Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00013218 | ||
Relator: | FERREIRA DIAS | ||
Descritores: | PROVAS FUNDAMENTAÇÃO MATERIA DE FACTO SENTENÇA PENAL | ||
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Nº do Documento: | SJ199112180422613 | ||
Data do Acordão: | 12/18/1991 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Referência de Publicação: | BMJ N412 ANO1992 PAG383 | ||
Tribunal Recurso: | T J AVEIRO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 95/91 | ||
Data: | 05/14/1991 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Decisão: | ANULADA A DECISÃO. | ||
Área Temática: | DIR PROC PENAL. | ||
Legislação Nacional: | CPP87 ARTIGO 374 N2 ARTIGO 379 A. | ||
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Sumário : | I - Na fundamentação da sentença, em processo penal, não basta a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, mas fundamentalmente a expressão, tanto quanto possivel completa, ainda que concisa, dos motivos de facto, que fundamentaram a decisão. II - Os motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados nem os meios de prova, mas os elementos, que em razão das regras de experiencia ou de criterios logicos, constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse, de determinada forma, os diversos meios de prova apresentados em audiencia. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1 - Acusado pelo Digno Agente do Ministerio Publico, respondeu, em processo comum e com a intervenção do Tribunal Colectivo de Aveiro, o arguido A, casado, carpinteiro, de 28 anos, com os demais sinais dos autos, tendo sido condenado pela pratica das seguintes infracções:- 1 - um crime de roubo previsto e punivel pelos Artigos 306 ns. 1 e 2 alinea a) e 3 alinea d) do Codigo Penal: na pena de 5 anos de prisão; 2 - um crime de falsificação previsto e punivel pelo Artigo 228 n. 1 alinea a) e 2, com referencia ao Artigo 229 do Codigo Penal: na pena de 18 meses de prisão e 20 dias de multa a taxa diaria de 500 escudos, na alternativa de 13 dias de prisão; 3 - um crime de falsificação previsto e punivel pelo Artigo 228 ns. 1 alinea a) e 2, com referencia ao Artigo 229 do Codigo Penal: na pena de 18 meses de prisão e 20 dias de multa a taxa diaria de 500 escudos, na alternativa de 13 dias de prisão; 4 - um crime de burla previsto e punivel pelo Artigo 313 n. 1 do Codigo Penal: na pena de 12 meses de prisão; Feito o cumulo, foi o arguido condenado na pena unica de sete anos de prisão e 40 dias de multa, na alternativa de 26 dias de prisão, multa essa a taxa diaria de 500 escudos. Quanto aos demais crimes que lhe eram imputados decretou-se a sua absolvição. Decretou-se tambem a perda do veiculo-velocipede com motor I-AVR-47-17, de marca Famel, a favor do Estado, e condenou-se o arguido no pagamento das custas, com 28000 escudos de taxa de justiça e 6000 escudos de procuradoria. 2 - Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido, motivando o recurso nos seguintes termos:- - A generica remissão para os meios de prova como fundamento de convicção do Tribunal não pode considerar-se como exposição tanto quanto possivel completa dos motivos de factos que serviram de alicerce a decisão, conforme prescreve o Artigo 374 n. 2 do Codigo de Processo Penal, implicando a sua falta a nulidade da sentença, nos termos do Artigo 379 alinea a) do mesmo Codigo. - No caso em apreço, entende que a pena aplicada pelo crime de roubo e exagerada, devendo ser fixada em prisão não superior a 3 anos; - Não estando provada a ilicitude da aquisição do cheque não pode considerar-se como falsificado pelo arguido um cheque ao portador no qual o arguido se limitou a apor no verso a sua assinatura (perfeitamente dispensavel). - De igual modo não pode considerar-se como tendo praticado o crime de burla quem se apresenta perante uma agencia bancaria, e exibindo o seu proprio bilhete de identidade se identifica como o proprio perante o funcionario bancario, recebendo a quantia mencionada no cheque; - Deve assim o arguido ser absolvido dos crimes de falsificação e burla referidos na alinea B; - Não se verificando os requisitos do Artigo 109 do Codigo Penal n. 2 digo Codigo Penal, não pode ser declarado perdido a favor do Estado o veiculo I-AVR-47-17 e deve ser restituido, bem como os demais apreendidos, com excepção dos mandados restituir aos seus proprietarios, ao recorrente. Contra-motivou o Digno Delegado do Procurador da Republica, afirmando em tal douta peça processual que o acordão recorrido deve ser integralmente mantido. 3 - Subiram os autos a este Alto Tribunal e, proferido o despacho preliminar e colhidos os vistos legais, designou-se dia para a audiencia publica, que decorreu com observancia inteira do ritual da Lei, como da acta emerge. Vem agora o processo para decisão. Tudo visto e ponderado:- Deu o Tribunal Colectivo como provadas as seguintes realidades "de facti":- A - Em 24 de Junho de 1988, cerca das 22 horas, o arguido encontrou-se com B, identificada a folhas 70, no Centro Comercial Gita, desta cidade; - Apos conversarem e tomarem uma bebida, no Cafe "Charet", ofereceu-se o arguido para a levar a casa, em Cacia, na sua motorizada I- AVR-44-17, marca Famel (examinada a folhas 363); - Sob o pretexto que ela não tinha capacete de protecção de cabeça, sugeriu que melhor seria não circularem pela estrada principal, por causa das autoridades policiais; - E, por isso, conduziu a motorizada por esses caminhos secundarios e em sentido contrario ao da casa da ofendida, o que levou a Luisa a descer, a determinada altura, e pos-se em fuga em direcção as casas que se avistavam; - Mas o A lançou-se em sua perseguição, acabando por alcança-la; - Agarrando-a então e lançando-a ao chão, e apertou-lhe o pescoço com as mãos; - Retirou-lhe e apoderou-se de seguida de um relogio, Timex, de uma pulseira em prata, com uma chapa gravada com os nomes Jose e B, e de uma aliança em ouro - objectos estes com o valor global de 19500 escudos; lançou mão e apropriou-se ainda de cerca de 500 escudos em dinheiro, que a ofendida tinha num dos bolsos; - De seguida abandonou-a, avisando-a em tom ameaçador, provocando-lhe receio, que, se ela falasse ou se queixasse, a mataria; - Com a descrita conduta e em consequencia dela, sofreu a B os ferimentos descritos no auto de exame medico de folhas 192, que deram causa a doença sem impossibilidade para o trabalho, por um periodo de 4 dias; - Apos ter abandonado, a lesada dirigiu-se a um casal de namorados, que a encaminhou para uma brigada da G.N.R., ali proximo em serviço; - O dito relogio veio a ser encontrado na posse do arguido; B - Em 13 de Fevereiro de 1990, o arguido dirigiu-se a agencia nesta cidade do Banco Pinto & Sotto Mayor; - Levava consigo o cheque n. 3748016971, com o valor inscrito de 77659 escudos, passado ao portador, emitido por C; -Não se apurou a forma como o cheque em questão caiu nas suas mãos, sendo certo que na vespera tal titulo fora fraudulentamente subtraido das instalações da fabrica de azulejos "Primos Vitoria", em Aradas, desta comarca; - Uma vez na instituição bancaria, intitulou-se seu legitimo portador, assinando-o no verso, exibindo o seu bilhete de identidade; - Assim logrou convencer o funcionario que o atendeu que tal situação era verdadeira, o que levou a que lhe fosse paga a quantia de 77659 escudos, de que se aproveitou, bem sabendo que a ele não pertencia; C - Em dia não apurado de Fevereiro de 1990, e na posse do velocipede com motor, Macal, 1-OFR-02-15 (não se tendo averiguado como ele chegou as suas mãos), o arguido pintou-o, mudando-lhe a cor original; - Apagou o primeiro algarismo do n. do motor, colocou-lhe a chapa de matricula 1-AVR-74-17, que pertencia a um seu velocipede, no livrete deste alterou a marca "Confersil" para "Macal M. 80", e preencheu a parte referente ao motor, de acordo com o numero que naquele ficava a constar, depois de apagar o algarismo (era 18401 e passou a ser 8401); - Com ele assim modificado passou a circular, fazendo crer que se tratava do velocipede a que correspondia tal livrete (folhas 13 e 25); - Veio a ser interceptado em 9 de Março de 1990 por elementos da Policia Judiciaria, que suspeitaram da veracidade de tal documento, sendo o velocipede entregue a seu dono (D, identificado a folhas 53); - Actuou sempre de forma livre e consciente e voluntariamente, sabendo que as suas condutas não eram permitidas; - Agiu com intenção de fazer seus os referidos objectos e valores, contra a vontade dos seus legitimos donos; - Sabia, ao cometer os factos referidos em c), punha em causa a fe publica inerente ao livrete do veiculo, procurando dificultar a identificação do velocipede, assim induzindo em erro eventuais fiscalizações das autoridades policiais; - O arguido confessou os factos de A) e B); - E casado, tendo uma filha de 6 anos de idade; - Nasceu numa familia com estabilidade emocional e dificuldades de relacionamento; - O pai, sempre que contrariado , agredia fisicamente a mulher e os filhos; - Desde pequeno se vira privado dos dedos da mão esquerda, em consequencia de uma brincadeira em que foi interveniente um dos seus irmãos (mais velho); - Desde os 18 anos sofreu varios acidentes de viação; - Revela alguns traços psicologicos da personalidade; e - Revela habitos de trabalho. 4 - Este o contexto factologico que a 1 instancia deu como certificado. Numa tecnica processual normal, seguir-se-ia a empreitada da qualificação juridico-criminal dos factos apurados. Acontece, porem, que o recorrente, na sua motivação, começa por deduzir uma questão previa, consubstanciada na nulidade da decisão por incumprimento do Artigo 374 n. 2 do Codigo de Processo Penal, na parte em que se refere a não indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. Ora, por uma razão de ordem metodologica, e porque se apresenta com indole de questão previa, repita-se, podendo da respectiva decisão resultar a desnecessidade ou a necessidade de conhecer de fundo ou merito da causa, iniciemos a sua apreciação. Salvo o muito e devido respeito que nos merecem os ilustres subscritores da decisão, cuja censura foi impetrada a este Supremo Tribunal, cumpre-nos avançar no sentido de que tal peça processual não constitui uma decisão modelar, achando-se eivada de varios vicios - por inobservancia dos canones legais - que altamente a comprometem a face do direito estatuido. Assim, vejamos: Dispõe, a dado passo, o n. 2 do Artigo 374 do Codigo de Processo Penal:- "Ao relatorio segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possivel completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que funda que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal ...". Ora, procedendo a exegese de tal dispositivo legal seguramente se tera de concluir que a decisão comporta as seguintes fases:- 1 - A do relatorio, que não oferece qualquer duvida e que e elaborado nos termos do n. 1 do preceito; 2 - A fundamentação que abrange:- a) a enumeração dos factos provados e não provados; b) a exposição, tanto quanto possivel completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão; e c) a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal; e 3 - a parte dispositiva (preceito ou injunção, como lhe chamava E). Estas as linhas gerais de orientação que devem ser acatadas na elaboração de uma decisão criminal. Terão todas elas, no caso do pleito, sido cumpridas? No que concerne a primeira e a terceira fases somos de parecer de que tudo se acha de acordo com a lei. Referentemente a segunda fase, ou seja no que pertine a fundamentação e que sufragamos a posição do recorrente, como vamos demonstrar. Com efeito, examinando a decisão em estudo logo deparamos com o primeiro vicio - consistente na particularidade de nem todos os factos provados terem sido insertos, como cumpria, na parte da enumeração dos factos - lugar devido - mas sim ja na parte da motivação, como sucede relativamente aos crimes constantes da alinea B), onde pela primeira vez se fala em "enriquecimento a que sabia não ter direito". Por outro lado, o fundamento da convicção não pode descrever-se em termos tão simplistas como os que foram utilizados, como tem sido defendido por este Tribunal Supremo e pela Doutrina. Na verdade, desde ha muito que vem sendo exigido que não basta "da indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal, mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possivel completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão. Esses motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados ("thema decidendum") nem os meios de prova ("thema probandum"), mas os elementos que em razão das regras da experiencia ou de criterios logicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiencia ...". E mais adiante:- "A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente, permita aos sujeitos processuais e ao Tribunal Superior o exame do processo logico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o Artigo 410 n. 2 ... E extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteudo, um respeito efectivo pelo principio da legalidade na sentença e a propria independencia e imparcialidade dos Juizes, uma vez que os destinatarios da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas a propria sociedade ... " (confira Jornadas de Direito Processual Penal 229-230). E tal entendimento - que inteiramente perfilhamos - nada mais representa que o desenvolvimento, operado pela Lei ordinaria, do comando estabelecido no Artigo 208 n. 1 da Constituição da Republica, quando expressamente proclama: "As decisões dos Tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na Lei". Alcança-se, assim, que o acordão agravado não respeitou as prescrições legais, no aspecto em estudo. Finalmente, tambem a decisão não enumerou os factos não provados, nomeadamente quanto aos demais crimes por que o recorrente se achava tambem acusado e pronunciado, limitando-se tão simplesmente a deles absolver o arguido-recorrente. Ora, quanto a tais crimes tornava-se absolutamente necessario que o acordão expressamente mencionasse quais os factos que não dava como provados, como "expremis litteris" exige o mandamento legal em estudo. Em conclusão:- Por via de todas estas deficiencias - que comprometem a boa decisão da causa - a decisão entrou em crise, sendo nula, nos termos do Artigo 379 alinea a) do Codigo de Processo Penal. 5 - Desta parte e pelos expostos fundamentos decidem os Juizes deste Supremo Tribunal de Justiça declarar nula a decisão recorrida e, consequentemente, determinar que se proceda a novo julgamento, sendo possivel com os mesmos Excelentissimos Juizes, devendo ter-se em consideração as directrizes legais atras apontadas. Sem custas. Lisboa, 18 de Dezembro de 1991. Ferreira Dias, Pinto Bastos, Fernando Sequeira, Sa Nogueira. Decisão impugnada: - Acordão de 91.05.14 do Tribunal Judicial de Aveiro. |