença (…) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […].

Impugnar-se o uso de uma norma por se entender que não tem aplicação no caso concreto, é coisa distinta do que reagir contra a aplicação de uma norma que se entende violar preceito constitucional. A recorrente limitou-se a reagir contra a decisão de produção de efeitos de caso julgado em relação ao transmissário, e não contra a inconstitucionalidade dessa mesma norma.

Donde a conclusão de que não emerge a nulidade oposta, pois que não tendo sido suscitada a questão, nenhuma incumbência recaía sobre o tribunal a quo em a apreciar.


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c) - “Nulidade por omissão de pronúncia e inconstitucionalidade da interpretação feita pelo acórdão sob reclamação do artigo 263.º, n.º 3, do CPC conjugado com os artigos 2.º, n. 1, al. a) e 3.º n.º 1, al. a) do CRPred.

No acórdão reclamado, de forma extensa se diz porque se entendeu que, no caso da ação intentada pela Gracer contra AA essa ação não tinha de ser registada. O Tribunal pronunciou-se desde a linha 24 da pág. 183 a linha 19 da pág. 185.

Uma coisa é o entendimento do Tribunal manifestado no acórdão, e outra será o entendimento da recorrente Sorimin sobre essa matéria.

E pronunciando-se o Tribunal nos termos em que se pronunciou não tinha, de oficiosamente, analisar a interpretação do ponto de vista da constitucionalidade.

Se o Tribunal aplicou é porque entendeu que não ofendia a Constituição.


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d) - “Pedido de aclaração do teor do paragrafo: “o caso julgado apenas releva na medida em que julgou, ou seja, que a Gracer, e por consequência a adquirente Sorimin, não têm o direito de propriedade porque tal não lhes foi reconhecido, em resultado da desistência do pedido””.

O paragrafo vem incerto no segmento do acórdão em que se analisa o recurso de revista do recorrente AA que alegava que devia beneficiar do caso julgado formado na ação 1…4/97, reconhecendo-se-lhe o direito de propriedade.

E apenas se refere que nada julgou essa ação em relação ao aí réu AA, pelo que em relação a ele, não se tinha formado qualquer caso julgado, quer a favor, quer em desfavor.

E por isso se concluiu esse segmento dizendo que: “Não se verifica caso julgado em relação ao presente processo, relativamente à ação principal”, que é a intentada pelo AA contra a Sorimin.


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Face ao exposto há-de julgar-se improcedente a reclamação.

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2 - Requerem as partes na ação, a dispensa, ou redução em pelo menos 90%, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Alega a requerente Sorimin:

Nos presentes autos são apreciadas duas ações, uma ação declarativa intentada por AA contra a Sorimin, em 2007 (proc. n.º 155/07.3TBTVR), à qual foi atribuído o valor de 2.034.583,00 €, e outra ação declarativa intentada pela Sorimin contra AA, em 2008 (proc. n.º 155/07.3TBTVR-A), à qual foi atribuído o valor de 7.373.293,32 €”.

Não obstante o tempo decorrido desde a apresentação das ações, o mencionado montante de remanescente da taxa de justiça é, ainda assim, claramente desproporcionado face aos serviços efetivamente prestados pelo Tribunal, em clara violação dos princípios Constitucionais da proporcionalidade e do acesso ao direito – na medida em que está em discussão o possível pagamento de milhares de euros pelas partes por conta da utilização por si feita do sistema de justiça”.

Com efeito, sendo certo que a matéria alegada nos autos é extensa, a realidade é que as questões jurídicas em discussão não se revestem de particular complexidade, assentando fundamentalmente em torno dos institutos da usucapião e da responsabilidade civil extracontratual, não implicando o estudo de matérias de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica”.

Deve a decisão quanto a custas ser reformada, ordenando-se a dispensa, ou, caso não se entenda adequada a dispensa, a redução em pelo menos 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça de todo o processo, incluindo todos os recursos interpostos, considerando que a conta a elaborar é uma só;

Subsidiariamente, caso se tenha entendimento diferente quanto à oportunidade e/ou competência para a apreciação da taxa de justiça referente aos recursos interpostos, deve ser dispensada, ou, caso não se entenda adequada a dispensa, a deve ser reduzido em pelo menos 90% do pagamento do remanescente da taxa de justiça do processo principal e do apenso A, julgados por este Tribunal”.

Alega o requerente AA:

As partes vieram pugnar por aquilo que entendem ser os seus direitos legais. A não dispensa do remanescente da taxa de justiça ou, pelo menos, a sua não redução em percentagem muito elevada, ofenderá, não só o princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição do excesso, como deve considerar-se, no caso concreto, um obstáculo ao acesso ao direito e aos tribunais”.

“Impor às partes que, a final, tenham de proceder ainda ao pagamento do remanescente da taxa de justiça, face ao que já pagaram, é excessivo e desproporcional. De facto, o pagamento do remanescente da taxa de justiça implicaria que as partes fossem oneradas com um valor que, dado o seu montante, não teria correspectividade com o serviço público que lhes foi prestado”.

Em face de todo o exposto, deverá considerar-se que as taxas de justiça já liquidadas nos autos são suficientes, justas, adequadas e proporcionais aos contornos do presente caso concreto. Devendo, consequentemente, haver a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

“Caso assim não se entenda, a título subsidiário, requer-se a dispensa parcial do remanescente da taxa de justiça, em percentagem não inferior a 90%”.

Notificado o Magistrado do Ministério Público, pronuncia-se referindo:

“(…) Como este último requerente afirma, os presentes autos transformaram-se num autêntico «monstro jurídico»

Como é afirmado pelo mesmo requerente, os presentes autos ostentam uma tramitação complexa (diremos que extremamente complexa), com várias sessões de audiência de julgamento; prova pericial, inspecção ao local e, acrescentamos nós, inúmeros recursos e várias dezenas de requerimentos, a ser apreciados nas diversas instâncias.

Tendo em consideração tudo o que foi enunciado, entende-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não deverá ser concedido em mais de 25%”.


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1ª Questão prévia:

O presente processo não é uma ação linear, em termos de ação única, correndo em simultâneo a ação principal e o apenso -A.

Dispõe o art. 267º, nº 1 do CPC que “Se forem propostas separadamente ações que, por se verificarem os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, a oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, é ordenada a junção delas, a requerimento de qualquer das partes com interesse atendível na junção, ainda que pendam em tribunais diferentes, a não ser que o estado do processo ou outra razão especial torne inconveniente a apensação”.

O Prof. Alberto Reis, in (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 203) expõe que “a simples apensação de acções não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de economia processual e, acima de tudo, em ordem a evitar contradições”.

Neste sentido, o Ac. deste STJ de 07-06-2018, no Proc. nº 418/13.9TVCDV.L1.S1, no qual se decidiu: “I. Na apensação de ações, mantêm-se distintos os pedidos deduzidos pelos vários autores nas ações apensadas e permanece, para cada um deles, a utilidade económica das demandas, pelo que não se altera o valor do processo principal”.

Mantendo essa individualidade temos:

Valor da ação principal: 2.034.583,00 €;

Valor da ação apensa: 7.373.293,32 €.


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2ª Questão prévia:

Porque estamos ante pedidos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na sequência de interposição de recursos de revista nenhum impedimento legal existe ao seu conhecimento, conforme resulta do disposto nos arts 527º, nº 1 e 529º, nº1, ambos do CPC e art. 1º, nº 2 e 6º, nºs 1 e 2, do RCP e nas tabelas I-A e I-B anexas, na medida em que e que, para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, os recursos são considerados  processos ou procedimentos autónomos, funcionando o princípio da autonomia.

Assim, este Tribunal pode conhecer destes pedidos relativamente ao recurso interposto para este Tribunal, sendo que a competência, nesta matéria, alargada ao processo compete ao Juiz da 1ª Instância.

Assim também entende Salvador da Costa, in “Dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na globalidade do processo”, (comentário ao Acórdão da Relação de Évora de 14.03.2019, publicado no Blog do IPPC e disponível em https://docs.google.com/document/d/1NpHw0Wlu6PZOcwij3yF6zoDqkc8jhLRU8vlL2B1LnjU/edit), onde refere que “a decisão de dispensa de pagamento do referido remanescente da taxa de justiça é do juiz da primeira instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos ou aos incidentes cujo objeto seja o acórdão em causa, por exemplo os de reforma dos acórdãos”.

E foi também o entendimento sufragado por este STJ, no Ac. de 14-01-2021, proferido no Proc. nº 6024/17.1T8VNG.P1.S1, onde decidiu: “II. Conforme resulta do disposto nos artigos 527º, nº 1 e 529º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil e artigos 1º, nº 2 e 6º, nºs 1 e 2, do Regulamento das Custas Processuais e nas tabelas I-A e I-B anexas, os incidentes, as ações e os recursos são considerados processos ou procedimentos autónomos para efeito de sujeição ao pagamento de custas stricto sensu e de taxa de justiça, funcionando, entre eles, o princípio da autonomia.

III. Significa isto que a decisão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é do juiz da primeira instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos ou aos incidentes cujo objeto seja o acórdão em causa”.

Entendimento já sufragado no Ac. deste STJ de 14-07-2020, no Proc. nº 2556/17.0YLPRT.L1.S2.

Assim que este Tribunal apenas se pronunciará sobre os requerimentos de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça no que respeita à interposição dos recursos de revista.

Relativamente aos restantes atos processuais se pronunciará o sr. Juiz da 1ª Instância.


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Vem sendo entendimento da jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar o pagamento, ou da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Ou seja, o RCP estabelece um sistema misto de cálculo final da taxa de justiça processual, que assenta somente no valor da ação até um certo limite máximo e na possibilidade de correção da taxa de justiça para menos (dispensa total ou parcial do remanescente) quando se trate de processo de valor tributário assinalável (superior àquele limite máximo de €275.000), e que não seja considerado de excecional complexidade.

Neste sentido, os Acs. já citados, proferidos nos procs. 2556/17.0YLPRT.L1.S2 e 6024/17.1T8VNG.P1.S1.

No caso vertente temos que se verificam preenchidos os indicadores previstos nas alíneas a) e c), do nº 7, do art. 530º, do CPC, o processo contém articulados e alegações prolixas e, implicou a audição de número elevado de testemunhas, a análise de meios de prova complexos e realização de várias diligências de produção de prova.

O STJ, no acórdão, de 12-12-2013, no Proc. n.º 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1 refere: O Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Dezembro – que sucedeu ao Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro - procurou adequar “o valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da Justiça nos respectivos utilizadores”.

E acrescenta, “Esta possibilidade de graduação prudencial do montante das custas devidas nos procedimentos de valor especialmente elevado só veio a ser consagrada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, que aditou ao artigo 6.º do RCP um n.º 7 em que, em estreito paralelismo a norma que figurava no artigo 27.º, n.º 3, do CCJ, se prevê: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento»”.

No caso dos autos temos que, se calculada a taxa de justiça apenas com base no critério do valor, os montantes que viriam a ser apurados seriam exorbitantes e verificar-se-ia manifesta desproporção entre o valor que seria cobrado, a título de taxa de justiça, e o custo implicado nas ações.

Nos presentes autos, à ação principal foi fixado o valor de 2.034.583,00 €, e à ação apensa foi fixado o valor de 7.373.293,32 €.

Valores que relevarão quando da elaboração da conta final, nos termos do art. 30º, do RCP.

No essencial trata-se de ações cruzadas com pedidos de reconhecimento, pela contraparte, do direito de propriedade e condenação da contraparte a reconhecer esse direito e fazer entrega do imóvel, livre e desimpedido.

Tendo sido também necessário analisar eventual ofensa de caso julgado, alegando e contra-alegando as partes a ofensa, ou não, do caso julgado formado entre o decidido na ação 1...4/97 e a pretensa decisão pretendida pelas partes na ação principal e no apenso.

O processo desenrola-se ao longo de 17 volumes, sendo vários e extensos os articulados, as respetivas respostas e ainda vários articulados supervenientes e respostas.

Assim como longas são as alegações e conclusões dos recursos interpostos e respetivas respostas, e vários os recursos intercalares que tiveram subida diferida.

Para além de serem extensas as peças processuais apresentadas pelas partes, temos que a conduta processual das mesmas não é suscetível de reparo, para além de cada uma pretender fazer valer o direito que, desde o início, se arrogava ter.

Tendo em conta o valor das ações e as regras processualmente previstas para o cálculo do remanescente e, analisando apenas relativamente ao recurso de revista, temos:

Ação principal: 2034583 – 275000 = 1759583: 25000 = 71 x1,5 =106,5 x 102 = 10863,00€;

Ação apensa: 7373293,32 – 275000=7098293,32: 25000=284 x 1,5 = 426 x 102 = 43452,00€.

Sem descurar a taxa de justiça já paga quando da interposição dos recursos, no montante de 816,00€ (102 x 8).

Aplicando o que ficou exposto ao caso dos autos, ponderada a relativa complexidade e trabalho processual da tramitação processada neste STJ, e ponderando o elevado valor da causa e da utilidade económica dos interesses a ela associados, considera-se adequado dispensar as partes litigantes do pagamento de 75% do remanescente da taxa de justiça, ou seja, na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de €275.000, isto é, apenas será devido pelos, autor/réu AA e ré/autora Sorimin – Compra e Venda de Imóveis, Lda., o valor de 25% do dito remanescente.


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Sumário elaborado nos termos do art. 663 nº 7 do CPC:

I - Impugnar-se o uso de uma norma por se entender que não tem aplicação no caso concreto, é coisa distinta do que reagir contra a aplicação de uma norma que se entende violar preceito constitucional.

II - Ensina Prof. Alberto Reis, in (Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, pág. 203) que “A simples apensação de acções não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de economia processual e, acima de tudo, em ordem a evitar contradições”.

III - A decisão de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça é do juiz da 1.ª instância, no que concerne às ações lato sensu, e do coletivo de juízes dos tribunais superiores no que concerne aos recursos.

IV - Entende a jurisprudência que a norma constante do nº 7 do artº 6º do RCP (Regulamento das Custas Processuais) deve ser interpretada no sentido de o juiz poder corrigir o montante da taxa de justiça quando o valor da ação ultrapasse o montante máximo fixado como limite de cálculo da taxa de justiça com base no valor da causa (€275.000) e, dispensar o pagamento, ou da totalidade ou de uma parte, do remanescente da taxa de justiça devida a final, ponderando as circunstâncias do caso concreto (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), servindo de orientação os princípios da proporcionalidade e da igualdade.

Decisão:

Acordam no Supremo tribunal de Justiça e 1ª Secção em julgar improcedente o incidente de reclamação do acórdão, deduzida por Sorimin – Compra e Venda de Imóveis, Lda..

Custas pela requerente, fixando-se em 3 UC´s a taxa de justiça.

Acordam em deferir parcialmente os requerimentos com os pedidos de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, formulados por Sorimin – Compra e Venda de Imóveis, Lda., e por AA, ficando os mesmos dispensados, nesta Instância, do pagamento de 75% do valor da taxa de justiça remanescente correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a € 275.000,00.

Relativamente aos pedidos de dispensa de pagamento do remanescente na 1ª Instância e na Relação se pronunciará, oportunamente, o Juiz para tal competente, o da 1ª Instância.

Sem custas.


Lisboa, 18-01-2022


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Nuno Ataíde das Neves - Juiz Conselheiro 2º adjunto