Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
307/00.7JAFAR.S1-A
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :

I - Cumpre ter presente na fixação de jurisprudência, através do competente recurso extraordinário, a verificação dos pressupostos legais de admissão, à luz de critérios de exigência, e que se qualificam em formais e substanciais.
II - A exigência de oposição de julgados, nos termos do art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre a mesma questão fundamental de direito, em que se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação, preenche os chamados requisitos substantivos, a que acrescem os de índole formal, respeitantes à prolação de acórdão em processos distintos e propositura do recurso dentro de 30 dias sobre o trânsito em julgado do acórdão recorrido.
III - A oposição incidente sobre a mesma questão de direito tem lugar quando à mesma disposição legal foram dadas soluções, interpretações distintas, no domínio da mesma legislação, de que, em caso de superveniência de diplomas legais, a identidade não cessa desde que não interfira na resolução, para o futuro, da questão de direito, não se reflicta nos parâmetros decisórios, assistindo-se a uma continuidade normativo-típica, posição doutrinária de resto acolhida entre os fundamentos do recurso, tal como previsto nos n.ºs 1 e 3, do art. 437.º do CPP.
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

AA , condenado como autor material de um crime consumado de falsificação de documento , p . e p . pelo art.º 256.º n.º 1 a) , do CP , em 12 meses de prisão ; de um crime de burla qualificada , p . e p. pelos art.ºs 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 a) do CP , na pena de 2 anos e 6 meses de prisão , de um outro crime de burla qualificada , p , e p . pelos art.ºs 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 a) , do CP , em 3 anos de prisão e ainda de um crime de burla qualificada , p . e . pelos art.ºs 217.º n.º 1 e 218.º n.º 2 a) , do CP , em 4 anos de prisão , em cúmulo jurídico na pena de 6 anos de prisão , no P.º comum com intervenção do tribunal colectivo sob o n.º 307/00.7JAFAR , do 2.º Juízo Criminal de Faro , pena que , em recurso , foi confirmada pela Relação, rejeitando o STJ , por seu acórdão de 31.10.2007 , proferido no P.º n.º 3409/07 , desta 3.ª Secção , conhecer do recurso entretanto interposto , por inadmissível com fundamento no preceituado no art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , na redacção introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8.

Achando-se , diz o arguido , este Acórdão em oposição com o julgado no Ac. deste STJ , de 26.10.2006 , publicado em www.dgsi.pt , no P.º n.º 06P3173 , com o n.º convencional JSTJOO , interpôs o arguido acórdão em vista de fixação de jurisprudência .

Isto porque se decidiu no acórdão fundamento –de 26.10.2006 –que sendo a moldura penal abstracta aplicável segundo as regras do cúmulo , enunciadas no art.º 77.º n.º 2 , do CP , oscilante entre 3 e 10 anos e 2 meses de prisão ultrapassando , assim , os limites da recorribilidade da pena individual , prevista no art.º 401.º n.º 1 f) , do CPP , ao abrigo da lei antiga ; já no acórdão recorrido proferido no domínio da lei nova se averbou que , atendendo à nova redacção do citado preceito , em caso de dupla conforme , se impôs um marco a partir da qual o recurso para o STJ é admissível , já que se impõe que a condenação imposta seja superior a 8 anos de prisão , tenha ela origem numa pena isolada ou de conjunto , desde que efectivamente aplicada e não aplicável .

É , pois , de fixar jurisprudência no sentido de que :

“ O art.º 400.º n.º 1f) , do CPP , na redacção anterior à revisão de 2007 , admite o recurso para o STJ dos acórdãos condenatórios proferidos , em recurso , pelas Relações , mesmo em caso de dupla conforme , relativamente à pena única aplicada em cúmulo jurídico , quando em concurso de infracções , a pena abstracta aplicável ao concurso for superior a 8 anos “ .

Ambas as decisões se mostram transitadas em julgado .

E após um percurso algo controverso , e pouco compreensível , já neste STJ, como salientado pela EXm.º Procuradora Geral Adjunta , que se pronunciou pela oposição de julgados , devendo decretar-se essa consequência , prosseguindo os seus termos para fixação de jurisprudência , no sentido de que :

“ Face ao disposto no art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , na versão anterior à introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 28/8 , é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça , de acórdãos condenatórios proferidos em recurso pelas Relações , que confirmem decisão de primeira instância , relativamente à pena imposta em cúmulo jurídico , quando a pena abstractamente aplicável em concurso de penas for superior a 8 anos de prisão. “

Depois de junta a certidão do acórdão fundamento , certificado o seu trânsito e o do recorrido, admitido o recurso , cumpre decidir, colhidos os legais vistos :

Cumpre ter presente na fixação de jurisprudência, através do competente recurso extraordinário, a verificação dos pressupostos legais de admissão , à luz de critérios de exigência , e que se qualificam em formais e substanciais.

A exigência de oposição de julgados, nos termos do art.º 437.º n.º 1 , do CPP , sobre a mesma questão fundamental de direito , em que se acolhem soluções opostas , no domínio da mesma legislação, preenche os chamados requisitos substantivos , a que acrescem os de índole formal , respeitantes à prolação de acórdão em processos distintos e propositura do recurso dentro de 30 dias sobre o trânsito em julgado do acórdão recorrido .

O que importa é , pois , indagar se o STJ nos dois acórdãos , transitados em julgado , proferiram julgados expressos , não implícitos , porém divergentes , em termos de direito , sobre uma base factual pontualmente idêntica , no domínio da mesma legislação ( cfr. Acs. deste STJ , de 19.2.63 , BMJ 124, 633 , de 23.5.67 , BMJ 167 , 454 , de 21.2. 69 , BMJ 184, 249 , de 13.10.89 , AJ n.º 2 , de 26.2.97 , P.º n.º 1173 , de 25.9.97 , P.º n.º 536 /97 , de 27.5.98 , P.º n.º 316/98 e 22.4.2004 , P.º n.º 04P245 , acessível in http : //www.dgsi.pt ) .

No acórdão fundamento ponderou-se que nenhum dos crimes em concurso é punido com prisão excedente a 8 anos, mas porque a pena de concurso abstractamente aplicável sendo susceptível de ultrapassar 8 anos, legitima a admissibilidade do recurso para o STJ , à luz do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP ,isto na versão anterior ; vista a nova redacção , introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , dada àquele art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , mesmo em caso de dupla conforme , desde que a pena efectivamente aplicada não exceda 8 anos , não é admissível recurso da Relação para o STJ .

No acórdão recorrido teve-se o ensejo de sobressair que o entendimento perfilhado no acórdão fundamento , com “suporte doutrinal do Prof. Costa Andrade em anotação crítica ao Ac. de 6.2.2003 , na Revista Portuguesa de Ciência Criminal ( Ano 13.º , n.º 3 , p.437) “ , se mostrava dissociado daquilo que integrava jurisprudência predominante neste STJ , de que se fez uma muito extensa recensão a fls . 2013 . , ou seja no sentido de que o factor relevante era a inclusão no concurso de uma ou mais infracções a que , abstractamente coubesse ou não pena excedente a 8 anos de prisão , independentemente da moldura de concurso , formada à luz do art.º 77.º n.º 2 , do CP.

E mais que a lei nova , por força da alteração introduzida pela Lei n.º 48/07 , de 29/8 , nos termos do art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP , deu guarida a esse entendimento maioritário , consagrando a irrecorribilidade , não se assistindo a uma solução diferenciada , quando se tivesse presente a lei nova e a solução dominante ao nível jurisprudencial neste STJ .

E , por isso se escreveu , a findar , que “ Sendo assim é liminar a conclusão de que a nova redacção do normativo em causa não importou qualquer alteração em relação à questão da admissibilidade do recurso interposto , ou seja considerando o entendimento deste Tribunal suprareferido e o disposto no art.º 400.º n.º 1 f) , do Código de Processo Penal , não é admissível o recurso interposto …”

Objecte-se , contudo , que os acórdãos foram proferidos no domínio de legislações diferentes : o art.º 400.º n.º 1 f) , do CPP na redacção anterior à actual comporta um alcance e um sentido tanto literal como prático diferenciado do regime vigente .

E se um acórdão for proferido no domínio de uma legislação e outro na vigência de outra isso não deve causar estranheza , sendo inteiramente normal e natural , a aplicabilidade da lei nova , alterando a precedente , sobretudo quando se quis , por parte do legislador , alterar o paradigma dos recursos, a que o mero intérprete e aplicador da lei não pode e nem deve sobrepor-se .

Totalmente fora de causa a bondade da decisão recorrida , de positivo e concreto è que ela surge no domínio de legislação diferente , embora à mesma questão que este STJ foi chamado a decidir nos dois acórdãos se hajam consagrado soluções opostas

A oposição incidente sobre a mesma questão de direito tem lugar quando à mesma disposição legal foram dadas soluções , interpretações distintas ; por domínio da mesma legislação , no ensinamento de Mestre José Alberto dos Reis , in CPC , Anotado , VII Vol ., pág. 270 , entende-se , em princípio , a identidade de diplomas legais , com a clarificação , de resto na concordância com outro Mestre de inigualável clareza , o Prof. Manuel de Andrade – Código , cit ., pág. 271 - de que , em caso de superveniência de diplomas legais , a identidade não cessa desde que não interfira na resolução , para o futuro, da questão de direito ; não se reflicta nos parâmetros decisórios , assistindo-se a uma continuidade normativo-típica ., posição doutrinária de resto acolhida entre os fundamentos do recurso , tal como previsto nos n.ºs 1 e 3 , art.º 437.º , do CPP .

E essa implicação da lei nova , pondo termo a todas divergência de índole doutrinário e jurisprudencial, atravessando transversalmente o regime da admissibilidade dos recursos, tendo em consideração que os acórdãos foram proferidos à sombra de diferente legislação não justifica uma intervenção uniformizante do STJ ; a modificabilidade de legislação entre a prolação de um e outro acórdão , interferindo directamente na resolução da questão controvertida , ancora a diversidade de tratamento jurídico , sem chocar com a subsistência do decidido .

Por ser caso de inadmissibilidade legal de recurso -art.º 437.º , n.ºs 1 e 3 , do CPP –se rejeita –art.º 441 .º n.º 1 , do CPP .

Taxa de justiça : 3 Uc,s , a que acresce a mesma soma , por força do art.º 420.º n.º 4 , do CPP .

Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010


Armindo Monteiro (Relator)
Santos Cabral