Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3728/07.0TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
MATÉRIA DE FACTO
FACTOS CONCLUSIVOS
MATÉRIA DE DIREITO
DIREITO AO BOM NOME
DIREITO À HONRA
OFENSA DO CRÉDITO OU DO BOM NOME
LIBERDADE DE IMPRENSA
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
CONFLITO DE DIREITOS
FIGURA PÚBLICA
INTERESSE PÚBLICO
DIREITO À INFORMAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ PESSOAS SINGULARES/ DIREITOS DA PERSONALIDADE/ EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 407/408.
- Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 436.
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada.
- Jónatas Machado, Liberdade de Expressão, Coimbra Editora, página 266.
- Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anotada, Título 1º, página 434.
- Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, página 266, 274.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 70.º, 335.º, 483.º, 484.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 511.º, 664.º, N.º4, 722.º, 729.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 18.º, 26.º, 37.º N.ºS 1 E 3, 38.º, N.ºS 1 E 2.
LEI DE IMPRENSA 2/99, DE 13 DE JANEIRO, ALTERADA PELA LEI 18/2003, DE 11 DE JUNHO.
LEI DA TELEVISÃO: - ARTIGOS 23.º, 24.º.
Referências Internacionais: CEDH: - ARTIGOS 8.º, 10.º
DUDH: - ARTIGOS 6.º, 12.º, 15.º, 19.º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/09/2000, IN CJ/STJ, 2000, 3º, 42;
-DE 17/10/2000, IN CJ, 2000, 3º, 78;
-DE 18/10/2005, IN CJ/STJ, 2000, 3º, 78;
-DE 14/01/2010, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 27/01/2010, IN WWW.DGSI.PT.
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 128/92.
Sumário :

I - Ao STJ, nos poderes de apreciação da matéria de facto a que aludem os arts. 729.º e 722.º do CPC, não está vedada a apreciação sobre se determinada matéria que consta nos factos provados deve ser considerada não escrita, por constituir mera conclusão ou encerrar em si o “thema decidendum”.

II - Factos, para os efeitos do art. 511.º do CPC, são não só as situações da via real mas também o estado, a qualidade ou a situação real das pessoais ou das coisas.

III - Não contém matéria conclusiva a afirmação de que “o réu visou apenas criticar o percurso político e público do autor”.

IV - O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em não ser ofendido na sua honra ou consideração social, mediante a imputação feita por outrem, mas também o direito a defender-se dessa ofensa e obter a competente reparação.

V - A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão dos jornalistas, ou seja, o direito de informação sem impedimentos, discriminações ou limitações por qualquer tipo de censura.

VI - O conflito de direitos pode conduzir à sua concordância (direitos constitucionalmente garantidos) ou à prevalência do que seja superior – arts. 18.º da CRP e 335.º do CC, respectivamente.

VII - O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar.

VIII - Referindo-se a pessoa que exerça cargos públicos, descrevendo, ainda que em tom irónico e crítico, o seu percurso político e público – a actuação no âmbito do funcionamento de algumas Universidades privadas (em que foi conferido grau de licenciatura ao então Primeiro-Ministro, das relações do visado) e o percurso partidário, em que foi nomeado Ministro (cargo de que foi demitido) e administrador de instituição bancária – sem qualquer referência à vida íntima da mesma, a(s) notícia(s) e opiniões do réu – comentarista político e um dos mais importantes “opinion makers” portugueses – inserem-se no âmbito de um “relevante interesse público” que se sobrepõe ao direito à honra e ao bom nome referido em IV.

IX - O exercício legítimo do direito de liberdade de expressão e informação através da imprensa, nos moldes referidos em VII, é lícito e, como tal, insusceptível de desencadear responsabilidade civil, em que se funda a obrigação de indemnizar nos termos gerais dos arts. 483.º e 484.º do CC.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1

Nesta acção declarativa de condenação, com a forma de processo ordinário, que AA intentou contra BB, o autor vem pedir que o réu seja condenado pagar-lhe a quantia de 250.000 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais que lhe causou, acrescidos de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, que o réu, no dia 10/04/2007, no seu habitual comentário semanal na estação de televisão TVI, produziu afirmações de teor manifestamente ofensivo do bom-nome e reputação do autor, com o conteúdo integral que reproduz, designadamente:“(…) eu devo dizer, isto é uma apreciação pessoal, que, quando entra em cena AA, fico logo desconfiado por princípio, porque há muitas coisas no passado político de AA de que eu sou altamente crítico (…)”.

O autor descreve toda a actividade que desempenhou, designadamente as funções e cargos políticos que ocupou no âmbito do Partido Socialista, até ao ano de 2000 em que deixou de exercer funções no Governo, acrescentando que, em 2001, deixou de exercer funções de deputado, bem como funções executivas nos órgãos do Partido Socialista.

O autor, desiludido com a forma como foram tratados diversos factos ocorridos no exercício de funções governativas (de conhecimento geral), resolveu deixar de exercer qualquer função política e regressar à sua actividade na Banca, de onde saíra para desempenhar funções políticas. E fê-lo, para poder recuperar a tranquilidade de vida que pôs em segundo lugar, durante cerca de vinte anos de exercício de funções públicas, durante os quais aceitou que o exercício de tais funções lhe impunham uma menor reserva da vida privada e para preservar o equilíbrio da sua família, no essencial, dos três filhos, o qual foi afectado pelo afastamento, por força da própria actividade mas também de forma brutal pelos violentos ataques que lhe foram desferidos na parte final da sua acção governativa.

Em 2001 retomou funções na “Caixa Geral de Depósitos”, onde havia iniciado funções no Balcão de Mogadouro, em 1983.

Regressou à CGD para exercer funções de director adjunto e manteve percurso ascendente até chegar a exercer funções de Vogal do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, tendo, ainda, outros cargos de Administração que descreve.

Concluiu a licenciatura em Relações Internacionais e uma pós-graduação em Gestão Empresarial, acrescentando que é reconhecido hoje o seu mérito pelas funções que ocupa.

O réu, por seu turno, é um conhecido comentarista político e um dos mais importantes “opinion makers” nacionais, exercendo a sua actividade nos diversos meios de comunicação social: televisivo, radiofónico e escrito, com particular destaque para o comentário semanal à terça-feira, no jornal das 20 horas, na TVI e para a crónica semanal no jornal “Expresso”. O primeiro visto pela maioria da população portuguesa, o segundo com a maior tiragem nacional e lido pelas classes média e alta, ou seja por aqueles que formam a opinião pública.

O réu tem perfeito domínio do uso das palavras nos meios de comunicação social e consciência do impacto do que é dito, quer da leitura que é feita pelos seus destinatários.

Além disso é licenciado em direito e exerceu advocacia.

Como é do domínio público foram levantadas sucessivas dúvidas relativamente à licenciatura do (então) Primeiro-Ministro CC: se tinha frequentado as aulas do respectivo curso, se teria realizado os exames necessários à conclusão da licenciatura, se teria realizado o trabalho de fim de curso exigido para a obtenção de licenciatura, especulando-se se teria havido tratamento de favor e a respectiva associação a DD que, por seu turno, associaram ao autor.

E foi neste contexto que o réu foi chamado a comentar o assunto no jornal noticioso da TVI do dia 10/04/2007, apresentado pelos pivots EE e FF e pela editora política da estação, GG, e pelo comentador político BB. E foi no decurso do trecho transcrito pelo autor que o réu proferiu o referido comentário.

No dia seguinte, o então Primeiro-Ministro daria uma entrevista televisiva onde deu explicações sobre o assunto.

Foi após estas observações de dúvida sobre a honestidade e seriedade do comportamento do então Primeiro-Ministro na obtenção do grau académico de licenciado em Engenharia Civil que poderia, inclusivamente, ter passado por ter utilizado para o efeito não só a influência política de ser membro do governo, mas o próprio aparelho de Estado, que o réu BB fez o seu comentário.

O que o réu fez, foi, a propósito da análise do caso, de forma deliberada e pensada, aproveitar para proferir um violento ataque ao carácter do autor AA, de quem não gosta assumidamente.

O réu tem perfeita consciência da leitura que as suas palavras suscitam, como teve claramente o tempo e o discernimento para ponderar o que ia dizer e em que circunstância o ia fazer. Não obstante tratar-se de uma intervenção em directo, o réu BB sabia que ia falar sobre o assunto e fê-lo a seguir à intervenção de GG sobre a mesma matéria e consciente do quadro que esta traçara. Ou seja, sabia que o que dissesse seria lido em conjugação com o ambiente relativo ao assunto e com o que GG e os “pivots” tinham acabado de proferir.

E o mesmo utiliza para o efeito uma técnica de sustentação da sua tese, partindo do argumento menor para o maior, do menos impressivo para o mais impressivo, como ilustra no articulado, fazendo com que o fundamento maior da suspeita sobre o comportamento de CC seja o facto de a ele se associar o nome do autor AA.

Sabia e queria que fosse lançada suspeita sobre a honorabilidade pessoal do autor. Sabia e queria que as suas palavras não podiam deixar de ser interpretadas, no sentido de que o autor AA não é uma pessoa séria e honesta e, por isso, como ele está metido no assunto, houve seguramente desonestidade.

Ao proferir tal frase não está a criticar nenhuma medida política por ele tomada mas a lançar a suspeita sobre o comportamento pessoal do autor e a licitude e sobre a honestidade de actos que acrescenta à dita frase (“porque há coisas no passado político de AA de que eu sou altamente crítico”). O que o réu BB faz, é, a coberto de uma pretensa e formal crítica política (democraticamente lícita), adensar a suspeita sobre a honestidade do autor, porque o que o réu efectivamente quer dizer é que é altamente crítico da actuação pessoal (não política ou das medidas políticas) do autor, enquanto este foi membro do Governo.

O réu sabia que, quem o estava a ouvir, o que apreendia era que para ele o autor teve um comportamento, do ponto de vista da licitude e da honestidade da sua actuação, enquanto governante, que lhe merece muitas críticas.

E quis implicar o autor numa história que, segundo ele, tem contornos pouco claros e associá-lo à dúvida e suspeição que já recaíam, na sua perspectiva, sobre a conduta do então Primeiro-Ministro e de DD, sem o concretizar em factos, mas ficando-se pelas meras imputações e limitando-se a lançar suspeita sobre a honradez, honestidade de carácter e integridade do autor, o que exponencia os danos provocados no património de bom-nome e prestígio deste.

Naquele dia, o Jornal Nacional da TVI obteve 25,2% de “share”, sendo o segundo noticiário mais visto, no período de horário nobre, durante o qual a maioria das pessoas vê televisão.

Acresce a crónica que o réu escreveu no jornal “Expresso”, e junta aos autos.

Em consequência, o autor sentiu-se vexado, magoado e ofendido com as expressões do réu e pelo ataque ao seu carácter pessoal, através de insinuações ou suspeitas, sendo que o autor não exerce funções políticas há mais de seis anos.

Foi confrontado com a solidariedade de muitas pessoas, amigos e anónimos que consideraram intoleráveis as afirmações do réu.

Sentiu-se angustiado e furioso só de pensar que alguém podia pôr em causa a sua honradez, sem que se pudesse sequer defender.

Sentiu-se triste por ver que os seus filhos sofreram por verem o nome do pai envolto em suspeitas de prática de actos desonrosos e erigido pelo réu, pessoa de crédito na sociedade, a uma das pessoas mais desonestas da praça.

Sentiu-se agastado pelo facto do seu nome estar a ser conspurcado e, por essa via, desvalorizado no mundo empresarial.

Sentiu-se humilhado pelo facto de poder ter que explicar, justificar ou corrigir o que quer que fosse quanto à sua honorabilidade ou honestidade de procedimentos.

Ficou sujeito ao mexerico, anedota soez, e intriga, o que afecta a sua credibilidade empresarial nas funções que desempenha de grande exigência e responsabilidade.

O réu agiu com dolo directo e com elevado grau de ilicitude, atentas as funções que ocupa e inerente responsabilidade, grau de instrução e capacidade económica.

Contestando, o réu impugnou directamente os factos, traçando, depois, o seu perfil académico, politico, literário e profissional.

Mais referiu que o autor foi demitido do cargo de Ministro da Juventude e do Desporto na sequência da criação da Fundação para Prevenção e Segurança, por noticiadas pressões do então Presidente HH.

Depois da sua demissão de Ministro, voltou a trabalhar na empresa pública, “Caixa Geral de Depósitos”, tendo, em 2005, voltado a exercer funções públicas, ao aceitar ser vogal do Conselho de Administração dessa mesma empresa, sendo certo que aceitou, pelo menos, o cargo de coordenador do P.S. das autárquicas de Dezembro de 2001 e foi candidato à assembleia municipal de Vinhais, isto, para além da sua militância no Partido Socialista.

É o exercício de uma função pública que expõe o autor à vida pública, não nutrindo o réu qualquer ódio pessoal por aquele.

Os comentários do réu, no referido serviço noticioso, surgiram enquadrados no âmbito de uma forte polémica pública sobre a licenciatura, habilitações e mesmo estabelecimento de ensino (Universidade Independente) do Primeiro-Ministro na altura, sendo que tais investigações se teriam iniciado por órgãos de informação como o “Público”, “Crime” e “Correio da Manhã”.

A associação do autor com tal polémica surgiu em diversos órgãos de informação e na sociedade civil em geral, ou por se ter licenciado na Universidade Independente, ou por o então novo reitor daquela universidade ter trabalhado na “Caixa Geral de Depósitos” ou por o próprio autor ter vindo a nomear DD, professor do Engenheiro CC na Universidade Independente, para centralizar as adjudicações e empreitadas do Ministério da Administração Interna.

Ao proferir as palavras, que o autor considera ofensivas da sua honra e consideração, o réu não relatou qualquer facto relativamente ao autor. Limitou-se a dar uma opinião, que é o que faz muitas vezes na sua actividade de comentador e como tal é entendido pelas pessoas que o vêem. O réu não exprime, nem tão pouco apresenta, verdades indiscutíveis ou factos, mas análises raciocínios e opiniões.

Neste caso concreto, inclusive, sublinhou que era uma apreciação pessoal, por isso limitou o seu comentário a uma opinião, como opinião pessoal e única dele.

E nesta frase, expressou, para além de uma opinião – ser altamente crítico – uma motivação: o facto de que havia coisas no passado político do autor de que ele, réu, era crítico.

Mas um facto relativo a ele réu (o facto de ser, ou ter sido, crítico de medidas políticas e públicas passadas do autor).

Com efeito, o réu já expressou variadíssimas vezes as suas críticas à vida política e pública do autor, emitindo juízos de valor, através de comentários verbais ou de imprensa escrita. Designadamente, em 2000 escreveu sobre a Fundação para a Prevenção e para a Prevenção e Segurança; em 2001 escreveu sobre o processo AA e o Presidente da Câmara de Ourique; em 2005 o artigo de opinião e crítica do réu no “Público”, quanto à nomeação do autor para a CGD; em 2006, no jornal “A Bola”, quanto à “Caixa Futebol Campos” e sobre a “Portugal Global”.

O réu nunca, em nenhuma das suas críticas passadas, emitiu juízos ou usou expressões relativas à sua pessoa, isto é, à dignidade humana reconhecida em cada membro da espécie.

As críticas passadas do réu ao autor versaram sempre sobre aspectos públicos da sua vida tais como chegar a ministro por mero percurso partidário, estar ligado à criação da “Portugal Global” para gerir empresas de comunicações, estar ligado a uma fundação que foi polémica em Portugal, ser demitido, ser alvo de um processo por um presidente de Câmara por afirmações públicas por si proferidas, ser nomeado para administrador da “Caixa Geral de Depósitos”, ter enquanto administrador da “Caixa Geral de Depósitos” concedido crédito ao Sport Lisboa e Benfica.

Assim, o que o público televisivo, no dia 10/04/2007, entendeu, é que o réu reprova a forma como o autor esteve na política (decisões, opções, comportamentos da vida política e pública do autor, enquanto Secretário de Estado, Ministro e militante do PS e Administrador da “Caixa Geral de Depósitos” e já escreveu ou disse, comentou ou criticou essa particular faceta passada do autor, críticas essas que este conhece e nunca considerou ofensivas até porque, como ele próprio reconhece, as pessoas públicas estão expostas à crítica.

O réu limitou-se a sintetizar esse facto (de ser crítico do autor) através da emissão de uma opinião.

O réu intervém em directo no Jornal da TVI, em que lhe são solicitadas intervenções espontâneas e não tomadas de posição reflectidas, distanciadas ou sequer fundamentadas.

A própria peça demonstra a instantaneidade do discurso e a pouca reflexão.

O réu é crítico do autor, mas do seu passado político. A intervenção do réu deve ser contextualizada: quem fala em dúvidas, mais dúvidas e mais dúvidas é a “pivot”.

O réu, na sequência das inúmeras ligações amplamente noticiadas por imprensa anterior e publicamente comentadas por milhares de portugueses e, na sequência da intervenção de GG, limitou-se a dizer que, se há politico que lhe merece críticas em algumas coisas do seu passado político, é o autor.

A imputação de ligações entre o Ex-Primeiro-Ministro, DD e o autor fora introduzida na peça anterior com GG. Tudo o mais que o autor afirma são meras suposições ou extrapolações.

O réu exerce naquele programa da TVI o que se chama liberdade de expressão em sentido estrito: direito a manifestar livremente as próprias ideias e opiniões e não a liberdade de informação.

As suas críticas são sobre a esfera pública do autor e conhecidas do público em geral.

Por outro lado, o protagonista dos comentários do réu naquele dia foi um só: o então Primeiro-Ministro, CC. Sobre o autor, (tal como sobre DD), foram meramente circunstanciais, acessórios, detalhes não essenciais na notícia do dia: a Licenciatura do Ex-Primeiro-Ministro. O facto do nome do autor ter ligação à Universidade Independente, introduzido na peça anterior por GG, mereceu um apontamento menor, uma espécie de parêntesis introduzido no comentário à notícia do dia e por isso expresso numa opinião sintética do réu sobre o autor.

O autor tem sofrido vários ataques do público e da imprensa enquanto político e profissional que descreve. Todos os casos descritos deram origem a comentários da população e da imprensa em geral.

Assim, refere o réu que, em 10/04/2007, o autor não gozava nem de credibilidade, nem de prestígio, nem tinha um bom-nome e reputação enquanto político e profissional entre a opinião pública informada e até no seu próprio partido.

O réu não emitiu uma crítica mas uma opinião, a de ser altamente crítico quanto ao passado político do autor, referindo que era uma apreciação pessoal por reprovação de coisas do passado político do autor e exercia um direito fundamental de liberdade de expressão.

Insurge-se ainda o réu quanto à existência de nexo de causalidade (como causalidade adequada), quanto ao dano e falta de culpa no que se refere à intenção de atingir o autor na sua dignidade pessoal.

Pede ainda em reconvenção que o autor seja condenado a pagar-lhe uma indemnização decorrente da intromissão ilícita na autodeterminação do réu, quando o autor fez um telefonema intimidatório à chefia do órgão de informação em causa e pede, ainda, que o autor seja condenado como litigante de má-fé.

O autor replicou, designadamente, quanto à inadmissibilidade da reconvenção e contestou o pedido de litigância de má-fé, protestando ainda pela falta de junção de documentos a que o réu alude no seu articulado e pedindo a continuação dos termos da acção que deve ser julgada procedente.

O réu treplicou, defendendo a admissibilidade da reconvenção e invocando o excesso da réplica.

O autor quadruplicou, pronunciando-se pela inexistência de excesso de tréplica quanto aos factos referidos.

No despacho saneador, foi rejeitado o pedido reconvencional, tendo esta decisão transitado em julgado. Foi seleccionada a matéria de facto assente e elaborada base instrutória, que mereceram reclamações, parcialmente atendidas (vide fls. 271 a 272).

Autor e réu apresentaram articulados supervenientes, sendo admitidos e articulados, quanto a eles, factos assentes e artigos da base instrutória por despacho de fls. 546 a 552.

Realizada a audiência de julgamento, foi fixada a matéria de facto dada como provada e proferida, seguidamente, a sentença, tendo a acção sido julgada improcedente por não provada e, consequentemente, absolvido o réu do pedido contra si formulado pelo autor.

Inconformado, apelou o autor, tendo a Relação de Lisboa confirmado, por acórdão de 25/10/2011, a decisão recorrida.

De novo inconformado, recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

1ª - O recurso tem por objecto a decisão que julgou totalmente improcedente o recurso de apelação e a presente acção, absolvendo o réu de pagar ao autor qualquer indemnização por danos não patrimoniais, visando-se a respectiva anulação e substituição por um acórdão que condene o recorrido no pagamento ao recorrente de uma indemnização por danos não patrimoniais.

2ª - A afirmação, aditada aos factos assentes pela decisão revidenda sob a alínea OOO) – “O réu apenas pretendia criticar o percurso político do autor” - mais não é do que uma afirmação conclusiva e que encerra em si mesma o thema decidendum, pelo que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 664º do C.P.C, deverá a afirmação aditada pelo Tribunal da Relação de Lisboa sob a referida alínea ser julgada não escrita e consequentemente, retirada do elenco da matéria julgada provada, o que expressamente se requer.

3ª - O facto de ter sido amplamente criticado, não determina que o autor tenha, simplesmente, perdido o direito ao seu bom-nome e que não goze da protecção devida a esses bens jurídicos, inalienáveis, da personalidade e da dignidade humana, ao contrário do que pensa o recorrido, como confessa na alínea S) da fundamentação de facto da decisão: “Eu sei que o Código Civil diz que todos têm direito ao bom nome. Mas eu cá por mim continuo a acreditar noutros valores; o bom nome, para mim, não se presume, não se apregoa, não se compra, nem se fabrica em série - ou se tem ou não se tem” e que se torne legítima a injúria e difamação mediante a sua associação a factos nos quais não teve, nem foi tampouco mencionada nem alegada, muito menos provada, a sua intervenção.

4ª - O recorrido não visou o bom nome do recorrente, enquanto político, pois não está em causa a opinião sobre a actuação política do recorrente, mas sim a associação, deliberada, do recorrente a um facto em que se levantavam suspeitas de fraude e aproveitamento de cargos governativos (a licenciatura do Primeiro-Ministro), com base num facto falso, não demonstrado e indemonstrável (a de que o recorrente estaria envolvido nesse processo), como factor legitimador da suspeita. Na decisão confundem-se consequências políticas de um acto, com responsabilidade política. Foi julgado provado (alíneas DD, EE, FF e GG) que o recorrido sabia e quis que os espectadores da TVI concluíssem, como fizeram, das suas palavras que (i) o processo da licenciatura de CC é tudo menos claro, estando envolvido numa fundamentada suspeita de favorecimento pelo facto de ele ser membro do Governo; (ii) o recorrente teve intervenção directa e decisiva no processo da licenciatura de CC; e (iii) como o recorrente está associado a esse “processo”, essa é a prova suficiente para que legitimamente se tenham as maiores e fundamentadas suspeitas sobre a correcção e seriedade do mesmo.

5ª - Das afirmações do réu resultou inequívoco que, para o recorrido, o recorrente não é uma pessoa séria e honesta e, que, estando ele relacionado - não explicando porquê nem em que termos - com o processo da licenciatura do Primeiro-Ministro, houve, seguramente, desonestidade no processo, o que consubstancia manifesta difamação e atentado gravíssimo à honra e à consideração do visado.

9ª - A asserção do recorrido não apresenta qualquer interesse público - pois que nada informou, nem relatou - e redundou numa pura e gratuita difamação, que aquele nem tentou demonstrar.

10ª – A liberdade de expressão não legitima quem, sem qualquer prova, ou mínima demonstração factual, afirme que alguém esteve envolvido num processo de legalidade duvidosa, de contornos criminais.

11ª - A suspeita não fundamentada sobre a associação do autor a tais factos pôs em causa a honradez, honestidade de carácter e integridade do recorrente, exponenciou os danos provocados no património de bom nome e prestígio deste, pois contra meras suspeitas, não é possível levantar-se uma defesa cabal.

12ª - A forma de funcionamento das universidades privadas era um tema absolutamente secundário na abordagem que foi feita, um tema completamente despiciendo, uma abordagem sem qualquer repercussão na opinião pública, quando comparada com a questão de fundo que se discutia: o processo de licenciatura do Primeiro-Ministro, sendo que o recorrido só refere o recorrente a propósito da intervenção directa no processo de licenciatura e não da forma como “funcionam algumas universidades privadas do país”'. Mas mesmo que fosse esse o tema a propósito do qual o recorrido se referiu ao recorrente, constituiria pura difamação, atentatória da dignidade pessoal e profissional do recorrente, invocar a participação do recorrente num processo envolto em suspeitas de favorecimento para ilustrar quaisquer dúvidas sobre o funcionamento das universidades sem demonstrar essa alegada participação. Essa participação é falsa. O recorrido não fez (nem sequer tentou) prova da mesma. Nem sequer alegou, na altura (ou depois), que tinha qualquer facto que lhe permitisse associar o recorrente àquele processo.

13ª - Constituiria uma verdadeira perversão do direito à liberdade de expressão, admitir como lícita a crítica infame de alguém, porque, além de ser pessoa pública, frequentou determinada universidade - sobre a qual se levantavam suspeitas - e havia exercido cargos públicos em momento contemporâneo com os demais visados.

14ª - Não se aceita que, no que toca a figuras públicas, incluindo políticos, a prevalência da liberdade de expressão ou de imprensa sobre a reserva da vida privada, em tudo quanto não respeite à vida íntima do visado, entendendo-se esta como o núcleo reduzido das doenças mais graves, da sexualidade e pouco mais, por pôr em causa a dignidade humana, de que fazem parte integrante as qualidades de honestidade e rectidão (Paulo Mota Pinto, in “Os direitos de personalidade no Código Civil de Macau", BFDC, 76, página 236).

15ª - É neste sentido que tem evoluído a jurisprudência internacional do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (cfr., por todos, caso Lindon, Otchakovsky-Laurens and Jufy v. France, Processos n.º 21279/02 e n.º 36448/02, § - ECHR 2007-XI), que admite a restrição à liberdade de expressão quando seja necessária, numa sociedade democrática, à protecção da honra conferida ao abrigo do n.º 2 do artigo 10° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, mesmo tratando-se da honra de um político, no mínimo, controverso (in casu, Le Pen).

16ª - Também deve prevalecer o direito à honra em caso de “desnecessidade das ideias e opiniões” (cfr. Javier Plaza Penadés, in "El Derecho Al Honor y La Libertad de Expresón”, pág. 128 e 129), como se verifica nos factos descritos nas alíneas A) e S) da fundamentação de facto da decisão, sendo que, no primeiro caso, o emissor simplesmente exteriorizou o seu desprezo pessoal ou animosidade em relação ao ofendido, imputando-lhe condutas ilegais e desonestas, se não mesmo criminosas, e, por isso, ofensivas e difamatórias, sem a mínima sustentação factual; e no, segundo caso, a desnecessidade advém do facto de o seu único propósito ser o de humilhar, de “gozar”, de rebaixar o recorrente, num exercício mesquinho de “revanche” por este ter instaurado a presente acção, a coberto do direito de crítica, através do jornal mais considerado do país.

17ª - Assim sendo, não pode deixar de se concluir que o recorrido não usou, nos termos legalmente admissíveis, o seu direito de liberdade de expressão ao serviço do fim para que o mesmo é legalmente concebido e protegido mas apenas para caluniar e ofender o recorrente, o que constitui uma conduta ilícita.

18ª - Pelo que não poderá este Supremo Tribunal de Justiça deixar de revogar a decisão sob censura e condenar o recorrido a indemnizar o recorrente pelos danos que a sua conduta ilícita e culposa lhe causou, ao abrigo do disposto nos artigos 484º e 483º do CC, preceitos estes que o Tribunal a quo violou, por erro de interpretação.

19ª - Mais foram violados, por erro de interpretação, os preceitos contidos nos artigos 26º, 34º, n.º 3, 37º e 38º, todos da CRP, e, por erro de aplicação, o disposto no artigo 335º do CC e no artigo 18º, n.º 2, da CRP, aquando da ponderação dos direitos ao bom nome e reserva da vida privada e à liberdade de expressão em confronto, por não se ter dado prevalência ao direito do recorrente.

20ª - Também foram violados, por erro de interpretação, os preceitos contidos no artigo 70º do CC e nos artigos 3º e 24º da Lei de Imprensa, pois não foram os mesmos articulados, de tal forma que se garantisse a efectiva protecção conferida ao direito de personalidade perante o exercício do direito de expressão.

O recorrido contra – alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos[1]:

1º - No dia 10/4/2007, pelas 20 horas, no seu comentário semanal na estação de televisão “TVI”, o réu BB proferiu as seguintes expressões nas seguintes sequências:

“EE: M.....l, são dúvidas e mais dúvidas e mais dúvidas sobre uma polémica licenciatura...

BB: Eu acho que só há uma certeza até agora: É que, seguramente, o rigor que o Primeiro-Ministro quer que os estudantes tenham, não tem nada a ver com a forma como ele tirou o curso na Universidade Independente, e independentemente de se vir a apurar o que ainda falta para apurar. É tudo menos claro. Cada dia que passa cai mais um novelo de uma história que se vem complicando desde o princípio; e eu devo dizer que, desde o princípio, a história começou-me a cheirar mal, porque acho muito estranho que um aluno da Universidade não se lembre do nome dos professores, nem dos colegas – acho estranhíssimo... Quer dizer, quem sofreu para tirar um curso universitário, se esquece do nome dos professores...

FF: Só se não foi às aulas...

BB: Depois... Nem às aulas nem aos exames, mas, caramba, qualquer aluno que tenha passado pela Universidade sabe quem é o Professor. Até informa-se como é que ele costuma fazer os exames, não é? Depois as coisas começaram-se a complicar com a entrada em cena desse tal DD – que lhe deu quatro, das cinco cadeiras que ele lá fez, que esteve ligado ao Partido Socialista politicamente, que, parece, teve uns negócios duvidosos por Castelo Branco - complicaram-se ainda mais quando entra em cena AA - e eu devo dizer, isto é uma apreciação pessoal, quando entra em cena AA, fico logo desconfiado por princípio, porque há muitas coisas no passado político de AA de que eu sou altamente critico – e eu acho, de facto, que amanhã CC vai ter de dar tudo dele, porque, independentemente de eu achar que estamos perante um dos melhores primeiros-ministros que Portugal já teve desde o 25 de Abril, excepção feita à Ota e ao Ordenamento do Território que tem sido um desastre, a verdade é que estamos aqui perante uma questão de credibilidade politica, porque os Portugueses vão dizer: “Bem prega Frei Tomás...”, quando fala da qualificação, da excelência do ensino, de tudo isso, não é? Hoje, curiosamente, sai um comunicado da Direcção da Universidade Independente...

EE: Já vamos dar esse comunicado...

BB: que é extraordinário, porque diz que a Universidade foi fechada para que não se possa vasculhar o que passou lá dentro no passado...

EE: O passado ficou enterrado, não é?

BB: Eu ouvi ontem o ministro Mariano Gago a falar do caso do Engenheiro CC, achei deplorável, completamente deplorável, porque ele não tem que fazer papel de advogado do Primeiro-Ministro, ele tem é que tentar esclarecer os Portugueses como Ministro da Educação e, tal como as coisas estão neste momento, eu acho que face ao comunicado de hoje da Universidade Independente, da Direcção, a Policia Judiciária tem que amanhã tomar conta das instalações. E a Procuradoria-Geral da Republica tem de arranjar uma II que se ponha lá dentro, porque já consta que existem muitos casos de licenciaturas, aqui e em Angola, que não se sabe como é que foram obtidas na Universidade Independente. E, portanto, passamos a ter um caso, que não é apenas o caso pessoal do Engenheiro CC, é muito mais grave, que é como é que funcionam algumas Universidades privadas do Pais” (alínea A).

2º - O réu, não obstante tratar-se de uma intervenção em directo, sabia que ia falar sobre o assunto - e fê-lo a seguir a intervenção de GG sobre a mesma matéria, e consciente do quadro que esta traçara:

“É estranho que haja um único professor que lhe tenha “dado” quatro cadeiras, DD...”.

FF refere então que DD era adjunto de AA, num Governo de que Sócrates fazia parte, e GG retoma o discurso para concordar, referindo que DD era adjunto de AA, num Governo de que Sócrates fazia parte, sendo estranho que este diga que não o conhecia, adiantando que se trata do mesmo professor que mais tarde fez parte da Fundação de AA, da Prevenção e Segurança Rodoviária: “É estranho que a única cadeira que não foi dada por esse Professor, que é a cadeira de Inglês, tenha sido dada pelo Reitor, já que o Regente da Cadeira diz que nunca viu o Engenheiro Sócrates nas aulas, que nunca o viu, que não lhe deu nota e que não lhe fez exame. (...) Há várias coisas que estão por explicar e que poderão levantar a suspeita de que houve favorecimento. (...) O ponto é saber se o Engenheiro Sócrates enquanto membro do Governo do Partido Socialista foi ou não beneficiado pela Universidade Independente por esse facto” (alínea B).

3º - O réu não imputou nenhum facto ao autor (alínea C).

4º - Nesse dia, e nos que o precederam e sucederam, a notícia que dominava a informação era o “caso” da licenciatura do então Primeiro-Ministro CC, tendo sido levantadas sucessivas dúvidas relativamente à sua licenciatura em Engenharia Civil, sobre se o Ex-Primeiro-Ministro teria frequentado as aulas do respectivo curso, se teria realizado os exames necessários à conclusão da licenciatura; se teria realizado o trabalho de fim de curso exigido para a obtenção de uma licenciatura (alínea D).

5º - Passando depois a especular-se sobre se teria existido um tratamento “de favor” pelo facto de CC desempenhar, então, o cargo de Secretário de Estado do Ambiente, invocando-se o facto de DD ter ministrado 4 das 5 cadeiras efectuadas por CC e relacionando-o com a circunstância de aquele ter sido adjunto do autor, então Secretário de Estado da Administração Interna e, mais tarde, membro da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária (criada de acordo com as orientações do autor) (alínea E).

6º - O autor é natural de Vinhais, tem 53 anos de idade e aos 14 começou a exercer actividade profissional como empregado de escritório de comércio e indústria (alínea F).

7º - O autor começou a desenvolver actividade política com o advento do “vinte e cinco de Abril” de 1974, aos 20 anos, como militante do Partido Socialista de Bragança e, desde 1978, fez parte dos órgãos distritais do Partido Socialista, em Bragança; em 1982, (com 28 anos) foi eleito pelos seus pares Presidente da Federação Distrital do Partido Socialista de Bragança; em 1985, foi eleito Deputado à Assembleia da Republica pelo Partido Socialista, cargo para que foi reeleito, em 1987, 1991, 1995, 1999 e 2002 (IV a VII Legislaturas) (alínea G).

8º - O autor exerceu as funções de Vice-Presidente das Comissões Parlamentares de Equipamento Social e de Juventude na Assembleia da Republica; foi membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, entre 1987 e 1991; foi membro da Assembleia Parlamentar da U.E.O., entre 1989 e 1991 (alínea H).

9º - O autor foi vereador da Câmara Municipal da Amadora; foi Presidente do Conselho de Administração da Fundação José Fontana, entre 1992 e 1996; foi membro dos corpos sociais do Instituto Luso-Árabe de Cooperação (alínea I).

10º - O autor exerceu as funções de Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna do XIII Governo Constitucional, entre 1995 e 1997; exerceu as funções de Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro do XIV Governo Constitucional, entre Outubro de 1999 e Setembro de 2000; exerceu as funções de Ministro da Juventude e do Desporto do XIV Governo Constitucional, entre Setembro e Dezembro de 2000 e deixou de exercer funções no Governo, em Dezembro de 2000, e, de exercer o cargo de Deputado, e funções executivas nos órgãos do Partido Socialista, em 2001 (alínea J).

11º - O autor iniciou funções na “Caixa Geral de Depósitos” no balcão de Mogadouro, em 1983, tendo regressado (ao exercício) em 2001 (alínea K).

12º - O autor exerce as funções de Vogal do Conselho de Administração da “Caixa Geral de Depósitos”; é (também): Administrador da “Portugal Telecom”; Presidente do Conselho de Administração da “CAIXATEC”; Administrador da “Caixa Participações, S.G.P.S.”; Presidente do Conselho de Administração da “IMOCAIXA, S.A.”; e Presidente do Conselho de Administração do “SOGRUPO, GI (ACE – Grupo CGD)” (alínea L).

13º - O autor exerce um poder de direcção directa de inúmeros “quadros superiores”, e indirecta de milhares de trabalhadores, tendo ainda uma actividade intensa de contactos a nível nacional e internacional (alínea M).

14º - O autor concluiu uma licenciatura em Relações Internacionais (alínea N).

15º - O réu é licenciado em Direito e exerceu durante vários anos a Advocacia (alínea O).

16º - O réu é um conhecido comentarista político e um dos mais importantes “OPINION-MAKERS” nacionais, exercendo a sua actividade nos diversos meios de comunicação social televisivo, radiofónico e escrito, com particular destaque para o comentário semanal à terça-feira no “Jornal das 20 horas” da “TVI”, e para a crónica semanal no jornal “Expresso” (alínea P).

17º - O réu tem longa experiência no campo da comunicação social, nomeadamente da televisão (já teve programas televisivos próprios, já foi apresentador), tendo, por isso, perfeito domínio do uso das palavras nesse meio comunicacional, e absoluta consciência, quer do impacto do que é dito, quer da leitura que é feita pelos seus destinatários (alínea Q).

18º - O “Jornal das 20 horas” da “TVI” é transmitido no período (horário nobre) durante o qual mais pessoas vêem televisão (entre as 20 horas e a meia-noite) e o jornal “Expresso” é o semanário de maior tiragem no plano nacional (sendo o mais lido entre as classes “média” e “alta”) (alínea R).

19º - No dia 17/01/2009, o réu subscreveu uma crónica na página sete do primeiro caderno do Jornal Semanário “Expresso” cuja cópia consta de fls. 390 e com o título “factor AA”, que, entre o mais, contém os seguintes dizeres:

“Eu sei que o Código Civil diz que todos têm direito ao bom nome. Mas eu cá para mim continuo a acreditar noutros valores: o bom nome, para mim, não se presume, não se apregoa, não se compra, nem se fabrica em série – ou se tem ou não se tem. (…) Mas o factor AA deixa-me vagamente deprimido.

(…) Toda a carreira, se assim lhe podemos chamar, de AA é uma história que, quando não possa ser explicada pelo mérito, (o que aparentemente é regra), tem que ser levada à conta da sorte, uma sorte extraordinária. Teve a sorte de ainda bem novo ter sentido uma irresistível vocação de militante socialista que para sempre lhe mudaria o destino traçado de humilde empregado bancário da CGD lá da terra.

Teve o mérito de ter dedicado vinte anos da sua vida ao exaltante trabalho político do PS, cimentando um curriculum de que todavia a nação não conhece, em tantos anos de deputado ou dirigente político, acto ideia ou obra que fique na memória.

Culminou tão profícua carreira com o prestigiado cargo de Ministro da Juventude e Desporto, depois de ter sido Secretário de Estado da Administração Interna em cuja pasta congeminou a ideia de transformar directorias e as próprias fundações do Ministério em fundações de Direito Privado e dinheiros públicos.

Emergiu vinte anos depois no seu guardado lugar de funcionário da CGD, mas logo promovido, por antiguidade in absentia, ao lugar do director com a misteriosa pasta da Segurança.

E assim se manteve um par de anos, até aparecer subitamente licenciado em Relações qualquer coisa por uma também súbita Universidade.

Poucos dias após a obtenção “do canudo”, o agora Dr. AA viu-se promovido, por mérito, certamente e por nomeação política inevitavelmente – ao lugar de Administrador da Caixa Geral de Depósitos: assim nasceu um banqueiro… Mas a sua sorte não acabou aí… A escolha caiu em JJ, presidente da Caixa Geral de Depósitos que para lá levou dois homens de confiança sua, entre os quais o sortudo Dr. AA. Mas o factor AA deixa-me vagamente deprimido” (alínea S).

20º - No dia 29/10/2009 surgiram notícias nos vários meios de comunicação social que se reportavam ao alegado envolvimento do autor no processo designado “Face oculta”, designadamente, no diário “Público” (fls. 431), no semanário “Expresso” em 31/10/2009 (fls. 440 e seguintes) e no “Diário de Notícias” (fls. 496 e seguintes) (alínea T).

21º - O autor deixou de exercer qualquer função política e passou a exercer actividade profissional na “banca”, que já exercera antes de exercer funções políticas (resposta ao quesito 1º).

22º - O autor regressou à CGD em 2001, para exercer as funções de Director - Adjunto; decorrido um ano nessas funções, passou a exercer as funções de Director na Direcção de Património e Obras; um ano após, foi promovido, por mérito, ao cargo de Director Coordenador, que exercia, quando foi convidado para Vogal do Conselho de Administração (resposta ao quesito 4º).

23º - Quando assumiu funções na administração da banca, o autor deixou de exercer actividade político-partidária (resposta ao quesito 5º).

24º - O autor concluiu uma Pós - Graduação em Gestão Empresarial (resposta ao quesito 5º-A).

25º - O “Jornal das 20 horas” da “TVI” é o programa noticioso mais visto, entre as classes “média-baixa” e “baixa” (aqueles que constituem a grande maioria da nossa população) (resposta ao quesito 6º).

26º - No dia 10/04/2007, o “Jornal das 20 horas” da “TVI” obteve 25,2% de “share”, sendo o segundo noticiário mais visto (resposta ao quesito 7º).

27º - O réu teve o tempo e o discernimento para ponderar o que ia dizer e as circunstâncias em que o ia fazer e sabia que, o que dissesse, seria lido em conjugação com “o ambiente relativo ao assunto, e com o que GG (e os “pivots”) tinham acabado de referir (resposta ao quesito 8º).

28º - O réu sabia que, ao dizer o que disse, fazia com que o fundamento da suspeita sobre o comportamento de CC fosse também o facto de ele estar associado ao nome do autor e outro (resposta ao quesito 10º).

29º - O réu sabia que, quem o estava a ouvir, apreenderia que, para ele, o autor teve um comportamento que, do ponto de vista da licitude e da honestidade da sua actuação enquanto governante, lhe merece muitas críticas e suspeitas (resposta ao quesito 11º).

30º - O réu sabia e quis que os espectadores da “TVI” concluíssem, como fizeram, das suas palavras que:

a) - O processo da licenciatura de CC “é tudo menos claro”, estando envolvido numa fundamentada suspeita de favorecimento pelo facto de ele ser membro do Governo;

b) - O autor teve intervenção directa e decisiva no processo da licenciatura de CC;

c) - Como o autor está associado a esse “processo”, essa é a prova suficiente para que legitimamente se tenham as maiores e fundamentadas suspeitas sobre a correcção e seriedade do mesmo (resposta ao quesito 12º).

31º - O autor sentiu-se magoado e vexado com o comentário do réu mas teve a solidariedade de pessoas amigas e anónimos que consideraram que tal comentário era vexatório (resposta ao quesito 13º).

32º - O autor sentiu-se angustiado (resposta ao quesito 15º).

33º - E sentiu-se ofendido (resposta ao quesito 16º).

34º - O autor foi demitido do cargo de Ministro da Juventude e do Desporto, na sequência da criação da “Fundação Para a Prevenção e Segurança”, por noticiadas pressões do então Presidente da República, HH (resposta ao quesito 17º).

35º - Em 2005, o autor voltou a exercer funções públicas, ao aceitar ser vogal do Conselho de Administração da CGD (resposta ao quesito 18º).

36º - A associação do nome do autor com a polémica referida nas alíneas D) e E) surgiu em diversos órgãos de comunicação social e dezenas de “blogues” (anteriormente a 10/04/2007), e na “sociedade civil” em geral, ora por se ter licenciado na Universidade Independente, ora por o então novo Reitor daquela Universidade ter trabalhado na CGD, ora por o autor ter nomeado DD (professor de CC na U.I.) “para centralizar as adjudicações de empreitadas do M.A.I.” (resposta ao quesito 19º).

37º - O réu já expressou, por várias vezes, as suas críticas à vida politica e pública do autor, emitindo juízos de valor através de comentários verbais, e escritos - estes: em 2000, sobre a “Fundação para a Prevenção e Segurança”; em 2001, sobre o processo entre o ora autor e o Presidente da Câmara de Ourique; em 2005, artigo de opinião no “Público” sobre a nomeação do ora autor para a “CGD”; em 2006, no jornal “A Bola”, quanto à “Caixa Futebol Campus” e sobre a “Portugal Global” (resposta ao quesito 20º).

38º - As críticas passadas do réu sobre o autor versaram sempre sobre aspectos públicos da sua vida: chegar a Ministro por mero percurso partidário; estar ligado à criação da “Portugal Global” para gerir as empresas de comunicações; estar ligado a uma Fundação que foi polémica; ser demitido; ser alvo de um processo por um Presidente da Câmara por afirmações públicas por si proferidas; ser nomeado administrador da CGD; ter concedido crédito ao “Benfica” enquanto administrador da “CGD” (resposta ao quesito 21º)

39º - O réu exprime análises, raciocínios e opiniões e assim é entendido pelas pessoas que o vêem na “TVI” (resposta ao quesito 22º-A).

40º - O autor tem sofrido as críticas aqui mencionadas (em outros órgãos da comunicação social) (resposta ao quesito 23º).

41º - O réu licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em 1974 e suspendeu a sua inscrição como Advogado, há 13 anos (resposta ao quesito 25º).

42º - Antes do 25/04/1974, o réu era militante da organização clandestina “Jovens Socialistas” (antecessora da “Juventude Socialista”) e após o 25/04/1974 integrou, em representação do PS, a Comissão de Extinção da ex-PIDE/DGS durante quatro meses, tendo-se afastado por divergências políticas e éticas de orientação daquela comissão (resposta ao quesito 26º).

43º - Aos 24 anos, o réu enveredou pela carreira de jornalista juntamente com a de Advogado, e, entendendo que o exercício do jornalismo não era compatível com a militância partidária, apresentou a sua demissão do Partido Socialista, (tendo recusado o convite da Secção de Oeiras para integrar a lista à Assembleia Constituinte), terminando aí a sua carreira política (resposta ao quesito 27º).

44º - Ao longo dos últimos anos, o réu escreveu os seguintes livros: “S....., a República de ........”; “Um ........”; “S...”; “O .........”; “N........., D.......”; “Equador”; “P.......”; e “R........” (editado pela primeira vez em 25/10/2007), tendo “O segredo do rio” e “P.........” a categoria de “Livro Recomendado” pelo Ministério da Educação, e sendo utilizados no estudo da língua portuguesa nos primeiros anos de ensino nas escolas portuguesas (resposta ao quesito 28º).

45º - A obra “E.......r” foi editada pela primeira vez em 2003; tem 29 edições em língua portuguesa e uma edição limitada ilustrada; vendeu mais de 310.000 exemplares em Portugal; foi traduzida e publicada na Holanda, Brasil, França, Alemanha, Itália, República Checa, Grécia, Bosnia-Herzegovina, Sérvia, Espanha e Estados Unidos; e foi premiada em Itália com o prémio “Grinzane Cavour” (o mais importante galardão para obra de literatura estrangeira) (resposta ao quesito 29º).

46º - Enquanto jornalista, o réu recebeu os seguintes prémios: Em 1983, 1984 e1986 o prémio “Sete” Televisão; em 1988 o prémio “Ocarina” de “Jornalismo Televisivo”; em 1988 o 1º prémio de jornalismo da TV do “Fest Rio”; em 1993 e 1994 o prémio Bordalo de televisão da Casa da Imprensa; em 1994 e 1995 o prémio “SIC” de Televisão; em 1995 o prémio Gazeta do Jornalismo Reportagem; em 1995 o prémio Jornalismo da Associação Nacional do Ambiente; em 1996 o prémio Personalidade do Ano da Associação Nacional de Contribuintes; em 1996, o prémio Gazeta do Jornalismo Cultura; em 1997 o prémio Gazeta do Jornalismo Ambiente; em 1998, o Prémio Nacional de Jornalismo do Clube Português de Imprensa; em 1997 o prémio Fernão Mendes Pinto da Fundação Portuguesa do Oriente (resposta ao quesito 30º).

47º - Enquanto jornalista, o réu esteve ao serviço da RTP entre 1979 e 1990, tendo tido a função de Sub - Director do Canal 2, e tendo sido o fundador do programa “Grande Reportagem” e foi jornalista da SIC (resposta ao quesito 31º).

48º - Ao longo de 25 anos de jornalismo televisivo, o réu esteve presente, como moderador, em todos os debates de eleições legislativas e presidenciais, sem estar ligado a nenhum partido político, numa posição sempre independente e isenta (resposta ao quesito 32º).

49º - O réu manteve uma coluna de opinião no Jornal Público durante 12 anos e a coluna que assina no Jornal Expresso (resposta ao quesito 33º).

50º - O réu sempre criticou, de há longos anos para cá, as nomeações para cargos públicos através de ligações políticas, ou quem faça da política profissão, exercendo cargos públicos ou em empresas públicas, sobretudo se nomeados por virtude apenas de ligação a partidos políticos, e não por mérito demonstrado através de escritos, intervenções parlamentares ou trabalhos técnicos (resposta ao quesito 34º).

51º - Com o escrito referido na alínea S), o réu pretendeu reduzir e menosprezar o autor, visando a figura política e profissional do autor (resposta ao quesito 35º).

52º - E utilizou as minúsculas “sr” ou “dr” (resposta ao quesito 37º).

53º - Aquilo que o réu escreve forma opinião pública (resposta ao quesito 39º).

54º – E o que escreveu no jornal, onde escreveu, atinge grande divulgação directa e indirecta (resposta ao quesito 40º).

64º - O autor sentiu-se magoado e vexado, angustiado e furioso, com as palavras que constam do escrito referido na alínea S) (Jornal Expresso) (resposta aos quesitos 41º e 42º).

65º - O autor já havia sido objecto de crítica política e pública nos meios de comunicação social (resposta ao quesito (resposta ao quesito 48º).

66º - O réu visou apenas criticar o percurso político e público do autor (resposta ao quesito 49º).

3.

Nos termos do preceituado nos artigos 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar as seguintes questões:

1ª – Se a matéria que integra o quesito 49º, indicada como matéria de facto no acórdão recorrido e na decisão da matéria de facto da 1ª instância, mas omitida por manifesto lapso na fundamentação da sentença, constitui afinal matéria conclusiva.

2ª - Se o recorrido incorreu, ou não, na prática de um acto ilícito, consistente na violação das disposições de direito civil (e, bem assim, constitucional) que tutelam os direitos de personalidade e, concretamente, os direitos ao bom nome, imagem, prestígio e reputação do autor.

3ª – Se, a verificar-se a ilicitude da conduta do recorrido, acaso se verificam os demais pressupostos de que depende o dever de indemnização, (assente no regime da responsabilidade civil extracontratual), invocado pelo recorrente.

4.Pretende o recorrente que seja “julgada não escrita e consequentemente retirada do elenco da matéria julgada provada” a afirmação (o réu visou apenas criticar o percurso político e público do autor) constante da alínea OOO) dos factos assentes, (correspondente ao ponto 66º deste acórdão e ao quesito 49º), por se tratar de matéria de teor conclusivo e encerrar em si o thema decidendum.

Vejamos:

Embora vedada ao Supremo Tribunal de Justiça a apreciação sobre a bondade das respostas dadas à matéria de facto, tal como estas se encontram fixadas pelo Tribunal da Relação, por extravasar os seus poderes (vide artigos 729º e 722º, n.º 2 CPC), não lhe está vedado contudo, porque versa matéria de direito, a apreciação sobre se determinada matéria, que consta como “facto” julgado provado, constitui, na verdade, uma mera conclusão e se encerra, em si, o thema decidendum e se, assim sendo, deverá ser julgada não escrita, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 664º do C.P.C.

Os factos, para o efeito do disposto no artigo 511º do CPC, abrangem não só as ocorrências concretas da vida real mas também o estado, a qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas.

“Dentro dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível), directamente captável pelas percepções do homem – ex propriis sensibus, visus et adictos), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do indivíduo (verbi gratia, a vontade real do declarante, o conhecimento dessa vontade pelo declaratário, o conhecimento por alguém de determinado evento concreto, as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria[2]”.

Antevendo a objecção de que, não sendo directamente captáveis pelos sentidos (visão ou audição) do homem, os eventos do foro psíquico ou emocional não podem constituir objecto de prova como as ocorrências do mundo exterior, considera o Professor Antunes Varela que é fácil responder à mesma com dois argumentos:

“O primeiro é que a prova, no domínio do direito (processual), ao invés do que ocorre com a demonstração, no campo da matemática, ou com a experimentação, no âmbito das ciências naturais, não visa a certeza lógica ou absoluta, mas apenas a convicção (o grau de probabilidade) essencial às relações à prática da vida social (a certeza histórico-empírica). E a este grau de convicção, a propósito da prova, podem ascender, não apenas as ocorrências do mundo exterior (os factos externos), mas também as realidades do foro psíquico (os factos internos, hoc sensu);

O segundo resulta de muitas vezes os próprios factos externos só poderem ser provados através dos mesmos meios de persuasão (presunções baseadas em regras da experiência, leis da natureza ou cânones do pensamento) que denunciam a existência de factos internos.

Nada obsta, por conseguinte, a que, assim como se faz prova sobre factos externos por meios puramente indiciários, se admita a prova sobre os chamados factos internos, mediante o recurso a elementos de igual natureza. Importante é que, em qualquer caso, se esclareça a razão de ciência do portador da prova[3]”.

Assim sendo, nem a aludida expressão é conclusiva, no sentido de não poder ser verificada, nem a mesma encerra o thema decidendum, nem finalmente foi aditada pelo Tribunal da Relação.

Em primeiro lugar, esta expressão constitui a matéria do quesito 49º que foi dado como provado. Foi elencada entre os factos da base instrutória, não tendo o recorrente reclamado de tal inclusão, não se entendendo como a considera agora aditada pela Relação.

Em segundo lugar, tal matéria não é conclusiva, como não são conclusivas as afirmações que fez na sua douta petição inicial e que encontraram eco, nomeadamente, nos quesitos 8º, 10º, 11º e 12º.

Em terceiro lugar, o facto de o recorrido ter uma “boa” intenção ao praticar determinado acto não o eximiria da responsabilidade decorrente da prática do mesmo, se tivesse a obrigação de o não praticar.

Improcede, assim, este segmento do recurso.

5.

O autor fundamentou a sua pretensão indemnizatória na responsabilidade civil do réu por acto ilícito, consistente na violação do seu direito ao bom nome, prestígio e reputação.

O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em não ser ofendido na sua honra, dignidade ou consideração social mediante a imputação feita por outrem, bem como no direito a defender-se dessa ofensa e obter a competente reparação.

Os direitos de personalidade têm, desde logo, protecção no Direito Internacional, designadamente nos artigos 6º, 12º e 15º da DUDH e artigo 8º da CEDH e, a nível interno, no artigo 26º da Constituição (doravante CRP) e nos artigos 70º e seguintes do Código Civil.

A lei ordinária, na salvaguarda do princípio constitucional do direito de todos os cidadãos ao bom nome e reputação, à imagem [...], consagrado no artigo 26º da Constituição, protege-os contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (artigo 70º), tutelando, nomeadamente, o direito ao bom nome, prestígio e reputação.

À responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral são aplicáveis, em termos gerais, os artigos 483º e seguintes, dispondo o artigo 484º que responde, pelos danos causados quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva.

A lei protege, assim, as pessoas contra qualquer ofensa ilícita à sua personalidade moral, pelo que a obrigação de indemnizar resultante daquela modalidade de responsabilidade supõe a prática de um facto ilícito (e culposo) que tenha causado prejuízo a alguém, no domínio dos bens inerentes à sua personalidade.

Segundo o artigo 483º, n.º 1, são pressupostos da responsabilidade civil o facto voluntário, a ilicitude a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Destes pressupostos, interessa começar por analisar a ilicitude e a culpa, uma vez que não está em causa o facto voluntário do réu, consistente na aludida transmissão televisiva e divulgação do artigo publicado no “Expresso”, perante larga e audiência daquela e perante o considerável número de leitores deste Jornal, e a sua susceptibilidade, ao menos na aparência das coisas, de atingir o bom nome e a reputação do autor, por ser passível de violar um direito absoluto deste integrado na sua personalidade moral.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 128/92, o direito ao bom nome e à boa fama é violado por actos que se traduzam em imputar falsamente a outrem a prática de acções ilícitas ou ilegais.

No entanto, como é sabido, a ilicitude pode ser redimida, quando ocorra alguma das causas justificativas do facto, que afastam a ilicitude do mesmo.

Em matéria dos direitos de personalidade, há que contar com as situações em que o facto lesante é praticado no exercício regular de um direito, no cumprimento de um dever, em acção directa, em legítima defesa ou com o consentimento do lesado.

Vejamos então se o recorrido, ao emitir a opinião que emitiu no Telejornal da TVI, ou no artigo publicado no Expresso, violou os direitos de personalidade do autor e, nesse caso, se porventura se verificam quaisquer circunstâncias que afastam a ilicitude da sua conduta, nomeadamente se o facto lesante foi praticado no exercício regular de um direito.

Como se sabe, não é ilícito o facto praticado no exercício legítimo de um direito. Tal causa de exclusão tem um carácter geral e encontra tradução na alínea b) do n.º 2 do artigo 31º do Código Penal, no âmbito da consideração da ordem jurídica como totalidade.

“A ilicitude não tem obviamente lugar quando se exercitam poderes derivados da prevalência, ou ordenada pela lei na regulação dos interesses da vida real, de certo interesse, através da atribuição de um direito subjectivo, com denegação de relevo jurídico ao interesse conflituante. Pelo que o titular de um direito não tem de responder civilmente pelos prejuízos na esfera da personalidade de outrem que, embora causados pelo exercício desse direito, representem, de um ou de outro modo, a frustração dos interesses que a lei postergou ao conceder aquele direito. É este o entendimento corrente do princípio «qui iure suo utitur nemini facit iniuriam». Só que, aqui, não se estará propriamente perante uma causa justificativa da ilicitude, na medida em que não há como que uma prévia ilicitude que seja sequencialmente justificada, nem há, por conseguinte, um autêntico acto lesivo. Estamos, sim, perante a determinação do próprio âmbito normativo do direito que, directamente, torna lícita a prevalência de certos interesses sobre outros e lícitos os actos em que essa prevalência se exprime”[4].

Ora, se o direito ao bom nome e reputação está consagrado no Direito Internacional e, a nível interno, na Constituição e na lei ordinária, também o direito de expressão e de informação recebeu igualmente consagração no Direito Internacional (artigo 19º DUDH e artigo 10º da CEDH) e, a nível interno, na Constituição e na Lei de Imprensa 2/99, de 13 de Janeiro, alterada pela Lei 18/2003, de 11 de Junho, entre outros diplomas.

Assim, nos termos do artigo 37º, n.º 1 da CRP, “todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimento nem discriminações”.

Por outro lado, o artigo 38º, n.os 1 e 2 CRP garante a liberdade de imprensa, a qual implica a liberdade de expressão dos jornalistas, ou seja, engloba o direito de informação, sem impedimentos, discriminações ou limitações por qualquer tipo de censura.

Como assinala Jorge Miranda[5], tanto a liberdade de expressão, como a de informação, se situam, de pleno, no campo dos direitos fundamentais, sendo a liberdade da comunicação social ambivalente, envolvendo um feixe de direitos em que se prevêem formas múltiplas de salvaguarda da liberdade, tanto interna, como externa, no exercício dos profissionais respectivos nos diversos meios públicos ou privados, entre eles as regras para a imprensa escrita. Aliás, a qualificação do direito à liberdade de expressão do pensamento através da televisão como integrante do direito fundamental dos cidadãos a uma informação livre e pluralista, essencial á democracia e ao desenvolvimento social e económico do país, encontra-se expressamente feita no artigo 23º, n.º 1 da Lei da Televisão.

A Constituição reconhece, porém, a existência de limites ao direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como ao exercício do direito de informar e, por essa via, ao exercício da liberdade de imprensa, preceituando, no n.º 3 do artigo 37º, que “as infracções cometidas no exercício destes direitos (de expressão e de informação) ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou de ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos Tribunais Judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.

Do mesmo modo a referida Lei da Televisão consagra no artigo 24º limites à liberdade de programação, impondo um dever de respeito, nomeadamente, pela dignidade da pessoa humana.

A propósito do referido n.º 3 do artigo 37º salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa, Anotada:

“Do n.º 3 conclui-se, porém, que há certos limites ao exercício do direito de exprimir e divulgar livremente o pensamento. A liberdade de expressão e de informação não pode efectivamente prevalecer sobre os direitos fundamentais dos cidadãos ao bom nome e reputação, à sua integridade moral, à reserva da sua vida privada [...].

Como referimos, se a liberdade de imprensa é um direito constitucional, do mesmo modo o são o direito de personalidade e o direito à imagem.

Sucede que o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação, nos termos antes mencionados, é potencialmente conflituante com o direito ao bom-nome e reputação de outrem, sendo frequentes os conflitos entre os direitos à honra, por um lado, e o direito de expressão do pensamento e de informar, por outro.

Em conformidade com o artigo 18º da CRP, deve, em caso de conflito de direitos fundamentais, proceder-se a uma concordância dos mesmos, de tal modo que as restrições de um deles, em prol do outro, se reduzam ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

Para resolução do aludido conflito de direitos, ao nível da lei ordinária, haverá que recorrer ao disposto no artigo 335º do Código Civil, segundo o qual, caso sejam iguais os direitos em conflito ou da mesma espécie, deve cada um deles manter o seu núcleo principal, cedendo o estritamente necessário, para que ambos produzam o seu efeito; se os direitos em questão forem desiguais ou de espécie diferente, deverá prevalecer aquele que for superior.

Resulta do exposto que, no conflito entre o direito de liberdade de expressão e o direito à honra e ao bom nome, não obstante ambos merecerem dignidade constitucional, é indiscutível que o primeiro, devido às restrições e limites a que está sujeito, não poderá atentar contra o bom nome e reputação de outrem, salvo se estiver em causa um relevante interesse público que se sobreponha àqueles.

É assim indispensável à concreta justificação pelo exercício do direito de informação que a ofensa à honra ou consideração cometida se revele como meio adequado e razoável de cumprimento do fim que a imprensa visa atingir no caso concreto, no exercício dessa sua função pública.

Aqui chegados, importará então analisar se o comentário televisivo e o texto jornalístico apontados fizeram incorrer o réu/recorrido na prática de um acto ilícito consistente na violação das disposições de direito civil (e, bem assim, constitucional) que tutelam os direitos de personalidade e, concretamente, os direitos ao bom nome, imagem, prestígio e reputação do autor, pressuposto indispensável para que ao recorrente possa ser arbitrada a indemnização peticionada.

As concretas palavras, proferidas pelo recorrido, no seu comentário televisivo, no Jornal da TVI, que se referem ao recorrente, constantes da alínea A) dos factos assentes, são as seguintes:

“Complicaram-se ainda mais quando entra em cena AA – e eu devo dizer, isto é uma apreciação pessoal, quando entra em cena AA, fico logo desconfiado por princípio, porque há muitas coisas no passado político de AA de que sou altamente crítico”.

Estas palavras foram proferidas a propósito da questão da licenciatura do Ex-Primeiro-Ministro CC, na Universidade Independente.

Intervindo embora em directo, ficou provado que o recorrido teve o tempo e o discernimento para ponderar o que ia dizer, e as circunstâncias em que o quis fazer e sabia bem que aquilo, que dissesse, seria lido em conjugação com o ambiente relativo ao assunto, e com o que os restantes participantes no programa tinham acabado de referir.

Além disso, o recorrido tinha plena consciência que, ao dizer aquela frase, fazia com que o fundamento da suspeita sobre o comportamento de CC fosse também o facto de ele estar associado ao nome do recorrente.

Também sabia o recorrido que aqueles que o estivessem a ver e a ouvir apreenderiam que, para ele, o recorrente teve um comportamento que, do ponto de vista da licitude e da honestidade da sua actuação, enquanto governante, lhe merecia muitas críticas e suspeitas.

Em contrapartida, o recorrente é uma figura pública com destaque na vida política nacional. Começando a desenvolver actividade política com o advento da revolução de Abril de 1974, viria a ser eleito, em 1985, Deputado à Assembleia da República, cargo para que foi reeleito, exercendo essas funções até 2002, que suspendeu, quando foi chamado ao exercício de funções no Governo, onde foi Secretário de Estado-Adjunto do Ministro da Administração Interna, entre 1995 e 1997; Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro, entre Outubro de 1999 e Setembro de 2000; Ministro da Juventude e do Desporto, entre Setembro e Dezembro de 2000.

Exerceu igualmente funções de destaque, na “Caixa Geral de Depósitos”, a partir do momento em que deixou o Governo e a Assembleia da República, sendo vogal do Conselho de Administração da “Caixa Geral de Depósitos”; Administrador da “Portugal Telecom”; Presidente do Conselho de Administração da “CAIXATEC”; Administrador da “Caixa Participações, S.G.P.S.”; Presidente do Conselho de Administração da “IMOCAIXA, S.A.”; e Presidente do Conselho de Administração do “SOGRUPO, GI (ACE – Grupo CGD)”.

Pese embora o recorrido tenha proferido tais declarações, que vieram a deixar o recorrente magoado, vexado, angustiado e ofendido, considerou a Relação e, em nosso entender, bem, que não existe ilicitude na sua conduta.

Na realidade, nesse dia e nos que o precederam, a notícia que dominava a informação era o «caso» da licenciatura do Primeiro-Ministro CC, tendo sido levantadas sucessivas dúvidas relativas à sua licenciatura em Engenharia Civil; sobre se o Primeiro-Ministro teria frequentado aulas do respectivo curso; se teria realizado os exames necessários à conclusão da licenciatura; se teria realizado o trabalho de fim de curso exigido para a obtenção de uma licenciatura, passando depois a especular-se sobre se teria existido um tratamento de favor pelo facto de CC desempenhar então o cargo de Secretário de Estado do Ambiente, invocando-se o facto de DD ter ministrado quatro das cinco cadeiras efectuadas por CC e relacionando-o com a circunstância de aquele ter sido adjunto do recorrente, então Secretário de Estado da Administração Interna e, mais tarde, membro da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária.

Assim, como já haviam assinalado as instâncias, discutia-se um facto político importante e determinante para a responsabilidade política dos intervenientes e, por outro lado, a questão de fundo era de interesse público conforme se infere da frase igualmente proferida pelo recorrido: “E, portanto, passamos a ter um caso, que não é apenas o caso pessoal do Engenheiro CC é muito mais grave, que é como é que funcionam algumas Universidades privadas do País”.

É, pois este o contexto global da crítica proferida pelo apelado.

Estava o mesmo a referir-se a uma pessoa pública, um político, descrevendo a actuação deste, no âmbito de uma crítica geral ao funcionamento de algumas Universidades privadas, o que constitui, manifestamente, uma questão de interesse e natureza pública.

Não focou o recorrido, em momento algum, a vida íntima do recorrente, visando apenas criticar o percurso político e público do autor.

E o mesmo se dirá do artigo publicado no jornal “Expresso”, onde o texto escrito pelo recorrido versa, manifestamente, sobre aspectos públicos da vida do recorrente, (o modo como chegou a Ministro, por mero percurso partidário, o ter sido demitido, o ter sido nomeado administrador da CGD, nas circunstâncias em que o foi, a sua licenciatura, entre outras situações).

É um texto irónico e crítico que demonstra um cepticismo quanto ao mérito do autor, mas não o ataca na sua substância pessoal. E como escreve Manuel da Costa Andrade[6], “a fronteira do permitido só é ultrapassada quando a valoração negativa deixa de dirigir contra a específica pretensão de mérito – como seja a imagem construída de forma mais ou menos planificada de um político ou de uma empresa – para atingir directamente a substância pessoal”.

As declarações em causa foram perceptíveis para os telespectadores ou para qualquer leitor como opinião do ora recorrido.

Aliás, ficou provado que, o réu, conhecido comentarista político e um dos mais importantes “OPINION MAKERS” nacionais, seja no comentário televisivo, seja no artigo jornalístico, não imputou nenhum facto ao autor e sabia que, quem o estava a ouvir, apreenderia que, para ele, o autor teve um comportamento que, do ponto de vista da licitude e da honestidade da sua actuação, enquanto governante, lhe merecia muitas críticas e suspeitas.

Estamos, pois, perante opiniões, (o próprio recorrido tem o cuidado de o afirmar), que visaram a pessoa pública e política do recorrente, em questões de interesse público, não exprimindo a sua opinião sobre o ora recorrente desligada da factualidade em discussão.

Com efeito, não foi o recorrido que inventou as relações entre o recorrente, o então Primeiro-Ministro CC, o referido DD e a Universidade Independente. São os factos considerados provados que comprovam que a associação do nome do recorrente com a polémica da licenciatura do Primeiro-Ministro na Universidade Independente e com o tratamento que aí lhe foi dispensado, sendo seu professor DD, em quatro das cinco cadeiras, surgiu em diversos órgãos da comunicação social, em diversos blogues e na sociedade civil em geral, ora por se ter licenciado na Universidade Independente, ora por o então novo Reitor daquela Universidade ter trabalhado na caixa Geral de Depósitos, ora por o autor ter nomeado DD (Professor de CC na Universidade Independente), para centralizar as adjudicações de empreitadas do Ministério da Administração Interna.

E, contrariamente ao que pensa o recorrente, não é só a forma de funcionamento das universidades que tem interesse público. A forma como o Primeiro-Ministro obteve a sua licenciatura também tem interesse público e o facto de o recorrente ter as relações que teve, por via do exercício das suas funções, com o professor DD também é do interesse público.

Conforme refere Jónatas Machado[7], a liberdade de expressão “tem como objectivo a detecção e a denúncia pública das patologias do poder, como sejam a prepotência, o arbítrio, a corrupção, o nepotismo, a ineptidão e a incompetência dos titulares de órgãos públicos (…) e de todos os actos por eles praticados que infrinjam as normas jurídicas vigentes ou que lancem dúvidas importantes sobre o seu carácter ou a sua idoneidade moral”.

É evidente que a opinião do recorrido sobre o percurso e a vida política do recorrente é profundamente negativa mas alicerçada em factos, existindo já um “percurso”, com alguns anos, de críticas anteriores do recorrido para com o recorrente, versando, no essencial, sobre os mesmos assuntos salientados na intervenção na TVI e no artigo do “Expresso”. Ainda assim, o recorrido nem sequer tinha o “exclusivo” das críticas ao recorrente, pois comprovam os autos que este, enquanto político e profissional, tem sofrido críticas do público e da imprensa, pelo que, de modo algum, se poderá concluir que estamos perante uma “perseguição” do recorrido ao recorrente, como considerou o acórdão recorrido.

A opinião do ora recorrido é uma opinião privilegiada, no sentido de particularmente protegida pela liberdade de expressão, porque se refere a uma pessoa, o ora recorrente, que é uma relevante figura pública, um político destacado com um controverso percurso político e profissional com evidente relevância pública.

Como escreve Manuel da Costa Andrade[8], “a tolerância dispensada aos juízos de valor é ostensivamente mais generosa do que a outorgada às imputações de facto”, acrescentando o Acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), de 28 de Setembro de 2000, que, “quanto aos limites da crítica admissível, estes são mais alargados quando referentes a um político, agindo na sua qualidade de figura pública, do que quando se referem a um simples particular”.

Atendo-nos, mais uma vez aos factos provados, ainda que o recorrido tenha tido plena consciência de que, com o seu comentário e o seu artigo jornalístico, atingia a imagem, o crédito, a reputação e o bom nome do recorrente, também tinha a consciência do conflito de direitos que as suas atitudes iriam fazer surgir. No entanto, agiu no exercício da sua liberdade de expressão (como comentador), respeitando os respectivos limites e, por isso, de forma lícita.

Ou seja, embora a liberdade de imprensa deva respeitar, no seu exercício, o direito fundamental do bom nome e da reputação, o jornalista não está impedido de emitir opinião alicerçada em factos verdadeiros ou que tenha como verdadeiros em séria convicção, desde que justificados pelo interesse público na sua divulgação, podendo este direito prevalecer sobre aquele, desde que adequadamente exercido[9].

Em suma, como se considerou neste Supremo Tribunal de Justiça[10], “os direitos e as liberdades de expressão e informação e de imprensa, constitucionalmente consagradas, não são direitos inteiramente absolutos, vivendo por si e para si como se fossem únicos.

Há outros direitos constitucionalmente assegurados e é no confronto entre todos que tem de definir-se, em concreto, a medida do absoluto de cada qual e a relativização necessária ao respeito pela dimensão essencial de todos e de cada um.

A liberdade de imprensa não é uma criação pela criação, mas uma exigência em ordem à defesa do interesse público e à consolidação da sociedade democrática.

No confronto entre os direitos à liberdade de expressão e de informação exercidos através da imprensa, e outros direitos constitucionalmente consagrados, maxime o direito à integridade pessoal e o direito ao bom nome e reputação, não pode deixar de reflectir-se na verdadeira dimensão desses direitos: se há um qualquer interesse público a prosseguir, haverá eventualmente que privilegiar o direito à informação e à liberdade de expressão em detrimento de outros direitos individuais; se o interesse de quem informa se situa no puro domínio do privado, sem qualquer dimensão pública, o direito à integridade pessoal e ao bom nome e reputação não pode ser sacrificado para salvaguarda de uma egoística liberdade de expressão”.

Assim, de tudo quanto se deixou exposto, inexiste o primeiro dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, designadamente a existência de um facto ilícito, violador da honra, bom-nome e reputação do recorrente, não havendo que analisar, por via disso, se acaso se verificam os demais pressupostos da responsabilidade civil, susceptíveis de gerar uma obrigação indemnizatória por parte do recorrido, nomeadamente se existiram danos patrimoniais na esfera jurídica do recorrente.

E, assim, sendo, improcede o recurso de revista.

Concluindo:

I - Ao STJ, nos poderes de apreciação da matéria de facto a que aludem os artigos 729.º e 722.º do CPC, não está vedada a apreciação sobre se determinada matéria que consta nos factos provados deve ser considerada não escrita, por constituir mera conclusão ou encerrar em si o “thema decidendum”.

II - Factos, para os efeitos do artigo 511º do CPC, são não só as situações da via real mas também o estado, a qualidade ou a situação real das pessoais ou das coisas.

III - Não contém matéria conclusiva a afirmação de que “o réu visou apenas criticar o percurso político e público do autor”.

IV - O direito ao bom nome e reputação consiste, essencialmente, em não ser ofendido na sua honra ou consideração social, mediante a imputação feita por outrem, mas também o direito a defender-se dessa ofensa e obter a competente reparação.

V - A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão dos jornalistas, ou seja, o direito de informação sem impedimentos, discriminações ou limitações por qualquer tipo de censura.

VI - O conflito de direitos pode conduzir à sua concordância (direitos constitucionalmente garantidos) ou à prevalência do que seja superior - artigos 18.º da CRP e 335º do Cód. Civil, respectivamente.

VII - O critério normativo que deve presidir à ponderação em caso de conflito entre liberdade de expressão e o direito à honra, bom nome e reputação, é o da adequação da informação ao cumprimento do fim (interesse público) de informar.

VIII - Referindo-se a pessoa que exerça cargos públicos, descrevendo, ainda que em tom irónico e crítico, o seu percurso político e público – a actuação no âmbito do funcionamento de algumas Universidades privadas (em que foi conferido grau de licenciatura ao então Primeiro-Ministro, das relações do visado) e o percurso partidário, em que foi nomeado Ministro (cargo de que foi demitido) e administrador da CGD – sem qualquer referência à vida íntima da mesma, a(s) notícia(s) e opiniões do réu – comentarista político e um dos mais importantes “opinion makers” portugueses – inserem-se no âmbito de um “relevante interesse público” que se sobrepõe ao direito à honra e ao bom nome referido em IV.

IX - O exercício legítimo do direito de liberdade de expressão e informação através da imprensa, nos moldes referidos em VII, é lícito e, como tal, insusceptível de desencadear responsabilidade civil, em que se funda a obrigação de indemnizar nos termos gerais dos artigos 483º e 484º do Cód. Civil.

6.

Decisão:

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente (artigo 446º do Código do Processo Civil).

Lisboa, 28 de Junho de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

_______________________


[1] Na parte final de cada um dos pontos, indicar-se-á a alínea correspondente à matéria assente e ao artigo da base instrutória.
[2] Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 407.
[3] Obra citada, páginas 407/408.
[4] Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, pág. 436.
[5] Constituição Portuguesa Anotada, Título 1º, página 434.
[6] Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Coimbra Editora, página 266.
[7] Liberdade de Expressão, Coimbra Editora, página 266.
[8] Liberdade de Expressão, Coimbra Editora, página 274.
[9] Acs. STJ de 26/09/2000, in CJ/STJ, 2000, 3º, 42; de 17/10/2000, in CJ, 2000, 3º, 78; de 18/10/2005, in CJ/STJ, 2000, 3º, 78; de 27/01/2010, in www.dgsi.pt.
[10] Ac. STJ de 14/01/2010, in www.dgsi.pt.