Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
468/15.0T8PDL.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ACÁCIO DAS NEVES
Descritores: DANOS FUTUROS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 25-11-2009, PROCESSOS N.º 397/03.0GEBNV.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-03-2017, PROCESSOS N.º 2233/10.2TBFLG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-03-2018, PROCESSO N.º 4084/07.2TBVFX.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-04-2018, PROCESSO N.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, IN SASTJ, CÍVEL, WWW.STJ.PT;
- DE 20-05-2018, PROMOÇÃO N.º 7952/09.3TBVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Estando em causa danos futuros (despesas a suportar com a assistência de terceira pessoa durante 42 anos) cujo valor exato não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias, tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos que foram dados como provados – nos termos do disposto no n.º 3 do art. 566.º do CC, que não através de tabelas matemáticas, cuja utilização apenas pode ter lugar como mero auxiliar.

II - Para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, sendo expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação.

III - Perante tais elementos, e com recurso à equidade, afigura-se correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução, para compensar o recebimento antecipado do capital, situada à volta dos 10%.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA intentou ação declarativa comum contra BB, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
- Quantia não inferior a € 342.000,00 pela perda dos seus rendimentos de trabalho;
- Quantia nunca inferior a € 909.828,57, pela assistência a terceira pessoa;
- Quantia não inferior a € 300.000,00, como compensação pelos danos morais sofridos.
Alegou para tanto e em resumo a ocorrência de um acidente de viação, por culpa do condutor de veículo automóvel segurado na Ré, do qual resultaram os danos cujo ressarcimento peticiona.

A ré contestou, defendendo-se por impugnação, relativamente à matéria dos danos, sem prejuízo da assunção da responsabilidade pela correspondente reparação.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, na qual a ação foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar à autora:
- A quantia global de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros) - correspondente ao somatório da quantia de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais e da quantia de350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização por danos patrimoniais consubstanciados nos encargos pela assistência por terceira pessoa - deduzida do valor que até à presente data haja sido liquidado no âmbito da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, acrescida, após esta operação, de juros de mora vincendos à taxa legal prevista para os juros civis sobre o montante de capital que resultar do correspondente saldo, absolvendo-a do remanescente peticionado a este propósito.
- E a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente da instância, quanto à indemnização por danos patrimoniais consubstanciados no dano futuro pela perda da capacidade de ganho.

Na sequência e no âmbito de recursos de apelação de ambas as partes, a Relação de Lisboa, julgando totalmente improcedente a apelação da ré e parcialmente procedente a apelação da autora:
Apenas alterou o montante indemnizatório destinado a fazer face aos encargos com terceira pessoa, para o valor de € 350.000,00 para € 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros), condenando a ré a pagar tal valor, mantendo no mais, a sentença recorrida.

Inconformada, interpôs a ré recurso de revista (normal), a qual visava a impugnação de todos os segmentos decisórios.

Todavia, por despacho do relator, transitado em julgado, a revista apenas foi admitida “na parte em que a mesma tem por objeto o valor da indemnização destinada aos encargos com terceira pessoa.
É esta, pois, a única questão de que cumpre conhecer:

Na revista, e relativamente (apenas) a esta questão, a recorrente formulou as seguintes conclusões
(…)
15ª - No que concerne à indemnização atribuída pelos danos patrimoniais decorrentes dos encargos pela dependência de assistência por terceira pessoa, atendeu a Veneranda Relação à factualidade assente nos pontos 22. e 26. do elenco dos factos provados.
16ª - O Tribunal a quo computou tal dano, a final, no montante de € 350.000,00, tendo a Veneranda Relação disparado tal montante para €425.000,00 !
17ª - Ora, como é bom de ver a ora Recorrente não pode conformar-se com o montante arbitrado que é, com o devido respeito, manifestamente excessivo, injusto e desproporcional.
18ª - A ajuda da terceira pessoa é exclusivamente para substituir a A. na realização das tarefas do dia-a-dia que antes executava por si e que deixou de poder fazer.
19ª - Tendo em conta que a terceira pessoa que poderá substituir e ou auxiliar a Autora na realização das tarefas do dia-a-dia, não possuirá formação e competências que reclamem o pagamento de uma remuneração que exceda o comum em serviços domésticos e em zona onde se insere a A.
20ª - Com efeito, tendo ficado assente que a A. ficou, efetivamente, dependente de terceira pessoa para as atividades do quotidiano, para se arbitrar uma indemnização a esse título sempre teria de resultar dos autos o custo da hora de trabalho duma empregada doméstica na área onde reside a A.
21ª - Não o tendo sido feito, no entender da Recorrente o valor a ter em consideração nunca poderá ser aquele que a Veneranda Relação estimou de € 750,00 mês, quando no ano em que ocorreu o acidente - 2011 - o salário minino regional correspondia ao montante de € 509,25.
22ª - Nada foi alegado e ou provado nos presentes autos que recorrer a uma empresa especializada seria tendencialmente mais caro. Nenhum valor foi referenciado, por forma a aferir-se se o decido pela douta Venerando não estaria a ser demasiado oneroso para aqui Recorrente.
23ª - Por outra parte, afigura-se perentório descortinar quantas horas seriam necessárias durante o dia.
24ª - O número de horas que a A. carece de assistência de terceira pessoa pode ser efetuada com a invocação de regras da experiência comum, tendo em conta a realidade demonstrada nos autos, o grau de autonomia da A. que a mesma espelha, em resultado da limitação que apresenta, derivada do acidente.
25ª - O ponto 22. da matéria de facto refere que a Autora tem necessidade definitiva de assistência de terceira pessoa para realizar as normais atividades da vida diária.
26ª - A assistência de terceira pessoa prevista não é de 24 horas/dia, ou mesmo de 8 horas / dia, porquanto o relatório pericial do INML fixou a necessidade de assistência apenas para a maioria das atividades de vida diária, nomeadamente, higiene pessoal e geral, alimentação, vestuário e transporte.
27ª - Para executar a maioria das atividades de vida diária não serão necessárias mais do que quatro horas por dia e não, conforme, erradamente é avançado pela Veneranda Relação, de "horário normal de trabalho".
28ª - Pelo que, o quantum indemnizatório a atribuir à A. deverá ser reduzido tomando por base a necessidade de 4 horas diárias.
29ª - Nessa medida, afigura-se excessiva a indemnização fixada extravasando o que se reputa de equitativo, à luz dos factos provados, das regras da boa prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas.
30ª - Aliás, a terceira pessoa que foi "contratada" para auxiliar a Autora mudou-se para sua casa com as três filhas. Esta circunstância tem necessariamente influência no montante a arbitrar à Autora pelos encargos que esta tem e terá com a pessoa que a auxilia, os quais serão necessariamente menores quando essa terceira pessoa vive em casa da Autora juntamente com as suas três filhas, assim não suportando qualquer despesa própria.
31ª - Efetivamente, a A. presta assistência/apoio à "terceira pessoa" e bem assim a "terceira pessoa" presta assistência à A.. Estamos perante um apoio mútuo- sendo a Autora auxiliada nas tarefas do seu dia-a-dia pela amiga em contrapartida do alojamento da testemunha e das suas três filhas em casa da Autora sem suportarem qualquer renda e/ou despesa-, assim não se justificando, de todo, a atribuição de um montante que, mensalmente, ascenderá a cerca de € 750,00/mês.
32ª - Nada consta, pois, sobre o modo como tal assistência será prestada: se por via de contratação laboral, de prestação de serviço ou de ajuda familiar.
33ª - Por essa razão, não pode a Veneranda Relação contemplar no cálculo da indemnização 14 mensalidades. Devendo ser contempladas apenas 12 mensalidades no quantum indemnizatório.
34ª - A Veneranda Relação refere que €750*14*42 anos perfaz o montante de €441.000,00, corrigindo tal montante para €425.000,00, "considerando a taxa de inflação e o desconto relativo ao recebimento antecipado". Pergunta-se a V. Exa. somente €16.000,00 (?!)
35ª - Ora, não pode deixar de funcionar fatores corretivos no quantum indemnizatório, o principal dos quais se reporta ao recebimento antecipado de todo o montante, o que, com o devido respeito, a veneranda Relação não o faz!
36ª - O Tribunal da Relação sempre teria de ter em conta o recebimento antecipado de todo o capital.
37ª - Ora, o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, introduzir-se-á, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.
38ª - Face ao arbitramento da quantia única de € 425.000,00 não se faz qualquer capitalização, corrigindo apenas o valor.
39ª - Ora, a 1,5% ao ano, os 441.000,00 € apurados pelo Tribunal da Relação capitalizados resultariam em €235.974,36 !!!
40 ª -
CAPITALIZAÇÃO:
FÓRMULA:
CF:(1+i)n
CF= Capital Final
i = Taxa de Juro
n= Período (anos)
Ci= Capital Inicial
Capital Final Cf Juro periodo n Capital inicial Ci
DPF 235 974,36
3ª pessoa 441 000,00 € 1,5% 42 € -
medicação € -
fisioterapia € -
consultas € -
deslocações € -
canadiana € -
carro € -
235 974,36 €
41ª - Na verdade, a admitir-se a atribuição de uma indemnização nos moldes em que o fez a Veneranda Relação estar-se-á a transformar a atribuição de uma compensação numa forma de enriquecimento do lesado, em clara violação do que vem disposto no artigo 566.º/3 do CC, extravasando em larga medida os juízos de equidade por que se devem nortear os tribunais na fixação deste tipo de indemnizações.
42ª - Sendo o montante de € 425.000,00 manifestamente excessivo em comparação com o montante que tem vindo a ser atribuído na jurisprudência mais recente.
43ª - Veja-se, a título de exemplo o Acórdão de 29.09.2011 (Proc. 560/07.5TBCBT.G1.S1, Relator: Lopes do Rego). Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.03.2016. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.11.2014 (Proc. 2372/10.0TBPVZ.P1, Relator: Márcia Portela).
44ª - Com efeito, defende a Recorrente a evidente necessidade de revisão do valor arbitrado à Autora a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes dos encargos com terceira pessoa, que tenha em consideração o ora exposto pela Recorrente e bem assim as decisões que têm vindo a ser proferidas quanto aos mesmos danos, atribuindo-se uma indemnização que não deverá, em qualquer caso, exceder os € 150.000,00, requerendo-se a revisão do douto Acórdão proferida e a sua substituição por outra em conformidade.
45ª - Veja-se que, comparando com aquela que é a realidade da cidade de Lisboa, uma assistência de 4 horas / Dia, estaríamos perante € 400,00 - € 450,00 / mês.
46ª - Sendo que, na data de hoje o salário mínimo nacional vigente é de €600,00, pressupondo uma carga horária de trabalho diária de 8 horas.
47ª - Ainda que se considere as 14 mensalidades, num raciocino generoso, vezes 42 anos, estamos perante o valor indemnizatório de € 235.000,00 / € 264.000,00.
48ª - Ora, se capitalizarmos estes valores, sem ter em linha de conta a inflação, estamos perante uma indemnização de € 130.000 / 150.000,00, bem diferente do valor apurado pela Veneranda Relação, que se afigura sob estre prisma de injusto, desequilibrado e desproporcional.
49ª - Nesse sentido, importa não impor ao devedor um esforço indemnizatório desajustado, prevenindo-se o locupletamento da lesada.
50ª - Não estamos com isto a afirmar que não existe um direito da Autora a receber um montante indemnizatório, no entanto, à luz das regras da experiência comum, não pode ser o montante arbitrado pelo Veneranda Relação.
51ª - O Acórdão da Relação fixa um salário mensal de € A lesada encontra-se a receber uma indemnização provisória mensal de € 1.200,00, o que já totaliza a quantia de € 69.200,00.
52ª - Anualmente a lesada recebe, por conta da Seguradora, €14.400,00 decorrentes da providência cautelar, quando os rendimentos fiscalmente declarados da Autora rondavam o montante de €5.000,00.
53ª - Potencia o risco de violação do princípio da igualdade e da equidade, o julgador, sem qualquer fundamento, arbitrar a favor de uma vítima acidente de viação uma indemnização arbitrária, excessiva, onerosa para o devedor.
54ª - Para avaliação do dano de cálculo, do consignado no n.º 2 do artigo 566.º do CC, colhe-se, à luz da teoria da diferença, que a indemnização em dinheiro deve ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados, como se determina no n.º 3 do referido artigo.
(…)
Nestes termos e nos demais de Direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em conformidade vir o acórdão recorrido a ser revogado, substituindo-se por outro, só assim se fazendo justiça!

Contra alegou a autora, tomando posição no sentido da inadmissibilidade da revista (questão da qual já se conheceu, conforme supra mencionado).


É a seguinte a factualidade dada como provada pelas instâncias:

1) No dia 27 de novembro de 2011 cerca das 1l:45h„ a Autora conduzia o seu motociclo de marca Yamaha, com a matrícula …-…- AR, na …, freguesia de …, concelho …, no sentido poente - nascente [artigo Io da petição inicial];
2) Ao aproximar-se do cruzamento com a Rua …, a Autora parou o seu veículo, dado o sinal luminoso de controlo de tráfego, vulgo semáforo, estar ligado com a cor vermelha e, enquanto aguardava pelo sinal verde a fim de prosseguir a sua marcha, inesperada e abruptamente, por trás, foi violentamente embatida pela viatura ligeira de passageiros que seguia na mesma direção e sentido, de marca Mercedes-Benz, com a matrícula … -… - AR, conduzida por CC, solteiro, nascido em 1 de Abril de 1998, residente na …., concelho de … [artigos 2° e 3o, ambos da petição inicial];
3) Nas descritas circunstâncias de tempo e lugar o tempo estava bom, o piso da rua estava seco e em boas condições de aderência, a rua estava totalmente desimpedida, pelo que a visibilidade era excelente, até porque se trata de uma rua em linha reta e nada impedia que o condutor do referido veículo se apercebesse que se aproximava do veículo da Autora, que este estava parado, e, bem assim, do sinal luminoso que se encontrava vermelho [artigo 4o da petição inicial];
4) A responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo automóvel encontrava-se transferida para a Ré mediante a apólice n° …, até aos limites fixados por Lei [artigo 5° da petição inicial];
5) A Ré declarou aceitar a totalidade da responsabilidade pelo acidente de viação, em razão do que aceitou suportar despesas com o tratamento da Autora, nomeadamente com medicamentos e intervenções cirúrgicas [artigos 8° e 15° da petição inicial];
6) Em consequência do acidente, e porque a Autora ficou ferida, foi chamada ao local a PSP, que tomou conta da ocorrência, levantou o competente auto e chamou ao local meios complementares de assistência, nomeadamente a ambulância, vulgo 112, que a transportou para o hospital de …, local onde foi assistida no serviço de urgência, no âmbito do que lhe foram ministrados e prescritos analgésicos para as dores que sentia e foi-lhe dada alta [artigos 18° e 19° da petição inicial];
7) Face à persistência e intensidade das dores na coluna e nas pernas, a Autora deslocou-se no dia seguinte ao escritório do mediador de seguros sito naquela cidade da …, a fim de informar e solicitar que dirigisse à Ré a necessidade de obter, com urgência, cuidados médicos em consequência do acidente, tendo sido disponibilizada uma consulta uns dias depois com o Sr. Dr. DD, especialista em cirurgia geral, indicado pelos serviços daquela [artigos 20°, 21° e 22° da petição inicial];
8) Através da consulta, e face a suspeita de traumatismo na coluna vertebral e na espinal medula, a Autora foi encaminhada para a consulta do Sr. Dr. EE, médico especialista em neurocirurgia, o que ocorreu passadas cerca de duas semanas, sendo que, após a realização de meios complementares de diagnóstico, nomeadamente RX, TAC e análises, foi-lhe diagnosticado, em 6 de janeiro de 2012: Traumatismo da coluna lombar que originou antero-litese de grau ll/lll em L5-S 1; e Parésia do membro inferior direito, por lesão do nervo ciático popliteu externo (lesão da raiz L5 direita) [artigos 23° e 24° da petição inicial];
9) Mais houve indicação da necessidade de submeter a Autora a intervenção cirúrgica urgente, o que ocorreu em 31 de janeiro de 2012, na clínica …, em …., pelos médicos Dr. EE, e pelo Sr. Dr. FF, cirurgião ortopedista, os quais procederam à fixação das vértebras L5-S 1 com quatro parafusos e duas placas e à remoção de hérnia discai L5 -S 1 [artigos 25° e 27° da petição inicial];
10) O traumatismo diagnosticado resultou do embate do veículo automóvel [sentido factual do artigo 26° da petição inicial];
11) Após a operação, a Autora foi seguida em diversas consultas pelo já identificado Sr. Dr. EE e foi submetida a tratamento de fisiatria e reabilitação pelo Sr. Dr. GG, médico fisiatra [artigos 28° e 29° da petição inicial];
12) Nesta sequência, a Autora não sentiu melhoras porque continuava a sofrer dores permanentes na coluna e nas pernas e incapacidade para se deslocar e mover, em razão do que, em 17 de maio de 2012, após consulta, o Sr. Dr. DD, em informação clínica dirigida ao Sr. Dr. FF, informa que a mesma "não tem tido melhoras significativas" e que em face de um RX e um T AC realizados em 4 de abril de 2012, "mostram... que os parafusos direitos estão ligeiramente inclinados para o centro ocupando parte do recesso direito", acrescentando ainda que "... continua a referir lombalgia com ciática direita intensa, não dispensando o uso de duas canadianas", terminando a informação interrogando o colega ortopedista se "Será caso para se ponderar reintervenção cirúrgica?" [artigos 30°, 31° e 32° da petição inicial];
13) Por seu lado, o Sr. Dr. EE, embora admita que a opinião final caberá ao ortopedista Sr. Dr. FF, não deixa de referir que" o parafusos- placa deve ser corrigido.", em informação clínica de 15 de janeiro de PO 13 [artigo 33° da petição iniciai];
14) A Autora veio a ser encaminhada para … em 3 de setembro de 2013, onde foi sujeita a nova intervenção cirúrgica no …. Hospital [artigo 34° da petição inicial];
15) Não obstante, e desde o acidente, a Autora continua ainda hoje com dores agudas e permanentes na coluna e nas pernas, bem como não consegue andar nem permanecer de pé [artigos 35°, 40° e 78° da petição inicial];
16) Em 19 de novembro de 2012, em nova consulta com o Sr. Dr. EE, este emite nova informação clínica, na qual refere, para além do mais, que A doente após alta tem necessidade dos cuidados de 3ª pessoa por total incapacidade ...” [artigo 36° da petição inicial];
17) Em 10 de janeiro de 2014, após nova consulta com o Sr. Dr. GG, este emitiu nova informação clínica referindo que a Autora " ... apresenta sequelas motoras do membro inferior direito com parésia/paralezia dos glútios, quadricipete, isquiotiblais e músculos distais da perna e pé ... " e que "... tem seguramente indicação para tratamento prolongado de medicina física e de reabilitação." [artigos 37° e 38° da petição inicial];
18) Em 19 de março de 2014, porque persistiam as dores agudas, permanentes e contínuas nas costas e pernas e porque permanecia incapaz de andar e dependente de terceira pessoa para realizar as atividades da vida diária, nomeadamente para realizar a sua higiene pessoal, vestir-se, andar, cuidar da casa e da alimentação, foi de novo enviada pela Ré a …, onde foi submetida, no hospital da …, a novo Estudo de Condução Sensitiva, o qual conclui que, por comparação com igual estudo realizado em outubro de 2013, que motivou a intervenção referida no ponto 14., "mantêm-se as alterações neurogeneas descritas e, surge de novo sinais de maior desnervacão no mioma L5 esquerdo (Presença de sinais de desnervação ativa que não se registava no exame anterior." [artigos 39° e 40° da petição inicial];
19) A Autora tem dificuldade em manter a posição ortostática, o que se afigura de modo definitivo [artigo 42° da petição inicial];
20) A Autora perdeu definitivamente a sua marcha autónoma, necessitando de ajudas técnicas, nomeadamente de duas muletas e apoio de cadeira de rodas [artigo 43° da petição inicial];
21) A Autora perdeu total e definitivamente a capacidade para trabalhar, nomeadamente para exercer a sua atividade profissional habitual, pelo que ficou com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual [artigo 44° da petição inicial];
22) A Autora tem necessidade definitiva de assistência de terceira pessoa para realizar as normais atividades da vida diária, como tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, calçar-se, tratar da lide e limpeza da sua residência, e cozinhar, entre outras, todos os dias do ano, o que passará pela contratação do correspondente serviço [artigos 45°, 62° e 63° da petição inicial];
23) À data do acidente e desde longa data, a Autora tinha como atividades profissionais a exploração de um estabelecimento de café e quiosque sito ao denominado …, freguesia de …, na cidade da …, atividade profissional da qual auferiu um rendimento ilíquido anual, no ano de 2010 de € 9.691,15 e no ano de 2011 de € 8.387,37 [artigo 52° da petição inicial, corrigido em função do valor declarado à Autoridade Tributária];
24) A Autora exercia igualmente a atividade profissional de pesca de mergulho aos polvos, dedicando-se a esta atividade, em média, três vezes por semana, e pescava uma média semanal de cerca de 20 kg. de polvo, que vendia diretamente aos seus clientes habituais, que os tinha, à razão de cerca de € 6,00/ kg. [artigo 54° da petição inicial];
25) A Autora nasceu em 18.02.1970 [artigo 56° da petição inicial];
26) A esperança média de vida do sexo feminino em Portugal é de 83,41 [artigo 57° da petição inicial];
27) A Autora padece de angústia e ansiedade permanentes, em resultado dos danos corporais sofridos e da situação de incapacidade motora permanente e definitiva, que são agravadas pela sua incapacidade de dar a devida e necessária assistência e cuidados ao filho menor, que o tem à sua exclusiva guarda, conforme decisão proferida em 1 de outubro de 2009 no processo de Regulação das Responsabilidades Parentais n° 445/09.0TMPDL [artigos 46° e 47° da petição inicial];
28) O dano estético permanente e definitivo sofrido pela Autora é fixável em 5 numa escala de 1 a 7 [artigo 77° da petição inicial];
29) Os tratamentos médicos e fisiátricos foram dolorosos, muito prolongados no tempo e sofridos [artigo 79° da petição inicial];
30) A frustração das expectativas de recuperação, que se não vieram a verificar, provocaram, para além da angústia e ansiedade referidas no ponto 27., revolta, e medo, sentimentos estes que se têm vindo a acentuar com o decurso do tempo [artigo 80° da petição inicial].

Apreciando:

1) Conforme supra referimos, a única questão de que cumpre conhecer tem a ver com a fixação do valor da indemnização destinada a suportar os encargos com terceira pessoa – valor esse que a 1ª instância fixou em € 350.000,00 e que a Relação (conhecendo das apelações de ambas as partes) aumentou para € 425.000,00.
Isto sendo ainda certo que nas respetivas apelações a autora pretendia que a indemnização fosse fixada em € 909.828,57 e a ré pretendia que fosse fixada em € 100.000,00.

2) Conforme se alcança do acórdão recorrido, a Relação fundamentou aquele valor de € 450.000,00 a que chegou nos seguintes termos:
“Trata-se, neste âmbito, de considerar a factualidade assente nos pontos 22. e 26 dos factos provados, para concluir que a Autora tem a necessidade definitiva, isto é, até ao resto da sua vida (à data do acidente tinha 41 anos), considerando a já mencionada esperança média de vida de 83,41 anos, de tal assistência para a realização das normais atividades da vida diária, como tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, calçar-se, tratar da lide e limpeza da sua residência, e cozinhar, entre outras, todos os dias do ano, o que passará pela contratação do correspondente serviço, em número de horas, correspondente, pelo menos ao horário normal de trabalho. Trata-se, como se referiu na sentença recorrida, de um verdadeiro dano emergente" que deve ser quantificado em função do valor estimado necessário a satisfazer economicamente tal serviço de assistência que, quer através de contrato de trabalho, quer de contrato de prestação de serviços.
Serviço de que, cabe sublinhar, a Autora necessitará todos os dias do ano, e não só aos dias úteis, pelo que deve ser considerada a totalidade dos dias do ano (365 ou 366 dias].
Importa considerar que tendo em atenção o previsível agravamento das limitações da Autora, quer em consequência da sua situação clínica, quer da imobilização, como ainda as inerentes à idade, os cuidados de que necessitará tenderão a ser cada vez maiores, mais especializados, e por isso, mais dispendiosos.
Tem ainda se ser ponderado o previsível aumento dos salários, principalmente ao nível do salário mínimo, pois que é nesse nível salarial que se encontram as pessoas que, sem específica formação, cuidam de pessoas que se encontram impossibilitadas de satisfazer as suas necessidades básicas.
Haverá que considerar outros fatores, como a circunstância de o montante ser pago/recebido de imediato (embora tendo por escopo a projeção no futuro), devendo considerar-se a taxa de juro e a taxa de inflação expectáveis.
Não se vê como considerar que a Autora possa suportar o custo de tal serviço em valor médio (de forma a ponderar o valor que será também necessário, em face do que se expôs) inferior a setecentos e cinquenta euros por mês, em nada relevando que a pessoa que o preste viva na sua casa, ou não, pois que mesmo vivendo em casa da Autora, a atual colaboradora aufere €560,00 mensais, sem contar com as contribuições sociais devidas, ou seguro de acidentes de trabalho.
Tendo em atenção que desde a data do acidente até ao momento em que a Autora atingirá a idade correspondente à esperança média de vida, decorreram e decorrerão cerca de quarenta e dois anos, só multiplicando o valor de setecentos e cinquenta euros por catorze meses, atinge-se o montante anual de €10.500,00, que multiplicado por quarenta e dois anos, atinge o valor de €441.000,00.
E estamos a considerar valores médios mínimos, pois que se tal serviço não for prestado por pessoa amiga da Autora, tendencialmente será mais caro, e se o tiver de ser por empresas especializadas, tenderá a ser mais ainda.
Não se vislumbra, pois, que cálculos fez a Ré/Recorrente para considerar que o valor não deve ser superior a €100.000,00.
Mas perante os cálculos acabados de efetuar, também se afigura exagerado o valor peticionado pela Autora. Basta pensar que a pessoa que neste momento presta tal serviço, vive em sua casa, e que por isso estará disponível para em qualquer momento, apoiar a Autora, sem necessidade de qualquer acréscimo, não se prevendo que deixe de estar disponível para o fazer.
Concedendo-se que, neste ponto, a decisão recorrida peca por defeito, não se descortinando como pode o valor a entregar à Autora para reparação do dano em apreço, ser fixado em valor inferior a €425.000,00, tendo em conta a taxa de inflação expectável e mesmo tendo em conta o desconto relativo ao recebimento antecipado, afigura-se que é esse o valor justo e adequado para indemnizar o dano em causa”.

Em suma, a Relação considerou que a autora necessitará do auxílio de uma terceira pessoa, durante um horário normal de trabalho e durante todos os dias do ano, durante 42 anos (expetativa de vida da autora) e que o pagamento de tais serviços não custará menos de € 750,00 mensais (14 meses/ano).
É contra tal entendimento que se manifesta a ré recorrente (a qual, não obstante, nem sequer questiona a existência de fundamento para a atribuição de uma indemnização destinada suportar os encargos com terceira pessoa).

3) Insurgindo-se contra o entendimento e decisão da Relação, começa a ré recorrente por dizer que o valor da indemnização se deve basear no valor do salário mínimo regional (…) à data do acidente, de € 509,25 mensais, que não no valor de € 750,00 mensais em que a Relação se baseou, uma vez nada foi alegado e provado no sentido da necessidade do recurso a uma empresa especializada (com serviço tendencialmente mais caro) e que a necessidade de prestação do serviço apoio se deve reduzir a 4 horas diárias.

É certo que, especificamente, nada foi dado como provado nos autos relativamente à necessidade de a autora se socorrer de uma empresa especializada ou relativamente ao número de horas necessárias à prestação do serviço de apoio à autora recorrida.
Todavia o certo é que os factos dados como provados apontam claramente no sentido de esta necessitar do apoio de um terceira pessoa durante todos os dias do ano e durante, pelo menos, um horário normal de trabalho (8 horas diárias), conforme bem se considerou no acórdão recorrido.

Isto, tendo-se em conta a factualidade dada como provada sob os nºs 19 a 22, a saber:
A Autora tem dificuldade em manter a posição ortostática, o que se afigura de modo definitivo, perdeu definitivamente a sua marcha autónoma, necessitando de ajudas técnicas, nomeadamente de duas muletas e apoio de cadeira de rodas, perdeu total e definitivamente a capacidade para trabalhar, nomeadamente para exercer a sua atividade profissional habitual, pelo que ficou com incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual e tem necessidade definitiva de assistência de terceira pessoa para realizar as normais atividades da vida diária, como tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, calçar-se, tratar da lide e limpeza da sua residência, e cozinhar, entre outras, todos os dias do ano, o que passará pela contratação do correspondente serviço.
Perante tais factos é manifestamente infundada a pretensão da ré recorrente de ver limitado a meio horário (4 horas diárias) o serviço de apoio à autora.
Pelo contrário, o que resulta de tais factos é que a necessidade de apoio se deve estender não só a um horário normal (de 8 horas diárias) como ainda a todos os dias da semana, sem descanso, inclusive fins de semana e feriados – ou seja, bem para além de um horário normal de 40 horas semanais – razão pela qual a autora tem que se socorrer do serviço de duas pessoas ou tem de pagar horas extraordinárias.
Isto, sem deixar de se ter em consideração que, conforme bem salienta a Relação, com o passar dos anos, as limitações da autora tenderão naturalmente a ser cada vez maiores, necessitando esta de cuidados cada vez maiores, mais especializados, e por isso, mais dispendiosos.

Assim, e sem deixar de se olvidar a necessidade de a autora dever proceder ao pagamento de contribuições e de seguro de acidentes de trabalho, é manifesto que o cálculo do valor da indemnização em causa na revista não se pode limitar ao valor do salário mínimo regional em vigor em 2011, à data do acidente (€ 509,25), que com o decorrer dos anos irá aumentando sempre.
Basta verificar que sendo este o montante para 2011, o salário mínimo regional (Açores) em vigor neste ano de 2019 já se situa nos € 630,00 (5% superior ao salário mínimo em Portugal continental, nos temos do artigo 3º do Decreto Legislativo Regional nº 8/2015/A de 30 de Março de 2015).
Ou seja, só em 8 anos já aumentou € 120,75 (23,71%).
Ademais, conforme é do conhecimento público, o novo Governo da República, recentemente investido em funções até tem projetado até ao final da legislatura (2023) o aumento do salário mínimo nacional para € 750,00 – o que implicará que o salário mínimo regional dos … passe (+5%) para € 787,50.

Em face do que se acaba de expor, afigura-se-nos como não sendo minimamente exagerado o valor de um vencimento mensal de € 750,00, em que a Relação se baseou - valor este que, pelo contrário, em termos de média, atento o período temporal em questão, apenas poderá pecar pro defeito.

4) Diz ainda a ré recorrente que a terceira pessoa que foi contratada para auxiliar a autora se mudou para a casa desta com as três filhas, de onde resultará que os encargos com a pessoa que a auxilia serão necessariamente menores já que tal pessoa não suportará qualquer despesa própria – razão pela qual se não justifica o valor de € 750,00 supra referido.
Todavia, também aqui sem razão.

Desde logo porque da factualidade dada como provada nos autos (e é nessa que nos teremos de basear) nada resulta nesse sentido.
E por outro lado porque, a verificar-se tal situação factual, para além de se tratar naturalmente de uma solução transitória (atento o tempo de expetativa de vida da autora) não se poderá deixar de ter em consideração que o sustento da auxiliar e das filhas também implicará, natural e necessariamente, um assinalável aumento das despesas da autora, aumento esse que nada nos garante seja inferior à diferença entre o valor do salário mínimo regional e aquele valor de € 750,00.

5) Defende também a ré recorrente que o cálculo da indemnização deve ser feito na base de 12 mensalidades/ano que não em 14, conforme se considerou no acórdão recorrido, uma vez que não se sabe se a assistência será prestada por contratação laboral, prestação de serviços ou ajuda familiar.
Mas sem razão, na medida em que não só não se provou que a autora poderia contar com ajuda familiar não remunerada (prova essa que sempre competiria à recorrente) como ainda se provou especificamente (nº 22 dos factos provados) que “a autora tem necessidade definitiva de assistência de terceira pessoa para realizar as normais atividades da vida diária, como tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, calçar-se, tratar da lide e limpeza da sua residência, e cozinhar, entre outras, todos os dias do ano, o que passará pela contratação do correspondente serviço” - de onde resulta mostrar-se provada a necessidade de contratação de terceira pessoa ou entidade.
Assim e porque, conforme supra referimos, a necessidade de apoio se deve estender não só a um horário normal (de 8 horas diárias) como ainda a todos os dias da semana, sem descanso, inclusive fins de semana e feriados – ou seja, bem para além de um horário normal de 40 horas semanais – é manifesto que a mera contratação da prestação de serviços não só não será de todo a mais adequada, como sempre acabará por ser mais dispendiosa, em relação à contratação laboral.

6) Conforme supra referido, a Relação considerou que tendo-se por base o supra referido valor de € 750,00 mensais, o pagamento em 14 meses/ano e a expetativa de vida da autora (42 anos), esta iria receber € 441,000,00 (€ 750,00 x 14 meses/ano x 42 anos de expetativa de vida) – valor este que reduziu para € 425.00,00 “tendo em conta a taxa de inflação expectável e mesmo tendo em conta o desconto relativo ao recebimento antecipado”redução esta equivalente a 3,63%.
Ora, para além de não concordar com tais valores (mas sem razão, nos termos supra expostos) a ré recorrente defende que aceitar-se aquele valor de € 441.000,00 o mesmo deve ser reduzido - em conformidade com tabela matemática que apresenta, baseada numa taxa anula de juros de 1,5% - para € 235,974,36.

Estão em causa danos futuros cujo valor exato não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias – razão pela qual tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos que foram dados como provados – nos termos do disposto no nº 3 do artigo 566º do C. Civil, que não através de tabelas matemáticas, cuja utilização apenas pode ter lugar como mero auxiliar (neste sentido vide, entre outos, os acórdãos do STJ de 14.12.2016 – proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1, de 30.03.2017- proc. nº 2233/10.2TBFLG.P1.S1 e de 20.05.2018 – proc. nº 7952/09.3TBVNG.P1.S1, todos in www.dgsi.pt).
E, para além disso, conforme tem vindo a ser aceite pacificamente na jurisprudência, relativamente aos danos futuros, o recebimento antecipado do capital, referente à respetiva indemnização (que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível), justifica uma dedução baseada na equidade, e tendo por referência os possíveis ganhos resultantes da aplicação financeira do capital antecipadamente recebido (taxa de capitalização) – na medida em que, colocando o capital a render, o beneficiário sempre receberá os correspondentes juros ou rendimentos remuneratórios.
Nesse sentido, vide acórdão do STJ de 30.03.2017, já supra mencionado:
“I. o cálculo da indemnização do dano futuro…, podendo embora aproveitar a aplicação de fórmulas matemáticas, é determinado pelo critério da equidade.
II. Tal indemnização deve corresponder à obtenção de um rendimento a prolongar durante o tempo de vida expetável, considerando especialmente a retribuição que, razoavelmente, é possível prever, o grau e a repercussão da incapacidade, uma aplicação financeira média e ainda a antecipação da disponibilidade de todo o capital.
No mesmo sentido, vide acórdão do STJ de 19.04.2018 (proc. nº 196/11.6TCGMR.G2.S1, in Sumários Cíveis dos Acórdãos do STJ), onde se considerou (sumario):
“Em conformidade com a jurisprudência consolidada na matéria, os valores obtidos através da aplicação de auxiliares matemáticos fornecem apenas uma orientação com o objetivo de uniformização de soluções para casos idênticos ou de contornos semelhantes, sem prejuízo da indemnização dever ser sempre ajustada ao caso concreto, recorrendo o julgador, para alcançar esse desiderato, à equidade”.

Todavia, conforme igualmente bem se salienta naquele aresto de 30.03.2017, “a antecipação da disponibilidade do capital justifica uma redução deste, embora de forma mais moderada, por efeito das taxas de juros mais baixas.”
Na verdade, conforme é público e notório, no âmbito das aplicações financeiras, as taxas de rendimento têm vindo a baixar constantemente para níveis quase negativos, desconhecendo-se em absoluto qual a sua evolução, particularmente ao longo dos anos de expetativa de vida da autora.
Isto para já não falar das situações de perda total ou parcial das aplicações financeiras, que a história recente bem demonstra.

Conforme se salienta nos acórdãos do STJ de 25.11.2009 (proc. nº 397/03.0GEBNV.S1) e de 15.03.2018 (proc. nº 4084/07.2TBVFX.L1.S1), ambos in www.dgsi.pt, a jurisprudência tem situado essa dedução, com recurso à equidade, entre os 10% e os 33%.
No caso dos autos, para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período que, conforme supra referimos, até é expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação (cujo aumento está naturalmente fora do âmbito da revista).
Ora, perante tais elementos e com recurso à equidade, afigura-se-nos como correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução situada à volta dos 10% - sendo pois, a nosso ver, manifestamente exígua a redução de 3,63% operada pela Relação.

Assim - e tendo-se por referência o valor de € 441,000,00 (€ 750,00 x 14 meses/ano x 42 anos de expetativa de vida) a que a Relação chegou e que, pelo que supra se expôs, não nos merece censura – o valor da indemnização em causa na revista (encargos com terceira pessoa) deve ser fixado em € 400.000,00.

Procedem assim apenas parcialmente as conclusões da recorrente.
Em síntese:
I. Estando em causa danos futuros (despesas a suportar com a assistência de terceira pessoa durante 42 anos) cujo valor exato não é passível de fixação, atentas as especificidades e vicissitudes que lhe são próprias, tal valor só pode ser fixado com recurso à equidade e dentro dos limites objetivos que foram dados como provados – nos termos do disposto no nº 3 do artigo 566º do C. Civil, que não através de tabelas matemáticas, cuja utilização apenas pode ter lugar como mero auxiliar
II. Para além da imprevisibilidade da variação da taxa de rentabilidade, atento o período temporal a considerar (42 anos), há que ter em conta o expectável aumento das despesas a suportar nesse período, sendo expectável que vá, e a breve trecho, além dos € 750,00 mensais que foram considerados pela Relação.
III. Perante tais elementos, e com recurso à equidade, afigura-se correto e ajustado dever proceder-se a uma dedução, para compensar o recebimento antecipado do capital, situada à volta dos 10%.


Termos em que, concedendo-se parcialmente a revista, se acorda em revogar parcialmente o acórdão recorrido, alterando-se de € 425.000,00 (quatrocentos e vinte e cinco mil euros) para € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) o valor da indemnização relativa aos encargos com terceira pessoa.

Custas pela recorrente e pela recorrida na proporção de vencido.

Lisboa, 12 de Novembro de 2019



Acácio das Neves


Fernando Samões



Maria João Vaz Tomé