Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
323/20.2T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: PORTARIA DE CONDIÇÕES DE TRABALHO
Data do Acordão: 06/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário :
I- As leis e os decretos-lei prevalecem sobre as portarias, uma vez que as fontes de direito se encontram hierarquicamente subordinadas, não podendo as normas de grau inferior contrariar outras de grau superior.
II- São competentes para a emissão de portarias de condições de trabalho, conjuntamente, o ministro responsável pela área laboral e o ministro responsável pelo sector de atividade.
III- Sendo ineficazes relativamente ao empregador, são inaplicáveis à relação laboral estabelecida entre as partes as PRT´s e PCT´s para os trabalhadores administrativos que não foram subscritas ou assinadas pelo ministro responsável pelo setor de atividade em causa (desporto).
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 323/20.2T8CTB.C1.S1
MBM/JG/DM


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.

1. AA instaurou a presente ação de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra SPORT BENFICA E CASTELO BRANCO, pedindo que este seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 71,021,44, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação.

Alega, em síntese, que (desde 01.08.1995) lhe têm sido pagas remunerações inferiores às devidas, em face das Portarias de Regulamentação de Trabalho (PRT’s) aplicáveis à sua categoria profissional.

2. Na primeira instância, a ação foi julgada parcialmente procedente, tendo o R. sido condenado a pagar à A. a quantia de €69.884,86, acrescida de juros de mora vincendos, desde a citação e até integral pagamento, sobre a quantia de €45.407,21.

3. Interposto recurso de apelação pelo R., o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), concedendo parcial procedente ao recurso, condenou-o a pagar à A. apenas a quantia de € 3.436,86 (a título de diferenças salariais respeitantes aos anos de 1996 a 2001), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal.

O R. foi absolvido quanto ao mais peticionado, por se ter considerado que as PRT’s invocadas quanto aos demais períodos temporais não foram subscritas, como se impunha, pelo ministro responsável pelo setor de atividade em causa (desporto).

4. A A. interpôs a presente revista, dizendo essencialmente nas conclusões da sua alegação:

1. As PRT publicadas no BTE, 1ª série, nº 9, de 8.3.1996, nº 35 de 22.9.1997, nº 31 de 22.8.1999, nº 34 de 15.9.20 e nº 35 de 22.9.2001 (à exceção, como se referiu, da PRT nº 44 de 29.11.1996, subscrita pelo Secretário de Estado do Desporto), foram revogadas pela PRT publicada no BTE, 1ª série, nº 48, de 29.12.2002 (nº 1 do art.º 16º), cujo âmbito de aplicação se estendeu, em todo o território nacional, a entidades empregadoras que tivessem ao seu serviço trabalhadores com funções correspondentes a profissões constantes do anexo I, bem como a estes trabalhadores (nº 1 do art.º 1º).

2. Depois da publicação da BTE nº 48, o regime previsto nas PRT e PCT alargou-se às pessoas coletivas de direito privado e utilidade pública, deixando de ser excecionadas e sem os constrangimentos decorrentes da subscrição ou de despacho ministeriais das tutelas, regime que se manteve nos regulamentos de condições mínimas que lhe sobrevieram, designadamente as PRT publicadas no BTE, 1ª série, nº 3 de 22.1.2004, nº 43 de 22.11.2005, nº 27 de 22.7.2006, a Portaria 736/06, de 26.7. e alteração publicada no BTE nº 46, de 15.12.2007, nº 2 de 15.1.2009, nº 14 de 15.4.2010, nº 39 de 22.10.2010, nº 27 de 22.7.2012, nº 41 de 8.11.2015, nº 26 de 15.7.2018, Portaria 182/18 de 22.6.2018, DR 1ª série e Portaria 411-A/2019 de 31.12.2019, DR 1ª série.

3. Não sendo a atividade da ré excluída do âmbito da portaria, a mesma será de aplicar à relação laboral constituída entre a autora e o clube réu.

4. Encontram-se preenchidos todos os requisitos da aplicação de tais regimes, talqualmente foi decidido em 1ª instância, sendo que a recorrente exercia funções correspondentes à profissão e categoria profissional constante dos anexos das PTR e PCT (…).

5. Admitindo-se, por mera hipótese, que se aplicam apenas as PRT nºs 44 de 1996 e 35 de 1997, nunca tendo o recorrido comunicado à recorrente por escrito o momento em que aqueles instrumentos deixaram de lhe ser aplicáveis, os efeitos dos mesmos mantiveram-se, até que tivesse ocorrido tal comunicação, designadamente o regime das remunerações, abono para falhas e diuturnidades previsto na PRT nº 9 de 8.3.1996, o que nunca sucedeu (n.º 1 do art.º 109º, do C. Trabalho).

6. A recorrida, no Quadro de Pessoal respeitante ao ano de 2006, enviado à Direção Geral de Estudos, Estatística e Planeamento, remetia para o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT) publicado no BTE nº 48 de 29.12.2002, o mesmo tendo sucedido em 2007, remetendo para o BTE nº 27 de 22.7.2006.

7. Conforme prescrevia o art. 180.º, n.º 1, f), da Lei 35/2004, e o art. 215º, n.º 1, g), do C. Trabalho, a recorrida, nos horários de trabalho, fazia constar a menção “I.R.C.T. (Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho): PCT (Portaria de Condições de Trabalho) – Trabalhadores Administrativos”.

8. Sendo de carácter obrigatório a entrega anual de tais documentos (Quadros de Pessoal) e contendo eles a indicação do IRCT aplicável, tratava-se de prova documental idónea e necessária para demonstrar que a recorrida estabeleceu por sua livre iniciativa que relação laboral fosse regulada por aplicação do regime previsto num IRCT.

9. Tendo o recorrido, por sua vontade e iniciativa unilaterais, indicado o IRCT, ficou juridicamente vinculado aos mesmos e com aplicação imediata a uma regulamentação coletiva que especificou, devendo esta sua vontade, expressa em documento oficial e com entrega obrigatória às autoridades administrativas, ter sido oficiosamente apreciada e valorada pela Relação, designadamente, no que concerne à aplicação ou não dos invocados IRCT.

10. A descrita atuação da recorrida integra o regime excecional contido no n.º 2 do art.º 344º, do C. Civil (inversão do ónus da prova), ou consente, pelo menos, uma valoração negativa dessa omissão da recorrida na junção aos autos da documentação solicitada e, nessa medida, a formação, em sede de convicção íntima do julgador, de um juízo fáctico favorável à pretensão da recorrida, no sentido de lhe serem aplicáveis os IRCT invocados na ação, durante a vigência do contrato de trabalho, por sua expressa indicação feita anualmente.

11. Caso a recorrida tivesse junto todos esses documentos, de fácil obtenção, teria a recorrente feito a prova dos factos que pretendia demonstrar com a sua junção, i. e., que a empregadora, ao abrigo da liberdade contratual, quis aplicar à relação laboral o regime previsto no IRCT – Trabalhadores Administrativos.

12. Inscreve-se no âmbito do recurso de revista a apreciação do modo como as instâncias interpretaram e aplicaram a norma de direito probatório material prevista no art. 344.°, n.º 2, do CC, na medida em que a inversão do ónus da prova é suscetível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.

13. Não se entende que, aplicando a 2ª instância a disciplina contida nas PRT nºs 44 de 1996 e 35 de 1997, no que diz respeito aos anos de 1996 e 1997, apenas o tenha feito quanto às diferenças salariais e respetivos juros de mora e não quanto aos abonos para falhas e diuturnidades.

5. Contra-alegando, o R. pugna pelo improvimento do recurso, sustentado, em síntese:

- As portarias de regulamentação ou de condições de trabalho para os trabalhadores administrativos não são aplicáveis a todos estes trabalhadores, mas apenas àqueles que desempenhem funções nos sectores tutelados ou da responsabilidade dos ministros que as subscrevem.

- As portarias que, ao longo dos anos, administrativamente, estabeleceram o regime jurídico aplicável aos trabalhadores administrativos não abrangidos por regulamentação coletiva de trabalho, não foram subscritas ou assinadas pelos Ministros que tutelaram a área do desporto, com exceção do período que mediou entre 1996 e 2002.

- Uma Portaria pode ser aplicada a certo sector de atividade e deixar de o ser posteriormente, a partir do momento em que o Ministro da tutela deixar de a subscrever.

- As Portarias em questão não se aplicam às relações laborais entre autora e réu, com exceção das Portarias publicadas no BTE nº 44 de 29.01.1996, com efeitos a partir de 01.01.1996, e no BTE nº 35 de 22.09.1997, com efeitos a partir de 01.01.1997, sendo que esta só foi revogada pela PRT publicada no BTE nº 48, de 29.12,2002.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da revista, em parecer a que as partes não responderam.

7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine), em face das conclusões da alegação de recurso, as questões a decidir[1] (de acordo com o nexo de precedência lógica e prático-jurídica que entre elas existe) são as seguintes:

- Se in casu são inaplicáveis à relação laboral estabelecida entre A. e R., nos anos de 1995 e de 2002 a 2020, as PRT e PCT para os trabalhadores administrativos (não sendo por isso devidas à A. as quantias peticionadas a título de diferenças salariais, diuturnidades e abono para falhas).

- Se, no respeitante aos anos de 1996 e 1997, são devidas à A. as quantias peticionadas a título de diuturnidades e abono para falhas.

- Se na fixação dos factos provados a Relação incorreu em violação de normas de direito probatório material.

Decidindo.

II.

8. Com relevância para a compreensão e decisão do recurso de revista, foi fixada a seguinte matéria de facto:

1)A autora trabalha sob as ordens, autoridade e direção da R. desde ... de 1995.
2)A Autora foi admitida com a categoria profissional de ..., auferindo a retribuição mensal de €259,40.
3)A Autora está incumbida de várias tarefas, designadamente, ....
4)Além disso, ....
5)No ano de 1995 o salário mensal pago foi de € 259,40.
6)No ano de 1996 o salário mensal pago foi de € 272,30.
7)No ano de 1997 o salário mensal pago foi de € 282,80.
8)No ano de 1998 o salário mensal pago foi de € 293,80.
9)No ano de 1999 o salário mensal pago foi de € 305,76.
10)No ano de 2000 o salário mensal pago foi de € 318,20.
11)No ano de 2001 o salário mensal pago foi de € 334,20.
12)No ano de 2002 o salário mensal pago foi de € 348,00.
13)No ano de 2003 o salário mensal pago foi de € 392,30.
14)No ano de 2004 o salário mensal pago respeitante aos meses de janeiro a junho inclusive foi de € 392,30.
15)No ano de 2004 o salário mensal pago respeitante aos meses de julho a dezembro inclusive foi de € 375,00.
16)No ano de 2005 o salário mensal pago respeitante aos meses de janeiro a abril inclusive foi de € 375,00.
17)No ano de 2005 o salário mensal pago respeitante aos meses de maio a novembro inclusive foi de € 421,35.
18)No ano de 2005 o salário mensal pago respeitante ao mês de dezembro foi de € 421,35.
19)No ano de 2006 o salário mensal pago respeitante aos meses de janeiro a junho inclusive foi de € 421,35;
20)No ano de 2006 o salário mensal pago respeitante aos meses de julho a dezembro inclusive foi de € 421,35
21)No ano de 2007 o salário mensal pago foi de € 421,35.
22)No ano de 2008 o salário mensal pago respeitante ao mês de janeiro foi de € 426,00.
23)No ano de 2008 o salário mensal pago respeitante aos meses de fevereiro a dezembro inclusive foi de € 445,00.
24)No ano de 2009 o salário mensal pago foi de € 450,00.
25)No ano de 2010 o salário mensal pago foi de € 475,00.
26)No ano de 2011 o salário mensal pago foi de € 500,00.
27)No ano de 2012 o salário mensal pago nos meses de janeiro a março inclusive foi de € 500,00.
28)No ano de 2012 o salário mensal pago nos meses de abril a dezembro inclusive foi de € 500,00.
29)No ano de 2013 o salário mensal pago foi de € 500,00, quando deveria ter sido pago € 609,00.
30)No ano de 2014 o salário mensal pago respeitante aos meses de janeiro a setembro inclusive foi de € 500,00.
31)No ano de 2014 o salário mensal pago respeitante aos meses de outubro a dezembro inclusive foi de € 505,00.
32)No ano de 2015 o salário mensal pago de janeiro a novembro inclusive foi de € 550,00.
33)No ano de 2015 o salário mensal pago no mês de dezembro foi de € 550,00.
34)No ano de 2016 o salário mensal pago foi de € 550,00.
35)No ano de 2017 o salário mensal pago foi de € 557,00.
36)No ano de 2018 o salário mensal de janeiro a maio inclusive pago foi de € 580,00
37)No ano de 2018 o salário mensal de junho a dezembro inclusive pago foi de € 580,00.
38)No ano de 2019 o salário mensal pago respeitante aos meses de janeiro a junho inclusive foi de € 600,00.
39)No ano de 2019 o salário mensal pago respeitante aos meses de julho a dezembro inclusive foi de € 600,00.
40)No ano de 2020 o salário mensal pago respeitante ao mês de janeiro foi de € 635,00.
41)Em ... de 1998 a autora não passou a ter a categoria de ..., nem em ... de 2001 ascendeu à categoria de ....
42)À autora nunca foram pagas diuturnidades.
43) (…)
44)Foi-lhe concedido [ao Clube Réu] no ano de 1983 o estatuto de utilidade pública desportiva (Docs. 3 e 4) que se mantém desde então.
45)O clube Réu é associado quer da Associação de Futebol de Castelo Branco quer da Federação Portuguesa de Futebol, entidades igualmente dotadas de utilidade pública.
46)A autora é filiada no Sindicato ... (C...).
47)Por acordo entre autora e réu desde o início do contrato foi estabelecido um período de apenas 35h de trabalho semanal, ou seja, das 09h30 às 12h30m e das 14h00m às 17h30m, de segunda a sexta-feira.


III.

9. Para sustentar que in casu são aplicáveis à relação laboral estabelecida entre A. e R. (nos anos de 1995 e de 2002 a 2020) as PRT´s e PCT´s (portarias de condições de trabalho) para os trabalhadores administrativos, a recorrente argumenta, basicamente, com a vigência e o conteúdo das sucessivas portarias aplicáveis a estes trabalhadores, em linha com o pensamento subjacente à decisão da 1ª Instância.

Entendimento que, no essencial, se reconduz ao seguinte:

- A PRT publicada no BTE, 1ª série, n.º 48, de 29.12.2002, estendeu o seu âmbito de aplicação às entidades empregadoras que tivessem ao seu serviço trabalhadores com determinadas funções.
 
- Dispõe o seu art. 16.º, n.º 1, que “são revogadas a portaria de regulamentação de trabalho para trabalhadores administrativos, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 9, de 8 de março de 1996, e suas alterações, publicadas no mesmo Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.ºs 35, de 22 de setembro de 1997, 31, de 22 de agosto de 1999, 34, de 15 de setembro de 2000, e 35, de 22 de setembro de 2001” (sendo que a PRT n.º 44, de 29.11.1996, subscrita pelo Secretário de Estado do Desporto, nunca foi revogada por qualquer outra portaria).

- O regime da PRT para os trabalhadores administrativos publicada no BTE n.º 48 alargou-se às pessoas coletivas de direito privado com utilidade pública, que assim deixaram de ser excecionadas, sem os constrangimentos decorrentes da exigência de subscrição ou de despacho ministerial da tutela, regime que se manteve nos regulamentos de condições mínimas que lhe sobrevieram, designadamente as PRT publicadas no BTE, 1ª série, nº 3 de 22.1.2004, nº 43 de 22.11.2005, nº 27 de 22.7.2006, a Portaria 736/06, de 26.7. e alteração publicada no BTE nº 46, de 15.12.2007, nº 2 de 15.1.2009, nº 14 de 15.4.2010, nº 39 de 22.10.2010, nº 27 de 22.7.2012, nº 41 de 8.11.2015, nº 26 de 15.7.2018, Portaria 182/18 de 22.6.2018, DR 1ª série, e Portaria 411-A/2019, de 31.12.2019, DR 1ª série.

10. Afigura-se-nos que este entendimento não procede, pelas razões que se passam a expor.

Como se sabe, as leis e os decretos-lei prevalecem sobre as portarias, uma vez que as fontes de direito se encontram hierarquicamente subordinadas, não podendo as normas de grau inferior contrariar outras de grau superior.

Ora, em termos legalmente incontornáveis, são competentes para a emissão de portarias de condições de trabalho (bem como, identicamente, no âmbito da anterior legislação, de portarias de regulamentação de trabalho e de regulamentos de condições mínimas), conjuntamente, o ministro responsável pela área laboral e o ministro responsável pelo sector de atividade – art. 518.º, n.º 1, do CT de 2009, art. 577.º, do CT de 2003, e art. 36.º, do DL n.º 519-C1/79, de 29/12.

Consequentemente, sendo ineficazes relativamente ao R., são inaplicáveis à relação laboral estabelecida entre as partes as PRT e PCT para os trabalhadores administrativos que não foram subscritas ou assinadas pelos membros do Governo que tutelaram a área do desporto, as quais, em termos inequívocos, se encontram assim identificadas no acórdão recorrido:

“[C]ompulsadas as citadas portarias publicadas nos BTE n.º 9, de 08/03/1996; n.º 44, de 29/11/1996, com efeito a partir de 01/01/1996; n.º 35, de 22/09/1997, com efeitos a partir de 01/01/1997; n.º 2, de 15/01/1999; n.º 31, de 2/08/1999; n.º 34, de 15/09/2000; n.º 35, de 22/09/2001; n.º 48, de 29/12/2002; n.º 3, de 22/01/2004; n.º 43, de 22/11/2005; n.º 27, de 22/07/2006 e as Portarias n.º 1636/2007, de 31/12/2007;  n.º 1548/2008, de 31/12/2008; n.º 1068/2010, de 19710/2010; n.º 210/2012, de 12/07/2012; n.º 382/2015, de 26/10/2015; n.º 182/2018, e 22/06/2018 e n.º 411-A/2019, de 31/12/2019, conclui-se que apenas as publicadas nos BTE n.º 44 de 1996 e n.º 35 de 1997 foram subscritas/assinadas pelo secretário de estado do desporto sob tutela do ministro adjunto. Todas as restantes não têm na sua emissão qualquer intervenção do ministro que tutela a área do desporto, área de atividade em causa.”

Vale por dizer, como corretamente concluiu o tribunal a quo, que “a A. apenas tem direito às diferenças salariais peticionadas respeitantes aos anos de 1996 e 1997, por força do disposto nas PRT publicadas no BTE n.º 44, de 29.11.1996, com efeitos a partir de 01.01.1996, e no BTE n.º 35, de 22.09.1997, com efeitos a partir de 01.01.1997, sendo certo que esta última só foi revogada pela PRT publicada no BTE n.º 48, de 29.12.2002”.

11. Preceitua o n.º 1 do art. 109.º, do CT (epigrafado “Atualização da informação”), que “o empregador deve informar o trabalhador sobre alteração relativa a qualquer elemento referido no n.º 3 do artigo 106.º ou no n.º 1 do artigo anterior, por escrito e nos 30 dias subsequentes”.

Invocando a violação do dever de informação assim consagrado, sustenta a recorrente que, nunca lhe tendo o recorrido comunicado por escrito o momento em que deixaram de lhe ser aplicáveis as PRT n.º 44, de 1996, e n.º 35, de 1997, os seus efeitos se mantiveram (até que tivesse ocorrido tal comunicação).

Sem razão, desde logo porque as alegadas alterações decorreram da publicação de portarias de regulamentação de trabalho e, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “o disposto no número anterior não é aplicável quando a alteração resulte de lei, de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa”.

Bem se compreende que assim seja, uma vez que nas contempladas situações o trabalhador se encontra em condições de conhecer as alterações dos elementos abrangidos pelo dever de informação, pelo que (nestes casos) seria redundante onerar o empregador com o dever de informação.

12. Argumenta ainda a recorrente: o R., no Quadro de Pessoal respeitante ao ano de 2006, enviado à Direção Geral de Estudos, Estatística e Planeamento, remetia para o Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho (IRCT) publicado no BTE nº 48 de 29.12.2002, o mesmo tendo sucedido em 2007, remetendo para o BTE nº 27 de 22.7.2006; conforme prescrevia o art. 180.º, n.º 1, f), da Lei 35/2004, e o art. 215º, n.º 1, g), do C. Trabalho, a recorrida, nos horários de trabalho, fazia constar a menção “I.R.C.T. (Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho): PCT (Portaria de Condições de Trabalho) – Trabalhadores Administrativos”; constando destes documentos a indicação do IRCT aplicável, encontra-se demonstrado que o R. estabeleceu por sua livre iniciativa que a relação laboral fosse regulada por aplicação do regime previsto num IRCT.

Esta argumentação claudica por diversas razões.

Em primeiro lugar, e decisivamente, tais factos não constam da matéria de facto fixada pelas instâncias, nem poderiam constar, uma vez que não foram alegados na petição inicial.

Conexamente, acresce que as pretensões deduzidas pela A. na petição inicial assentaram apenas na alegada aplicabilidade à relação laboral de determinadas portarias (de condições e de regulamentação de trabalho, bem como de regulamentos de condições mínimas). É esta a causa de pedir da ação (a qual, só pode ser aditada/alterada em termos que claramente traduzam tal propósito e observado que seja o regime prescrito no art. 28º do Código de Processo do Trabalho e nos arts. 264º e 265º do CPC), pelo que não podia a A., alterando substancialmente os fundamentos da ação em sede de recurso, sustentar que, afinal, o R. se vinculou ao regime previsto num IRCT, “unilateralmente”, “por sua vontade e iniciativa” e de acordo com o princípio da liberdade contratual …

Tal “vontade e iniciativa” do R. não foi alegada na petição inicial, sendo ainda certo, como notou a Relação, “que não é o facto de no quadro de pessoal se remeter para um determinado BTE que torna uma PRT ou PCT aplicável a uma determinada relação laboral.”  

Desde logo, “o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho reveste a forma escrita, sob pena de nulidade” (art. 477º, CT), pelo que não é concebível a constituição de IRCT´s à margem do processo para tanto previsto na lei e muito menos na sequência de comportamentos tácitos ou alegadamente concludentes das partes nesse sentido.

13. Quanto à questão se saber se, no respeitante aos anos de 1996 e 1997, lhe são devidas as quantias peticionadas a título de diuturnidades e abono para falhas, afirma a mesma que “não se entende que aplicando a 2ª instância a disciplina contida nas PRT nºs 44 de 1996 e 35 de 1997, no que diz respeito aos anos de 1996 e 1997 apenas o tenha feito quanto às diferenças salariais e respetivos juros de mora e não quanto aos abonos para falhas e diuturnidades”.

Todavia, é a PRT publicada no BTE n.º 9, de 08.03.1996, que prevê nos seus arts. 12.º e 13.º, respetivamente, o direito àquele abono e a diuturnidades, PRT que não é aplicável à relação laboral estabelecida entre a A. e o R., pelas razões expostas em supra n.º 10.

14. Por fim, a recorrente sustenta que na fixação dos factos provados a Relação incorreu em violação de normas de direito probatório material, essencialmente com base no seguinte raciocínio: caso a recorrida tivesse juntado os documentos necessários para o efeito, a recorrente teria logrado provar que “a empregadora, ao abrigo da liberdade contratual, quis aplicar à relação laboral o regime previsto no IRCT – Trabalhadores Administrativos”; inscreve-se no âmbito do recurso de revista a apreciação do modo como as instâncias interpretaram e aplicaram a norma de direito probatório material prevista no art. 344.°, n.º 2, do CC, na medida em que a inversão do ónus da prova é suscetível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.

Manifestamente sem razão, pois, para além de a A. não ter impugnado a matéria de facto fixada na 1ª instância, sempre estaria vedado à Relação socorrer-se de factos não alegados na petição inicial e situados fora da esfera da causa de pedir da ação, como é o caso da factualidade que a recorrente pretendia aditar ao elenco dos factos assentes, nos termos já expostos em supra n.º 12.

Improcede, pois, o recurso.

IV.

15. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 22 de junho de 2022



Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Domingos Morais



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[1] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução, entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, 663.º, n.º 2, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido, não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 3, do mesmo diploma.