Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A1532
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: ARRESTO
GARANTIA REAL
Nº do Documento: SJ200606080015321
Data do Acordão: 06/08/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1) O arresto é uma medida cautelar, decisão interina destinada a aguardar a definitiva no processo principal, logrando evitar que, a indecisão lese, por forma grave e de difícil reparação, o interesse do credor, por dissipação da sua garantia patrimonial.
2) A conversão do arresto em penhora é potestativa e determinada por despacho judicial.
3) A expressão "credor preferente" corresponde à de "credor com garantia real".
4) O arresto não convertido em penhora não confere garantia real ao credor que dele beneficia, nos termos e para os efeitos do artigo 70º nº1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aplicável "ex vi" do nº 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


No 3º Juízo da Comarca da Amadora, "Empresa-A" instaurou execução para pagamento de quantia certa, por apenso à acção, com processo ordinário, que moveu contra "Empresa-B", para obter o pagamento de 168.124,43 euros.

A instância foi julgada extinta, por inutilidade superveniente da lide, com fundamento no facto de ter transitado em julgado sentença homologatória de deliberação da Assembleia de Credores que aprovou medida de reestruturação financeira, no processo de recuperação de empresa a que a executada foi sujeita.

A exequente agravou mas a Relação de Lisboa negou provimento ao recurso.

Agrava, de novo, para concluir:

- Além dos factos assentes pelo tribunal "a quo" há ainda a acrescentar que foi decretado e efectuado o arresto a favor da exequente aos bens móveis, créditos, títulos de crédito e contas bancárias da executada; que a exequente requereu a conversão desse arresto em penhora;

- O arresto é um direito real de garantia;

- A medida de recuperação aprovada pelo Tribunal de Comercio de Vila Nova de Gaia não afecta os direitos da exequente sobre a executada, uma vez que aquela votou contra a providência aprovada e dispõe de garantia real sobre os bens do devedor, nos termos e para os efeitos do nº1 do artigo 70º e nº 1 do artigo 62º do CPEREF;

- O direito real de garantia da recorrente (i.e. o arresto) não carece de ser relacionado, corrigido, confirmado ou homologado por outro Tribunal que não o Tribunal a quo;

- A recorrente poderia ter prosseguido, como efectivamente o fez, com todos os meios processuais ao dispor tendo em vista a satisfação dos seus créditos nomeadamente com a presente execução;

- O Tribunal a quo não devia ter ordenado a extinção da instância.

Resulta assente a seguinte factualidade:

- No dia 14 de Fevereiro de 2002, deu entrada em Tribunal uma acção de recuperação de empresa em que foi requerida a ora executada "Empresa-B";

- No âmbito desse processo de recuperação a ora exequente "Empresa-A", votou contra a medida de reestruturação financeira proposta;

- Essa medida veio a ser aprovada por sentença de 24 de Fevereiro de 2003, transitada em julgada em 24 de Março de 2004, encontrando-se o respectivo processo arquivado;

- Consta do apenso nº 144-A/2002 que foi decretado e efectuado arresto a favor da recorrente de bens da executada, na acção nº 144/2002 que correu termos na Comarca da Amadora e que a recorrente intentou contra a "Empresa-B".

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Arresto. Garantia Real.
2- Conclusões.

1- Arresto. Garantia Real.

1.1- A única questão suscitada é o decidir se o arresto é, ou não, uma garantia real.
Importa referir "ab initio" que se trata de uma medida cautelar (antes considerados "actos preventivos ou preparatórios para alguma causa - cf. os artigos 363 ss do Código de Processo Civil de 1876) e, das quais, na dogmática jurídica, só houve laboração doutrinal após o Código de 1939 (v.g. "A figura do processo cautelar" do Prof. Alberto dos Reis - BMJ 3.27 e "Natureza Jurídica dos Processos Preventivos e Conservatórios e seu sistema no Código de Processo Civil" - R.O.A., 1945, nºs 3 e 4, 14 ss) conducente à reforma de 1961, quando esses meios passaram a designar-se de procedimentos cautelares.
No essencial, são destinados "a garantir quem invoca a titularidade de um direito contra uma ameaça ou um risco que sobre ele paira, e que é tão iminente que o seu acautelamento não pode aguardar a decisão de um moroso processo declarativo ou a efectivação do interesse juridicamente relevante através de um processo executivo se for caso de instaurá-lo." (Prof. A. Palma Carlos, apud "Procedimentos Cautelares Antecipadores", in "O Direito", 105ª, 236).
Trata-se, assim, de uma decisão interina destinada a aguardar a definitivo do processo principal, logrando evitar que da indecisão derivem danos irreparáveis para uma das partes.
E sempre assim é em todos os procedimentos cautelares.
São requisitos próprios do arresto a probabilidade da existência do direito de crédito pedido na acção (intentada ou a propor) e o receio que o requerido lese, por forma grave e de difícil reparação, esse direito, dissipando a garantia patrimonial.

Consiste numa apreensão judicial de bens, bastando "que o credor tenha fundado motivo para recear que a garantia patrimonial se perca, nomeadamente por temer uma próxima insolvência do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bens que impossibilite ou dificulte a realização coactiva do direito." (Prof. Almeida Costa, in "Direito das Obrigações", 311).

1.2- O arresto é convertido em penhora, nos termos do artigo 846º do Código de Processo Civil, retroagindo os efeitos desta à data do registo do arresto (artigos 622º e 822º nº2 do Código Civil).
Por sua vez o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior (nº1 do artigo 822º do Código Civil).
A conversão é potestativa e é determinada por despacho judicial.
No caso em apreço não resulta dos autos a conversão sendo que a recorrente apenas alega tê-la requerido.
Tudo se passa, então, como existindo tão somente o arresto.

1.3- Refere-se, desde já, ser aplicável o Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e de Falência (aprovado pelo Decreto-Lei nº 132/93 de 23 de Abril) e alterações ulteriores, considerando o disposto no artigo 12º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março quanto ao regime transitório.
O nº1 do artigo 70º daquele diploma impõe a concordata homologada a "todos os credores que não disponham de garantia real sobre bens do devedor ou a ela tenham renunciado". Corresponde ao anterior artigo 22 do Decreto-Lei nº177/86, de 2 de Julho que, por sua vez, equivalia ao revogado nº1 do artigo 1160º do Código de Processo Civil (este usando, embora, a expressão "credores não preferentes" que corresponde a credores com garantia real - cf. Acórdãos do STJ de 8/7/02 - Pº 612/02 e de 31/1/06 - Pº 3709/05-6ª).

1.4- O arresto não convertido em penhora é, por alguma doutrina, considerado um direito real de garantia (cf. Prof. Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações" Vol II -reimpressão-, 1987,495, Prof. Lebre de Freitas, "Acção Executiva", 121 e Código de Processo Civil Anotado, II,132, Prof. Anselmo de Castro,A Acção executiva singular, comum e especial, 1977,178, Cons. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2005,297 e Cons. Salvador da Costa, O Concurso de Credores).

Também o Prof. Paulo Cunha (apud "Da garantia nas obrigações" II, 157/158): "o arresto apesar de, em si, ser acto diferente, vem a produzir os efeitos da penhora, pela conversão nela; logo, se a penhora tem uma preferência especial, o arresto também a tem, pelo que o arresto é também uma garantia especial."
E o Dr. Miguel Lucas Pires (in "Dos Privilégios Creditórios: Regime Jurídico e sua influencia no concurso de credores", 143): "o arresto, uma vez convertido em penhora, confere ao respectivo requerente um direito de preferência em tudo análogo ao da penhora - com a vantagem dos efeitos retroagirem à data do arresto - devendo ser qualificado, tal como esta, como uma causa legal de preferência. Não se procedendo a esta conversão, designadamente porque o credor deixou caducar o arresto (cf. artigos 389º e 410º do CPC), nenhuma preferência conseguira obter por força do decretamento deste procedimento cautelar."
Pensa-se que a questão deve ter uma abordagem cuidada.
Assim,

1.5- O nº2 do artigo 604º do Código Civil contém uma enumeração, não taxativa ("... além de outros admitidos na lei...") dos privilégios.
Enquanto as que surgem seriadas resultam de um negócio jurídico, a arresto tem a sua origem num processo judicial.
Alguns autores apodam, talvez por isso, de garantias processuais o arresto e a penhora, embora o Prof. Menezes Cordeiro (ob. cit. 498, nota 3) alerte para o facto de não obstante constarem da lei processual "a sua existência, a nível substancial, é indubitável."
No tocante ao arresto, trata-se de medida provisória, obtida com base em mera aparência de direito - "fumus bonni juris" - após um julgamento perfunctório - "summaria cognitio" e uma garantia de contraditório, as mais das vezes (apenas contraditório diferido).
Daí, e não só por isso (já que, mesmo quando convertido em penhora, não é atendido para efeitos de falência do executado - artigos 200º nº3 do CPEREF, que aqui aplicamos, e 140º nº3 do vigente Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) nunca poder ser tomado como garantia plena.
Aliás, a hipoteca judicial - que tem a similitude de também brotar de uma decisão do tribunal (artigo 710º nº1 do Código Civil) não confere ao credor plena excepção ao principio "par conditio creditorum", dando-lhe menos vantagens do que, v.g., as hipotecas legais ou voluntárias. (cf. também os citados artigos 200º nº3 do CPEREF e 140º nº3 do CIRE).
Assim, pode afirmar-se que o arresto não convertido em penhora - e não se analisa com detalhe se a penhora confere ou não garantia real, por não relevar nestes autos - não confere garantia real ao credor que dele beneficia. (cfr neste sentido, Prof. Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais 1993, 202 a 204 e o Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, 333).

2- Conclusões.

Pode concluir-se que:

a) O arresto é uma medida cautelar, decisão interina destinada a aguardar a definitiva no processo principal, logrando evitar que, a indecisão lese, por forma grave e de difícil reparação, o interesse do credor, por dissipação da sua garantia patrimonial.
b) A conversão do arresto em penhora é potestativa e determinada por despacho judicial.
c) A expressão "credor preferente" corresponde à de "credor com garantia real".
d) O arresto não convertido em penhora não confere garantia real ao credor que dele beneficia, nos termos e para os efeitos do artigo 70º nº1 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aplicável "ex vi" do nº 1 do artigo 12º do Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março.

Acordam, em consequência, negar provimento ao agravo.

Custas pela agravante.

Lisboa, 8 de Junho de 2006
Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho