Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15/13.9PEBJA.E1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 10/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
Doutrina:
- Américo Taipa de Carvalho, Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 325;
- Figueiredo Dias, sistema sancionatório do Direito Penal Português, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815; Direito Penal, Sumários das Lições, Universidade de Coimbra, 1975, p. 147 e ss.; Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 227 a 231.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 379.º, N.º 2, 410.º, N.ºS 2 E 3 E 412.º, N.º 1.
DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGO 24.º, ALÍNEA H).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-01-2016, PROCESSO N.º 23/10.1PEAGH.L1.S1.
Sumário :
I - Na valoração global da factualidade, tendo em atenção as circunstâncias em que os factos foram praticados – o meio utilizado para a introdução da droga no EP, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, destacando-se aqui a detenção de heroína, a circunstância de o arguido se encontrar em cumprimento de pena, precisamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes – não se observa que a ilicitude do facto seja consideravelmente diminuída, improcedendo a pretensão do arguido na integração dos factos no tráfico de menor gravidade.
II - A circunstância de a infracção ter sido cometida em EP, prevista na al. h) do art. 24.º do DL 15/93, não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.
III - As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração são muito elevadas no quadro do crime de tráfico de estupefacientes. Elevado é também o grau da ilicitude dos factos, tendo em conta as circunstâncias em que o arguido praticou o crime, sublinhando-se o objectivo que se propôs de introduzir o produto estupefaciente no EP onde regressava após o gozo de uma licença de saída que lhe fora concedida. Actuou com dolo directo e possui antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, encontrando-se à data dos factos em cumprimento de pena de prisão, pelo que, tudo ponderado se afigura adequada a pena de 6 anos e 6 meses aplicada pela 1.ª instância.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1

RECURSO PENAL

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – RELATÓRIO

1. Por acórdão proferido em 13 de Novembro de 2015 pelo Tribunal Colectivo da Comarca de ... – Instância Central – Secção Cível e Criminal, foi julgada parcialmente procedente por provada a acusação deduzida contra o arguido AA, nascido a 0/0/1980, no …, solteiro, actualmente preso à ordem de outros autos, tendo sido deliberado:

A) Absolvê-lo da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 e 24º al. h) do DL n.º 15/93, de 22.01.

B) Condená-lo pela prática como reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL n.º 15/93, de 22.01 com referencia à Tabela I-A e I-C em anexo na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

C) Condená-lo nas custas do processo.

D) Declarar perdido a favor do Estado o produto estupefaciente e determinada a sua destruição.

2. Inconformados, tanto o arguido como o Ministério Público recorrem desta decisão, rematando as respectivas motivações com as conclusões que se transcrevem:

2.1. Recurso do arguido

«DAS CONCLUSÕES:

1- O Arguido foi acusado de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art.º 21 ° nº 1 e 24 alínea h) do DL 15/93 de 22 de Janeiro, por ter sido interceptado no regresso ao Estabelecimento Prisional de uma Licença de Saída Jurisdicional, trazendo consigo estupefaciente.

2- O Acórdão em recurso veio a condenar o Arguido apenas pelo art.º 21 ° n° 1 do mencionado corpo de leis, entendendo que não se preencheram os requisitos para a agravação, já que o crime se praticou fora do Estabelecimento Prisional. Contudo,

3- Entendeu o Acórdão que o Arguido deveria ser condenado como reincidente, uma vez que já tinha duas condenações anteriores pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. E,

4- Entendeu que o Arguido não poderia ser púnico pelo art.° 25° porque o grau de ilicitude seria elevado, o que afastava a qualificação desse artigo. Mas,

5- Salvo o devido respeito, a qualificação não foi a correcta.

6- O Arguido, na sua tentativa de introduzir estupefaciente no Estabelecimento Prisional, fê-lo como mero transportador e não como dono. E,

7- Mesmo assim, fê-lo porque foi manipulado por outros reclusos, já que tem uma personalidade fraca e altamente influenciável.

8- A ilicitude da actuação do Arguido deverá assim, ser aferida em relação a todas estas condicionantes:

9- Tipo e quantidade de estupefaciente, o transporte de estupefaciente pertença de terceiro, a influência de comportamento e actuação por parte de terceiro. E,

10- No caso concreto, a ilicitude era diminuta pelo que o Arguido deveria ter sido condenado pelo Art.º 25° e não pelo 21 ° n° 1 do DL 15/93.

11- Deste modo, o Arguido deveria ter sido condenado a uma pena de prisão, suspensa na sua execução, permitindo que a evolução deste em termos de integração social, não viesse a ser interrompida.

12- Assim sendo, o Acórdão em recurso encontra-se ferido já que fez uma errada aplicação do direito ao caso concreto, violando-se o disposto no art.º 410 nº 1 do CPP.

NESTES TERMOS

deve o presente recurso ser julgado por procedente e em consequência ser alterada a norma jurídica pela qual o Arguido foi condenado, com a adequação da pena fixada.»

2.2. Recurso do Ministério Público

«Conclusões:

1.ª

A circunstância qualificativa da al. h) do artigo 24.°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pressupõe que os actos de tráfico tenham lugar, no que ora importa, num espaço prisional ou nas suas imediações.

2.ª

O fundamento da agravação está directamente relacionada com a difusão ou o perigo de difusão da droga entre a população prisional e o inerente comprometimento das finalidades de execução da pena de prisão.

3.ª

Estando provado que o arguido AA:

- Não é consumidor de estupefacientes;

- Quando regressava ao estabelecimento prisional de Beja depois de gozar uma licença de saída jurisdicional, transportava no interior do seu organismo 96,077 gramas de cannabis (resina), acondicionadas em dez embalagens de plástico, e 1,033 gramas de heroína, acondicionadas em mais dez embalagens de plástico;

- Foi interceptado à entrada do estabelecimento prisional depois de ter tocado à campainha do respectivo portão e quando se preparava para entrar no seu interior;

- Agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo as características e composição das substâncias apreendidas e sabendo que não podia detê-las nem transportá-las para o estabelecimento prisional;

forçosamente que se mostram preenchidos os pressupostos típicos objectivos e subjectivos do crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 21.º/1 e 24.º/h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

4.ª

Ao subsumir esta conduta no tipo simples do artigo 21.°/1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o tribunal a quo violou o artigo 24.º/h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

5.ª

O douto acórdão recorrido deve, assim, ser parcialmente revogado e substituído por outro que, acolhendo o entendimento expresso neste recurso, condene o arguido AA pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico agravado de estupefacientes p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21.°/1 e 24.º/h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-C anexas ao mesmo diploma, 75.° e 76.°/1 do Código Penal, em pena não inferior a 7 anos de prisão.»

3. O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, dizendo:

«1.°

O arguido AA vem recorrer do acórdão de 13 de Novembro de 2015 que o condenou pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico p. e p. pelo art. 21.°, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, visando a alteração do enquadramento jurídico dos factos, do referido art. 21.°, n.º 1, para o art. 25.° do mesmo diploma, e a correspondente redução da medida da pena e suspensão da respectiva execução.

2.°

Ora, quanto a estas matérias, tudo o que tínhamos para dizer ficou exposto no recurso do MP no qual advogámos a condenação do arguido pela prática, como reincidente, de um crime qualificado de tráfico e outras actividades ilícitas p. e p. pelos arts. 21.°, n.º 1, e 24.°, al. h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, bem como o agravamento da medida concreta da pena para os 7 anos de prisão (cf. fls. 419-424 dos autos que aqui se dão por reproduzidos para todos os efeitos).

3.°

Neste momento apenas acrescentaremos que, do ponto de vista jurídico, face aos pressupostos de aplicação dos arts. 25.° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 50.°, n.º 1, do Código Penal, não é defensável que a actuação de alguém que já sofreu duas condenações por crimes de tráfico de estupefacientes, a primeira das quais em pena de suspensão que veio a ser revogada, e que, cumprindo pena de prisão pela prática desses crimes, tenta introduzir no estabelecimento prisional, depois de gozar uma licença de saída jurisdicional, 10 embalagens de cannabis (resina) com o peso de 96,077 gramas e outras 10 embalagens de heroína com o peso de 1,033 gramas, possa estar "consideravelmente diminuída" ou faça jus à suspensão de execução da pena de prisão, tanto mais que a circunstância que o recorrente alega - ter sido coagido à prática do crime - pertence ao domínio da ficção.

4.°

Daí que se propugne a improcedência, in totum, do recurso.»

4. O recurso subiu ao Tribunal da Relação de … onde, por decisão sumária proferida em 29.03.2016, foi determinado o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça, por incompetência daquele Tribunal para conhecer dos recursos interpostos na medida em que a impugnação da decisão recorrida «[versa], tão só, questões de direito, pois que, visa, exclusivamente, o reexame de matéria de direito, porquanto, apenas se insurgem quanto à qualificação jurídica dos factos e à graduação da pena».

Cita-se:

O artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, doravante CPP, segundo o qual se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito.

A jurisprudência fixada no acórdão n.º 8/2007, de 14 de Março de 2007, do Supremo Tribunal de Justiça (Diário da República, I Série-A, de 4 de Junho de 2007):

«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».

O artigo 432.º, n.º 2, do CPP que prescreve que nesses casos [contemplados no artigo 432.º, alínea d)], «não é admissível recurso prévio para a relação», sem prejuízo do disposto no artigo 414,º, n.º 8, situação que no caso sub judice não ocorre.

5. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu o douto parecer que se transcreve:

«O arguido AA nascido a 00.00.1986, e o Ministério Público vêm interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do douto acórdão do J2 – Sec. Cível e Criminal, Inst. Central, da Comarca de ..., proferido e depositado em 13.11.2015 e que condenou o arguido/recorrente na pena de 6 anos e 6 meses de prisão por autoria de um crime de tráfico, como reincidente.

O arguido AA foi condenado na 1ª instância como reincidente pelo crime de tráfico de estupefaciente p.p. pelo art. 21º, nº 1 do dec-lei 15/93 na pena de 6 anos e 6 meses de prisão e o MP discorda não por ter sido condenado por este mesmo crime, mas por achar dever ser agravado pela al. h) do art. 24º do mesmo diploma legal e o arguido por considerar que deve ser condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade.

O MP através do Sr. Procurador da República nas conclusões que delimitam o conhecimento do recurso, vem tentar defender que além de reincidente a conduta do arguido preenche os pressupostos objectivos e subjectivos do crime do art. 21º agravado pelo art. 24º h) do dec-lei nº 15/93 e dever ser condenado numa pena não inferior a 7 anos de prisão.

Nas conclusões também o arguido AA impugna a medida da pena de 6 anos e 6 meses de prisão que lhe foi aplicada considerando que não foi tido em conta que, na tentativa de introduzir estupefaciente no Estabelecimento Prisional, era um mero transportador que havia sido manipulado por ser altamente influenciável e não é consumidor, o que diminui a ilicitude e dever levar a ser punido pelo art. 25º do dec-lei nº 15/93 a uma pena suspensa na sua execução.

1 – O crime de tráfico de estupefaciente e a agravação resultante do crime ter sido ou não cometido em estabelecimento prisional.

A questão levantada pelo MP surge porque considera que a matéria de facto dada como provada se enquadra na agravação p. na al. h) do art. 24º do dec-lei nº 15/93 que na sua parte final estabelece como pressuposto … “ou nas suas imediações”.

Vejamos, pois, se da sua leitura atenta e da jurisprudência do Supremo Tribunal poderá resultar tal interpretação.

O art. 24º do dec-lei e a alínea h) dispõe:

As penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

h) A infração tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.”.

1.1 - Parece-nos que sendo o estabelecimento de educação o último a constar as referências seguintes estarão sempre ligadas a “estes locais” frequentados por alunos ou estudantes – sítios onde praticam actividades educativas, desportivas ou sociais e as imediações têm de se referir a todos estes sítios. Mas como é do conhecimento comum, os vendedores de “rua” não entram nestes locais mas andam nas suas imediações – ruas, travessas, cafés, pastelarias, jardins que se situam próximo.

E por isso esta abrangência só atingirá os locais que os alunos e estudantes frequentam sem estarem no interior das escolas ou onde pratiquem outras actividades relacionadas.

1.2 - Quem está no estabelecimento prisional não tem permissão de sair ao exterior quando lhe convém.

É certo que neste caso concreto o arguido estava prestes a entrar no Estabelecimento Prisional mas só porque 7 dias antes lhe havia sido concedida essa saída jurisdicional ou precária. 

1.2 – Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal a imagem global do facto terá de ser avaliado para se poder concluir se a agravação se verifica.

Como este Supremo vem entendendo (cf., por ex., os Acs. de 02.05.2007, Proc. nº 1013/07-3ª, de 16,01,2008, Proc. nº 4638/07-3ª, e de 06.11.2008, Proc. nº 2501/08-5ª) a detenção de droga no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per si que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime.

É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista à potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento.

Somente em concreto, na avaliação global do facto, se pode determinar a identificação do ilícito típico (como, por ex., se a detenção de droga era destinada a ser comercializada ou disseminada pela população prisional) (cfr. Ac. de 21.01.2009, Proc. nº 4029/08-3ª Sec.).

“… de a infracção ter sido cometida em EP não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador (Ac. do STJ de 26.09.2012, Proc. nº 139/02.8TASPS.S1, tendo como Relator o Exmo. Conselheiro Raúl Borges).

Não conseguimos, concluir da matéria de facto provada primeiro que o arguido se encontrasse no interior do Estabelecimento Prisional e depois ainda que tal se verificasse a que fim se destinava o estupefaciente que o arguido tinha consigo ou outras circunstâncias especiais concretas que pudessem levar ao agravamento da sua conduta.

2 – A não aplicação do tráfico de menor gravidade do art. 25º do dec-lei nº 15/93 foi muito bem fundamentada no acórdão recorrido e o arguido não apresentou pressupostos que a afastem ou ponham em causa.

Por isso, parece-nos que desde já ficará afastada essa hipótese, restando para discussão a medida da pena que lhe foi aplicada, se a hipótese colocada pelo MP não for doutamente decidida como também nos parece não dever ser.

3 – A medida da pena no crime de tráfico foi encontrada partindo do princípio que em abstracto a pena mínima a aplicar seria de 5 anos e 4 meses e a pena máxima de 12 anos, pois o arguido AA foi condenado como reincidente pela autoria do crime de tráfico de estupefaciente previsto pelo art. 21º do Dec-Lei nº 15/93.

3.1 – A determinação da medida da pena, nos termos do art. 71º, nº 1, do Código Penal, “far-se-á em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes”, mas dentro dos limites definidos na lei.

Também constitucionalmente, a pena tem por finalidade a prevenção – quer preventiva geral quer especial.

Só depois de estabelecidos os parâmetros da culpa e da prevenção na maneira de determinar em concreto a pena, é que é possível passar à sua dosimetria.

No crime de tráfico de droga as exigências de prevenção geral relevam já na moldura penal que o legislador consagrou.

Mas as exigências de prevenção especial e a culpa do agente, é que estão na base da sua graduação entre o mínimo e o máximo estabelecido.

A pena a aplicar não deverá ultrapassar a satisfação das exigências da culpa, sendo o limite máximo, as exigências de prevenção.

3.2 – A pena de 6 anos e 6 meses aplicada ao arguido/recorrente AA, segundo a fundamentação do acórdão recorrido foi devido ao grau da ilicitude dos factos e da culpa, a intensidade do dolo, o modo de execução do crime as condições pessoais do arguido e a sua personalidade, a ausência de arrependimento, os antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, e a necessidade de prevenção geral ser bastante elevada.

 Devido a esta fundamentação, segundo nos parece, a pena de prisão aplicada ao arguido/recorrente terá sido determinada atendendo a todas as circunstâncias, conforme dispõe o art. 71º, do CP e eventualmente dentro dos limites mais ou menos fixados na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

3.3 - Na pena a aplicar ao arguido AA, para além da prevenção geral (atendimento do sentimento comunitário) também a prevenção especial terá de ser atendida com a “neutralização-afastamento” do delinquente no cometimento de outros crimes, para isso intimando-o a proporcionar, a moldar a sua personalidade (neste sentido Ac. do STJ de 27/5/2011, proc. 517/08.9).

Atendendo a toda a fundamentação e às circunstâncias dadas como provadas e ainda ao tipo de estupefacientes - em menor quantidade a droga mais dura e maior a mais leve e aquelas que não fazendo parte do tipo de crime já depuseram a seu favor, parece-nos que não haverá fundamentos que levem a alterar a medida da pena de 6 anos e 6 meses de prisão.

Assim por tudo isto, parece-nos que os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido AA, quer sobre a agravação quer sobre a menor gravidade do crime e a medida da pena, deverão ser julgados improcedentes.»

6. Nada foi dito na sequência do cumprimento do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP.

7. Não tendo sido requerido o julgamento em audiência, será o recurso decidido em conferência [artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP].

8. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objecto dos recursos

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

Questões a apreciar:

Os recorrentes (arguido e Ministério Público) questionam a qualificação jurídica dos factos efectuada pelo Tribunal Colectivo no acórdão recorrido – crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

- O arguido pugna pela verificação do crime de tráfico de menor gravidade previsto no artigo 25.º do mesmo diploma.

- O Ministério Público na 1.ª instância entende que a conduta do arguido preenche o crime de tráfico agravado previsto no artigo 24.º daquele diploma.

2. Factos provados

O Tribunal Colectivo deu como assente a seguinte factualidade:

«A)      Factos Provados

Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

           

O arguido foi condenado, no Proc. Comum Colectivo nº13/02.8PEBJA, do 2º Juízo do Tribunal de … na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 anos, pela prática, em 2002, de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/1, por acórdão transitado em julgado a 8/3/2006.

Por factos de 2008, o arguido foi condenado, no Proc. Comum Colectivo nº 10/08.0GIBJA, do 2º Juízo do Tribunal de … na pena de 5 anos de prisão, pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do Dec.-Lei nº 15/93, de 22/1, por acórdão transitado em julgado a 25/5/2010.

Por decisão transitada em julgado a 2/8/2010, proferida no Proc. Comum Colectivo nº 13/02.8PEBJA, do 2º Juízo do Tribunal de …, foi revogada a suspensão de execução na pena e ordenado o cumprimento da pena de 3 anos de prisão.

O arguido foi detido e preso preventivamente à ordem do Proc. Comum Colectivo nº 10/08.0GIBJA no dia 18/12/2008, tendo cumprido metade da pena ali aplicada até dia 18/6/2011, altura em foi desligado e ligado ao Proc. Comum Colectivo nº 13/02.8PEBJA.

O arguido cumpre a referida pena no Estabelecimento Prisional Regional de Beja, estando o termo das penas previsto para 15/12/2016.

O arguido não é consumidor de estupefacientes.

No dia 25/9/2013, o arguido iniciou o gozo de Licença de Saída Jurisdicional, de 7 dias, que lhe foi concedida pelo TEP de …, por decisão proferida no Proc. nº 1252/10.3TXEVR-I.

No dia 2 de Outubro de 2013, pelas 18.30 horas, o arguido dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional Regional de Beja, para ali cumprir a pena de prisão aplicada.

O arguido levava com ele, oculto no ânus, dez embalagens plásticas contendo 96,077 gramas de canábis (resina), e dez embalagens plásticas contendo 1,033 gramas de heroína.

O arguido tocou à campainha do Estabelecimento Prisional e quando se preparava para ali entrar foi interceptado.

Cerca das 20.00 horas, o arguido expulsou do corpo as 20 embalagens plásticas contendo canábis e heroína, as quais lhe foram apreendidas.

O arguido conhecia as características e a composição das substâncias supra referidas, nomeadamente as suas qualidades estupefacientes e sabia que as não podia deter, introduzir no estabelecimento prisional, nem ceder a reclusos.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta.

Apesar das condenações e cumprimento de penas de prisão efectivas, por crimes de tráfico de estupefacientes, o arguido não se absteve de praticar os factos supra relatados, pretendendo introduzir estupefaciente no próprio estabelecimento prisional, verificando-se que a condenação anterior que lhe foi aplicada não bastou para o afastar do cometimento de crimes.

Mais se provou relativamente ao arguido:

Realizado relatório social pelos serviços da DGRSP, do mesmo consta:

I – Enquadramento

AA não dispôs de um enquadramento familiar estruturado, salientando-se, neste contexto, o desinvestimento materno e os conflitos parentais que culminariam na separação dos progenitores aquando da sua primeira infância.

Nessa altura, o arguido e o seu irmão germano mais velho ficaram entregues aos cuidados da progenitora, figura negligente e inábil em termos afectivos e educativos, tendo, AA aos 5 anos de idade sido entregue aos avós paternos com os quais coabitou até aos 9 anos.

Nessa altura transitou para o agregado paterno, entretanto já reconstituído, tendo o arguido mantido uma relação de má qualidade com a companheira do seu pai, a qual o retirou das actividades lectivas aos 10 anos para trabalhar no campo, contra a sua vontade.

Assim, por imposição familiar, AA iniciou a sua vida laboral, tendo de forma instável, efectuado diversos trabalhos na agricultura e construção civil até aos 21 anos, quando vai cumprir o serviço militar obrigatório.

Após o cumprimento do mesmo, regressa a casa do pai, mas a conflituosidade com a companheira do progenitor leva a que procure a autonomização habitacional, todavia, a escassez de recursos económicos terá levado a que aceitasse, temporariamente, o acolhimento da mãe.

A relação entre o arguido e a progenitora veio a revelar-se como promotora de desorganização pessoal, facto que AA atribuiu ao alcoolismo e frieza afectiva desta.

Neste contexto, o arguido foi acolhido por amigo e, posteriormente, por casal amigo (co-arguidos no âmbito de processos penais).

Ao nível do discurso, o arguido manifestou alguma ambivalência na avaliação crítica do período em que coabitou com os co-arguidos e no comportamento desviante que apresentou, atribuindo à sua ingenuidade e permeabilidade face a pressões externas a responsabilidade pelos ilícitos praticados, minimizando o seu papel/responsabilidade.

AA foi assim condenado no âmbito do Processo 13/02.8PEBJA (2º Juízo do Tribunal de …) a 3 anos de pena de prisão suspensa na sua execução por 5 anos, a qual foi revogada após condenação a 5 anos de prisão efectiva no âmbito do processo 10/08.0GIBJA do 2º Juízo do Tribunal de ….

II -  Condições Pessoais e Sociais

À data da alegada prática dos factos, o arguido estava a cumprir pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Beja e beneficiava de licença de saída jurisdicional. AA referiu, em entrevista, que apesar de ter conhecimento dos seus deveres, a coacção que terá sido alvo por outros reclusos terá sido determinante nas suas escolhas.

Neste contexto, referiu que optou por seguir as orientações que lhe foram transmitidas em detrimento das regras e normas inerentes ao direito.

Aquando da sua reclusão o arguido beneficiou de algum suporte dado por casal amigo, BB e CC (família dos co-arguidos no âmbito dos processos penais), não tendo tido visitas regulares de elementos da sua família.

Aquando da sua libertação em 22 de Maio de 2015, o arguido, contrariamente ao anteriormente definido como projecto de vida e apresentado aquando da sua avaliação para concessão de liberdade condicional, optou por não ir residir com o referido casal, mas sim com o seu pai e companheira deste na zona do Montijo.

Aparentemente o arguido parece sentir um maior apoio familiar, quer em termos económicos, quer em termos afectivos referindo que as tias paternas terão afirmado a sua disponibilidade para colaborarem no seu enquadramento laboral, estando o arguido expectante de poder iniciar a sua actividade profissional a curto prazo no sector da construção civil.

Em termos lectivos saliente-se que o arguido concluiu o 9º ano de escolaridade em contexto prisional, tendo verbalizado o seu interessem em concluir o ensino secundário.

Neste momento, o quotidiano do arguido centrar-se-á na convivência com elementos do seu agregado paterno, sendo todavia, em nosso entender, precoce, uma avaliação da alteração comportamental dada a recência da sua saída de estabelecimento prisional.

III  -  Impacto da situação jurídico-penal

O arguido manifestou receio face às consequências que podem advir do presente processo, nomeadamente a condenação a pena de prisão efectiva, afirmando a sua esperança na concessão de oportunidade de cumprimento de medida probatória.

AA parece ter consciência da gravidade da sua conduta, a qual procurou justificar, como referido anteriormente, por pressões externas, com as quais não terá sabido lidar. O arguido referiu a sua disponibilidade para colaborar com as instâncias judiciais em caso de aplicação de medida probatória.

IV - Conclusão

O arguido não dispôs de um contexto sócio-familiar promotor de um adequado desenvolvimento biopsicossocial, salientando-se o desinvestimento parental em termos afectivos e educativos, a negligência e maus tratos.

Desde os 10 anos que o arguido desempenha actividade profissional, sobretudo na área da construção civil, pese embora de modo instável, dado não ter beneficiado de vínculos contratuais de longa duração.

No que concerne aos factores de risco ao nível do comportamento criminal e, caso venham a ser provados os factos subjacentes ao presente processo destacamos, a reincidência, o incumprimento de anteriores medidas probatórias, as fragilidades dos vínculos de suporte familiar, a minimização da responsabilidade e o conhecimento de pares com práticas marginais.

Como factores facilitadores da sua mudança comportamental salientamos o actual contexto familiar, o afastamento do anterior grupo de pares e o expectável enquadramento laboral do arguido a curto prazo.

Atendendo às necessidades avaliadas, considera-se que qualquer que venha a ser a pena/medida aplicada esta deverá incidir:

1. No enquadramento laboral/formativo/ocupacional do arguido,

2. No desenvolvimento da sua habilidade de resolução de problemas e comunicação (assertividade vs passividade) que permitam a diminuição de permeabilidade face a pressões externas.

Caso venha a ser aplicada uma medida em meio livre considera-se que a mesma deverá implicar a obrigação do arguido se afastar de cidadãos associados a práticas delituosas e a supervisão por parte destes serviços.”

O arguido colabora desde o dia 1.11.2015 na categoria de diversas funções na empresa DD Lda.

Além das condenações já referidas, nada mais consta do CRC do arguido.

*

B- Não se provou que:

Não deixaram de se provar quaisquer factos com interesse para a boa decisão da causa.»

3. Apreciação

3.1. O crime de tráfico de estupefacientes – artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe:

«1. Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Esta previsão legal contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando «um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação».

E, como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26-09-2012 (Proc. n.º 139/02.8TASPS.S1 – 3.ª Secção), «o tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo.

Dito de outra forma, o resultado típico alcança-se logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente ao consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.

A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente».

Consagra-se no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 um tipo de crime que, tem sido sistematicamente caracterizado como um crime de perigo comum e abstracto.

Convocando-se o acórdão deste Supremo Tribunal, de 19-11-2008 (Proc. n.º 08P3454):

«A lei nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão inter-individual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou efectivamente determine: a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

 Crime de perigo abstracto é o crime que não pressupõe nem o dano nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para casuar um perigo para um desses bens jurídicos. Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência conduzem á lesão não dependendo a perigosidade do facto concreto mas si de um juízo de perigosidade geral

 É, assim, de um crime de perigo que tratamos, e de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos designadamente de carácter pessoal- reconduzidos á saúde pública. Finamente é, também, um crime de perigo abstracto porque não pressupõe nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos abstraindo de algumas das outras circunstancias necessárias para causar um perigo desses bens jurídicos.»

3.2. O crime de tráfico de menor gravidade – artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

O artigo 25º do Decreto-Lei n.º 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, estabelecendo que:

«Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI

b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.»

Trata-se, como tem sido entendido na jurisprudência e na doutrina, de um tipo privilegiado em razão da diminuição da ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º.

Acompanhando o acórdão acima citado, «pressupõe, por referência ao tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), aferida em função de um conjunto de itens de natureza objectiva que se revelem em concreto, e que devam ser globalmente valorados por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de «considerável diminuição de ilicitude».

As referências objectivas contidas no tipo para aferir da menor gravidade situam-se nos meios; na modalidade ou circunstâncias da acção e na qualidade e quantidade das plantas. Na sua essência o que pretende é estabelecer-se a destrinça entre realidades criminológicas distintas que, entre si, apenas têm de comum o facto de constituírem segmentos distintos de um mesmo processo envolvido no perigo de lesão».

O crime de tráfico de menor gravidade caracteriza-se, assim, por constituir um minus relativamente ao crime matricial, fundamental, ou seja, ao crime do art. 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apresentando-se, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 05-11-2014 (Proc. n.º 99/14.2YRFLS – 3.ª Secção), como «um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações». Como se dá nota no acórdão do STJ de 20-01-2010 (Proc. n.º 18/06.GAVCT.S1), constitui jurisprudência constante deste Supremo Tribunal o entendimento de que o privilegiamento do crime de tráfico dá-se exclusivamente, em função de uma considerável diminuição da ilicitude do facto.

Como se considera no citado acórdão de 05-11-2014, «aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo – Ac. do STJ de 20-12-2006, Proc. n.º 3059/06 – 3ª.

O tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura, assim, dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.

A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – al. a) daquele art. 25.º.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro. Ac. deste Supremo de 24-01-2007, Proc. n.º 3112/06 - 3.ª Secção».

No caso presente, de acordo com a factualidade provada, o arguido, que não é consumidor de estupefacientes, iniciara, no dia 25/9/2013, o gozo de Licença de Saída Jurisdicional, de 7 dias, que lhe foi concedida pelo TEP de …, por decisão proferida no Proc. nº 1252/10.3TXEVR-I.

No dia 2 de Outubro de 2013, pelas 18.30 horas, o arguido dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional Regional de Beja, para ali cumprir a pena de 3 anos de prisão, aplicada no Processo Comum Colectivo n.º 13/02.8PEBJA, do 2º Juízo do Tribunal de ….

O arguido levava com ele, oculto no ânus, dez embalagens plásticas contendo 96,077 gramas de canabis (resina), e dez embalagens plásticas contendo 1,033 gramas de heroína.

O arguido tocou à campainha do Estabelecimento Prisional e quando se preparava para ali entrar foi interceptado.

Cerca das 20.00 horas, o arguido expulsou do corpo as 20 embalagens plásticas contendo canábis e heroína, as quais lhe foram apreendidas.

O arguido conhecia as características e a composição das substâncias supra referidas, nomeadamente as suas qualidades estupefacientes e sabia que as não podia deter, introduzir no estabelecimento prisional, nem ceder a reclusos.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, conhecendo o carácter reprovável da sua conduta.

O Tribunal Colectivo afastou a subsunção da conduta do arguido ao crime de tráfico de menor gravidade, considerando que:

«Importa no entanto salientar que, conforme tem sido entendimento deste Tribunal, as circunstâncias atinentes ao agente (nomeadamente os antecedentes criminais ou a prática dos factos em períodos de liberdade condicional, ou com pena de prisão suspensa) podem impedir a diminuição da ilicitude da sua conduta, já que estas circunstâncias não são apenas atinente à culpa do arguido, sendo agravadora da ilicitude do facto. Trata-se, em nosso entendimento, de uma das “circunstâncias da acção” referidas no artigo 25º e que, no caso, não permite o juízo de uma ilicitude consideravelmente diminuída. Neste sentido refere o Prof. Figueiredo Dias, “a necessidade de reconhecer que, em muitos tipos-incriminadores – segundo as investigações de MEZGER e seus adeptos isso aconteceria até em grande percentagem de tipos-incriminadores -, existem elementos subjectivos, referentes a intenções, tendências, atitudes pessoais, etc., que interessam apenas ou primariamente à valoração da ilicitude parece-nos indiscutível. De outra forma, a valoração da ilicitude não poderia adequar-se às diferenças axiológicas existentes entre os comportamentos e arriscar-se-ia a abarcar muitos comportamentos penalmente irrelevantes, lícitos, quando não mesmo com um sentido positivo de valor jurídico-penal”. - In “Direito Penal – Sumários das Lições”, Universidade de Coimbra, 1975, págs. 147 e segs.

Ora no caso concreto temos desde logo que o arguido se preparava para entrar no estabelecimento prisional transportando produto estupefaciente. E se, como já vimos, tal não é suficiente para que se considere estarmos na presença do crime agravado, impede contudo que se possa considerar estarmos na presença de uma situação em que a ilicitude é diminuída.

A qualidade do produto estupefaciente – não só haxixe mas também heroína – aumenta a ilicitude do facto.

Além disso e decisivo para afastar a consideração de que se trata de uma situação em que a ilicitude se mostra diminuída é a circunstância de os factos terem sido praticados quando o arguido se encontrava a cumprir pena precisamente pela prática de crime de tráfico de estupefacientes!

Assim e inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá o arguido ser condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º n.º 1 do DL 15/93, de 22.01».

Concorda-se com esta fundamentação.

Na valoração global da factualidade verificada, tendo em atenção as circunstâncias em que os factos foram praticados – o meio utilizado para a introdução da droga no estabelecimento prisional, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, destacando-se aqui a detenção de heroína, a circunstância de o arguido se encontrar em cumprimento de pena, precisamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como muito justamente se sublinha no acórdão recorrido – não se observa que a ilicitude do facto seja consideravelmente diminuída, improcedendo a pretensão do arguido na integração dos factos no tráfico de menor gravidade.

3.3. O crime de tráfico agravado - artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro

Sustenta o Ministério Público na 1.ª instância que «se mostram preenchidos os pressupostos típicos objectivos e subjectivos do crime de tráfico agravado p. e p. pelos artigos 21.º/1 e 24.º/h) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro», por força da verificação da circunstância qualificativa da al. h) do artigo 24.°, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que «pressupõe que os actos de tráfico tenham lugar, no que ora importa, num espaço prisional ou nas suas imediações».

Vejamos:

O artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, na redacção do artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 16-07, preceitua que: 

«As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

[…]

h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.»

Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 07-07-2009 (Proc. n.º 52/07.2PEPDL.S1 - 3.ª Secção, a razão de ser da agravação quando a conduta tem lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta, ou, como como se considera no acórdão deste Supremo Tribunal de 8-02-2006 (Proc. n.º 3790/05 - 3.ª Secção):

«A razão de ser da agravante (…) reside, como bem se compreende, no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional.

Estes objectivos são inerentes à pessoa dos presos e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance dos que não chega. Não que tal distinção releve para efeitos e consumação do crime. O tipo legal contenta-se com a simples detenção do estupefaciente, por parte dela e com as regras da autoria moral, quanto a ele. Não é aqui que está a importância desta distinção.

Onde ela está é na atenção que merece, para efeitos de averiguação da gravidade, o facto de o haxixe nunca ter entrado na zona onde vivem os reclusos. Esteve sempre longe, quer do arguido, quer dos outros a quem podia chegar a notícia da disponibilidade do estupefaciente e que o podiam comprar ou, até, simplesmente, ver consumir. Não saiu da posse da arguida e esta era um mero " correio " entre quem lho entregou e o filho que lhe daria a utilização que se refere nos factos provados.

De fora fica apenas a intensidade negativa que resulta de, quer o arguido, quer a arguida, terem desafiado a autoridade prisional, de terem tido a ousadia de agirem directamente contra uma instituição especialmente respeitada quanto a comportamentos delituosos, nos quais, naturalmente, se inclui a introdução de droga.

Mas esta ousadia chocou contra a segurança que, atentos os fins que prossegue, a própria instituição tem que ter. A droga foi apanhada no controle, com as consequências legais daí derivadas.

Temos aqui uma realidade que contribui para o afastamento da agravante qualificativa.

E dizemos contribui porque não subscrevemos a ideia de fique despida desta agravante toda a conduta de intenção de introdução de droga nas prisões que seja gorada pelo controle de entrada».

Ainda noutro registo, a finalidade prosseguida com a agravação de que tratamos será, segundo o acórdão de 02-05-2007 (Proc. n.º 1013/07 - 3.ª Secção), a de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes e não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios - cfr. ainda a este propósito, os acórdãos citados no acórdão deste Supremo Tribunal de 26-09-2012, já mencionado: de 06-06-2006 (Proc. n.º 2034/06 - 5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204, e de 28-06-2006 (Proc. n.º 1796/06 - 3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (a razão de ser da agravante reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção e reinserção ínsitos ao cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional; o mencionado desrespeito decorre do grau de disseminação da droga por outros reclusos ou pela quantidade de droga em causa).

A circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador. É este o entendimento dominante, podendo citar-se, neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal referenciados no citado acórdão de 26-09-2012, que se vem acompanhando: de 14-07-2004 (Proc. n.º 2147/04 -3.ª Secção; de 30-03-2005 (Proc. n.º 3963/04 - 3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 224; de 21-04-2005 (Proc. n.º 1273/05 - 5.ª Secção; de 28-06-2006 (Proc. n.º 1796/06 - 3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (a agravante resultante do tráfico ocorrer em estabelecimento prisional não é de aplicação automática); de 06-07-2006 (Proc. n.º 2034/06 - 5.ª Secção; de 12-10-2006 (Proc. n.º 2427/06 - 5.ª Secção; de 29-11-2006 (Proc. n.º 2426/06 - 3.ª Secção; de 02-05-2007 (Proc. n.º 1013/07 - 3.ª Secção; de 12-07-2007 (Proc. n.º 3507/06 - 5.ª Secção; de 16-01-2008 (Proc. n.º 4638/07 - 3.ª Secção); de 06-11-2008 (Proc. n.º 2501/08 - 5.ª Secção; de 21-01-2009 (Proc. n.º 4029/08 - 3.ª Secção (a detenção de droga, no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso, em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime).

É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento.

No caso presente, de acordo com a factualidade provada, no dia 2 de Outubro de 2013, pelas 18.30 horas, o arguido dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional Regional de Beja, para ali cumprir a pena de prisão aplicada.

O arguido levava com ele, oculto no ânus, dez embalagens plásticas contendo 96,077 gramas de canabis (resina), e dez embalagens plásticas contendo 1,033 gramas de heroína.

O arguido tocou à campainha do Estabelecimento Prisional e quando se preparava para ali entrar foi interceptado.

Cerca das 20.00 horas, o arguido expulsou do corpo as 20 embalagens plásticas contendo canábis e heroína, as quais lhe foram apreendidas.

O arguido conhecia as características e a composição das substâncias supra referidas, nomeadamente as suas qualidades estupefacientes e sabia que as não podia deter, introduzir no estabelecimento prisional, nem ceder a reclusos.

Ora, de acordo com estes factos, porque o arguido foi interceptado quando se preparava para entrar no estabelecimento prisional, a infracção não foi cometida no seu interior pelo que, como bem se pondera no acórdão recorrido, «sendo objectivo da norma punir mais severamente a prática da infracção precisamente por a mesma ocorrer num local onde os perigos do tráfico de droga aumentam exponencialmente, não tendo a mesma ocorrido em tal local não há lugar à infracção».

O Ministério Público recorrente entende que a matéria de facto dada como provada se enquadra na previsão da alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, que, na sua parte final utiliza o inciso «ou nas suas imediações», podendo, assim, considerar-se que, muito embora a infracção não tenha sido cometida no interior do estabelecimento prisional, ela ocorreu «nas suas imediações».

Neste ponto, merece-nos inteira concordância o entendimento da Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta expresso no parecer que emitiu. As «imediações» referidas naquele preceito respeitam às «imediações» dos «outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais». Como se lê no citado parecer, «como é do conhecimento comum, os vendedores de “rua” não entram nestes locais mas andam nas suas imediações (…). E por isso esta abrangência só atingirá os locais que os alunos e estudantes frequentam sem estarem no interior das escolas ou onde pratiquem outras actividades», sendo que «[q]uem está no estabelecimento prisional não tem permissão de sair ao exterior quando lhe convém».

De todo o modo, a avaliação da imagem global dos factos, numa situação em que o produto estupefaciente apreendido não chegou a sair da posse do arguido, não permite concluir pela agravação prevista no artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93.

Conclui-se assim que o arguido não cometeu um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo de manter a qualificação jurídica operada no acórdão recorrido.

Improcede, assim, o recurso interposto pelo Ministério Público.

4. Medida concreta da pena

4.1. O crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos de prisão

Tendo o arguido sido considerado reincidente, a moldura penal aplicável, de acordo com o disposto no artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, é de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

4.2. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40.º, n.º 2, do mesmo Código.

Na determinação concreta da pena há que atender às circunstâncias do facto, que deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente à ilicitude, e a outros factores ligados à execução do crime, à personalidade do agente, e à sua conduta anterior e posterior ao crime (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Como entende FIGUEIREDO DIAS, «A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida»[1].    

Sobre a determinação da pena, em razão da culpa do agente e das exigências de prevenção, lê-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15 de Dezembro de 2011, proferido no processo n.º 706/10.6PHLSB.S1, convocado, mais recentemente no acórdão de 27 de Maio de 2015 (proc. n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1), e no acórdão de 27-01-2016 (Proc. n.º 23/10.1PEAGH.L1.S1 – 3.ª Secção):

«Ao elemento prevenção, no sentido de prevenção geral positiva ou de integração, vai-se buscar o objectivo de tutela dos bens jurídicos, erigido como finalidade primeira da aplicação de qualquer pena, na esteira de opções hoje prevalecentes a nível de política criminal e plasmadas na lei, mas sem esquecer também a vertente da prevenção especial ou de socialização, ou, segundo os termos legais: a reintegração do agente na sociedade (art. 40.º n.º 1 do CP).

Ao elemento culpa, enquanto traduzindo a vertente pessoal do crime, a marca, documentada no facto, da singular personalidade do agente (com a sua autonomia volitiva e a sua radical liberdade de fazer opções e de escolher determinados caminhos) pede-se que imponha um limite às exigências, porventura expansivas em demasia, de prevenção geral, sob pena de o condenado servir de instrumento a tais exigências.

Neste sentido é que se diz que a medida da tutela dos bens jurídicos, como finalidade primeira da aplicação da pena, é referenciada por um ponto óptimo, consentido pela culpa, e por um ponto mínimo que ainda seja suportável pela necessidade comunitária de afirmar a validade da norma ou a valência dos bens jurídicos violados com a prática do crime. Entre esses limites devem satisfazer-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização (Cf. FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, pp. 227 e ss.).

Quer isto dizer que as exigências de prevenção traçam, entre aqueles limites óptimo e mínimo, uma submoldura que se inscreve na moldura abstracta correspondente ao tipo legal de crime e que é definida a partir das circunstâncias relevantes para tal efeito e encontrando na culpa uma função limitadora do máximo de pena. Entre tais limites é que vão actuar, justamente, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização, cabendo a esta determinar em último termo a medida da pena, evitando, em toda a extensão possível (...) a quebra da inserção social do agente e dando azo à sua reintegração na sociedade (FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 231).

Ora, os factores a que a lei manda atender para a determinação concreta da pena são os que vêm indicados no referido n.º 2 do art. 71.º do CP e (visto que tal enumeração não é exaustiva) outros que sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e da culpa, mas que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infracção do princípio da proibição da dupla valoração.»

Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Julho de 2014 (proc. n.º 1081/11.7PAMGR.C1.S1), «defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização».

4.3. Vem sendo salientado por este Supremo Tribunal, como justamente se dá conta no acórdão que se vem citando, que «na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve-se atender a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade».

Na verdade, cumpre lembrar que estamos perante um crime de perigo abstracto e pluriofensivo. O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 8 de Novembro de 1991[2], destaca a pluralidade de bens jurídicos postos em causa por este tipo de ilícitos: «a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes», afectando, «a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos», protegendo, enfim, «uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública».

A pena prevista no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, é de 4 a 12 anos de prisão, que no caso concreto, por força da declarada reincidência, nos termos do artigo 76.º, n.º 1, do Código Penal, passa a ser de 5 anos e 4 meses a 12 anos de prisão.

4.4. O Tribunal Colectivo fixou-a em 6 anos e 6 meses de prisão, tendo considerado que:

«O artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal refere que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, o qual reflecte de forma clara o princípio da culpa, segundo o qual não há pena sem culpa e a culpa decide da medida da pena. O juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico. A culpa é que decide na medida da pena, pois a mesma afirma-se como limite máximo daquela, funcionando depois a prevenção. A culpa é assim o fundamento ético da pena e um limite inultrapassável da sua medida.

Na determinação da medida concreta da pena e nos termos do disposto nos artigos 71.º e 47.º do citado diploma ter-se-á em consideração a sua culpa, as exigências de prevenção de futuros crimes e as circunstâncias do caso agora em apreço que, não fazendo parte do tipo de crime depõem contra e em seu favor, sem prejuízo dos limites mínimos e máximos das penas aplicáveis.

Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, e no entendimento do Prof. Figueiredo Dias "a culpa é o ponto de referência que o julgador não pode ultrapassar; até esse limite jogam então as considerações relativas à prevenção, geral e especial" (Acta n.º 8 da CRCP, de 29 de Maio de 1989).

No caso concreto há que considerar que:

- o grau de ilicitude do facto: elevado atendendo a que o arguido pretendia transportar droga para o interior do estabelecimento prisional numa ocasião em que se encontrava a gozar uma licença de saída;

- o modo de execução do crime: o arguido transportava o produto estupefaciente no interior do seu corpo;

- intensidade do dolo – o arguido agiu com dolo directo;

- as condições pessoais do arguido e personalidade, reveladas no relatório social e documentos juntos;

- a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento;

- os seus antecedentes criminais pela prática de crimes de idêntica natureza, encontrando-se à data dos factos em cumprimento de pena de prisão;

- necessidades de prevenção geral que se mostram bastante elevadas.

Por tudo o exposto, entende este Tribunal adequado fixar a pena a aplicar ao arguido uma pena de 6 anos e 6 meses de prisão».

4.5. Concorda-se também com esta motivação.

Sendo um dos fins da pena a tutela dos bens jurídicos nos termos do artigo 40.º do Código Penal, há que atentar no bem jurídico em causa neste tipo de crime. 

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração são aqui muito elevadas perante a exigência da comunidade na afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada.

Tais necessidades fazem-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública – e são impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme, mas sempre proporcional e adequada ao caso concreto.

É elevado o grau da ilicitude dos factos, tendo em conta as circunstâncias em que o arguido praticou o crime, sublinhando-se o objectivo que se propôs de introduzir o produto estupefaciente no estabelecimento prisional aonde regressava após o gozo de uma licença de saída que lhe fora concedida.

O arguido actuado com dolo directo.

No plano da culpa releva, muito negativamente, os antecedentes criminais do arguido pela prática de crimes de idêntica natureza, encontrando-se à data dos factos em cumprimento de pena de prisão, o que revela dificuldades em orientar o seu comportamento em função do desvalor da actividade de tráfico de droga e em ser positivamente motivado pela intervenção do sistema formal de administração de justiça.

Este contexto reflecte-se, também, no plano das exigências de prevenção especial de socialização, de prevenção de reincidência.

Como refere AMÉRICO TAIPA DE CARVALHO, a propósito de prevenção da reincidência, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir[3].

Conforme relatório social, «No que concerne aos factores de risco ao nível do comportamento criminal e, caso venham a ser provados os factos subjacentes ao presente processo destacamos, a reincidência, o incumprimento de anteriores medidas probatórias, as fragilidades dos vínculos de suporte familiar, a minimização da responsabilidade e o conhecimento de pares com práticas marginais».

Nesta ponderação, é adequada à culpa do recorrente pelos factos, no quadro da qualificação jurídica operada no acórdão recorrido, a pena aplicada de 6 anos e 6 meses que, assim se mantém.

III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes que compõem a 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento aos recursos interpostos pelo arguido AA e pelo Ministério Público.

Custas pelo recorrente AA, fixando-se em 5 UCs a taxa de justiça.

O Ministério Público está isento de custas (artigo 522.º do CPP).

Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Outubro de 2016

(Texto elaborado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)

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[1] “O sistema sancionatório do Direito Penal Português”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, p. 815.
[2] Doutrina reafirmada nos acórdãos n.os 10/99, de 10 de Fevereiro de 1999, e 319/2012, de 20 de Junho de 2012, todos acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/.
[3] Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 325.