Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
434/11.5TJCBR-D.C1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: EXONERAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 04/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - LEIS, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS
DIREITO EMPRESARIAL - INSOLVÊNCIA
Doutrina: - Assunção Cristas, “Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante”, Revista “Themis”, Setembro de 2005, pág. 168.
- Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, em anotação aos artigos 91.º e 235º.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, N.º3, 342.º, N.º2.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º, 48.º, N.º1, B), 151.º, N.º2, 236.º, N.ºS 1,3, 238.º, N.º1, 239.º, 244.º, 245.º
Sumário :

1. O pedido de exoneração do passivo restante tem como objectivo primordial conceder uma segunda oportunidade ao indivíduo, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de falência.

2. Do facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir imediatamente que daí advieram prejuízos para os credores.

3. O devedor não tem que fazer prova dos requisitos previstos no nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Decisão Texto Integral:

Em 2011.05.27, no 1º Juízo Cível de Coimbra – AA veio apresentar-se à insolvência.
Nesse requerimento, formulou também o pedido de “exoneração do passivo restante”.

Em 2011.05.27, foi proferida decisão a admitir liminarmente este pedido porque se não havia demonstrado que da actuação do devedor tinha resultado o prejuízo a que se refere a alínea d) do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nem que ele soubesse ou não pudesse ignorar sem culpa grave da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

O credor BB SA apelou, com êxito, pois a Relação de Coimbra, por acórdão de 2012.01.09, revogou decisão recorrida e indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo.

Inconformado, o referido devedor deduziu a presente revista – que foi recebida por se verificar a hipótese excepcional referida na 2ª parte do nº1 do artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – apresentando as respectivas alegações e conclusões.
O recorrido contra alegou, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única posta consiste em saber se de verificam os pressupostos para se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo recorrente.

Os factos

Foram os seguintes os factos que foram considerados como assentes pela Relação:
- O Insolvente AA, é devedor do montante global de Eur.3.862.362,65 (três milhões, oitocentos e sessenta e dois mil, trezentos e sessenta e dois euros e sessenta e cinco cêntimos).
- O referido montante resulta de diversas operações financeiras avalizadas pelo Insolvente à sociedade “Ventura e Pires – Engenharia e Construções, S.A.” a qual foi, igualmente, declarada insolvente a 21 de Dezembro de 2004 no Processo n.º 3213/04.2TJCBR, do 5.º Juízo Cível dos Juízos Cíveis de Coimbra.
- Os montantes reclamados encontram-se vencidos desde, sensivelmente, 2004 e 2005, e o Insolvente responde por esses valores pessoal e solidariamente.
- O ora recorrido apresentou-se à insolvência em 8 Fevereiro de 2011 em cujo requerimento pediu a exoneração do passivo restante.
- O Banco recorrente é Credor reclamante do Insolvente no montante global de Eur.9.165,97 (nove mil, cento e sessenta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos).
- O referido montante é referente a uma garantia bancária prestada a favor da Câmara Municipal de Albergaria.
- O recorrente, como instituição bancária, está obrigado a provisionar o incumprimento, junto do Banco de Portugal (cfr. Aviso do Banco de Portugal n.º 3/95, de 30 de Junho), sendo que, mantendo-se a situação de incumprimento, não é possível libertar as provisões.
- Aquando da sua apresentação à insolvência o Insolvente JORGE OLIVEIRA já havia sido demandado no processo n.º 3685/05.8TBBRG, a correr termos na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Braga, no processo nº 709-B/2000, a correr termos no 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, no processo n.º 2852/05.9TBCBR, a correr termos na 2ª Secção da Vara Competência Mista do Tribunal Judicial de Coimbra, no processo nº 3630/06.3YYPRT, a correr termos na 2ª Secção do 2º Juízo de Execução do Tribunal Judicial do Porto e no processo n.º 156/05.6TBESP-B, a correr termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho.
- A dita sociedade “Ventura e Pires – Engenharia e Construções, S.A encontra-se actualmente em fase de liquidação.
- O insolvente estima que o valor por que os bens que fazem parte da sociedade serão vendidos não será suficiente para o pagamento da totalidade dos montantes por si avalizados.
- Presentemente o insolvente não exerce qualquer profissão, encontrando-se desempregado e sem auferir qualquer subsídio. Normalmente desenvolve a actividade de topógrafo, sendo que actualmente se encontra desempregado, não auferindo qualquer vencimento mensal.
- O insolvente não se apresentou à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação da impossibilidade do cumprimento dos compromissos financeiros assumido.


Os factos, o direito e o recurso

1. No acórdão recorrido, aquando da pronúncia sobre os requisitos para o indeferimento liminar do pedido referidos na alínea d) do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – únicos em causa na apelação – entendeu-se que
1.1. houve demora na apresentação do devedor à insolvência, na medida em que a sua situação económico-financeira já em 2004 a isso o obrigava e só veio a fazê-lo em Fevereiro de 2011;
2. dessa demora resultaram prejuízos para os credores, porque
2.1. - não se puderam pagar pelos rendimentos do trabalho do devedor auferidos nesse período, o que, presentemente, não podem fazer, por ele se encontrar actualmente desempregado;
2.2. - durante esse tempo, os créditos reclamados e vencidos venceram juros de mora, o que agravou a divida;
2.3. - durante esse período foram instauradas diversas acções declarativas e executivas, sendo certo que pelo menos em relação a uma, se o devedor se tivesse se apresentado à insolvência oportunamente, evitaria a sua instauração, face ao regime da insolvência;
2.4. a recorrente teve, por imposição legal, de provisionar o incumprimento do insolvente, sendo que, mantendo-se a situação de incumprimento, não lhe foi possível libertar as provisões;
3. Não se verificava o pressuposto genérico do procedimento em causa, ou seja, de que o devedor “tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência”;
4. Dos factos apurados resultava que ”o insolvente sabia ou não podia ignorar, sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”
Concluiu-se, assim, que se verificavam fundamentos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

O recorrente entende que “os credores não sofreram qualquer prejuízo pela apresentação tardia do recorrente à insolvência”, inexistindo quaisquer fundamentos para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante por si formulado.
Com todo o respeito pelo bem elaborado acórdão recorrido, entendemos que o recorrente tem razão.
Vejamos porquê.

Na revista 3850/09.9TBVLG-D.P1.S1, de que foram relator e adjuntos o relator e os adjuntos neste processo, explicitaram-se algumas noções, que aqui de vão repetir, por terem interesse para a decisão da questão em apreço.

O Capítulo I do Título XII do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, artigos 235º a 248º, integra um conjunto de normas que estabelece e regula os termos em que um devedor pessoa singular pode obter a exoneração do passivo restante.

Este fresh start previsto apenas para as pessoas singulares dotadas de “boa fé” que se encontrem em situação de insolvência existe e tem tido sucesso em países como os Estados Unidos e a Alemanha, nos quais o legislador português terá ido buscar inspiração.

É crucial, no entanto, entender, que a exoneração do passivo restante não tem como principal fim a satisfação dos credores da insolvência, tal como o previsto no artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, na medida em que são impostos apertados limites para a sua admissão.

Esta medida, específica das pessoas singulares, tem como objectivo primordial conceder uma segunda oportunidade ao indivíduo, permitindo que este se liberte do passivo que possui e que não consiga pagar no âmbito do processo de falência.
Ou, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda “in” Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, em anotação ao artigo 235º, a exoneração do passivo restante “traduz-se na libertação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento nas condições fixadas no incidente.
Daí falar-se do passivo restante”.

No nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelecem-se os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.

Os requisitos impostos destinam-se a decidir liminarmente sobre se o devedor não merece aquela segunda oportunidade, praticando actos que revelam, em relação à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé.

Trata-se de o Tribunal apreciar – cfr. nº1 do artigo 236º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – se o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo devedor deve ser admitido ou não à apreciação da assembleia de credores que aprecia o relatório – cfr. artigo 239º do mesmo diploma.
Essa apreciação é feita livremente pelo tribunal – cfr. o referido nº1 do artigo 236º - não está submetida a qualquer contraditório e é feita pelo juiz “com base na sua convicção pessoal sobre a vantagem ou desvantagem em permitir àquele devedor submeter-se a este procedimento, provavelmente com recurso a um juízo de prognose: na base da sua decisão poderá estar a convicção que venha ou não a formar acerca da vontade e capacidade do devedor para cumprir as exigências legais” – Assunção Cristas “in” artigo publicado na Revista “Themis”, intitulado “Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante Setembro de 2005, página 168.

Trata-se, pois, neste despacho liminar, de aferir tão só da existência de condições mínimas para o pedido ser apreciado pela assembleia de credores, condições estas que se destinam a decidir se ao devedor deve ser dada uma oportunidade de se submeter a um período probatório - cfr. artigo 239º - que, no final pode reconduzir à exoneração do passivo restante – cfr. artigos 244º e 245º.
Ou seja, o não indeferimento liminar de um pedido de exoneração do passivo restante não significa que ele venha necessariamente a ser concedido.
Significa tão só que se pode proferir o despacho inicial em que se determina o inicio de um prazo de cinco anos, designado por período de cessão, durante o qual o rendimento disponível do devedor se considera cedido a uma entidade, denominada de fiduciário – cfr. artigo 239º do citado diploma.
Só findo este período é que o juiz decide sobre a concessão ou não exoneração do passivo restante – cfr. artigo 244º também do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Tendo em conta o que consta das conclusões do presente recurso e o disposto nos nºs 3 e 4 do artigo 684º do Código de Processo Civil, apenas está aqui em causa o fundamento de indeferimento minar previsto na alínea d) do referido nº1 do artigo 238º e neste apenas a parte em que se exige que do incumprimento do devedor haja prejuízo para os credores

Nos termos do disposto na referida alínea d) do nº1 do artigo 238º “ o pedido de exoneração é liminarmente indeferido se: (…) o devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir quaisquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica”.

São três os requisitos previstos na transcrita alínea d) do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, cuja verificação cumulativa impede a concessão do pedido de exoneração do devedor:
a) – a não apresentação à insolvência ou apresentação à insolvência para além do prazo de seis meses desde a verificação da situação de insolvência;
b) – a existência de prejuízos decorrentes desse incumprimento;
c) – o conhecimento de que não havia qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

Parece não haver dúvidas pela ocorrência do primeiro requisito.
O recorrente devia ter-se apresentado a requerer a declaração da sua insolvência em 2004 e só em 2011 é que o fez.
Estão aqui em causa, pois, apenas os dois últimos requisitos acima referidos

1.Vejamos, em primeiro lugar, o requisito dos prejuízos.
Conforme já se espessou no acórdão referido, entendemos que do simples facto de o devedor se atrasar na apresentação à insolvência não se pode concluir automaticamente que daí advieram prejuízos para os credores.

Na verdade e recordando o que se escreveu no citado acórdão, resulta do princípio, ínsito nº3 do art. 9º do Código Civil, de que “na fixação do sentido e alcance da lei, o interprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Ora, se se entendesse que pelo facto de o devedor se atrasar a apresentar-se à insolvência resultavam automaticamente prejuízos para os credores, então não se compreendia por que razão o legislador autonomizou o requisito de prejuízo.
Só se compreende esta autonomização se este prejuízo não resultar automaticamente do atraso, mas sim de factos de onde se possa concluir que o devedor teve uma conduta ilícita, desonesta, pouco transparente e de má fé e que dessa conduta resultaram prejuízos para os credores.
Assim o exige o pressuposto ético que está imanente na medida em causa.

Vejamos, então, tendo em conta este não automatismo, se dos factos conhecidos e dados como provados se pode concluir que o recorrente maliciosamente provocou prejuízos aos credores com a demora na apresentação à insolvência.

1.1. Não vemos como concluir por essa conduta no que concerne aos rendimentos do trabalho.
Primeiro, porque, na verdade, da matéria de facto dada como provada e até, da matéria de facto alegada pelas partes, nada de concreto existe sobre se entre a data em que o devedor devia apresentar-se à insolvência e a data em que efectivamente se apresentou auferiu quaisquer rendimentos do trabalho.
O que se sabe é apenas que na altura em que fez aquela apresentação se encontrava desempregado, não auferido qualquer subsídio. Nada mais.
Depois, haveria que se determinar qual o montante do seu vencimento, para se avaliar se o mesmo podia ser eventualmente destinado ao pagamento dos seus créditos.
Finalmente, porque se haveria também de encontrar alguns factos que nos permitissem concluir que com a demora da apresentação do devedor pretendia que o seu vencimento ou parte dele não tivesse aquele destino.
Ora, factos que nos permitissem essas conclusões, não existem.

1.2 .Quanto aos juros de mora que se foram vencendo, recordamos também aqui o que já escrevemos no citado acórdão.
O atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação.
Na verdade, o regime estabelecido na primeira parte do nº2 do artigo 151º no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 48º deste Código – neste sentido, ver Carvalho Fernandes e João Labareda “in” ob. cit., em anotação ao artigo 91º.
Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores.
Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida.

1.3.Quanto à instauração da acções durante o período em que o devedor não se apresentou à insolvência, entendemos que mesmo que elas não fossem insaturadas por virtude de entretanto ter sido declarada a insolvência, mesmo assim os seus autores poderiam reclamar os seus direitos no respectivo incidente de reclamação de créditos, pelo que a intempestividade do requerimento daquela declaração nunca poderia evitar que os credores se vissem confrontados com a sua existência.
Acresce que se tem que considerar inerente à situação de insolvência o não cumprimento de obrigações e a consequente sujeição do devedor a acções em que os seus autores invoquem esse incumprimento, não se revelando esta consequência, assim, como prejuízo autónomo.

1.4. Da mesma forma, a cativação de verbas que as instituições bancárias estão obrigadas a fazer junto do Banco de Portugal, face aos incumprimentos, não pode ser considerada um prejuízo, nos termos acima assinados.
Trata-se, manifestamente, de uma consequência automática do incumprimento em relação a essa instituições, excluindo, portanto, qualquer possibilidade de haver um juízo ético com base nele sobre a conduta do devedor.

Concluímos, pois, que do atraso da apresentação à insolvência por parte do recorrente não se pode concluir terem resultados prejuízos, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d) do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

2. E dos factos dados como provados pode concluir-se que o mesmo recorrente sabia ou não podia ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica?
Cremos bem que não.

Sobre a matéria, não temos quaisquer factos.
Temos apenas a afirmação do devedor de que “actualmente não tem capacidade para cumprir com as obrigações assumidas, incapacidade esta que resulta do facto de não auferir actualmente quaisquer rendimentos mensais”, não exercendo presentemente “qualquer profissão, encontrando-se desempregado e sem auferir qualquer subsidio” – cfr. artigos 6º e 9º do seu requerimento inicial – altura em que “se apercebeu da sua incapacidade para liquidar na integra os seus créditos” – cfr. artigo 8º da mesma peça.

A estes factos o recorrido apenas opôs que a situação de insolvência do recorrente já era por ele conhecida desde 2004, pelo que não podia ignorar que não existia a perspectiva séria de melhoria da sua situação económica – cfr. artigos 11º e 13º da sua resposta.
Não pode ser.

Em primeiro lugar, porque se fosse assim, ou seja, se face a uma situação de insolvência um devedor tivesse imediatamente a perspectiva que a sua situação económica não ia melhorar, então a exoneração do passivo restante – que supõe, precisamente, essa situação – nunca seria determinada.
O que se trata aqui é de se saber se apesar dessa situação, há uma perspectiva séria de ela melhorar.
E é perfeitamente aceitável que tendo o devedor rendimentos, tenha a esperança de a situação melhorar e poder pagar as dívidas.

É claro que a natureza e o quantitativo desses rendimentos poderiam desde logo fazer com o devedor concluísse que não era possível solver os seus compromissos.
Mas essa conclusão teria de se extrair de factos que o recorrido e opositor à concessão da exoneração do passivo restante teria que invocar e alegar.
Na verdade e recordando o que já escrevemos no acórdão citado, conforme resulta do disposto nonº3 do artigo 236º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o devedor pessoa singular tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos” para que o pedido não seja indeferido liminarmente.
Isto significa, em nosso entender, que o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos.
Até porque, bem vistas as coisas, as diversas alíneas do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração.
Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito.
Nesta mediada, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº2 do artigo 342º do Código Civil.

Assim, competiria ao recorrido invocar e provar factos de onde se concluísse que já em 2004 e 2005 o devedor sabia ou não ignorava a falta de perspectivas em causa.
Como, por exemplo, que o devedor não trabalhava.
Que o devedor não tinha rendimentos.
Que o devedor não tinha financiamentos.
Que não havia qualquer outra solução senão incumprir.
Nada alegou.
Apenas invocou presunções.
Presunções estas que, como se disse, manifestamente insuficientes para demonstrar aquela falta de perspectiva.

Em resumo e concluindo, não existem os pressupostos referidos no artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas para se indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo recorrente.
Daí merece censura o acórdão recorrido.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em conceder a revista e assim, revogar-se o acórdão recorrido, admitindo-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo autor.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 19 de Abril de 2012

Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues