Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | SALVADOR DA COSTA | ||
| Descritores: | ACÇÃO JUDICIAL COMPETÊNCIA TERRITORIAL PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA LEI PROCESSUAL RETROACTIVIDADE DA LEI CONSTITUCIONALIDADE | ||
| Nº do Documento: | SJ200711080021627 | ||
| Data do Acordão: | 11/08/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : | 1. O pressuposto processual concernente à competência territorial dos tribunais deve ser fixado à luz da lei processual vigente ao tempo do accionamento, independentemente de outorga anterior de convenção de foro ao abrigo de lei que a permitia em termos diversos. 2. A partir da entrada em vigor da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, não podem as partes contraentes, em regra, acordar eficazmente o foro territorial para as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo seu não cumprimento ou a declarar a resolução do contrato por falta de cumprimento. 3. A validade da cláusula de competência inserida em contratos de direito substantivo, com natureza e efeitos processuais, é exclusivamente aferida pela lei substantiva e adjectiva vigente ao tempo da sua outorga. 4. A alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, segundo a redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se retroactivamente, sem vício de inconstitucionalidade, aos efeitos práticos mediatos dos pactos de preferência celebrados antes da sua entrada em vigor. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I O Banco Empresa-A. Intentou, no dia 11 de Maio de 2006, na 14ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra AA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 15 054, 78, juros de € 1 246,73 vencidos até 11 de Maio de 206, € 49,87 de imposto de selo sobre esses juros e os que se vencessem à taxa anual de 14,89% desde 12 de Maio de 2006 e o imposto do selo de 4% sobre esses juros, com fundamento no incumprimento de um contrato de mútuo celebrado no dia 9 de Março de 2005 relativamente ao montante de € 11 000. No dia 22 de Maio de 2006, o autor expressou ser inconstitucional a Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, na parte em que altera a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, bem como este normativo, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade, da proporcionalidade e da não retroactividade consignados nos artigos 2º e 18º, nºs 2 e 3, da Constituição. O tribunal da primeira instância, por despacho proferido no dia 11 de Julho de 2006, depois de expressar que a sua interpretação das normas dos artigos 74º e 110º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil não estava afectado de inconstitucionalidade, declarou-se incompetente em razão do território para apreciar e julgar a questão e que era territorialmente competente para o efeito o tribunal da residência da ré. Interpôs o autor recurso de agravo daquela decisão, e a Relação, por acórdão proferido no dia 8 de Fevereiro de 2007, negou provimento ao recurso. Interpôs o Banco Empresa-A recurso de agravo para este Tribunal, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - ao aplicar o disposto na alínea a), do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, atento que as partes escolheram um foro convencional nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, o acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 5º e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil; - ao interpretar e aplicar, como o fez, aquelas normas e a não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato, o acórdão incorreu em inconstitucionalidade, por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade, da proporcionalidade e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição, e, ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, corolários do principio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2º daquele diploma; - impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que reconheça a competência territorial do tribunal da 1ª instância em causa, desta forma se uniformizando jurisprudência. II 1. O documento encimado pela expressão “contrato de mútuo”, subscrito no dia 9 de Março de 2005, por representantes do autor e da ré, aquele na posição de mutuante e esta na posição de mutuário, refere-se ao montante de € 11 000, financiamento da aquisição do veículo automóvel com a matrícula nº VC, fornecido por BB. 2. No ponto 16 do instrumento mencionado sob 1, sob a epígrafe foro convencional, consta que “para todas as questões emergentes do presente contrato estipula-se como competente o foro da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro”. 3. O autor intentou a acção no dia 11 de Maio de 2006, a que atribuiu o valor de € 16 351,38, e, no dia 11 de Julho de 2006, foi proferida a sentença que declarou incompetentes as varas cíveis de Lisboa para apreciar a questão dos autos e que era territorialmente competente o tribunal da residência da ré, o de Leiria. 4. A Relação, por acórdão proferido no dia 8 de Fevereiro de 2007, confirmou o conteúdo da decisão mencionada sob 3. III A questão essencial decidenda é a de saber se a 14ª Vara Cível de Lisboa é ou não territorialmente competente para conhecer da acção em causa. - contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito; - perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre a questão; - motivação da alteração da lei de competência; - conteúdo das normas envolvidas pela alteração; - estrutura em geral do pressuposto processual da competência territorial dos tribunais; - natureza e efeitos do pactos de aforamento em geral; - afectou a referida alteração a validade ou a eficácia do pacto de aforamento em causa? - as novas normas processuais envolveram ou não eficácia retroactiva? - impõe-se ou não a sua desaplicação por razões de inconstitucionalidade? No dia 18 de Setembro de 2007, foi uniformizada, por este Tribunal, a jurisprudência contraditória sobre a enunciada questão essencial no sentido de que “as normas dos artigos 74º, nº 1 e 110º, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Civil, resultantes da alteração decorrente do artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, se aplicam às acções instauradas após a sua entrada em vigor, ainda que reportadas a litígios derivados de contratos celebrados antes desse início de vigência com cláusula de convenção de foro de sentido diverso.” Assumindo a motivação do referido acórdão uniformizador de jurisprudência, de que se juntará cópia, importa concluir e decidir como segue. Embora inserido em contrato de mútuo, o pacto de competência em causa, pela sua natureza e efeitos de natureza processual, foi validamente celebrado, porque respeitou o preceituado na lei de processo aplicável e não foi afectado por alguma invalidade ou nulidade superveniente. A alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, segundo a redacção dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, aplica-se retroactivamente aos efeitos práticos mediatos dos pactos de preferência celebrados antes da sua entrada em vigor. A referida alteração da lei de processo está envolvida de eficácia retroactiva porque afecta a eficácia, ou seja, a produção de efeitos práticos e mediatos pelos pactos de competência, validamente celebrados no pretérito, designadamente o que aqui está em análise. Em resultado da mencionada ineficácia superveniente dos efeitos do pacto de competência em causa, 14ª Vara Cível de Lisboa é incompetente em razão do território para conhecer da acção em causa. O acórdão recorrido, ao confirmar o que foi decidido no tribunal da primeira instância, não infringiu, antes cumpriu, à margem de interpretação contrária à Constituição ou aos princípios nela consignados, o disposto nos artigos 6º da Lei 14/2006, de 26 de Abril, 110º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, e 5º, nº 1 e 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil. Improcede, por isso, o recurso. Vencido, é o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). IV Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, e condena-se o recorrente no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 8 de Novembro de 2007. Salvador da Costa Ferreira de Sousa Armindo Luís |