Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | CONCURSO DE INFRACÇÕES CRIME CONTINUADO BURLA QUALIFICADA MODO DE VIDA FALSIFICAÇÃO MEDIDA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL CULPA PENA ÚNICA IMAGEM GLOBAL DO FACTO | ||
Data do Acordão: | 10/26/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário : | I - Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções. Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Por outro lado, desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime. II - No caso dos autos, inexiste uma situação motivacional unitária, ou seja, uma acção que pressupõe que as condutas parcelares respondam a um só desígnio criminoso, ou seja, que a reiteração foi dominada por uma e a mesma resolução. Acresce que também não vem provada a existência de qualquer circunstância exterior que motivasse o arguido a repetir a prática do crime, que fosse determinante para que o arguido continuasse na senda criminosa e lhe diminuísse consideravelmente a culpa, ou seja, que revele que a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular. Consequentemente, há que afastar in casu a existência de um único crime ou de um crime continuado. III - O facto de o arguido ter meios próprios de subsistência, ou meios de rendimentos lícitos, não exclui que possa fazer da burla modo de vida, considerando-se verificada a circunstância qualificativa do crime de burla (art. 218.º, n.º 2, al. b), do CP). IV- Alega o recorrente que com a entrada em vigor da Lei 59/2007, de 04-09, e com as alterações efectuadas ao art. 256.º do CP, por força dessa lei, este normativo passou a admitir que o crime de falsificação de documento pode ser cometido única e exclusivamente com o fim de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, o que não sucedia na lei anterior. V - De harmonia com o Assento n.º 8/2000, de 04-05, in DR 119, Série I-A, de 23-05-2000, o STJ fixou jurisprudência no sentido de que “No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do art. 256.º, n.º 1, al. a), e do art. 217.º, n.º 1, respectivamente, do CP, revisto pelo DL 48/95, de 15-03, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes. Da mencionada alteração legislativa não resultou a alteração ou caducidade deste Assento, pelo que procede, em ambas as ilicitudes (a de burla e a de falsificação, e entre ambas) o concurso real de crimes, atenta a renovação da reiteração criminosa praticada. VI - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art. 40.º, n.º 1, do CP. O art. 71.º do CP estabelece o critério de determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção. VII - O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. Por outro lado, a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena. VIII - O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa, relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança. IX - Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção de reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. X - No caso do concurso de crimes, com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente (arts. 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, ambos do CP). XI - Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação da pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - Nos autos de processo comum com o nº nº1441/07.8JDLSB.do Juízo de Grande Instância Criminal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste, mediante despacho de pronúncia, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, entre outros, os arguidos, AA, e BB, com os demais sinais nos autos, a quem era imputada a prática dos seguintes crimes: - Ao arguido AA, um crime de fundação e chefia de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299º, nºs 1 e 5, do C. Penal, quarenta e três crimes de furto qualificados, p. e p. pelos arts. 203º e 204º n.º 1 al. e) e h) e n.º 2 al) g) do C. Penal, duzentos e trinta e sete crimes de violação de correspondência, p. e p. pelo art. 194° n.º 1 do C. Penal, cento e oitenta e quatro crimes de burla qualificada, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 217° n.º 1 e 218° n.º 2 al. a) e b) do C. Penal, cinquenta e três crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 217° n.º 1 e 218° n.º 2 al. a) e b) do C. Penal, duzentos e quarenta e oito crimes de falsificação de documentos, agravados, p. e p. pelo art. 256° n.º 1 al. a), b), c) e 3 do C. Penal, um crime de falsificação de documentos p. e p. pelo art. 256º n.º 1 al. a), b), c) e 3 do C. Penal, um crime de facultação de documento falsificado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. f) e n.° 3 do C. Penal, quatro crimes de receptação, p. e p. pelo art. 231° n.º 1 do C. Penal; -Ao arguido BB, um crime de adesão a associação criminosa, p. e p. pelo art. 299º nº 2, do C. Penal, dezasseis crimes de burla qualificada, na forma consumada, p. e p. pelos arts. 217.º, n.º 1 e 218.º, n.º 2, al. b) do C. Penal, seis crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23º, 73.º, 217° n.º 1 e 218º, n.º 2 al. b) do C. Penal, vinte e dois crimes de detenção e facultação de documento falsificado, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. f) e n.º 3 do C. Penal, um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º-A do C. Penal;
Realizado o julgamento foi proferido acórdão em 17 de Junho de 2010 decidindo o tribunal colectivo (…) B) Absolver os arguidos pronunciados por um crime de associação, criminosa, p. e p. pelo art. 299º, n.º 1, do C. Penal, todos os arguidos pronunciados por este crime; C) Condenar os seguintes arguidos, pela prática, em co-autoria, dos seguintes crimes, nas penas: - AA, por cada um de oito crimes de violação de correspondência, p. e p. pelo art. 194º do C. Penal, na pena de 6 meses de prisão, por cada um de cinquenta e três crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs. 1 e 3, do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, por cada um de oito crimes de falsificação de documento (de identificação), p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um de vinte e nove crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, por cada um de vinte e seis crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão, por um crime de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, a) e b), do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão e, em cúmulo, na pena única de 13 anos de prisão; (…) - BB, por cada um de dezassete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C. Penal, na pena de 2 anos de prisão, por cada um de quarenta e oito crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão, por cada um de doze crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo art. 218º, n.º 2, b), do C. Penal, na pena de 18 meses de prisão e, em cúmulo, na pena única de 10 anos de prisão; (…) D) . Absolver os arguidos dos demais crimes imputados.
Inconformados, os citados arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por seu acórdão de 12 de Abril de 2011, decidiu:
“M) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em consequência:
1. Alteram a redacção: - Do facto provado de fls. 24343, segundo parágrafo, que passa a ser a seguinte: «Em circunstâncias não apuradas, o cheque nº … passou para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos no mesmo, de forma a permitir o seu depósito na conta bancária titulada por CC, supra identificada, e posterior levantamento do valor correspondente, em prejuízo da ofendida.»; - Do facto provado de fls. 24330, primeiro parágrafo, que passa a ser a seguinte: «No mesmo dia DD, acompanhado pelo arguido EE e de um outro indivíduo identificado como FF, procedeu, ao balcão, ao levantamento da quantia de € 2.585,00.»; e, - Do facto provado de fls. 24335, sétimo parágrafo, que passa a ser a seguinte: «No dia 8 de Julho de 2008, os talões das transferências referidas supra foram encontrados na casa do arguido AA, sita na Praceta …, n.º .., …º, .., Massamá, tendo o valor em causa revertido, ao menos em parte, para este arguido.».
2. Aditam aos factos não provados os seguintes: «Em circunstâncias não apuradas, os cheques nºs …, … e … passaram para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções necessárias à alteração dos elementos neles inscritos.»; «O arguido AA também acompanhou o DD, quando este levantou ao balcão a quantia de € 2.585.».
3. Absolvem o arguido da prática de quatro crimes de violação de correspondência, p. e p. pelo art. 194º, nº 1, do C. Penal, e da prática de um crime de burla, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal [por referência aos valores transferidos para a conta da arguida GG e desta conta para a de terceiro].
4. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido na pena única de 13 (treze) anos de prisão.
5. Condenam o arguido na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão.
6. Confirmam quanto ao mais, e no que ao arguido respeita, o acórdão recorrido.
7. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 U.C. (arts. 513º, nº 1, do C. Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).
* O) Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido BB e em consequência:
1. Alteram a redacção: - Do facto provado de fls. 24317, quinto parágrafo, que passa a ser a seguinte: «Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou para o depósito de cheques furtados.»; e, - Do facto provado de fls. 24319, primeiro parágrafo, que passa a ser a seguinte: «No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido EE para o depósito dos cheques furtados.».
2. Aditam aos factos não provados o seguinte: «A arguida HH disponibilizou a sua conta bancária ao arguido BB.».
3. Absolvem o arguido da prática de cinco crimes de burla qualificada, sendo um na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º, 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal [tendo por objecto cinco cheques subtraídos e depositados na conta da arguida HH], e da prática de dois crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1, f) e 3, do C. Penal.
4. Revogam o acórdão recorrido na parte em que condenou o arguido na pena única de 10 (dez) anos de prisão.
5. Condenam o arguido na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
6. Confirmam quanto ao mais, e no que ao arguido respeita, o acórdão recorrido.
7. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 U.C. (arts. 513º, nº 1, do C. Penal e 87º, nº 1, b), do C. Custas Judiciais).”
- De novo inconformados, vêm os mesmos arguidos interpor recurso desse acórdão, para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando separadamente a competente motivação.
O recorrente BB, após convite para a formulação de conclusões na motivação do recurso, apresenta as seguintes: 1. Basicamente, a questão que ora se submete apreciação de V.Exas. é a da medida da medida da pena, que o arguido preconiza como excessiva, peticionando outra mais benévola, sem todavia ter a pretensão de indicar qual. 2. E não o fazemos, porquanto a fixação da concreta pena é tarefa compósita, de pura aplicação do direito, confluindo nela as notas de discricionariedade e de vinculação , nos mesmos termos que sucede com qualquer operação comum de aplicação de direito, na qual relevam regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações - cfr. Direito Penal Português - As consequências Jurídicas da Pena, Prof. Figueiredo Dias, pa~ 251. 3. Consabidamente, as penas visam a protecção dos bens jurídicos (fim público) e a reinserção do agente no tecido social, por forma a impedir que ostracize, de futuro, e que lesou (fim particular) - art.o 40 n° 1, do CP; 4. A maior ou menor necessidade de protecção dos bens jurídicos é aferida em função da sua importância, decalcada, de resto, na amplitude da moldura penal abstracta para o tipo legal, por razões de prevenção do crime, de defesa da ordem jurídica (Cfr.Claus Roxin, in Culpabilidad y Prevención, pág. 115). 5. E na medida em que representa uma intromissão na esfera do cidadão, a compreensão dela derivada deve reduzir-se ao mínimo essencial à realização daquela teleologia ( artigo 180 da CRP) defrontando-se o julgador , nessa tarefa de determinação judicial, com regras nucleares de direito, aquele art.o 400 nº 1, do CP e o art.o 71º , do mesmo diploma, não podendo ignorar que o acto decisório comporta, ainda, uma" componente individual" que não é controlável plenamente de modo racional já que se trata, segundo Jescheck, Derecho Penal, Parte General, lI, pág. 1192, de converter justamente a quantidade de culpabilidade em magnitudes penais. 6. A medida concreta da pena é um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal e constitucional em matéria de sentido, limites e finalidades das penas (cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, pág. 258) cabendo à culpa fornecer o limite máximo da pena a aplicar no caso concreto, nos termos do art.o 40º do CP, sendo em função de considerações de prevenção geral e especial de ressocialização, que deve der determinada abaixo daquela moldura máxima, e .em função daquelas sub-molduras, a medida concreta. 7. Há um ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos. Reclamada pela colectividade, mas abaixo desse pode encontrar-se um outro, agora inultrapassável, pois a sociedade já não tolera a perda de eficácia preventiva da pena, ainda consentâneo com tal eficácia e que integra o limiar mínimo da pena encontrado em função das necessidades de prevenção especial ( Cfr. Prof Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12, N° 2 Abril- Junho, 2002) onde se jogam aquelas circunstancias que não fazendo parte do tipo depõem a favor ou contra o agente do crime - art.º 71.º n° 2, do CP. É pois este o ponto em que assentamos a nossa pretensão: Será necessário para tutela da prevenção geral, aplicar 8 anos e 6 meses de prisão a este homem? 8. Não serão susceptíveis de concorrer circunstâncias que deponham a favor deste homem? Sobremaneira a quem nunca atentou contra os valores da sociedade. 9. Pelo que numa avaliação da personalidade - unitária - do agente impõem-se relevar, que o facto criminoso não é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma" carreira") criminosa, tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, e se nos afigura de grande relevo num juízo de prognose quanto ao efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. 10. Nestes termos e fundamentos, afirmamos que a pena infringida ao arguido se afigura desproporcional e desadequada perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama. Termos em que, procedendo as questões elencadas, seja o acórdão recorrido substituído por outro que altere a medida da pena, diminuindo-se a mesma; Pelo que com os termos e fundamentos supra citados farão V.Exas. seguramente a habitual Justiça
O recorrente AA formula as seguintes conclusões: A. Tratou-se de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, não existindo mais necessidade de renovar o processo de motivação, pelo que a actuação do arguido, realiza um único tipo legal de crime, previsto no art. 256º, n.1 al.c) e n.º 3 do C. P. e artigo 218º nº 1 e 2 al.a) do CP. B .Verdadeiramente estamos perante aquilo que Jeschek (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 4a edição espanhola, pago 650) designa por "unidade típica de acção em sentido amplo", a qual exige que a "lesão do bem jurídico sofra apenas uma agravação puramente quantitativa mediante a repetição plural do tipo ilícito unitário e que, além disso, o facto responda a uma situação motivacional unitária (culpabilidade unitária); ou seja uma acção que pressupõe que as condutas parcelares respondam a um só desígnio criminoso (unidade subjectiva) e realizem um único tipo legal de crime (unidade objectiva)- cfr. Santiago Mir-puig, " Derecho Penal, Parte General" 657. C. E é isso que, como se disse, salvo devido respeito por melhor e superior opinião, se verifica no caso dos autos. D. Estamos, pois, em presença de um único crime de falsificação e de um único crime de burla (porque neste caso entendemos que os bens jurídicos protegidos por estes crimes são diferentes), e por isso a punir em conformidade com o acima exposto. E.O tipo legal de crime preenchido com as referidas condutas é só um e, conforme os factos descritos na acusação que tiveram tais condutas lugar no âmbito da mesma e inicial resolução criminosa, na medida em que "acabaram por gizar um plano de actuação criminosa". F.Na verdade somos do entendimento, que, embora haja uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, há um só crime protegendo o mesmo bem jurídico, já que só houve uma única resolução criminosa que persistiu ao longo de toda a realização. G.Conforme douto entendimento constante no Ac. STJ de 88/05/11, BMJ 377-431 "Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinadas por nova motivação". H. Ora, e face a tal definição, não restam dúvidas de que no caso em apreço e, tendo em conta os factos dados como provados pelo tribunal a quo, houve uma única resolução criminosa, uma única motivação. I Havendo uma única resolução criminosa há um só crime, "desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime"- Ac. STJ de 84/03/08, BMJ335-135. J.O que sucedeu no caso em apreço foi uma multiplicidade de condutas violadoras de um mesmo tipo legal de crime na execução de um mesmo propósito criminoso. K.Neste caso e contrariamente à qualificação operada pela acórdão recorrido não estamos perante um concurso real ou efectivo nem perante um concurso aparente já que "A figura do crime único com pluralidade de condutas violadoras do mesmo tipo legal, estruturadas em função de uma só resolução criminosa, não está abrangida pela previsão do art.o 30° do C.P."- Ac. 5TJ de 91/10/23, BMJ 410-382. L.O recorrente actuou na sequência de um mesmo plano e modo de execução criminoso, pré-estabelecido., e assim, encontramo-nos perante um único crime de falsificação de documento e de burla qualificada, cuja execução se foi sucedendo no tempo, isto é, em obediência a um único e inicial projecto, em que a reiteração foi dominada por uma e a mesma resolução. M. Pese embora, a violação repetida do mesmo tipo legal, a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários é possível formular. N.Nestes casos indiciada que está a unidade da conduta criminosa existe um só e único crime, que é de facto afirmado, quer pela equação entre a unidade do delito e a da acção, quer pela igualdade que se estabeleça entre a unidade de delito e a de qualquer outro dos seus elementos. Trata-se, pois, de hipóteses inequívocas de unidade de infracção (v.d. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso em Direito Penal, Almedina 1996, pago 16) O. Logo, e de acordo com o exposto, no caso sub judice estamos face à verificação de um único crime de falsificação de documento p.e p. pelo art.° 256º n.o 1 a!. c) e nº. 3 do C.P. e de um único crime de burla qualificada previsto e punido pelo artigo 2170 e 2180 nº 1 e 2 al .a) do C.P. pois o bem jurídico protegido em todos eles é a "fé pública de tais documentos, confiança que é absolutamente necessária à normalização das relações comerciais e ao exercício da actividade bancária". P. Aliás, como se referiu, foi o próprio tribunal que "quase" admitiu a figura do "crime continuado" ao reafirma-se: "não podemos desconsiderar que, embora não estando perante uma situação de crime continuado, existem factores associados à repetição da conduta que de algum modo facilitaram a sua execução e, dessa forma, atenuam a culpa do arguido". Q. Face ao que acima se motivou e para aí se remete na integra e em síntese, entendemos, e corroborando na integra os doutos ensinamentos do nosso Supremo Tribunal de Justiça, que o mesmo não praticou a qualificativa da al.b) do artigo 218º nº 2 do CP, pois que tendo outros rendimentos lícitos mediante os quais faz face ás despesas decorrentes do seu quotidiano familiar, deverá o mesmo ser absolvido desta qualificativa e consequentemente as penas parcelares e, em concreto, substancialmente reduzidas. R. Sintetizando, conforme decorre do supra exposto e da doutrina já aduzida na presente peça processual, que damos aqui como reproduzida se com os factos provados do acórdão, com a prova documental e testemunhal que os suporta e com a doutrina e jurisprudência já referida, quanto aos elementos constitutivos do crime de burla que são o erro ou o engano sobre factos estabelecidos e que causem prejuízo a outrem, verificamos o seguinte: a)Não houve da parte do arguido uma manipulação de circunstâncias por via das quais os lesados condicionados de forma enganosa a remeter ou entregar os cheques aos mesmos. b) O envio dos cheques ocorre por causas naturais não imputadas ao arguido ou sem qualquer relação expressa com este. E já em data posterior ao envio dos cheques que estes entram "na esfera" do arguido e são adulterados e posteriormente levantados (utilizados), pelo mesmo ou com pessoas consigo conluiadas. c) É por via dessas adulterações e do posterior levantamento (utilização) dos cheques adulterados que os lesados vêm a sofrer prejuízo patrimonial, mas esse prejuízo foi causado pelos crimes de falsificação em que o arguido também foi condenado e não por burla. d) Face ao exposto e para efeito do Art. 412; nº2, Als a) , b) e c) do C.P.P. ,podemos afirmar que o douto acórdão violou os arts. 217° e 218º do C.P. por ter interpretado que a adulteração de cheques com o seu posterior levantamento (utilização) constituem erro ou engano sobre factos astuciosamente estabelecidos de forma a manipular outrem e condicioná-Io a praticar actos que lhe causem prejuízo patrimonial, quando na pratica a adulteração de um cheque com o intuito de causar prejuízo a outrem subsequente utilização (levantamento) são elementos constitutivos do crime de falsificação de documentos. Assim para os devidos efeitos, é-nos lícito afirmar que os factos em causa não reúnem os elementos constitutivos dos crimes de burla qualificada em que o arguido foi condenado devendo assim absolver-se o recorrente de todos esses crimes, mas que essa factualidade reúne em si os elementos constitutivos de crimes de falsificação de documentos puníveis pelo art. 256°, nº1 ,Als b), e) e nº3 do C.P.; crimes esses em que o arguido também foi condenado por respeito a estes factos. S.Ao admitir que a falsificação de um cheque em si mesmo não é um fim mas um meio par atingir um fim, o tribunal recorrido afasta a danosidade autónoma dessa conduta e admite que a mesma é apenas um meio para a prática de outra conduta danosa (ilícita). T.Ora com a entrada em vigor da lei 59/2007, de 4 de Setembro e com as alterações efectuadas ao Art.256° do C.P. por força dessa lei, este normativo passou a admitir que o crime de falsificação de documento pode ser cometido única e exclusivamente com o fim de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, o que não sucedia na lei penal anterior. U.Em face disto, tal como nos diz o Paulo Pinto de Albuquerque na sua obra, "comentário ao C.P. à luz da C.R. e da C.E.D.R.", pag.675; Universidade Católica Editora: V."Há concurso aparente ( consumpção ) entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla ou qualquer outro crime que tenha sido preparado, facilitado, executado ou encoberto por intermédio de documento falso tendo o legislador propositadamente afastado a jurisprudência dos acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ de 19-02-92 e 8¬2000 cuja constitucionalidade foi testada pelo acórdão do TC 303/2005. W. Com efeito o legislador deixou clara na revisão do C.P. de 2007, que a acção típica de falsificação pode ser requerida com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime, sendo um elemento subjectivo típico, parte constitutiva do próprio ilícito subjectivo e não um factor de agravação (como sucede no crime de homicídio). X.Sendo assim, a punição nestes casos em concurso efectivo redundaria numa dupla punição pelo mesmo facto. Y.A conclusão é inelutável, em fase da opção de política criminal do legislador: o concurso é meramente aparente, sendo a punição do crime - instrumento de falsificação, subsidiária da punição do crime - fim (com conclusão idêntica em fase da lei nova, mas com argumentação distinta Sá Pereira e Alexandre Lafayette; 2008; 664). Z. Esta é também a posição actual dos juristas e do douto TRL que se encontra vertido no acórdão do processo nO 4395/03.6 TDLSB. LI da 5a secção de 29-06-2010 (relator Pedro Martins), que se subscreve e se dá aqui como integralmente reproduzido. AA. Assim se aceitássemos como verídicos os factos provados no douto acórdão e concordássemos com a moldura penal aí aplicada, o que só por mera cautela de patrocínio se pondera, teríamos que, de todo o exposto, resulta que foram violados os Arts 30, nº 1 e 77°, nºs 1 e 2 ambos do C.P., porquanto entendeu o douto tribunal recorrido que o arguido incorreu em concurso real na prática de (??) crimes de falsificação de documentos previstos e punidos pelo Art. 256°, todos do C.P. , no que se refere nos termos e para os efeitos do Art.412°, nº2, AIs. a) e b) do C.P.P. BB. Contudo permitindo-nos discordar do douto acórdão, pois é nosso entender que estamos perante um concurso aparente de normas pois entre as normas concorrentes subsiste uma relação de consumpção uma vez que o crime previsto por uma norma (consumida) crime de falsificação de documento, não passa de uma fase de realização do crime previsto por outra (consumptiva), crime de burla. O crime aqui previsto pela norma consumptiva representa a etapa mais avançada na efectuação do malefício, aplicando-se então o princípio de "NNNNNN". CC. Os factos acham-se numa relação de parte a todo, de meio a fim. DD. No caso em apreço, os crimes de falsificação de documento serviram para preparar e executar os crimes de burla. Por tal afirmamos a nossa convicção no concurso aparente de normas, pois na realidade de um concurso aparente se trata, das várias normas aparentemente aplicáveis a um mesmo facto, por este realizar a provisão de todas elas, só uma é realmente aplicável, ou seja, só a uma deve atender-se para a regulamentação do facto. Não há verdadeiramente concurso de normas porque só uma delas é aplicável, há é conflito e por isso o concurso é aparente. EE. Interpretar-se que o arguido pode ser condenado por dois crimes (burla e falsificação), pela prática do mesmo facto é a mesma interpretação do artigo 256° n° 1 aI. c) do CP inconstitucional por violação do artigo 29° nº 5 da CRP. FF. Assim sendo, sempre ressalvado o devido respeito a pena única encontrada de 11 anos e 6 meses de prisão, excede a medida da sua culpa e, face á procedência das questões supra referidas deverá misericordiosamente ser reduzida para 6 anos e 6 meses de prisão, ou caso assim não se entenda, e na improcedência das questões supra que seja reduzida para os 8 anos de prisão próxima do limite mínimo para um caso de homicídio simples, em que continua a estar em causa o valor mais supremo - a vida - . Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser considerado procedente por provado, revogando-se o aliás, douto acórdão recorrido por outro ainda mais douto que defira as conclusões supra, assim se fazendo a sã e costumada JUSTIÇA!!!!!
- Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo quanto ao recurso interposto pelo arguido BB a. O Acórdão do TRL é irrecorrível nos termos das disposições conjugadas dos artigos 400º nº 1 al. f) 432º n° 1 ai b) todos do CPP. b. O arguido no recurso do Acórdão da 1ª Instância não contestou a opção feita pelo tribunal colectivo pela pena privativa de liberdade nem sequer a medida concreta de cada uma das penas fixadas. c. Considerando-se o regime do artigo 77° do CPP não se afigura possível impor-se ao arguido uma pena inferior. d. Ora no caso concreto o arguido foi autor de repetidas condutas criminosas que consistiram na falsificação de cheques para concretizar inúmeras burlas tendo como objectivo o recebimento das quantias resultantes dos levantamentos bancários. e. Considerou o tribunal agora recorrido que estamos perante uma verdadeira carreira criminosa o que aumenta a culpa e eleva o grau das exigências da prevenção especial. f. Por outro lado o arguido tem antecedentes criminais ligados a crimes contra a propriedade cujas condenações não foram suficientes para o afastar do crime. g. O artigo 18° da CRP não se pode interpretar como uma obrigação dos tribunais no sentido de aplicarem sempre penas próximas do limite mínimo. h. Assim mostrando-se a pena imposta proporcional e adequada deve ser negado provimento ao recurso.
E respondeu à motivação do recurso apresentado pelo arguido AA, referindo: “(…) o arguido lega, essencialmente, que: -Nos presentes autos, existiu, por parte do arguido, uma única resolução criminosa com repetição pluríma do tipo ilícito unitário, e a sua actuação configura um único tipo legal de crime, pp pelos arts. 256~ n° 1 ai. c) e n° 3 e 218~ n° 1 e 2, aI. a) do CP, pelo que estamos em presença de um único crime de falsificação e de um único crime de burla. -E havendo uma única resolução criminosa, há um só crime e não uma plural idade de crimes. -Sendo que entre a falsificação de documento e a burla qualificada existe concurso um concurso meramente aparente, uma relação de consumpção, uma vez que o crime de falsificação não passa de uma fase de realização do crime de burla. -Pelo que, tendo o Tribunal a quo entendido que o arguido, pela prática do mesmo facto, pode ser condenado pelos dois crimes (burla e falsificação), interpretou, de forma inconstitucional, o art. 256°, nº 1 aI. c) do CP, por violação do art. 29°, nº 5 da CRP. - A medida da pena de 11 anos e 6 meses de prisão excede a medida da culpa do arguido e, procedendo a questão do concurso aparente, deverá ser reduzida para 6 anos e 6 meses, ou, em caso de improcedência da mesma questão, deve ser reduzida para os 8 anos de prisão. Mas o recorrente não tem razão. Em primeiro lugar, o facto de o arguido ter gizado um plano de actuação criminosa em comunhão de esforços e com vista ao depósito de cheques subtraídos de marcos do correio e posterior levantamento dos valores respectivos, não significa que tenha havido um único desígnio criminoso e que, portanto, o recorrente tenha cometido um único crime de falsificação e um único crime de burla. Como bem salienta o Acórdão recorrido, a actuação do arguido de acordo com um plano previamente estabelecido define uma actuação em co-autoria mas não uma unidade de resolução criminosa, pois não se vê como poderia esta permanecer intacta no tempo, ao longo dos largos meses que foram abrangidos pelas repetidas condutas do recorrente e dos seus co-arguidos. Acresce que, no caso, também não estamos perante uma situação de crime continuado, por inexistência do requisito próprio da continuação criminosa previsto no art. 30°, nO 2 do Código Penal, ou seja, por falta de verificação de um quadro de solicitação exógena de uma mesma situação anterior susceptível de diminuir consideravelmente a culpa do recorrente. Por outro lado, e ao contrário do que pretende o recorrente, da alteração da redacção do art. 256°, n° 1 do CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, não resulta a alteração ou a caducidade da jurisprudência fixada, quanto ao concurso de crimes, pelos Acórdãos do STJ, de Uniformização, de 19.2.1992 e 8/2000. Provavelmente, ao alargar a acção típica aos segmentos «ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outros crimes», o legislador apenas terá pretendido incluir condutas que, até aí, não estavam previstas, por forma a abranger aquelas situações em que o agente pudesse não ter tido intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter, para si ou para outrem, beneficio ilegítimo, mas apenas tivesse a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Assim se justifica, na redacção actual da norma, a conjunção ou que antecede o novo segmento do texto e o pronome outro que precede a palavra crime. Esse alargamento introduzido pelo legislador em nada afecta ou contende com a dimensão normativa dos preceitos penais em causa, uma vez que o que releva nesta sede é a natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, e essa natureza não foi beliscada pela alteração legislativa introduzi da. Confira-se, a este propósito, a doutrina de Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 18a edição, 2007, em anotação ao art. 256. " Este crime concorre (concurso real) com o de burla, quando no processo de execução da burla o agente usa documento falso. Foi a orientação que sempre sustentámos a partir da entrada em vigor do Código, em face da não existência de dispositivo correspondente ao do § do art. 4510 do CP de 1886 e dos diferentes valores protegidos por cada uma das infracções (. . .) Cremos que a revisão do Código operada pelo diploma referido supra, anotação 1, não colidiu, directa ou indirectamente, com esta orientação. » No mesmo sentido, da verificação de concurso real dos crimes de burla e falsificação, e reafirmando a jurisprudência anteriormente firmada, se pronunciou esse Supremo Tribunal, no Acórdão de 18.10.2007, Proc. 07P3185. Quanto à medida da pena, a pretensão do recorrente é completamente injustificada e não tem qualquer fundamento legal. Pois, no que conceme à escolha e medida da pena aplicada ao arguido, releva o facto de o tribunal a quo ter observado todos os critérios ao caso convocáveis e se ter pautado pelo rigoroso respeito pela lei e designadamente, pelos arts. 40°, 70°, 710 e 77°, n° 2 do CP. Na verdade, como releva dos autos, o Acórdão recorrido teve em conta, como devia, que o universo das condutas criminosas do recorrente (a Relação absolveu-o da prática de cinco crimes mas confirmou a sua condenação pela autoria de mais de sete dezenas) e dos seus antecedentes criminais revelam ( ... ) uma manifesta tendência para a prática deste tipo de crimes e uma completa indiferença pelos valores tutelados pelas normas violadas. Pelo que, tendo em conta tais circunstâncias, bem como a intensidade do dolo e o elevado grau de ilicitude da sua conduta, o tribunal aplicou ao arguido AA uma pena única de prisão adequada e proporcional mas que pode, até, considerar-se generosa e modesta, face ao seu percurso criminal recheado de tão abundante e reiterada actividade ilícita. Assim sendo, é de concluir que o Acórdão recorrido efectuou correcta interpretação dos normativos legais aplicáveis ao caso. Não se vislumbrando que tenha violado qualquer dispositivo quer da lei ordinária quer da Constituição da República Portuguesa, designadamente o artigo 256°, nO 1, al. c) do CP e o artigo 29°, nº 5 da CRP, tal como vem invocado pelo recorrente. Termos em que deverá o Acórdão recorrido ser confirmado, julgando-se o recurso improcedente. Assim decidindo, farão Vossas Excelências Justiça
- Neste Supremo, a Dig.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer Parecer onde refere I Mostram os autos que: 1. Por despachos de fis. 27128 e 27198, foram admitidos os recursos interpostos do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Abril de 2011, pelos arguidos BB e AA. 2. Nas respectivas respostas de fis. 27109 e 27191, os Magistrados do Ministério Público, em exercício de funções junto do tribunal recorrido, defendem a improcedência dos recursos. II 1. Quanto ao recurso interposto pelo recorrente BB, concordamos com os fundamentos invocados pelo Ministério Público no sentido da improcedência do mesmo, uma vez que a pena imposta, sem colocar em causa o limite que a culpa constitui, responde equilibradamente às exigências de prevenção, não merecendo assim o douto acórdão recorrido qualquer censura. 2. Relativamente ao recurso interposto pelo recorrente AA, concordamos igualmente com os fundamentos invocados na resposta de fIs. 27191 e ss, no sentido da improcedência daquele, considerando o ajustado entendimento defendido no douto acórdão recorrido relativamente à qualificação jurídica dos factos (cf. fls. 26769, 26782, 26795 a 26795) e medida da pena imposta (cf. fIs. 26798 a 26802). “
- Não tendo sido requerida audiência, seguiram os autos para conferência após os vistos legais em simultâneo. - Consta do acórdão recorrido referente aos arguidos ora recorrentes. “O) Recurso do arguido BB
Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto
1. Começa o arguido por transcrever a matéria de facto provada relativa, na técnica de exposição seguida pelo acórdão recorrido, à arguida II, para depois dizer, «Tal facto afigura-se-nos incorrectamente julgado à luz dos seguintes meios de prova (…)», passando a transcrever a motivação de facto do acórdão, para depois reafirmar que «o facto acima considerado foi incorrectamente julgado por provado»,(…) (…) Assim, depois de transcrever factos provados que no acórdão recorrido ocupam cerca de seis páginas, o arguido acaba por não indicar concretamente, qual o facto ou os factos provados que entende incorrectamente julgados, embora se possa concluir da transcrição feita que será apenas o seguinte: «Em data não concretamente apurada, a arguida II disponibilizou ao arguido BB os elementos referentes à sua conta bancária do BCP com o n.º … para depósitos de cheques, a troco do recebimento de quantia não apurada.». Depois, e como decorre do supra exposto, a divergência do arguido funda-se apenas na valoração feita pelo tribunal colectivo relativamente ao conteúdo da sms recebida no seu telemóvel e referida na motivação de facto. Com estes limites, e dispensando-se o convite previsto no art. 417º, nº 3, do C. Processo Penal, para evitar mais delongas, passemos à análise da pretensão do recorrente.
A matéria de facto provada com relevo é a seguinte, indo a negrito a que directamente respeita ao recorrente (fls. 24296 a 24301): - No verso do cheque … do Barclay's, no valor de € 3.457,51, emitido pela sociedade JJ, Lda., foi aposto carimbo com os dizeres "KK, S.A", seguindo-se assinatura manuscrita, a simular endosso regular do cheque pela beneficiária do mesmo; - O carimbo em causa não corresponde ao utilizado pela sociedade "KK", o cheque nunca chegou ao destino, nem foi endossado pelo representante da mesma sociedade; - O mesmo cheque n.º … foi viciado por sobreposição de traços e acrescento de caracteres, tendo sido também alterado quanto à data de "2007" para "2008-01-04"; - A viciação do cheque foi efectuada com tinta de esferográfica azul; - O endosso do cheque foi obtido com recurso a uma impressão de carimbo com tinta de cor preta e assinatura com tinta de esferográfica azul; - Após a adulteração foi depositado, a 8 de Janeiro de 2008, na conta do Millenium BCP n.º …, titulada pela arguida II, tendo sido debitado o respectivo valor na conta da sociedade "JJ". - Os três cheques n.ºs …, … e … do BCP, emitidos por LL, no valor unitário de € 519,00, sacados da conta n.º …, no valor total de € 1.557,00, foram emitidos ao portador e entregues em mão a MM, como meio de pagamento de dívida; - Posteriormente, em Janeiro de 2008, MM, enviou-os para pagamento a um os seus fornecedores, colocando-os em cartas depositadas no marco dos C.T.T., sito na Rua das Necessidades, em Lisboa; - Os cheques em causa foram retirados do marco do correio em circunstâncias não apuradas; - As assinaturas efectuadas com o nome de LL constantes dos endossos apostas nos versos dos três cheques com os dizeres "MM", não foram manuscritas pela sacadora do cheque; - O endosso, no verso de cada cheque, foi efectuado com recurso a uma assinatura manuscrita com tinta de esferográfica azul; - Nos três cheques é igual a assinatura dos endossos e é semelhante entre si a tinta de esferográfica; - Os três cheques foram depositados a 14 de Janeiro de 2008, na conta do Millenium BCP n.º …, titulada pela arguida II, tendo sido debitado o respectivo valor na conta de LL supra referida; - MM ficou desapossado do valor de € 1.557,00, por ter recebido os cheques em mão; - O valor em causa foi levantado no próprio dia 14 de Janeiro, através de ATM e ao balcão, tendo este último sido efectuado pela arguida. - No dia 9 ou 10 de Janeiro de 2008 o cheque n.º …do BCP, no valor de € 761,24, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "NN" foi remetido por carta e introduzido no marco dos C.T.T., sito na Avenida Alvares Cabral, em Lisboa; - Em circunstâncias não apuradas, foi o mesmo cheque subtraído do referido marco do correio; - No seu verso foi aposto carimbo, com os dizeres "OO, LDA" e "PP", seguindo-se assinatura manuscrita, a simular endosso do cheque pela sociedade à ordem do qual o mesmo foi emitido; - O carimbo aposto no verso do cheque não corresponde ao carimbo utilizado pela sociedade "OO", o cheque nunca chegou ao seu destino nem foi endossado ou assinado pelo representante legal desta sociedade; - O endosso, no verso do cheque, foi obtido com recurso a uma impressão de carimbo com tinta de cor preta e uma assinatura manuscrita com tinta de esferográfica azul. - A 14 de Janeiro de 2008, foi o mesmo cheque n.º … do BCP, no valor de € 761,24, depositado mesma conta nº …, titulada pela arguida II; - O valor em causa foi levantado no mesmo dia através de caixa ATM. - No dia 3 de Janeiro de 2008, o cheque n.º … do Barclay' s emitido pelo Dr. QQ no valor de € 2.307,28 foi, com a respectiva carta, colocado no marco dos C.T.T., sito na Estrada da Luz, junto às Bombas da Galp, em Lisboa; - O cheque em causa foi depositado na conta da arguida II e foi debitado na conta n.º …; - O endosso no verso do cheque foi obtido com recurso a uma assinatura manuscrita com tinta esferográfica azul. - No dia 9 de Janeiro de 2008, a mando das sociedades "RR – ..., Lda." e "SS – Transportes, Lda.", com o mesmo representante legal, foram colocadas na Estação dos C.T.T. sita no Terreiro do Paço, em Lisboa cinco cartas contendo os seguintes cheques; - 1 carta dirigida à "TT – Transitários, Lda." com o cheque do BCP n.º … emitido a favor desta sociedade, no valor de € 1.381,50, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "RR – ..., Lda."; - 1 carta dirigida à "UU – Transportes Internacionais, Lda." com cheque do BCP n.º …, emitido a favor desta sociedade, no valor de € 405,13, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "RR – ..., Lda."; - 1 carta dirigida à "VV, Lda." com o cheque do BCP n.º …, emitido a favor desta sociedade, no valor de € 588,00, sacado sobre a mesma conta n.º …, titulada pela "RR – ..., Lda."; - 1 carta dirigida à "XX, Lda.", com o cheque do BCP n.º …, emitido a favor desta sociedade, no valor de € 403,61, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "SS – Transportes, Lda."; - 1 carta dirigida à "ZZ, Lda.", com o cheque do BCP n.º …, emitido a favor desta sociedade, no valor de € 621,27, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "SS – Transportes, Lda."; - No verso do cheque do BCP, n.º … foi aposto carimbo com os dizeres "TT, Lda." e "PP", seguindo-se uma assinatura manuscrita a simular endosso do cheque pela sociedade que consta como beneficiária do mesmo e à ordem do qual o cheque foi emitido; - O carimbo em causa não corresponde ao utilizado pela sociedade "TT …, Lda." e o cheque nunca chegou ao seu destino nem foi endossado ou assinado pelo representante legal desta sociedade; - No verso dos cheques do BCP n.ºs …, …, … e ..., foram apostos carimbos com os dizeres abaixo mencionados e assinaturas, simulando endossos dos cheques pelas sociedades beneficiárias dos mesmos: - Cheque do BCP n.º … – "UU, Lda." e "PP"; - Cheque do BCP n.º …– "VV, Lda." e "PP"; - Cheque do BCP n.º … – "XX" e "PP"; - Cheque do BCP n.º … – "ZZ, Lda." e "PP"; - Os carimbos em causa não correspondem aos utilizados pelas sociedades "UU", "VV", "XX" e "ZZ", os cheques não chegaram aos seus destinos, nem foram endossados ou assinados pelos respectivos representantes legais; - Os carimbos utilizados para o endosso destes quatro cheques é em tudo semelhante ao carimbo falso que foi aposto no referido cheque n.º …; - Este cheque n.º … foi depositado no dia 14 de Janeiro de 2008, na agência do BCP de Alverca Estádio, na conta titulada pela arguida II Jacinto e debitada da conta n.º … titulada pela "RR – ..., Lda.", que assim ficou prejudicada naquele valor; - O valor do cheque foi levantado no mesmo dia 14 de Janeiro de 2008, tendo a arguida procedido ela mesma aos levantamentos ao balcão e em agência de câmbio, bem sabendo que tais valores não lhe pertencia, nem pertenciam ao arguido Próspero; - Em data não concretamente apurada, a arguida II disponibilizou ao arguido BB os elementos referentes à sua conta bancária do BCP com o n.º … para depósitos de cheques, a troco do recebimento de quantia não apurada; - A arguida II autorizou que terceiros movimentassem a sua conta bancária para o depósito de cheques de pessoas que não conhecia, sabendo serem cheques de proveniência ilícita; - A mesma sabia que causava prejuízo a terceiros, mais sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Relativamente à prova destes factos, o tribunal colectivo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (fls. 24460): (…) (…) Em conclusão, mantém-se o facto sindicado e portanto, todos os factos supra transcritos, nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.
2. Seguindo precisamente a mesma metodologia quanto aos factos provados relativos à arguida HH e aos cheques da AAA, e dizendo depois que, «Tal facto afigura-se-nos incorrectamente julgado à luz dos seguintes meios de prova (…)», passa o arguido a transcrever a motivação de facto do acórdão, para depois reafirmar que «o facto acima considerado foi incorrectamente julgado por provado», e concluir que não é pelo facto de ter angariado a conta da arguida BBB que se pode entender que, de cada vez que esta conta foi utilizada para um fim ilícito, nele participou, e que nem sequer demonstrado está que tenha angariado a conta da arguida HH, devendo em qualquer caso funcionar o in dubio pro reo.
A matéria de facto provada com relevo é a seguinte, indo a negrito a directamente respeitante ao recorrente (fls. 24317 a 24322): - Outro cheque furtado à ofendida AAA, com o n.º … do BES, emitido no valor de 4.735,83 €, e sacado sobre a conta n.º …, titulada pela "AAA, Lda." e emitido à ordem da empresa "CCC Lda." foi igualmente adulterado, na parte referente ao endosso; - No verso deste cheque foi aposto carimbo com os dizeres "CCC LDA, Rua … Lot … RC …" seguindo-se assinatura, a simular endosso feito pela sociedade que consta como beneficiária e à ordem do qual o cheque foi emitido; - A morada constante do carimbo é a mesma que consta nos cheques furtados à mesma ofendida e depositados nas contas das arguidas BBB, DDD; - Nos mesmos verifica-se erro ortográfico – "LOT" ao invés de "LOTE"; - Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido BB para o depósito de cheques furtados; - No mesmo dia 11 de Dezembro de 2007 foi levantada, ao balcão, a quantia de € 4.600,00; - A AAA não ficou lesada no valor do cheque de 4.735,83 €, uma vez que o banco BES devolveu-lhe a quantia correspondente e que tinha sido debitada da sua conta. - Na mesma conta do BES titulada pela arguida HH foram depositados mais dois cheques. - Entre os dias 6/7 de Novembro de 2007, a mando da Clínica EEE, Serviços Médicos, Lda.. foi colocada no marco dos C.T.T, sito na Rua Principal do Alto do Espargal, em Caparide, correspondência contendo os seguintes cheques: - O cheque do BES, n.º …, com data de 5 de Novembro de 2007, no valor de € 96,80, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela ofendida e emitido a favor da sociedade FFF – Piscinas e Construção Civil, Lda.; - O cheque do BES, n.º …, datado de 5 de Novembro de 2007, no valor de € 909,72, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela ofendida e emitido a favor da Companhia de Seguros GGG, S.A.; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em questão foi retirada do marco do correio; - No verso dos cheques foi aposto endosso constituído por um carimbo e uma assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram os mesmos emitidos, mas que foram inscritos para simular endosso regular de modo a conseguir o depósito e posterior levantamento dos cheques; - Ambos os cheques foram adulterados no campo reservado à indicação do valor; - No primeiro cheque, através de rasurado c substituição de algarismos, o valor inicial de € 96,80 passou para € 9.006,80; - No segundo cheque, foi acrescentado o algarismo "1", antecedido do algarismo "9", por forma a transformar o valor inicial de € 909,72, em € 1.909,79; - No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou aos arguidos EE e BB para o depósito dos cheques furtados; - As quantias creditadas foram levantadas na sua totalidade, por Multibanco, entre os dias 3 e 5 de Dezembro de 2007. - Na mesma conta do BES n.º …, titulada pela arguida HH foram depositados mais três cheques. - No dia 29 de Outubro de 2007, a mando da "HHH – Sociedade de Construções, S.A", foi colocada no marco dos CTT, junto à Estação dos CT.T, em Cascais, correspondência contendo o cheque do BES, n.º …, com a data de 29 de Outubro de 2007, no valor de € 5.000,00, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela ofendida e emitido a favor da III II, Imobiliária, Lda."; - No dia 29 de Outubro de 2007, a mando de JJJ, foi colocada carta no marco dos CTT, da Rua Guilhermina Suggia, em Lisboa, contendo o cheque do BES, n.º …, com data de 1 de Dezembro de 2007, no valor de € 65,00, sacado sobre a conta n.º …, titulada pelo ofendido e emitido a favor de KKK; - Entre os dias 16 e 26 de Novembro de 2007, a mando da "LLL – …, Lda.", foi colocada no marco dos CTT, da Av. Damião de Góis, em Algés, ou da Av. Jaime Cortesão, em Linda-a-Velha, ou Miraflores correspondência contendo o cheque do BES, n.º …, com data de 16 de Novembro de 2007, no valor de € 726,00, sacado sobre a conta n.º …, titulada pela ofendida e emitido a favor da "MMM – …, Lda."; - Em circunstâncias não apuradas os cheques em causa foram subtraídos dos marcos do correio; - No verso destes cheques foi aposto endosso constituído por carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos, aí inscritos para simular endosso regular, em ordem a conseguir o seu depósito e posterior levantamento dos valores em causa; - Os cheques n.º … e …, foram, ainda, adulterados no campo reservado à inscrição do valor, no numérico e no extenso; - No primeiro cheque, através de rasura, substituição e adição de algarismos o valor passou para € 6.005,00; - No segundo cheque, por rasura e substituição e adição de algarismos, o valor passou para € 7.026,00; - Os cheques assim adulterados foram depositados e creditados na conta da arguida HH, nas seguintes datas: - O cheque n.º …, no valor de € 5.000,00 – em 23-11-2007 - O cheque n.º …, no valor de € 6.005,00 – em 10-12-2007 - O cheque n.º …, no valor de € 7.026,00 – em 23-11-2007; - Com excepção do cheque n.º …, no valor de € 5.000,00, devolvido pelo BES na data do depósito, a arguida HH, procedeu à movimentação, por débito, dos valores creditados, da seguinte forma: - O cheque n.º …, no valor de € 6.005,00, creditado em 10.12.2007, movimentado por débito na respectiva conta, a 11 de Novembro de 2007, através de dois levantamentos de cartão MB, no valor unitário de € 200 e por um levantamento de caixa no valor de € 5.000,00; - O cheque n.º …, no valor de € 4.735,83, creditado em 11.12.2007 – movimentado por débito na respectiva conta, a 11.12.2007, através de um levantamento de caixa no valor de € 4.600,00; - O cheque n.º …, no valor de € 7.026,00, creditado em 23.11.2007 movimentado por débito respectiva conta, a 24.11.2007, da seguinte forma: - Dois levantamentos, por cartão MB, no valor unitário de € 200,00; - A arguida HH procedeu à compra de fichas no Casino Estoril e no Casino do Parque das Nações, nos valores de € 2,400,00, € 100,00 e procedeu à compra em agência de câmbio dos valores de € 2.499,00 e de € 1,599,57; - O banco BES, repôs nas contas dos ofendidos os valores da totalidade dos cheques em causa, excepto quanto ao cheque n.º …, relativamente ao qual pagou a quantia de € 6.300,00, referente ao diferencial entre o valor pelo qual o cheque foi emitido e aquele pelo qual foi pago; - Após os movimentos referidos a conta da HH apresentava um saldo negativo no valor de € 33,15; - A arguida disponibilizou a utilização da sua conta bancária sabendo que os cheques que aí iriam ser depositados tinham proveniência ilícita. - No dia 24 de Novembro de 2007 a arguida HH e os arguidos EE, BB e NNN transaccionaram documento falso de terceiro a troco de dinheiro; - No mesmo dia foi aprendida na posse do arguido EE uma Autorização de Residência Permanente com o n.º …, emitida pelo MAI em 17/08/2004 e válida até 11/05/2009, em nome de OOO. nascido a …/…/19…, em Mbanga Congo; - Simultaneamente, foram apreendidas aos arguidos referidos as quantias de £ 2.270 e de € 1.435,00, proveniente da transacção de documentos forjados e do depósito de cheques furtados e cujo valor tinha sido levantado nesse dia; - No dia 24 de Novembro de 2007 a arguida HH procedeu aos vários levantamentos referidos (provenientes do depósito de cheques) via multibanco, compra de moeda estrangeira e fichas no Casino na companhia do arguido EE e dos arguidos BB e NNN, a quem entregaria o valor referido supra.
Relativamente à prova destes factos, o tribunal colectivo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (fls. 24466 a 24468) (…) (…) Assim, o ponto de facto provado – Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido BB para o depósito de cheques furtados – passa a ter a seguinte redacção: - Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou para o depósito de cheques furtados. E o ponto de facto provado – No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou aos arguidos EE e BB para o depósito dos cheques furtados – passa a ter a seguinte redacção: - No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido EE para o depósito dos cheques furtados. Sendo aditado aos factos não provados o seguinte: - A arguida HH disponibilizou a sua conta bancária ao arguido BB.
3. Seguindo ainda a mesma metodologia quanto aos factos provados relativos ao arguido PPP, e dizendo depois que, «Tal facto afigura-se-nos incorrectamente julgado à luz dos seguintes meios de prova (…)», passa o arguido a transcrever a motivação de facto do acórdão, para depois reafirmar que «os factos acima considerados foram incorrectamente julgados por provados», (…)
A matéria de facto provada com relevo é a seguinte, indo a negrito os directamente relacionados com o recorrente (fls. 24375 a 24377): - Na conta n.º …, do BES, titulada pelo arguido PPP foram depositados os cheques descriminados no quadro que se segue: [Segue-se quadro relativo a quatro cheques, que nos dispensamos de transcrever porque os seus elementos constam seguidamente]; - A mando das ofendidas titulares das contas sacadas acima referenciadas, nos dias e nos receptáculos dos C.T.T sitos nos locais abaixo descriminados, foi colocada correspondência contendo os seguintes cheques: 1 - Cheque BES n.º … / 20-4-2008 / € 673,85 - no fim de semana e 25-4-2008 / marco dos CTT do Bolhão, junto aos Juízos Criminais do Porto; 2 - Cheque BES n.º … / 22-4-2008 / € 500,00 - 24-4-2008 / na Rua de Santa Catarina, junto à Fontinha, no Porto; 3 - Cheque BES n.º … /24-4-2008 / € 8.009,50 - 24-4-2008/ marco dos CTT sito na Rua Passos Manuel, no Porto; 4 - Cheque BES n.º … /15-4-2008 / € 605,00 - Abril de 2008, entre os dias 15 e 30 de Abril / marco dos C.T.T. sito na Rua S. João de Brito, no Porto; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em questão foi retirada do marco dos C.T.T. onde tinha sido depositada passando para a posse de pelo menos o arguido BB; - O arguido BB diligenciou pela adulteração dos cheques em causa, de modo a serem depositados na conta bancária do arguido PPP; - Os mesmos cheques foram adulterados, tendo sido aposto carimbo e assinatura e, no último, apenas assinatura, que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram os mesmos emitidos e aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - O cheque BES n.º …, de 24-4-2008, foi também adulterado no campo reservado ao valor, por rasura mecânica e adição / sobreposição de caracteres, no numérico e no extenso, passando de "€ 89,50" para "€ 8.009,50"; - O cheque BES n.º … foi viciado no campo reservado ao item "mês e dia", passando de "2008-03-12" para "2008-04-22"; - PPP Teixeira disponibilizou o uso da sua conta bancária do BES n.º …, contra recompensa económica de pelo menos € 500,00, fornecendo a terceiro, apenas identificado como QQQ, o cartão de Multibanco e código secreto "PIN"; - Os cheques em causa foram creditados na conta do arguido PPP nos dias 5-5-2008, 5-5-2008, 30-4-2008 e 5-5-2008, respectivamente, sendo que a 30-4-2008, foi devolvido o cheque n.º …; - No dia 6 de Maio de 2008 foram efectuados dois levantamentos, no valor unitário de € 200,00 e um outro levantamento no valor de € 150,00, quantia que foi apropriada por terceiros, com o inerente prejuízo das ofendidas, com excepção da "RRR, CRL", em cuja conta não foi descontado o cheque que emitiu; - O arguido PPP admitiu como possível a proveniência ilícita dos cheques e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. (fls. 24377 a 24380) - Na conta n.º …, do Banco Santander Totta, titulada por SSS, foram depositados 9 cheques, no valor total de € 25.073,83, conforme descriminado no quadro que se segue: [Segue-se quadro relativo a vários cheques, que nos dispensamos de transcrever porque os seus elementos constam seguidamente]; - A correspondência contendo os cheques referidos, dirigida às beneficiárias a cuja ordem foram emitidos, foi colocada em receptáculos dos C.T.T, nos seguintes locais e datas: 1 - Cheque Millenium n.º … / 26-5-2008 / € 260,60 - finais do mês de Maio de 2008/ no cruzamento entre a Rua Sá da Bandeira e Formosa, no Porto; 2 - Cheque Millenium n.º … / 29-5-2008 / € 1.429,52 - finais do mês de Maio de 2008 / no cruzamento entre a Rua Sá da Bandeira e Formosa, no Porto; 3 - Cheque Millenium n.º … / 30-5-2008 / € 1.331/75 - 30-5-2008, no marco sito na Rua de Santa Catarina ou na Av. dos Aliados, no Porto; 4 - Cheque CA n.º …/ 12-6-2008 / € 3.586/80 - 12 ou 13-6-2008, na Rua Presidente Arriaga, em Lisboa; 5 - Cheque Millenium n.º … / 9-5-2008 / € 446/60 - 9-5-2008 / na Rua do Paraíso, no Porto; 7 - Cheque Millenium n.º …/ 8-5-2008 / € 823/32 - 8-5-2008 / na Rua do Campo Alegre, no Porto; 8 - Cheque Millenium n.º … / 6-6-2008/ € 14.011,40 - 6/7-6-2008 / junto à Estação dos C.T.T. de Caneças, Odivelas; 9 - Cheque Millenium n.º … / 8-5-2008 / € 2.826/00; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em questão foi retirada do marco dos C.T.T onde tinha sido depositada, passando para a posse de pelo menos o arguido BB; - Os cheques referidos foram adulterados, tendo sido aposto carimbo e/ou uma assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos, aí inscritos para simular endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - O cheque n.º … também foi adulterado no campo reservado ao valor, por rasura mecânica e adição/ sobreposição de caracteres, no numérico e no extenso, passando de € 411,40 para € 14.011,40; - O cheque n.º … também foi adulterado no campo reservado ao item "à ordem", por rasura mecânica e adição/sobreposição de caracteres, passando de "TTT" para "UUU"; - Uma vez adulterados, o arguido BB garantiu o seu depósito na conta do Santander Totta n.º …, titulada por SSS, nas datas referidas no quadro supra; - Os cheques n.º …, no valor € 1.429,52, n.º …, no valor de € 260,00 e n.º …, no valor de € 1.331,75 foram devolvidos pelo banco, tendo o valor dos restantes cheques sido levantado através de ATM e de levantamentos no Casino Estoril Sol; - Os mesmos cheques n.ºs …, …, e …, que vieram a ser depositados na conta em referência, em 12-6-2008, foram encontrados na caixa de correio do arguido BB no dia 5 de Junho de 2008; - A tinta de esferográfica azul utilizada no endosso dos cheques da Farmácia VVV, Unipessoal, Lda., e na 2ª parte da assinatura do cheque da XXX, apresentam semelhanças entre si e diferentes das utilizadas no endosso/viciação dos restantes cheques em causa nos autos; - A tinta de esferográfica azul utilizada na 1ª parte da assinatura do cheque do Millenium BCP, da conta da XXX, apresenta semelhanças à utilizada no endosso de outro cheque da XXX e de cheque da ZZZ, Lda. (exame 2008/09269), da SIC Porto (exame 2008/09595), da AAAA, Lda. e de BBBB (exame 2008/15696). (fls. 24380 a 24382) - Na conta BES n.º …, titulada por CCCC, foram depositados os dois cheques referidos no quadro seguinte: [Segue-se quadro relativo a dois cheques, que nos dispensamos de transcrever porque os seus elementos constam seguidamente]; - A mando das ofendidas titulares das contas sacadas a correspondência contendo os cheques em causa, foi colocada em receptáculos dos C.T.T., nos seguintes locais e datas: - Cheque BES n.º … / 8-5-2008 / € 760,52 - fim de semana de 25-4-2008 / Rua do Bolhão, junto aos Juízos Criminais do Porto; - Cheque BES n.º … /18-4-2008 / € 7.008,20 - 15-4-2008 / marco dos C.T.T. junto ao hipermercado "Continente", no Fórum Montijo, Montijo; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em questão foi retirada do marco dos C.T.T. onde tinha sido depositada, passando para a posse pelo menos do arguido BB; - No verso dos cheques foi aposto carimbo e/ou uma assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem os cheques foram, mas aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - O cheque n.º … foi ainda adulterado no campo reservado ao valor, por rasura mecânica e adição/sobreposição de caracteres, no numérico e no extenso, passando de € 38,20 para € 7.008,20; - Uma vez assim adulterados foram depositados na conta BES n.º …, titulada por CCCC, onde foram creditados nos dias 12 de Maio de 2008 e a 2 de Maio 2008, respectivamente, tendo sido o valor correspondente ao primeiro cheque levantado, por Multibanco, no mesmo dia; - Foi detectada a adulteração do cheque n.º …, o qual foi devolvido pelo banco no mesmo dia, não sendo por isso, descontado na conta da "DDDD – …, Lda."; - A tinta utilizada azul na assinatura do cheque n.º … que integra o endosso aposto no seu verso apresenta características semelhantes às tintas utilizadas no endosso/viciação dos cheques da sociedade "EEEE, Lda." (exame (2008/09268), de LL (exame 2008/06571), da FFFF, S.A (exame 2008/15308), da GGGG, Lda. (exame 2008/14188) e da Clínica EEE, Lda. (exame 2008/15317). (fls. 24382 a 24383) - No fim-de-semana de 25-4-2008, a mando da ofendida "HHHH, Lda.", foi colocada no marco dos C.T.T. sito na Rua do Bolhão, junto aos Juízos Criminais, no Porto, duas cartas contendo os seguintes cheques: [Segue-se quadro relativo a dois cheques, que nos dispensamos de transcrever porque os seus elementos constam seguidamente]; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em questão foi retirada do marco dos C.T.T. e passaram para a posse do arguido BB; - No verso dos cheques foi aposto carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos, aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - Uma vez adulterados e por actuação do arguido BB foram os dois cheques em causa creditados na conta Millenium BCP n.º …, titulada pela arguida IIII no dia do seu depósito, em 9-5-2008; - Entre os dias 5 e 12 de Maio de 2008 a arguida procedeu ao levantamento do valor de ambos os cheques, através de caixa ATM, ao balcão e no Casino Estoril Sol; - A arguida IIII disponibilizou a sua conta bancária para o depósito de cheques, admitindo como possível a proveniência ilícita destes; - A mesma sabia que o dinheiro depositado na sua conta não lhe pertencia e procedeu ao seu levantamento, ficando com parte dele para si. - Relativamente aos cheques que foram subtraídos, adulterados e depositados nas contas bancárias referidas, a HHHH, Lda. sofreu prejuízo de € 15.359,41; - O Banco BES, S.A. pagou o valor de € 637,85 e de € 760,52. (fls. 24383 a 24385) - Na conta do Banco Santander Totta n.º …, titulada por JJJJ, foram depositados os cheques descriminados no quadro seguinte à ordem das beneficiárias: [Segue-se quadro relativo a dois cheques, que nos dispensamos de transcrever porque os seus elementos constam seguidamente]; - A correspondência contendo os cheques atrás descriminados, a mando das suas titulares das contas, foi colocada nos receptáculos dos C.T.T. sitos na zona da Lapa, em Lisboa, em 27-5-2008 e na Rua de Santa Catarina, no Porto, em 17-5-2008, respectivamente; - Em circunstâncias não apuradas, a correspondência em questão foi retirada do marco dos C.T.T. onde tinha sido depositada; - A correspondência e cheques em causa passaram para a posse dos arguidos AA e BB que desenvolveram as acções materiais necessárias à alteração dos elementos neles inscritos, de forma a permitir o seu depósito na conta bancária titulada por JJJJ, com vista ao seu posterior levantamento a seu favor, em prejuízo das ofendidas; - No verso dos cheques foi aposto pelo arguido AA carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos, mas aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - O cheque n.º … foi também adulterado no campo reservado ao valor, por rasura mecânica e alteração dos dizeres originais, no numérico e no extenso, por forma a alterar a inscrição original "€ 536,00" para "€ 9,036,00", bem como o campo reservado ao item "à ordem"; - O cheque n.º … foi adulterado no item "à ordem", por adição de caracteres, por forma a alterar os dizeres originais, que passaram de "KKKK" para "LLLL"; - Uma vez adulterados, os dois cheques em causa foram creditados na conta Santander Totta n.º …, titulada por JJJJ, nos dias 3-6-2008, sendo que o valor correspondente ao depósito do cheque n.º … foi levantado entre os dias 4 e 5-6-2009, através de Multibanco e um levantamento em numerário; - O cheque n.º …, no valor de € 536,00, foi estornado no dia 6 de Junho de 2008, por a adulteração ter sido detectada; - O mesmo cheque nº …, no valor de € 535,85, emitido a 12 de Maio de 2008, pela EEEE, Lda., foi colocado no marco dos CTT na Rua de Santa Catarina, junto à Rua Formosa, no Porto, no dia 17 de Maio de 2008; - A 5 de Junho de 2008 o mesmo cheque foi colocado por indivíduo de identidade não apurada na caixa do correio do arguido BB. - No dia 8 de Julho de 2008, foi encontrado na residência do arguido AA o talão de depósito do cheque do BPI nº …, emitido pela MMMM – Actividades de Restauração, Lda.
Cabe desde já notar a existência de dois erros de escrita na matéria de facto provada acabada de transcrever, relativa a fls. 24382 a 24383, e mais concretamente, no que respeita ao montante do cheque nº … que é, «€ 536,85», e à data do seu depósito na conta de JJJJ que é, «5-6-2008», como consta do quadro de fls. 24383 e se comprova pelo teor do Anexo 34, aí referido. Desta forma, e nos termos do art. 380º, nº 1, b) e 2, do C. Processo Penal, procede-se à correcção dos dois erros, no sentido que fica apontado. (…)
Em conclusão, mantêm-se os factos sindicados e portanto, todos os factos supra transcritos, nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.
4. Finalmente, dissente o arguido de se ter dado como provado que, «O arguido NNNN disponibilizou ao arguido BB a referida conta bancária fornecendo-lhe para o efeito, o cartão de Multibanco e o PIN,», por entender que a justificação dada pelo tribunal colectivo para fundamentar a sua convicção – ter sido o cartão Multibanco apreendido na posse do recorrente, e nenhuma explicação ter sido apresentada para isso – viola o in dubio pro reo.
Os factos provados relevantes são os seguintes (fls. 24397 a 24398): - No dia 4 de Junho de 2008, a mando da "OOOO – …, Lda.", foi colocada correspondência no marco dos C.T.T. sito na Praça Duque de Saldanha, em Lisboa, contendo o cheque endereçado à ofendida "PPPP, LDA", emitido à ordem desta, com o n.º …, datado de 4 de Julho de 2008, no valor de € 3.176,26, sacado sobre a conta do BES, com o n.º …, titulada pela primeira; - Em circunstâncias desconhecidas a correspondência em causa foi retirada do marco dos C.T.T. onde tinha sido depositada; - Após, foi o cheque adulterado, tendo sido aposto no verso carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pela beneficiária à ordem de quem foi o mesmo emitido, aí inscritos para simular um endosso legítimo; - Assim adulterado, a 7 de Julho de 2008, foi o cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pelo arguido NNNN; - No dia 10 de Julho de 2008 foi efectuada transferência para a conta n.º …., cujo titular não foi apurado; - O arguido NNNN disponibilizou ao arguido BB a referida conta bancária fornecendo-lhe para o efeito, o cartão de Multibanco e o PIN; - O mesmo sabia que na mesma conta iria ser depositado cheque de proveniência ilícita e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; - No dia 8 de Julho de 2008 o arguido BB tinha na sua posse o referido cartão Multibanco.
Relativamente à prova destes factos, o tribunal colectivo fundamentou a sua convicção nos seguintes termos (fls. 24493) (…) (…) Em conclusão, mantêm-se os factos sindicados e portanto, todos os factos supra transcritos, nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância. (…)
6. Pelas razões que constam do ponto 2 que antecede, a matéria de facto provada sofreu as seguintes alterações: - O ponto de facto provado «Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido BB para o depósito de cheques furtados.», passou a ter a seguinte redacção: «Após adulteração, no dia 11 de Dezembro de 2007, no balcão de Loures Infantado, foi este cheque depositado na conta BES n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou para o depósito de cheques furtados.»; - O ponto de facto provado «No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou aos arguidos EE e BB para o depósito dos cheques furtados.», passou a ter a seguinte redacção: «No dia 3 de Dezembro de 2007 foram os referidos cheques depositados na conta n.º …, titulada pela arguida HH que a disponibilizou ao arguido EE para o depósito dos cheques furtados.». (…) (…) há ainda a considerar a seguinte factualidade (fls. 24417 a 24418): - Por sentença de 27 de Novembro de 1996, proferida no processo n.º 727/95.7PCSNT, do 3º Juízo Criminal de Sintra, foi o arguido BB condenado numa pena de 9 meses de prisão, suja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, a 30 de Abril de 1995, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 204º, nº 1, alínea f) e 23º do Código Penal. A pena foi declarada extinta; - Por acórdão de 10 de Março de 2000, proferido no processo 1727/97.8PCSNT da então 2ª Vara Mista do Tribunal de Sintra, foi o mesmo arguido condenado numa pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de coacção grave, p. e p. pelo artigo 154º, n.º 1 do Código Penal. A pena foi declarada extinta; - Por acórdão de 11 de Novembro de 2003, proferido no processo n.º 2098/99.3PCSNT da então 1ª Vara Mista do Tribunal de Sintra, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática, a 22 de Outubro de 1999, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal. A pena em causa foi declarada extinta; - O arguido Próspero é solteiro e vive sozinho, pagando de renda cerca de € 250,00 pelo quarto; - É estucador auferindo cerca de € 1.200,00 mensais; - Frequentou o 7º ano de escolaridade.
M) Recurso do arguido AA
Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, da nulidade da prova [inadmissibilidade de depoimento indirecto], e dos vícios da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova
1. Diz o arguido que relativamente ao cheque nº … da CGD, com o valor de € 47,13, adulterado para € 20.047,13 e relativamente ao cheque nº … da CGD, com o valor de € 16,21, adulterado para € 32.230,20, que constam dos Anexos Máquina de Escrever e 116, não constam da matéria de facto provada as contas onde os cheques foram depositados e debitados os respectivos montantes, o que impede estabelecer qualquer relação, directa ou indirecta, consigo, quanto aos crimes de burla subsequentes e pelos quais foi condenado, sendo certo que a acusação não diz se foram praticados, quem os praticou e como os praticou, incorrendo assim o tribunal num erro notório na apreciação da prova. Vejamos.
A matéria de facto provada relativa aos dois identificados cheques, a fls. 24323 a 24324, é a seguinte: - A mando da Companhia de Seguros QQQQ, SA, foi remetido no mês de Setembro de 2007 o cheque nº … da CGD – emitido, pelo valor de € 47,13, à ordem de RRRR para pagamento de indemnização por acidente de trabalho; - Em circunstâncias não apuradas o cheque em causa passou para a posse do arguido AA que procedeu à sua adulteração; - O mesmo cheque foi alterado no campo referente ao valor passando a constar, em números e por extenso, o valor de € 20.047,13; - O valor em causa foi debitado da conta da companhia de seguros e levantado. - A 30 de Agosto de 2007, a companhia de seguros, SSSS, SA, emitiu o cheque nº … da CGD, no valor de € 16,21, à ordem de TTTT; - Este cheque foi emitido automaticamente com a assinatura aposta e que se destinava a pagar uma indemnização por acidente de trabalho; - Após a adulteração pelo arguido AA cheque passou o valor de € 32.230,20; - Quando detectado o facto, o montante constante do cheque já havia sido levantado, tendo o banco reposto o valor do mesmo na conta da ofendida. Como se vê, não consta efectivamente da matéria de facto provada onde, como e por quem foram os cheques depositados ou levantados, mas tal circunstância nada tem a ver com a incorrecção da decisão proferida sobre a matéria de facto, mas antes com a aptidão deste concreto segmento dos factos provados para preencherem por duas vezes o tipo da burla. Sucede também que, lida e relida a fundamentação de direito, na parte relevante, a fls. 24546 a 24551 e a fls. 24589 a 24591, não encontramos qualquer referência a estes dois cheques como constituindo objecto de crimes de burla.
Assim, não só a argumentação do arguido nada tem a ver com a decisão proferida sobre a matéria de facto e respectiva impugnação, como também não se não existe o invocado vício do erro notório na apreciação da prova. Mantém-se pois os factos provados supra transcritos nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.
2. Diz o arguido que relativamente ao cheque nº …, de € 29.428, constante do Anexo 90, e que foi depositado na conta da arguida UUUU, que esta declarou não o conhecer, e que não existe nenhuma relação ou contacto pessoal, nem relato de diligência externa ou escuta telefónica de onde se possa inferir que, para além de ter falsificado o cheque, participou por qualquer forma na burla. Vejamos.
A matéria de facto provada relativa ao identificado cheque, a fls. 24276 a 24277 e 24412, é a seguinte, na parte relevante: - No dia 7 de Janeiro de 2008, por ordem do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, foi emitido o cheque-carta nº …, no valor de € 5, à ordem de VVVV, sacado sobre a conta nº …, da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ, IP; - O cheque-carta foi remetido por correio para o endereço do beneficiário, sito na Rua …, nº …, …, …, Cacém – 2735-000 Cacém, mas nunca chegou ao destinatário; - Em circunstâncias não apuradas, o mesmo cheque foi desviado do circuito postal e acabou por ficar na posse do arguido AA a fim de ser falsificado e posteriormente depositado numa das contas bancárias angariadas para o efeito; - O mesmo cheque foi adulterado pelo arguido AA nos campos referentes ao preenchimento do valor do cheque, tendo sido efectuada a alteração de tal valor para € 29.428, através da inscrição, em algarismos e por extenso; - O mesmo cheque foi também adulterado quanto á data de emissão, passando a ostentar a data de 7 de Fevereiro de 2008; - E, no seu verso, foi efectuada assinatura manuscrita com os dizeres VVVV, para simular endosso efectuado por parte do beneficiário do cheque, em ordem a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - No dia 13 de Fevereiro de 2008, o mesmo cheque da conta da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ, IP, foi depositado na conta do Millenium BCP, nº …, titulada pela arguida UUUU e disponibilizada por esta para o efeito; - No mesmo dia 13 de Fevereiro o BCP anulou o movimento referente ao cheque em causa; - Nos casos descritos supra e nos quais cada um interveio, os arguidos AA (…), actuaram de forma concertada e em comunhão de esforços, com cada um dos restantes arguidos intervenientes em cada caso, sempre com vista ao depósito dos cheques subtraídos de marcos de correio e desenvolvendo todas as acções materiais necessárias ao levantamento dos valores feitos constar dos mesmos cheques; - Pretenderam, cada um dos arguidos intervenientes, obter vantagem patrimonial a que sabiam não ter direito, mais sabendo que causavam prejuízo ao titular das contas sacadas.
A motivação de facto que respeita a esta factualidade é a seguinte (fls. 24452): «A arguida UUUU foi julgada na ausência e arguida XXXX não prestou declarações [sendo que os factos que na pronúncia descreviam a forma de disponibilização da conta da arguida UUUU resultavam das declarações prestadas por esta em sede de inquérito] ficando por explicar o modo como os números das contas bancárias da primeira foram obtidos, em particular, como é que o número da conta da CGD foi obtida pelo arguido ZZZZ e a do Millenium BCP, pelo arguido AA, autor da falsificação do cheque do Instituto de Gestão Financeira e de Infra Estruturas da Justiça, conforme resulta do exame à fita de carbono da máquina de escrever apreendida ao mesmo [Apenso – Leitura da Máquina de Escrever]. (…). Que foi o arguido AA a falsificar o cheque do IGFIEJ depositado na conta da arguida UUUU resulta do exame pericial LPC 2008/09848-DS/F efectuado à máquina de escrever apreendida ao mesmo arguido. No referido exame foram identificados vários cheques, entre os quais os quatro cheques em causa nos presentes autos, um deles precisamente o cheque nº …, sacado sobre a conta nº … da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ,IP. Teve-se em conta a informação bancária, a cópia dos cheques e os extractos das contas do Millenium BCP e da CGD, tituladas pela arguida UUUU, tudo constante dos Anexos respectivos.».
Pois bem, tendo a arguida UUUU sido julgada na ausência, evidentemente que não prestou declarações. Logo, não disse em audiência que conhecia nem que não conhecia, o arguido. Por outro lado, face à motivação de facto transcrita, é também evidente que o tribunal colectivo não formou a sua convicção com base em qualquer vigilância ou escuta telefónica. O que acontece é que, tendo o arguido actuado em co-autoria, e sabendo-se que quando assim é, o preenchimento do tipo por cada co-autor não depende de todos eles realizarem todas as tarefas necessárias à obtenção do resultado típico, bastando para tanto que, nos termos da repartição de tarefas acordada, cada um desempenhe a que lhe foi atribuída – cfr. II., E), 4., que antecede – é evidente que foi inferido que a tarefa que lhe cabia, na execução da burla era, precisamente, a de falsificar o cheque, como falsificou, conclusão de facto que se mostra conforma as regras da experiência comum pois, como é normal, a falsificação de um cheque não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar um fim, o levantamento da quantia por ele titulada.
Mantém-se pois os factos provados supra transcritos nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.
3. Diz o arguido que os cheques nºs …, … e … não constam da fita de carbono apreendida e referida no Anexo Máquina de Escrever, relacionando-o o tribunal com tais cheques devido a uma escuta telefónica entre si e CC em que falam sobre um cheque no valor de € 79.380, não existindo qualquer prova, seja em vigilância, reconhecimento, depósitos ou levantamentos, relativa a burlas ou falsificações com aqueles cheques. Vejamos.
A matéria de facto provada relativa ao identificado cheque, a fls. 24342 a 24343, é a seguinte: - CC é titular de uma conta no Banco Popular, com o nº …e de outra no BES, com o nº …, nas quais foram creditados os seguintes cheques: [segue-se um quadro relativo a quatro cheques que não se transcreve uma vez que os seus elementos essenciais são referidos de seguida]; - O cheque nº …, emitido por AAAAA, ..., Lda. e a carta que o continha, foram colocados no marco dos CTT, na Estrada de Benfica, junto ao Jardim Zoológico de Lisboa, no dia 22 de Abril de 2008; - O cheque nº …, emitido pela BBBBB e a carta que o continha, foram colocados no marco dos CTT sito na Rua de Santa Catarina, no Porto, entre os dias 3 de Abril e 12 de Maio de 2008; - O cheque nº …, emitido por CCCCC, Lda. e a carta que o continha, foram colocados no marco dos CTT sito na Rua dos Mercadores, no Parque das Nações, em Lisboa, entre os dias 10 e 12 de Abril de 2008; - O cheque nº …, emitido pela DDDDD, Lda. e a carta que o continha, foram colocados no marco dos CTT sito na Rua Sá da Bandeira, a 10 de Janeiro de 2008; - A correspondência e cheques em causa foram subtraídos dos marcos dos CTT; - Em circunstâncias não apuradas, os cheques em causa passaram para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos nos cheques, de forma a permitir o seu depósito nas contas bancárias tituladas por CC e posterior(mente) levantamento do valor correspondente, em prejuízo das ofendidas; - No verso dos cheques nº … e … foi aposto carimbo e uma assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos, mas aí foram inscritos para simular endosso legítimo, de modo a conseguir o depósito e posterior levantamento dos cheques; - Os cheques nº …, … e … foram adulterados por rasura mecânica e adição/sobreposição de caracteres, de forma a alterar os dizeres originais constantes do campo reservado à inscrição do valor, no numérico e no extenso, passando de € 35,70 para € 3.005,70; € 279,07 para € 12.079,00 e de € 48,40 para € 22.830,00; - O cheque nº …, no valor de € 79.380,00, foi adulterado no campo ‘à ordem’, de onde foram rasurados os dizeres originais e escrito o nome de CC; - Uma vez adulterados foram os cheques em causa depositados nas contas referidas no quadro supra e nelas creditados, respectivamente, nos dias 28 de Abril de 2008, 9 de Maio de 2008, 6 de Maio de 2008 e 8 de Abril de 2008.
A motivação de facto que respeita a esta factualidade é a seguinte (fls. 24477 a 24479): «Teve-se em conta o teor dos extractos bancários e informação bancária constante dos anexos 27 e 103, referentes às contas do BES e do Banco Popular, tituladas por CC e das quais constam os depósitos dos cheques, a devolução de alguns e os levantamentos efectuados. Teve-se também em conta os exames periciais aos cheques em causa que além de concluírem pela sua viciação nos termos dados por provados, concluem pela existência de semelhanças, quanto às tintas utilizadas nos endossos, com outros cheques também examinados. Quanto ao cheque nº …, no valor de € 79.380,99, emitido por AAAAA, Lda., depositado na conta de CC teve-se em conta o teor das transcrições das conversações telefónicas, em particular, a da sessão 8101 do Alvo 35582M, datada de 29/04/2008, na qual o arguido AA refere ao arguido EEEEE que ‘caiu uma cena’, que ‘não dá para confiar nesses dengues’, ‘aquela cena big de sete nove’, querendo com isso mencionar estar a tentar levantar o cheque nº …, no valor de € 79.380,99, depositado no dia 24 de Abril. Por sua vez, na sessão 7997 do mesmo Alvo 35582M, o arguido AA mantém conversação com indivíduo do sexo masculino, utilizador do telemóvel com o número que consta da ficha de abertura de cliente titulada por FFFFF [Número de telemóvel que consta também da participação de avaria realizada por FFFFF no dia 30 de Maio de 2005, apreendida na busca realizada à sua residência (cfr. fls. 13799)](anexo 60), demonstrando a existência de relações entre estes dois arguidos. Na sessão 7990 do mesmo alvo e no mesmo dia 29 de Abril, o arguido AA dá conta ao arguido BB da necessidade de uma ‘popular urgente’, só para efectuar ‘uma transfere’. E, efectivamente, também no dia 29 de Abril foi efectuada transferência da conta de CC de € 35.000, para a conta bancária nº …, do Banco Popular, titulada por FFFFF. Ora, conjugando o teor das intercepções referidas com os depósitos e transferências em causa, tem de se concluir ter sido o arguido AA o responsável pela adulteração do endosso do cheque em causa e, ainda, pelo seu envolvimento no depósito do mesmo cheque e transferência do valor referido [Regista-se ainda a existência de semelhanças entre a tinta de esferográfica azul utilizada na adulteração do cheque em causa e a utilizada nos cheques da BNP, emitidos pela GGGGG, Lda. Por sua vez, os endossos dos cheques desta empresa foram adulterados por impressão de jacto de tinta que apresenta perfil cromatográfico semelhante ao da tinta utilizada na impressora apreendida ao arguido AA, elemento que, conjugado com os restantes e à luz das regras da experiência, permite concluir no sentido referido], mais se concluindo ter sido o mesmo o responsável pela adulteração dos restantes cheques depositados nas contas do referido FFFFF, estando também conectado com os movimentos efectuados na mesma conta, concluindo-se ainda que os valores reverteram, ao menos em parte, para si.».
Como se vê, foi determinante para a formação da convicção do tribunal colectivo relativamente ao cheque nº …, no valor de € 79.380,99, emitido por AAAAA, Lda., o teor da escuta telefónica relativa à sessão 8101 do Alvo 35582M, datada de 29/04/2008, que registou uma conversa havida entre o recorrente e o arguido EEEEE tendo por objecto aquele cheque. Por outro lado, que relações havia entre o recorrente e o FFFFF, titular da conta nº …, do Banco Popular, resultam desde logo do teor da escuta telefónica relativa à sessão 7997 do Alvo 35582M, também de 29 de Abril de 2008, que registou uma conversa havida entre o recorrente e o referido indivíduo. Mas daqui, em conjugação apenas com a existência de semelhanças de perfis cromatográficos de tinta utilizada na impressora apreendida ao recorrente, retirar a conclusão de que este é também responsável pela adulteração dos outros três cheques depositados na conta de CC [é manifesto o lapso de escrita constante da motivação de facto, quando menciona os restantes cheques depositados nas contas do referido FFFFF, uma vez que para a conta deste foi apenas feita uma transferência] é algo que consideramos excessivo, face aos meios de prova disponíveis.
Assim, o ponto de facto provado – Em circunstâncias não apuradas, os cheques em causa passaram para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos nos cheques, de forma a permitir o seu depósito nas contas bancárias tituladas por CC e posterior(mente) levantamento do valor correspondente, em prejuízo das ofendidas – deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: - Em circunstâncias não apuradas, o cheque nº … passou para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos no mesmo, de forma a permitir o seu depósito na conta bancária titulada por CC, supra identificada, e posterior levantamento do valor correspondente, em prejuízo da ofendida. Por sua vez, passa a constar dos factos não provados, o seguinte: - Em circunstâncias não apuradas, os cheques nºs …, … e … passaram para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções necessárias à alteração dos elementos neles inscritos.
4. Diz o arguido que relativamente aos cheques cuja co-autoria lhe é atribuída a si e a DD e ao arguido EE, não existem escutas ou filmagens que demonstrem a sua presença, o seu conhecimento ou o seu aproveitamento nas burlas. Vejamos.
A matéria de facto provada, a fls. 24328 a 24332, é a seguinte: - Entre os dias 26 de Fevereiro de 2008 e 3 de Março de 2008, a mando da sociedade ‘HHHHH, Lda.’, foi colocado em marco dos C.T.T, em Leiria, carta contendo correspondência e o cheque do Santander Totta, n.º …, datado de 26 de Fevereiro de 2008, no valor de € 6.056,34, sacado sobre a conta n.º …, emitido a favor de IIIII; - Em circunstâncias não apuradas a carta em questão foi subtraída do marco do correio; - O cheque referido passou para a posse dos arguidos AA e EE que desenvolveram as acções materiais necessárias para o seu depósito na conta n.º …, titulada por DD, onde foi creditado no dia 3 de Março de 2008; - No verso do cheque foram apostos carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pela beneficiária à ordem de quem o cheque foi emitido; - O cheque em causa não chegou ao seu destino nem foi endossado ou assinado pelo representante legal da beneficiária, à ordem de quem foi emitido, mas o banco Santander Totta, acreditando que tinha sido endossado regularmente, creditou o respectivo valor na conta em epígrafe; - DD disponibilizou aos arguidos EE e AA o uso da sua conta bancária junto do Santander Totta para depósito e levantamentos de cheques, a troco de dinheiro; - O valor creditado na referida conta bancária foi levantado na sua quase totalidade, ainda no dia 3 de Março de 2008, em duas tranches de € 1.800,00 e € 4.000,00. - Entre os dias 22 e 25 de Fevereiro de 2008, o impresso de cheque n.º …, da conta n.º …, do BES, por preencher, desapareceu do interior das instalações da ofendida "JJJJJ– ..., Lda." e entrou na posse dos arguidos EE e AA que desenvolveram todas as todas as acções materiais necessárias ao seu preenchimento, depósito e posterior levantamento; - O cheque em causa foi preenchido pelos arguidos, como tendo sido emitido à ordem da firma "KKKKK", datado de 20 de Fevereiro de 2008 e no valor de € 3.113,00; - A 25 de Fevereiro de 2008 foi o mesmo cheque depositado e creditado na conta n.º … do BES, titulada por DD; - No mesmo dia DD, acompanhado pelos arguidos AA e EE e de um terceiro indivíduo identificado como FF, procedeu, ao balcão, ao levantamento da quantia de € 2.585,00. - Entre os dias 21 e 26 de Fevereiro de 2008, a mando da sociedade" LLLLL, S.A.", foi colocado no marco dos C.T.T, junto aos C.T.T do Poço do Bispo, em Lisboa, carta contendo correspondência e o cheque do BES, n.º …, com data de 21 de Fevereiro de 2008, no valor de € 12.820,00, sacado da conta n.º …, titulada por aquela sociedade e emitido a favor da firma "MMMMM"; - Em circunstâncias não apuradas o cheque entrou na posse dos arguidos EE e AA, que com indivíduo identificado por FF, desenvolveram as acções materiais necessárias ao seu depósito e posterior levantamento; - No verso do cheque foi aposto endosso, constituído por carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pela sociedade à ordem de quem foi o mesmo cheque emitido, mas aí apostos para simular endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - No dia 4 de Março de 2008 foi o cheque, já adulterado, depositado na conta n.º …, do BPI, titulada por DD, onde foi creditado na mesma data, mas estornado e movimentado a débito da referida conta a 5 de Março de 2008; - O cheque em causa foi forjado pelo arguido AA através da utilização da máquina de escrever que lhe foi apreendida; - A tinta de impressão de carimbo azul apresenta características semelhantes às tintas de impressão de carimbo azul utilizadas no endosso dos cheques emitidos pelas ofendidas "NNNNN", "OOOOO, Lda.", "PPPPP, Lda; (neste último caso os cheques dos exames 2008/16470 e 2008/16471, 1, 2 e 3). - Entre os dias 18 e 19 de Março de 2008, a mando da sociedade "QQQQQ, Lda.", foi colocado no marco dos C.T.T, na Estrada da Luz, em Lisboa, carta contendo correspondência e o cheque do banco BPI, com o n.º …, com data de 18 de Março de 2008, no valor de € 674,20, sacado sobre a conta n.º …, emitido a favor da "RRRRR – ..., Lda."; - Em circunstâncias não apuradas, a carta em questão foi subtraída do citado marco do correio; - Este cheque entrou na posse dos arguidos EE e AA e de indivíduo identificado por FF que desenvolveram as acções materiais necessárias ao seu depósito e posterior levantamento, conforme pretendiam; - No verso do cheque foram apostos carimbo e assinatura manuscrita que não correspondem aos utilizados pela beneficiária, para simular endosso regular de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - No campo do valor, originalmente de € 674,20, foi acrescentado o algarismo "1", que antecedeu o algarismo" 6", passando a ser de € 1.679,00; - No dia 25 de Março de 2008, entre as 15h20 e as 15h30, indivíduo identificado como SSSSS, apresentou o cheque já adulterado no balcão do Banco BPI, agência de S. Domingos de Rana, sita na Estrada da Luz, n.º 68 A, para depósito na conta n.º …, do mesmo banco, titulada por DD; - O funcionário bancário não procedeu ao depósito do cheque por ter desconfiado que o mesmo fosse furtado e adulterado e averiguou que a sociedade "QQQQQ Lda.", já havia formalizado queixa; - A tinta de impressão de carimbo azul utilizada no endosso deste cheque apresenta um comportamento espectral e um perfil idêntico ao das tintas de impressão de carimbo azuis utilizadas no endosso dos cheques emitidos pela "TTTTT", "Condomínio do Prédio R. UUUUU, n.º 57, CC" e "PPPPP, Lda.".
A motivação de facto que consta do acórdão em crise e respeita a esta factualidade é a seguinte (fls. 24471 a 24473): (…). Não existe pois valoração de prova proibida pelo tribunal colectivo.
Porém, deve reconhecer-se que, (…), não existe prova de que o recorrente acompanhou o DD no levantamento da quantia de € 2.585, ocorrido no dia 25 de Fevereiro de 2008, proveniente de parte do valor titulado pelo cheque nº …, da conta n.º …, do BES. Assim, o ponto de facto provado – No mesmo dia DD, acompanhado pelos arguidos AA e EE e de um terceiro indivíduo identificado como FF, procedeu, ao balcão, ao levantamento da quantia de € 2.585,00 – deve ser alterado, passando a ter a seguinte redacção: - No mesmo dia DD, acompanhado pelo arguido EE e de um outro indivíduo identificado como FF, procedeu, ao balcão, ao levantamento da quantia de € 2.585,00. Por sua vez, passa a constar dos factos não provados, o seguinte: - O arguido AA também acompanhou o DD, quando este levantou ao balcão a quantia de € 2.585.
(…) 5. Diz o arguido que relativamente à arguida VVVVV e ao crime de burla pelo qual foi condenado, o tribunal colectivo formou a sua convicção apenas com base nas semelhanças entre o endosso existente no cheque e outros endossos de outros cheques que também lhe são atribuídos, por causa da cor da tinta do carimbo de impressão apreendido na busca, não existindo qualquer outro elemento designadamente, vigilâncias, que permitam ultrapassar a dúvida razoável quanto à própria falsificação. Vejamos.
A matéria de facto provada com relevo, a fls. 24387 a 24389, é a seguinte: - No dia 29 de Maio de 2008, a mando da "XXXXX, Lda.", foi colocada correspondência no marco dos C.T.T, sito na Praça S. Bosco, em Campo de Ourique, Lisboa, contendo os seguintes cheques sacados da conta BES n.º … pela sociedade referida; - Cheque emitido à ordem da "ZZZZZ, S.A.", com o n.º …, datado de 2-6-2008, no valor de € 13.642,69; - Cheque emitido à ordem da ofendida "ZZZZZ, S.A", com o n.º …, datado de 31-5-2008, no valor de € 23.524,24; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em causa foi retirada dos marcos dos C.T.T onde tinha sido depositada; - Também em circunstâncias não apuras a mesma correspondência entrou na posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos nos cheques, de forma a permitir o seu depósito nas contas bancárias angariadas; - O cheque n.º …, no valor de € 13.642,69 foi adulterado, por rasura mecânica, nos campos reservados ao item "à ordem" e "Dia", cujo preenchimento original foi alterado de "ZZZZZ, Lda." para" VVVVV"; - Assim adulterado, o mesmo cheque depositado no dia 4 de Junho de 2008, na conta do BES n.º …, titulada pela arguida VVVVV; - No dia 6 de Junho de 2008 foi efectuada transferência, no valor de € 8.000,00, para a conta n.º …, titulada por AAAAAA, companheiro da mesma arguida e a quem a mesma facultou os necessários dados e documentos bancários, admitindo como possível a proveniência ilícita dos cheques que aí fossem depositados e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; - Nesta conta, o referido AAAAAA procedeu no dia subsequente ao da transferência ao levantamento em numerário do valor de € 6.100,00 [Fls. 27 do Anexo 61]; - Ainda no mesmo dia foi efectuado levantamento de € 200,00, por Multibanco e outro de € 5.434,09, em numerário, sendo este último efectuado pela própria arguida ao balcão; - O valor depositado e debitado na sua totalidade foi sacado da conta da "XXXXX, Lda.", que sofreu um prejuízo correspondente ao valor do cheque que emitiu; - A tinta de esferográfica preta utilizada na adulteração do preenchimento, nos campos referentes à data e à ordem, apresentam semelhanças às tintas pretas utilizadas na viciação do cheque do BES da AAA, Lda. (exame 2008/15693), do cheque do BES da XXXXX, Lda. (exame 2008/14012) e do cheque do BANIF da conta titulada por BBBBBB (exame 2008/16469).
A motivação de facto que consta do acórdão recorrido e respeita a esta factualidade é a seguinte (fls. 24489 a 24490): (…)
Mantém-se pois os factos provados supra transcritos nos exactos termos em que foram fixados pela 1ª instância.
6. Diz o arguido que relativamente à arguida CCCCCC, a busca efectuada à sua residência ocorreu a 8 de Julho de 2008 e que não assinou auto de apreensão onde constassem talões de transferências. Vejamos.
A matéria de facto provada com relevo, a fls. 24335, é a seguinte: - A pedido de AAAAAA, arguida CCCCCC forneceu-lhe o número da sua conta junto da CGD; - AAAAAA foi ex-companheiro da sua irmã, a arguida VVVVV; - A 3 de Março de 2008 foram efectuadas para a conta da arguida CCCCCC duas transferências bancárias, uma de € 2.000,00 e outra, de € 3.500,00, provindas da conta n.º …; - No mesmo dia e a pedido do referido AAAAAA, a mesma arguida procedeu ao levantamento da quantia de € 5.500,00, que entregou àquele, admitindo como possível a sua proveniência ilícita e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei; - No mesmo dia AAAAAA entregou à arguida a quantia de € 20,00 para o almoço; - No dia 2 de Julho de 2008, os talões das transferências referidas supra foram encontrados na casa do arguido AA, sita na Praceta …, n.º .., …, D, Massamá, tendo o valor em causa revertido, ao menos em parte, para este arguido.
A motivação de facto que consta do acórdão recorrido e respeita a esta factualidade é a seguinte (fls. 24475): (…)
(…)o tribunal colectivo formou a sua convicção, no que ao ponto especificamente impugnado pelo recorrente, respeita, na busca realizada à sua residência e consequente apreensão de documentos. Esta busca ocorreu efectivamente a 8 de Julho de 2008, conforme resulta da leitura do respectivo auto, a fls. 3955 e seguintes, pelo que a referência, no ponto de facto em questão, a 2 de Julho de 2008 é mero lapso material. Quanto ao mais, os talões das transferências efectuadas foram efectivamente apreendidos, como consta de fls. 3960 do mesmo auto [como também dele consta, a fls. 3970, que o arguido se recusou a assiná-lo], e deles se retira o benefício obtido pelo arguido pelo que, nada mais há que considerar.
Assim, o ponto de facto sindicado – No dia 2 de Julho de 2008, os talões das transferências referidas supra foram encontrados na casa do arguido AA, sita na Praceta ..., n.º …, …, .., …, tendo o valor em causa revertido, ao menos em parte, para este arguido – deve ser rectificado quanto à data que dele consta, passando, em consequência, a ter a seguinte redacção: - No dia 8 de Julho de 2008, os talões das transferências referidas supra foram encontrados na casa do arguido AA, sita na Praceta ..., n.º …, …º, …, …, tendo o valor em causa revertido, ao menos em parte, para este arguido.
7. Diz o arguido que a falsificação do cheque sacado pelo IGFIEJ foi atribuída ao co-arguido EE mas que, depois, tal falsificação a si foi atribuída, acrescendo que dos factos provados apenas consta que falsificou o cheque, nada referindo a sua participação na burla, tanto mais que consta como provado que no dia 9 de Janeiro de 2008 o arguido ZZZZ transmitiu ao arguido EE o número da conta bancária da arguida UUUU, para poder ser utilizada em depósitos e levantamentos de cheques subtraídos e forjados, em benefício de ambos, daqui resultando os vícios da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova. Vejamos.
A matéria de facto provada relevante, a fls. 24276 24277 é a seguinte: - No dia 7 de Janeiro de 2008, por ordem do "Instituto de Gestão Financeira e de Infra Estruturas da Justiça-I.P.", foi emitido o cheque-carta n.º …, no valor de 5,00 €, à ordem de VVVV, sacado sobre a conta n.º … da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ, IP; - Tal cheque destinava-se ao pagamento de custas liquidadas a favor de VVVV, no âmbito do processo 09540-08-000469j2006-0PECSC-P do 4º Juízo Criminal do Tribunal de Cascais e foi emitido de acordo com a respectiva nota de liquidação n.º …, de 13-12-2007; - O cheque-carta foi remetido por correio para o endereço do beneficiário, sito na Rua …, n.º …, …, Cacém – 2735-000 Cacém, mas nunca chegou ao destinatário; - Em circunstâncias não apuradas, o mesmo cheque foi desviado do circuito postal e acabou por ficar na posse do arguido AA a fim de ser falsificado e posteriormente depositado numa das contas bancárias angariadas para o efeito; - O mesmo cheque foi adulterado pelo arguido AA nos campos referentes ao preenchimento do valor do cheque, tendo sido efectuada a alteração de tal valor para € 29.428,00€, através da inscrição, em algarismos e por extenso; - O mesmo cheque foi também adulterado quanto à data de emissão, passando a ostentar a data de 7 de Fevereiro de 2008; - E, no seu verso, foi efectuada assinatura manuscrita com os dizeres VVVV, para simular endosso efectuado por parte do beneficiário do cheque, em ordem a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - No dia 13 de Fevereiro de 2008 o mesmo cheque da conta da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ, IP, foi depositado na conta do Millenium BCP, n.º …, titulada pela arguida UUUU e disponibilizada por esta para o efeito; - No mesmo dia 13 de Fevereiro o BCP anulou o movimento referente ao cheque em causa. - No dia 9 de Janeiro de 2008, o arguido ZZZZ Padre transmitiu ao arguido EE o número da conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, S.A., com o n.º …, titulada pela arguida UUUU; - Fê-lo para que a referida conta pudesse ser utilizada para depósito e levantamento de cheques subtraídos e forjados, em benefício de ambos.
A motivação de facto do tribunal colectivo relativamente aos factos supra transcritos, a fls. 24452 a 24453 é a seguinte: «A arguida UUUU foi julgada na ausência e arguida XXXX não prestou declarações [sendo que os factos que na pronúncia descreviam a forma de disponibilização da conta da arguida UUUU resultavam das declarações prestadas por esta em sede de inquérito] ficando por explicar o modo como os números das contas bancárias da primeira foram obtidos, em particular, como é que o número da conta da CGD foi obtida pelo arguido ZZZZ e a do Millenium BCP, pelo arguido AA, autor da falsificação do cheque do Instituto de Gestão Financeira e de Infra Estruturas da Justiça, conforme resulta do exame à fita de carbono da máquina de escrever apreendida ao mesmo [Apenso – Leitura da Máquina de Escrever]. Que foi o primeiro (o ZZZZ) quem transmitiu ao arguido EE o número da conta junto da CGD, resulta da mensagem SMS efectuada e constante da transcrição da sessão 849 (fls. 27 do apenso 3), extraindo-se da sessão seguinte (850 do mesmo Alvo lP499M) que foi o arguido EE quem procedeu à falsificação do cheque em causa, discutindo ambos na altura a necessidade de saber o nome completo daquela. Para melhor compreensão, passa-se a transcrever parte expressiva dessa conversação: "O T tem de se saber se o T é T… ou T… ou quê", "Isto tem de ser o nome como ela tem lá no quê. Como ela abriu …, No cheque nunca se escreve nome T.(…)". Do depósito de cheques em duas contas bancárias tituladas pela arguida e do teor da conversação telefónica mantida entre os arguidos ZZZZ e EE, na qual este último diz ao primeiro para apurar o nome completo daquela "Pergunta na moça o que é que o T significa", concluir-se, com segurança suficiente, face às regras da experiência, que a arguida disponibilizou a aquelas contas, com conhecimento da utilização pretendida pelos restantes. Da circunstância de terem sido subtraídos os restantes cheques emitidos pela sociedade Construções DDDDDD., S.A. e de, nas mesmas datas, terem estes cheques sido depositados nas contas angariadas, já falsificados, sempre pelo mesmo processo e com endossos semelhantes entre si, tem de se concluir ter sido o arguido EE a proceder a essas falsificações. Que foi o arguido AA a falsificar o cheque do IGFIEJ depositado na conta da arguida UUUU resulta do exame pericial do LPC 2008/09848-DS/F efectuado à máquina de escrever apreendida ao mesmo arguido. No referido exame foram identificados vários cheques, entre os quais os quatro cheques em causa nos presentes autos, um deles precisamente o cheque n.º …, sacado sobre a conta n.º … da Caixa Geral de Depósitos, titulada pelo IGFIJ, IP. Teve-se em conta a informação bancária, a cópia dos cheques e os extractos das contas do Millenium BCP e da CGD, tituladas pela arguida UUUU, tudo constante dos Anexos respectivos.». (…) * 9. Diz o arguido que a abertura de encomenda, carta, ou qualquer outros escrito que se encontre fechado, prevista no crime de violação de correspondência, não se encontra nos factos provados que conduziram à sua condenação, pois o que se provou é que cartas contendo cheques foram abertas e que algumas se encontravam na sua posse, mas não que as tivesse aberto, estando provado que recebeu tal correspondência já violada, o que, aliás, é conforme as regras da experiência comum neste tipo de conduta, pois que apenas interessava entregar-lhe cheques e não qualquer outro tipo de correspondência. Vejamos. O arguido foi condenado como autor de oito crimes de violação de correspondência, p. e p. pelo art. 194º, nº 1 do C. Penal, tendo por base os factos provados que constam de fls. 24387 a 24389, transcritos no ponto 5 que antecede, e ainda os seguintes factos provados (fls. 24390 a 24393): - No dia 27 de Maio de 2008, a mando da "Livraria EEEEEE, Lda.", juntamente com a correspondência da mesma sociedade e referida supra [Anexos 72 (conta da arguida FFFFFF) e 68 (conta da arguida GGGGGG)] (anexos 72 e 68), foi colocada no mesmo marco de correio, sito na Praça S. Bosco, em Campo de Ourique, Lisboa, carta contendo os quatro cheques descriminados no quadro infra, que foram depositados nas contas tituladas pelo arguido HHHHHH (n.º …, do Montepio Geral) e por IIIIII (n.º …, do Banco Santander Totta); - Na conta de IIIIII, foram ainda depositados mais dois cheques, sacados das contas de JJJJJJ e da "KKKKKK – …, Lda." que, a mando destas, foram remetidos por cartas, colocadas no mesmo marco da Praça D. Basco, em Lisboa, nas datas de 26 de Maio e 20 de Maio de 2008, respectivamente; - Nas duas referidas contas foram depositados os seguintes cheques: [Segue-se um quadro que não reproduzimos, limitando-nos à identificação dos cheques] MG nº …, de € 612,94, sacado por Livraria EEEEEE, Lda., depositado na conta MG nº …, titulada por HHHHHH, MG nº …, de € 3.005,22, sacado por Livraria EEEEEE, Lda., depositado na conta MG nº …, titulada por HHHHHH MG nº …, de 488,13, sacado por Livraria EEEEEE, Lda., depositado na conta ST nº …., titulada por IIIIII, MG nº …, de € 169, sacado por JJJJJJ, depositado na conta ST nº …, titulada por IIIIII e, ST nº …, de € 8.134,83, sacado por KKKKKK – …, Lda., depositado na conta ST nº …, titulada por IIIIII; - Em circunstâncias não apuradas a correspondência em causa foi retirada dos marcos dos C.T.T. onde tinha sido depositada; - A correspondência e os cheques em referência passaram para a posse do arguido AA que desenvolveu as acções materiais necessárias à alteração dos elementos inscritos nos cheques, de forma a permitir o seu depósito nas contas bancárias angariadas com vista ao seu posterior levantamento, em prejuízo das ofendidas; - No verso dos cheques depositados na conta bancária titulada pelo arguido HHHHHH (Anexo 55) o arguido AA apôs carimbo e assinatura que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos e aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o depósito e posterior levantamento dos cheques; - Uma vez adulterados pelo arguido AA foram tais cheques depositados no dia 2 de Junho de 2008, na conta do Montepio titulada pelo arguido HHHHHH e disponibilizada por este, mediante contrapartida económica não apurada; - No mesmo dia o arguido HHHHHH procedeu ao levantamento da quantia de € 3.000,00, de € 200,00 e de € 20,00; - O arguido HHHHHH sabia que os cheques em causa tinham proveniência ilícita e sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei; - As tintas utilizadas no carimbo que integra o endosso aposto no verso dos cheques apresentam semelhanças com a tinta dos tinteiros da impressora [Da alínea 1 do exame nº 2008/09848] apreendida ao arguido AA e apresentam ainda um perfil cromatográfico idêntico entre si; - No dia 8 de Junho de 2008, o arguido AA tinha na sua residência e na sua posse o cheque n.º …, da conta n.º …, titulada pela "Livraria EEEEEE, Lda.", no valor de € 48,40, datado de 22.5.2008; - Este cheque foi colocado no mesmo dia e no mesmo marco dos C.T.T. no qual foi colocada a correspondência contendo os quatro cheques da mesma Livraria EEEEEE referidos supra e depositados nas contas bancárias do arguido HHHHHH e de IIIIII; - Na mesma data o arguido AA tinha na sua posse e na sua residência carta dirigida à beneficiária do cheque referido, a sociedade "LLLLLL"; - No verso dos cheques depositados na conta de IIIIII o arguido AA apôs carimbo e assinatura (com excepção do cheque n.º …, no qual foi aposta apenas assinatura) que não correspondem aos utilizados pelas beneficiárias à ordem de quem foram emitidos e aí inscritos para simular um endosso legítimo, de modo a conseguir o seu depósito e posterior levantamento; - Uma vez adulterados os cheques em causa foram depositados na conta do Banco Santander Totta, com o n.º …, titulada por IIIIII que para o efeito a disponibilizou, mediante contrapartida económica não apurada; - Os cheques em causa (Anexo 65) foram creditados nos dias 3-6-2008, 3-6-2008, 3-6-2008 e 30-5-2008, respectivamente; - O valor do cheque n.º …, no montante de € 8.134,83, foi levantado entre os dias 30-5-2008 e 4-6-2008, por débito de conta. - A KKKKKK, Lda. teve de efectuar novo pagamento do valor em causa à sociedade MMMMMM, Lda., suportando despesas de pelo menos € 100,00. (…)” - O que tudo visto
No recurso interposto para a Relação, o arguido BB, alegava: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto; - A continuação criminosa; - A excessiva medida da pena
Por sua vez, no recurso interposto para a Relação o arguido AA alegava: - A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto, a nulidade da prova [inadmissibilidade de depoimento indirecto], e os vícios da contradição insanável da fundamentação e do erro notório na apreciação da prova; - A falta de queixa no crime de violação de correspondência, e o não preenchimento do respectivo tipo; - O não preenchimento do tipo do crime de burla [relativamente às transferências bancárias efectuadas para a conta da arguida CCCCCC]; - A resolução criminosa única relativamente às falsificações e burlas e do crime continuado; - A não verificação da circunstância qualificativa modo de vida, relativamente ao crime de burla; - A excessiva medida da pena.
No recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente BB apenas discute a medida concreta da pena
O recorrente AA, no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça apresenta as questões de: 1ª - A sua actuação, realizar um único tipo legal de crime - um único crime de falsificação e um único crime de burla - previsto no art. 256º, n.1 al.c) e n.º 3 do C. P. e artigo 218º nº 1 e 2 al.a) do CP 2ª - Que não praticou a qualificativa da al.b) do artigo 218º nº 2 do CP, 3ª - Aplicação do princípio de "NNNNNN" entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla. 4ª - A pena única encontrada de 11 anos e 6 meses de prisão, excede a medida da sua culpa e, face á procedência das questões supra referidas deverá ser reduzida para 6 anos e 6 meses de prisão, ou caso assim não se entenda, e na improcedência das questões supra que seja reduzida para os 8 anos de prisão.
Tendo em conta o disposto nos artºs 402º nº 2 a) e 403º nº 3, ambos do CPP, e atenta a co-autoria, há que começar por conhecer do recurso interposto pelo arguido AA, uma vez que abarca questões não perspectivadas pelo arguido BB.
Recurso interposto pelo arguido AA
Quanto à primeira questão O recorrente argumenta da seguinte forma: Tratou-se de uma decisão assumida, deliberada, pensada uma única vez, não existindo mais necessidade de renovar o processo de motivação, pelo que a actuação do arguido, realiza um único tipo legal de crime de falsificação e um único crime de burla previsto no art. 256º, n.1 al.c) e n.º 3 do C. P. e artigo 218º nº 1 e 2 al.a) do CP, ,conforme os factos descritos na acusação que tiveram tais condutas lugar no âmbito da mesma e inicial resolução criminosa, na medida em que "acabaram por gizar um plano de actuação criminosa". Considera o recorrente que “embora haja uma realização plúrima do mesmo tipo de crime, há um só crime protegendo o mesmo bem jurídico, já que só houve uma única resolução criminosa que persistiu ao longo de toda a realização” . Analisando:
1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, o pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. 2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.
Perfilha-se o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, sendo certo que o nº 1 sofre duas importantes ordens de restrições: os casos de concurso aparente de infracções e de crime continuado. Nos casos de concurso aparente, são formalmente violados vários preceitos incriminadores, ou é várias vezes violado o mesmo preceito. Mas esta plúrima violação é tão-só aparente; não é efectiva, porque resulta da interpretação da lei que só uma das normas tem cabimento, ou que a mesma norma deve funcionar uma só vez. Apontam-se diversas regras, das quais as mais indiscutidas são as da especialidade e da consunção, para delimitar estes casos.(…) Nos casos de crime continuado existe um só crime porque, verificando-se embora a violação repetida do mesmo tipo legal ou a violação plúrima de vários tipos legais de crime, a culpa está tão acentuadamente que um só juízo de censura, e não vários, é possível formular. A diminuição considerável da culpa do agente deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que o arrastam para o crime, e não em razões de carácter endógeno.” – Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado – Legislação Complementar , 18ª edição, 2007, p. 154 e 155, notas 2 e 3.
Como refere Eduardo Correia, in Direito Criminal II, Reimpressão, Livraria Almedina, Coimbra – 1971, § 10.°, 35, p. 201 e seg.: “O problema é evidentemente, o da determinação da ilicitude material. (…) para que uma conduta se possa considerar como constituindo uma infracção não basta, como sabemos, que seja antijurídica; é ainda necessário que seja culposa, que possa ser reprovada ao agente. Ora pode acontecer que o juízo concreto de reprovação tenha de ser formulado várias vezes em relação a actividades subsumíveis a um mesmo tipo legal de crime, a actividades, portanto, que encarnam a violação do mesmo bem jurídico. E encontramos, assim, a culpa como elemento limite da unidade de infracção; a unidade de tipo legal preenchido não importa definitivamente a unidade da conduta que o preenche; pois sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes esse mesmo tipo legal se torna aplicável e deverá, por conseguinte, considerar-se existente uma pluralidade de crimes. Como, porém, determinar a existência de uma unidade ou pluralidade de juízos de censura?” O critério será “o de considerar a forma como o acontecimento exterior se desenvolveu, olhando fundamentalmente à conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente. E justamente no sentido de que para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua actividade sem ter de renovar o respectivo processo de motivação.” E acrescenta (36, p. 203 e segs) “(…) a unidade ou pluralidade de tipos legais a que pode subsumir-se uma certa relação da vida constitui o critério decisivo para fixar a unidade ou pluralidade de infracções. Mas, assim como da violação de uma só norma ou de um só artigo da lei penal não é lícito, sem mais, concluir pela realização de um só tipo e portanto de um só crime, do mesmo modo a violação de várias disposições pode só aparentemente indicar o preenchimento de vários tipos e a correspondente existência de uma pluralidade de infracções. E por aqui somos conduzidos ao estudo do chamado concurso aparente de infracções. “
Por sua vez, a temática do crime continuado, desenvolve-se a partir da influência de Birnbaum e Honig sobre a teoria do bem jurídico, com que se relaciona. Em termos comparados com o concurso aparente de infracções, poderá questionar-se no caso de haver pluralidade de resoluções criminosas, se esta, em certas situações e mediante determinados pressupostos não será meramente aparente, em que a justiça e a economia processual aconselhem a verificação de um só crime. Segundo ensina Eduardo Correia (Ibidem, p, 203 e segs), a solução da questão passa por duas vias fundamentais: uma ligada à teoria do crime nos seus princípios gerais, em que se procura “deduzir os elementos que poderiam explicar a unidade inscrita no crime continuado – e teremos então uma construção lógico-jurídica dp conceito”, sendo que nesta perspectiva distinguem-se as teorias subjectivas - em que “o elemento aglutinador das diversas condutas que forma o crime continuado seria a “unidade de determinação da vontade “ (Schroeder) ou a “unidade de resolução” (Mittermaier)” – e, as teorias objectivas, em que o elemento aglutinador residiria “na homogeneidade das condutas (Woeringen), na indivisibilidade (Scwartz) ou na unidade de objecto (Merkel) “ A outra via encontra-se ligada a uma construção teleológica do conceito e, atende antes a uma diminuição da gravidade revelada pela situação concreta, perante o concurso real de infracções, tentando encontrar a resposta no menor grau de culpa do agente. A perspectiva teleológica é considerada, metodologicamente a melhor para resolver o problema, sendo que “quando se investiga o fundamento desta diminuição da culpa ele deve ir encontrar-se, como pela primeira vez claramente o formulou Kraushaar, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Pelo que pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito.”, desde que “se não trate de um agente com uma personalidade particularmente sensível a pressões exógenas.” O mesmo Insigne Autor elenca como situações exteriores típicas da unidade criminosa da continuação, sem esgotar o domínio dessa continuação, e sendo sempre a “diminuição considerável da culpa”, como ideia fundamental, as seguintes: “a) assim, desde logo, a circunstância de se ter criado, através da primeira actividade criminosa, uma certa relação, um acordo entre os sujeitos; b) a circunstância de voltar a verificar-se uma oportunidade favorável à prática do crime, que já foi aproveitada ou que arrastou o agente para a primeira conduta criminosa; c) a circunstância da perduração do meio apto para realizar um delito, que se criou ou adquiriu com vista a executar a primeira conduta criminosa; d) a circunstância de o agente, depois de executar a resolução que tomara, verificar que se lhe oferece a possibilidade de alargar o âmbito da sua actividade criminosa.”
A conexão espacial e temporal das actividades continuadas, não assume papel de especial relevo, apenas podendo ter interesse quando puder afastar a conexão interior de ligação factual entre os diversos actos (derivando esta de a motivação de cada facto estar ligada à dos outros) “Decisivo é, pelo contrário, que as diversas actividades preencham o mesmo tipo legal de crime, ou pelo menos, diversos tipos legais de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico: este será o limite de toda a construção.” Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, p. 139, nota 29: “A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca.”
Tendo em conta a matéria fáctica provada, assiste razão à decisão recorrida quando fundamenta “ Da resolução criminosa única relativamente às falsificações e burlas e do crime continuado
11. Diz o arguido que tendo gizado um plano de actuação criminosa em comunhão de esforços e com vista ao depósito de cheques subtraídos de marcos do correio e posterior levantamento dos valores respectivos, sob pena de dupla ou tripla valoração dos factos, deve entender-se que praticou um único crime de falsificação de documento e um único crime de burla qualificada. É que, continua, agiu sempre no desenvolvimento da mesma e única motivação criminosa, não tendo sido necessário renovar o processo de motivação, permanecendo sempre o mesmo e único desígnio criminoso. Vejamos.
Não temos dúvidas em reconhecer que a existência de várias condutas objectivamente típicas agregadas em função de uma única resolução criminosa conduzem ao cometimento de um único crime. Mas para que tal aconteça necessário é que se mostre provada a existência de uma única resolução criminosa, o que não acontece nos autos. Com efeito, a actuação do recorrente de acordo com um plano previamente estabelecido define uma actuação em co-autoria mas não uma unidade de resolução criminosa pois não se vê como poderia esta permanecer intacta no tempo, ao longo dos largos meses que foram abrangidos pelas repetidas condutas do recorrente e seus co-arguidos.
E que também não estamos perante uma situação de continuação criminosa, decorre da circunstância de não se mostrar provado o quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente, exigido, além do mais, pelo nº 2, do art. 30º do C. Penal, como requisito do crime continuado [aliás, isto mesmo parece admitir o recorrente, ao apelar ao direito espanhol e reconhecendo que neste não se exige tal requisito].
Em conclusão, improcede a pretensão do recorrente de ser condenado pela prática de um único crime de falsificação e de um único crime de burla qualificada.”
Sendo certo que confome Ac. STJ de 88/05/11, BMJ 377-431 (cit.na conclusão G))"Existe unidade de resolução criminosa, quando, segundo o senso comum sobre a normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinadas por nova motivação".e que, por outro lado "desde que haja uma única resolução a presidir a toda esta actuação, não existe crime continuado, mas um só crime"- Ac. STJ de 84/03/08, BMJ335-135. citado nma conclusão L)), o certo é que Inexiste uma situação motivacional unitária ; ou seja uma acção que pressupõe que as condutas parcelares respondam a um só desígnio criminoso, ou seja que a reiteração foi dominada por uma e a mesma resolução.
Por outro lado, também não vem provada a existência de qualquer circunstância exterior que motivasse o arguido a repetir a pratica do crime, que fosse determinante para que o arguido continuasse na senda criminosa, e lhe diminuísse consideravelmente a culpa, oui seja que revele que a culpa está tão acentuadamente diminuída que um só juízo de censura, e não vários é possível formular - Sobre a segunda questão Da qualificativa da al.b) do artigo 218º nº 2 do CP,
Alega o recorrente que “tendo outros rendimentos lícitos mediante os quais faz face ás despesas decorrentes do seu quotidiano familiar, deverá o mesmo ser absolvido desta qualificativa e consequentemente as penas parcelares e, em concreto, substancialmente reduzidas.
Analisando Conforme artigo 217º, do Código Penal: “Quem, com a intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos, que astuciosamente provocou, determinar outrem à pratica de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial, é punido com prisão até 3 anos ou com pena de multa”. Por sua vez, o artigo 218º do C.P. consagra o crime de burla na forma qualificada, distinguindo dois tipos de ilícito qualificado: o do nº 1, punido pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, e o nº 2 a que corresponde a pena de prisão de 2 a 8 anos. Uma das qualificativas do crime é da alínea b) deste nº 2, que é integrada pela factualidade de “O agente fizer da burla modo de vida” Depois da arquitectura matricial do crime de burla p. e p. no artº 217º do C.Penal, no artº 218º surge um modus aedificandi criminis que não se confunde com a técnica dos exemplos padrão, havendo necessidade de valoração diferenciada, das circunstâncias agravativas. Assim, enquanto o crime de burla qualificada, é um crime autónomo em relação ao simples crime de burla, há que indagar do âmbito da protecção da norma qualificativa, que não da aplicação automática da sua factualidade. Na verdade bem se percebe que não seja a mera factualidade constitutiva da agravação, de per se, que responsabiliza automaticamente o agente pelo resultado produzido, mas o desvalor da acção e do resultado, na imputação objectiva ao agente. Mas para que se verifique o crime, aquela intenção, tal como os demais elementos constitutivos do mesmo, terá de surpreender-se nos factos provados, pois que constitui matéria de facto.
No domínio da acção do agente, na produção do resultado típico há que apurar pois, a amplitude da sua vontade na representação desse facto agravativo, de forma a poder definir-se a modalidade da sua responsabilidade criminal (dolo directo, necessário, eventual?) A análise valorativa jurídico-criminal do telos da norma, perante a acção desenvolvida pelo arguido, reclama averiguação factual sobre o conhecimento do agente sobre essa factualidade agravativa, sob pena de a norma agravanda deixar de ter qualquer significado jurídico-penal. Assim, a responsabilidade criminal do agente pelo ilícito agravado, necessariamente pressupõe a admissibilidade de “um dolus generalis, enquanto instrumentum capaz de dar uma cobertura mínima à continuidade de uma defesa por um direito penal que jamais se estribe na responsabilidade objectiva.” (Faria Costa, ibidem, p.55 e sgs, maxime §46, p.72 e 73, e VVV Costa. 4 3 e 5, respectivamente pág, 311 e 312.
In casu, como consta da decisão recorrida: “12. Diz o arguido que a circunstância qualificativa modo de vida relativamente ao crime de burla só se preenche, quando o agente satisfaz as suas necessidades diárias com os proventos obtidos exclusivamente com a prática do crime pelo que, tendo-se provado que tinha e tem rendimentos provenientes da comercialização de viaturas usadas e da exploração de um restaurante para prover ao sustento da família, não pode ser condenado pró tal circunstância. Vejamos.
Nos termos do art. 218º, nº 2, b) do C. Penal, a burla é punível com prisão de dois a oito anos se o agente fizer da sua prática modo de vida. Assim, a questão a dirimir é a de saber o que deve entender-se por fazer da burla modo de vida. Modo de vida, considerado numa perspectiva objectiva e portanto, axiologicamente neutra, é a forma pela qual um cidadão obtém os proventos necessários à vida em sociedade. Como nota o Prof. Faria Costa (Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 70 e seguintes), nos dias de hoje os modos de vida são multifacetados, as pessoas tendem a fazer várias coisas ao mesmo tempo, tendem a trabalhar em diferentes domínios ao mesmo tempo, e isso é o seu modo de vida. Por isso, e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não é necessário que o agente se dedique exclusivamente à prática de burlas para que se possa concluir que faz dessa prática modo de vida, podendo desenvolver até uma ou mais actividades profissionais visíveis, e entender-se que a repetição de burlas praticadas determina que deste crime faz também modo de vida. Como refere o Mestre citado, mesmo nas situações ilegais ou criminosas os modos de vida devem ser compreendidos de maneira plural e susceptíveis de se cruzarem com modos de vida assumidamente legitimados pela sociedade.“
Na verdade, o facto de o arguido ter meios próprios de subsistência, ou meios de rendimentos lícitos, não exclui a que possa fazer da burla modo de vida. Como assinala Maia Gonçalves, Código Penal Português, Anotado e comentado – Legislação Complementar, 18ª edição, 2007, p. 807, nota 2: “A qualificativa do nº 2, alínea b) – o agente fizer da burla de vida, como já se deixou referido, difere da alínea a) do artº 314º da versão originária – o agente se entregar habitualmente à burla. Como já se deixou referido em anot. Ao artº204º, que usa expressão idêntica na alínea h) do nº 1, trata-se de expressão de conteúdo menos abrangente, exigindo-se, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ainda que ele faça disso a fonte dos proventos para a sua sustentação. Não se exige qualquer condenação anterior, sendo suficiente a prova de que o agente se vem dedicando à prática de burlas como o seu modo de vida.”
Conclui-se pois, como na decisão recorrida, quando refere: “Fixado o conteúdo da qualificativa modo de vida, face aos factos provados, dúvidas não podem subsistir quanto à sua verificação. Com efeito, para além das várias condenações que o recorrente havia já sofrido pela prática de crimes de burla [duas em 2001, uma em 2002 e uma em 2005 (fls. 24414 a 24415)], curiosamente, sob uma outra identidade [a de OOOOOO], o número verdadeiramente impressionante de crimes desta natureza por si praticados e que são objectos destes autos, aliado aos valores envolvidos, não pode ter outro sentido de que, para além da actividade de exportação de veículos e de restauração, que constituíam modos de vida do recorrente, também a actividade da prática de burlas constituía um outro seu modo de vida.”
Em conclusão, está verificada a referida circunstância qualificativa do crime de burla.”
Sobre a 3ª questão Aplicação do princípio de "NNNNNN" entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla
Alega o recorrente que não houve da parte do arguido uma manipulação de circunstâncias por via das quais os lesados condicionados de forma enganosa a remeter ou entregar os cheques aos mesmos. O envio dos cheques ocorre por causas naturais não imputadas ao arguido ou sem qualquer relação expressa com este. E já em data posterior ao envio dos cheques que estes entram "na esfera" do arguido e são adulterados e posteriormente levantados (utilizados), pelo mesmo ou com pessoas consigo conluiadas. É por via dessas adulterações e do posterior levantamento (utilização) dos cheques adulterados que os lesados vêm a sofrer prejuízo patrimonial, mas esse prejuízo foi causado pelos crimes de falsificação em que o arguido também foi condenado e não por burla. Aduz que, face ao exposto e para efeito do Art. 412; nº2, Als a) , b) e c) do C.P.P. ,podemos afirmar que o douto acórdão violou os arts. 217° e 218º do C.P. por ter interpretado que a adulteração de cheques com o seu posterior levantamento (utilização) constituem erro ou engano sobre factos astuciosamente estabelecidos de forma a manipular outrem e condicioná-Io a praticar actos que lhe causem prejuízo patrimonial, quando na pratica a adulteração de um cheque com o intuito de causar prejuízo a outrem subsequente utilização (levantamento) são elementos constitutivos do crime de falsificação de documentos, sendo lícito afirmar que os factos em causa não reúnem os elementos constitutivos dos crimes de burla qualificada em que o arguido foi condenado devendo assim absolver-se o recorrente de todos esses crimes, mas que essa factualidade reúne em si os elementos constitutivos de crimes de falsificação de documentos puníveis pelo art. 256°, nº1 ,Als b), e) e nº3 do C.P.; crimes esses em que o arguido também foi condenado por respeito a estes factos. Diz ainda que ao admitir que a falsificação de um cheque em si mesmo não é um fim mas um meio par atingir um fim, o tribunal recorrido afasta a danosidade autónoma dessa conduta e admite que a mesma é apenas um meio para a prática de outra conduta danosa (ilícita).
Analisando Como refere EDUARDO CORREIA, ibidem, p. 204 e segs: Muitas normas do direito criminal - como aliás as de outros ramos de direito - estão umas para com as outras em relação de hierarquia, no sentido precisamente de que a aplicação de algumas delas exclui, sob certas circunstâncias, a possibilidade de eficácia cumulativa de outras. De onde resulta que a pluralidade de tipos que se podem considerar preenchidos quando se toma isoladamente cada uma das respectivas disposições penais, vem no fim de contas em muitos casos, olhadas tais relações de mútua exclusão e subordinação, a revelar-se inexistente. Neste sentido se afirma que se estará então perante um concurso legal ou aparente de infracções. Quando, porém, se procuram determinar quais as relações de subordinação e hierarquia entre as diversas disposições do direito criminal não se encontra unanimidade entre os autores Vejamos como do nosso ponto de vista, se apresentam as geralmente apontadas pela doutrina. a) Especialidade. Traduz-se na relação que se estabelece entre dois ou mais preceitos, sempre que na «lex specialis» se contêm já todos os elementos duma «lex generalis», isto é, daquilo que chamamos um tipo fundamental de crime, e, ainda, certos elementos especializadores. Esta relação terá como efeito, evidentemente, a exclusão da lei geral pela aplicação da lei especial: «lex specialis derogat legi generali» - e isto, contra o que pensava HONIG, independentemente da referência de ambos os preceitos a uma só conduta. Ponto será só que a realização de um tipo especial de crime esgote a valoração jurídica da situação; sob pena, de outra forma, de se violar o princípio me bis in idem». b) Consunção. Entre os valores protegidos pelas normas criminais verificam-se por vezes relações de mais e menos: uns contêm-se já nos outros, de tal maneira, que uma norma consome já a protecção que a outra visa. Daí que, ainda com fundamento na regra <me bis idem», se tenha de concluir que «lex consumens derogat legi consumtae». O que, porém, ao contrário do que sucede com a especialidade, só em concreto se poderá afirmar, através da comparação dos bens jurídicos violados, e não, como queria HONIG, através da diversidade de pontos de vista a partir dos quais a lei concede protecção ao mesmo bem jurídico. Ora esta relação, assim definida, poderá auxiliar sem dúvida a interpretação de cada norma, mas não pode actuar como processo de exclusão de uma de diversas normas que, isoladamente consideradas, são efectivamente infringidas - e só isto constitui o problema do concurso aparente de leis e correspondentemente de crimes. c) Consunção impura. As relações acima apontadas não são as únicas por força das quais a aplicação de um ou alguns preceitos exclui a eficácia cumulativa de outro ou outros. Casos há por exemplo - como BINDING apontou - em que a lei descreve um tipo de crime que só se distingue doutro por uma circunstância tal que apenas se pode admitir tê-la querido o legislador como circunstância qualificativa agravante - verificando-se todavia que a pena para ele cominada é inferior à do tipo fundamental. Ora, em hipóteses tais, se não pode falar-se de especialidade, também não pode dizer-se verificada uma relação de consunção pura. Significará isto, porém, que se o tipo fundamental é neste caso aplicável, deve também considerar-se cumulativamente realizado o tipo correspondente ao crime especial? Cremos que não. E isto porque, entre deixar de considerar uma circunstância só qualificativa e violar profundamente o princípio me bis in idem», sofrerá muito menos o direito com a primeira solução. Neste sentido poderá falar-se de uma consunção impura. De resto, a noção poderá alargar-se a todos os casos em que dois tipos se comportam entre si, na protecção de bens jurídicos, como dois círculos que coincidem na sua parte mais importante e valiosa 1. Assim concebida, a consunção impura permitirá, normativamente, do ponto de vista do devido equilíbrio de valores, tomar em conta certos casos-limite que a construção naturalística do concurso só arbitrariamente considera.” Exemplos claros de consunção pura, segundo o mesmo Insigne Mestre serão v. g. a exclusão das regras que punem o dano e as ofensas corporais pela aplicação das que punem o fogo posto e o homicídio; ponto será que o dano e as ofensas que seriam punidas sejam as que com o fogo posto e o homicídio se produzem. Igualmente deverão excluir-se as disposições que punem actividades que consumam materialmente as ofensas concretas já formalmente havidas como consumadas e como tal punidas (se v. g. A envenena B e depois, em virtude de uma resolução autónoma, o mata, só deverá ser punido por envenenamento). Por outro lado, devem, em atenção ao princípio da consunção, excluir-se: as disposições que punem o pôr-se em perigo a lesão de bens jurídicos por aquelas que punem a sua lesão efectiva; as que punem certas condutas, quando estas traduzem, em meras condições, uma vontade de aprender, garantir ou assegurar a impunidade de outro crime. etc. Sobre consunção impura, e, com referência ao Código Penal anterior, exemplo seriam “as relações entre os crimes de furto e roubo. Pois, na verdade, em certos casos a pena aplicável ao furto simples (art. 421.° n. 5.°), e especialmente ao furto qualificado (art. 428.°), é mais pesada do que aquela com que se ameaça o roubo (art. 435.° e seus §§). “
Alega o recorrente que com a entrada em vigor da lei 59/2007, de 4 de Setembro e com as alterações efectuadas ao Art.256° do C.P. por força dessa lei, este normativo passou a admitir que o crime de falsificação de documento pode ser cometido única e exclusivamente com o fim de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, o que não sucedia na lei penal anterior. O recorrente cita o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque na sua obra, "Comentário ao C.P. à luz da C.R. e da C.E.D.R.", pag.675; Universidade Católica Editora, no sentido de que Há concurso aparente ( consumpção ) entre o crime de falsificação de documento e o crime de burla ou qualquer outro crime que tenha sido preparado, facilitado, executado ou encoberto por intermédio de documento falso tendo o legislador propositadamente afastado a jurisprudência dos acórdãos de fixação de jurisprudência do STJ de 19-02-92 e 8¬2000 cuja constitucionalidade foi testada pelo acórdão do TC 303/2005.2, pois que o legislador deixou clara na revisão do C.P. de 2007, que a acção típica de falsificação pode ser requerida com intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir um crime, sendo um elemento subjectivo típico, parte constitutiva do próprio ilícito subjectivo e não um factor de agravação (como sucede no crime de homicídio) e, sendo assim, a punição nestes casos em concurso efectivo redundaria numa dupla punição pelo mesmo facto. Mais refere que a conclusão é inelutável, em fase da opção de política criminal do legislador: o concurso é meramente aparente, sendo a punição do crime - instrumento de falsificação, subsidiária da punição do crime - fim (com conclusão idêntica em fase da lei nova, mas com argumentação distinta Sá Pereira e Alexandre Lafayette; 2008; 664) e que esta é também a posição actual dos juristas e do douto TRL que se encontra vertido no acórdão do processo nº 4395/03.6 TDLSB. LI da 5a secção de 29-06-2010. Daí que entenda que estamos perante um concurso aparente de normas pois entre as normas concorrentes subsiste uma relação de consumpção uma vez que o crime previsto por uma norma (consumida) crime de falsificação de documento, não passa de uma fase de realização do crime previsto por outra (consumptiva), crime de burla. O crime aqui previsto pela norma consumptiva representa a etapa mais avançada na efectuação do malefício, aplicando-se então o princípio de "NNNNNN". pois que os factos acham-se numa relação de parte a todo, de meio a fim. No caso em apreço, os crimes de falsificação de documento serviram para preparar e executar os crimes de burla. Por tal afirmamos a nossa convicção no concurso aparente de normas, pois na realidade de um concurso aparente se trata, das várias normas aparentemente aplicáveis a um mesmo facto, por este realizar a provisão de todas elas, só uma é realmente aplicável, ou seja, só a uma deve atender-se para a regulamentação do facto. Não há verdadeiramente concurso de normas porque só uma delas é aplicável, há é conflito e por isso o concurso é aparente. Alega ainda que interpretar-se que o arguido pode ser condenado por dois crimes (burla e falsificação), pela prática do mesmo facto é a mesma interpretação do artigo 256° n° 1 aI. c) do CP inconstitucional por violação do artigo 29° nº 5 da CRP.
Vejamos: De harmonia com o Assento n.º 8/2000 de 4 de Maio de 2000, in Diário da República, nº119, SÉRIE I-A, de 2000-05-23 fixou jurisprudência no sentido de que: No caso de a conduta do agente preencher as previsões de falsificação e de burla do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), e do artigo 217.º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes. Em tal Assento – que traduziu a confirmação da jurisprudência fixada pelo acórdão do plenário das secções criminais do STJ, 19 de Fevereiro de 1992, in Diário da República, série I-A, de 9 de Abril de 1992 - se considerou: “Parece não suscitar dúvidas de que continuam a ser diferentes os bens jurídicos tutelados pelos artigos 217.º, n.º 1, e 256.º, n.º 1, do Código Penal de 1995. Como se escreveu já no Acórdão deste Supremo de 16 de Junho de 1999, processo n.º 577/99: «Ora, nem no Código Penal de 1982 nem no de 1995 existe qualquer disposição que ressalve o concurso da burla com a falsificação (enquanto meio de realização daquela) do regime geral estatuído no artigo 30.º: 'O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.' Logo, sendo distintos os bens jurídicos tutelados pelos tipos legais de crime de burla (o património) e de falsificação de documento (que não será tanto a fé pública dos documentos [...] mas, antes, 'a verdade intrínseca do documento enquanto tal' (cf. F. Dias e Costa Andrade, 'O legislador de 1982 optou pela descriminalização do crime patrimonial de simulação', Colectânea de Jurisprudência, ano VIII, t. III, p. 23) ou 'a verdade da prova documental enquanto meio que consente a formulação de um juízo exacto, relativamente a factos que possam apresentar relevância jurídica' (cf. Malinverni, Enciclopedia del Diritto, vol. XIII, pp. 632-633) e não se verificando, entre eles, qualquer relação de especialidade, subsidiariedade ou consunção nem se configurando nenhum dos crimes em relação ao outro como facto posterior não punível [...] deve continuar a concluir-se que a conduta do agente que falsifica um documento e o usa, astuciosamente, para enganar ou induzir em erro o burlado integra (suposta, naturalmente, a verificação de todos os elementos essenciais de cada um dos tipos), efectivamente, em concurso real, um crime de falsificação de documento e um crime de burla.»
Este regime apenas sofre excepção no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, em que conforme Acórdão n.º 3/2003, de 07.05.2003, Proc. n.º 735/1999 “Na vigência do Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, com a redacção original e a que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 394/93, de 24 de Novembro, não se verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 23.º daquele RJIFNA, e os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas com prevalência das que prevêem o crime de natureza fiscal.” Por outro lado, como decidiu o Ac. do Tribunal Constitucional nº 303/2005, de 8 de Junho de 2005, proc. nº 303/2005, in Diário da República, II série, de 5 de Agosto do mesmo ano, as normas do arftº 30º, nº1, 217º, nº 1 e 256º, nº 1, do C.P. na interpretação no sentido em que permite a punição em concurso efectivo pelos crimes de burla e falsificação de documentos, assente na distinção dos bens jurídicos tutelados pelos respectivos tipos legais, não ofende a CRP, nomeadamente os arts. 2º e 29º, nº 5, da lei fundamental
Como se refere, a dado passo, na decisão recorrida, “ “O que acontece é que, tendo o arguido actuado em co-autoria, e sabendo-se que quando assim é, o preenchimento do tipo por cada co-autor não depende de todos eles realizarem todas as tarefas necessárias à obtenção do resultado típico, bastando para tanto que, nos termos da repartição de tarefas acordada, cada um desempenhe a que lhe foi atribuída – cfr. II., E), 4., que antecede – é evidente que foi inferido que a tarefa que lhe cabia, na execução da burla era, precisamente, a de falsificar o cheque, como falsificou, conclusão de facto que se mostra conforma as regras da experiência comum pois, como é normal, a falsificação de um cheque não é um fim em si mesmo, mas um meio para se alcançar um fim, o levantamento da quantia por ele titulada.”
Comungando-se do entendimento da jurisprudência comum fixada, embora haja quem defenda solução contrária (ex, além do P.Pinto de Albuquerque citado, vg. Helena Moniz, Comentário Conimbricense, II, 690), não se vislumbram razões para divergir dessa fundamentação jurisprudencial, a que por isso se adere. Como salienta a Exma Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal da Relação, na resposta à motivação do recurso, “ao contrário do que pretende o recorrente, da alteração da redacção do art. 256°, n° 1 do CP, introduzida pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, não resulta a alteração ou a caducidade da jurisprudência fixada, quanto ao concurso de crimes, pelos Acórdãos do STJ, de Uniformização, de 19.2.1992 e 8/2000. Provavelmente, ao alargar a acção típica aos segmentos «ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outros crimes», o legislador apenas terá pretendido incluir condutas que, até aí, não estavam previstas, por forma a abranger aquelas situações em que o agente pudesse não ter tido intenção de causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou de obter, para si ou para outrem, beneficio ilegítimo, mas apenas tivesse a intenção de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime. Assim se justifica, na redacção actual da norma, a conjunção ou que antecede o novo segmento do texto e o pronome outro que precede a palavra crime. Esse alargamento introduzido pelo legislador em nada afecta ou contende com a dimensão normativa dos preceitos penais em causa, uma vez que o que releva nesta sede é a natureza distinta dos bens jurídicos tutelados pelas respectivas normas incriminatórias, e essa natureza não foi beliscada pela alteração legislativa introduzi da. Confira-se, a este propósito, a doutrina de Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 18a edição, 2007, em anotação ao art. 256. " Este crime concorre (concurso real) com o de burla, quando no processo de execução da burla o agente usa documento falso. Foi a orientação que sempre sustentámos a partir da entrada em vigor do Código, em face da não existência de dispositivo correspondente ao do § do art. 4510 do CP de 1886 e dos diferentes valores protegidos por cada uma das infracções (. . .) Cremos que a revisão do Código operada pelo diploma referido supra, anotação 1, não colidiu, directa ou indirectamente, com esta orientação. » No mesmo sentido, da verificação de concurso real dos crimes de burla e falsificação, e reafirmando a jurisprudência anteriormente firmada, se pronunciou esse Supremo Tribunal, no Acórdão de 18.10.2007, Proc. 07P3185.”
Procede, em ambas as ilicitudes (a de burla e a de falsificação, e entre ambas,) o concurso real de crimes, atenta a renovação da reiteração criminosa praticada.
Por outro lado, Inexiste a inconstitucionalidade invocada pelo recorrente. Quando o artigo 29º nº5 da Constituição da República Portuguesa refere no nº 5 que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática da mesma infracção”, “dá dignidade constitucional ao clássico princípio non bis in idem, Também ele comporta duas dimensões: (a) como direito subjectivo fundamental garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); (b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material, de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto. (…) A Constituição proíbe rigorosamente o duplo julgamento e não a dupla penalização, mas é óbvio que a proibição do duplo julgamento pretende evitar tanto a condenação de alguém que já tenha sido definitivamente absolvido pela prática da infracção, como a aplicação renovada de sanções jurídico-penais pela »prática do mesmo crime»” (J.J.Gomes Canotilho – Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, p.497. XI
- A questão da medida da pena
O recorrente AA alega que a pena única encontrada de 11 anos e 6 meses de prisão, excede a medida da sua culpa e, face á procedência das questões supra referidas deverá misericordiosamente ser reduzida para 6 anos e 6 meses de prisão, ou caso assim não se entenda, e na improcedência das questões supra que seja reduzida para os 8 anos de prisão próxima do limite mínimo para um caso de homicídio simples, em que continua a estar em causa o valor mais supremo - a vida.
Por sua vez o recorrente BB, discorda também da pena conjunta, pretendendo a sua redução alegando que “a pena infringida ao arguido se afigura desproporcional e desadequada perante as necessidades de prevenção geral, prevenção especial e de justiça que o caso de per si reclama.”
O arguido AA tinha sido condenado na 1ª instância na pena única de treze anos de prisão, que foi alterada pela Relação, vindo a ser condenado na pena única de onze anos e seis meses de prisão. O arguido BB tinha sido condenado na 1ª instância na pena única de dez anos de prisão, vindo depois a Relação a diminuir essa pena conjunta para oito anos seis meses de prisão.
Ambos os recursos são assim restritos à medida concreta da pena conjunta.
- A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal. O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Na lição de Figueiredo Dias ( Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime- Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 121): “1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais. As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (idem, ibidem, p. 84) Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.” Ou, e, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.- v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 109 e ss.
O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal. Por outro lado, como salienta o mesmo Distinto Professor, a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (ibidem, p. 118) Mas, em termos jurídico-constitucionais, é a ideia de prevenção geral positiva ou de integração que dá corpo ao princípio da necessidade de pena. A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, ibidem, p. 117) O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança. Segundo o mesmo Ilustre Professor –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”
É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal. Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo e Secção, de 15-11-2006, Proc. n.º 3135/06, o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.
O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que: Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência: c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Por sua vez, quanto à pena do cúmulo: Como se sabe, o artigo 77º nº 1 do Código Penal, estabelece as regras da punição do concurso, dispondo: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” Na verdade, não tendo o legislador nacional optado pelo sistema da acumulação material, é forçoso concluir que com a fixação da pena unitária pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente. (v. artºs 77º nº 1 e, 78º nº1, ambos do CP) O concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes. Por outro lado, o concurso tanto pode ser constituído pela repetição do mesmo crime, como pelo cometimento de crimes da mais diversa natureza. Por outro lado ainda, o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes. Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta, quer no que respeita à culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita à prevenção, quer, ainda, no que concerne à personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a actividade criminosa expressa pelo número de infracções, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. As qualidades da personalidade do agente manifestada no facto devem ser comparadas com as supostas pela ordem jurídica e a partir daí se emitam juízos, mais fortes ou mais acentuados, de valor ou desvalor. Importante na determinação concreta da pena conjunta será a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» -Figueiredo Dias, ibidem; e v.g. Acs de 11-10-2006 e de 15-11-2006 deste Supremo e Secção in Proc. n.º 1795/06, e Proc. n.º 3268/04.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deve ser ponderado. (v.Ac. deste Supremo e desta 3ª Secção, de 09-01-2008 in Proc. n.º 3177/07 )
A decisão recorrida fundamentou:
Relativamente ao arguido BB “8. Diz o arguido que a pena única que lhe foi imposta, de dez anos de prisão, é desproporcional e desadequada face às necessidades de prevenção geral e especial que o caso requer, devendo por isso ser diminuída.
O arguido questiona apenas a medida da pena de prisão conjunta em que foi condenado.
Resulta da fundamentação de direito de fls. 24554 a 24556 que o arguido foi condenado pela prática de, quarenta e oito crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, de doze crimes de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal e de, dezassete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C. Penal. A determinação da medida das penas foi concretizada da seguinte forma (fls. 24593 a 24594): «Conforme referido incorreu o arguido na prática dos seguintes crimes: - dezassete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256°, n.º 1 e 3 do Código Penal; - doze crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 218°, n.º 1 e 2, alínea b) e nos artigos 23° e 73° do Código Penal; - quarenta e oito crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218º, n.º 1, 22º, 23º e 73º do Código Penal. Cada um destes grupos de crimes foram cometidos em circunstâncias essencialmente idênticas, não sendo possível distinguir entre eles, o grau de ilicitude ou culpa do arguido, sendo um e outro, em todos, elevado. São muito elevadas as exigências de prevenção especial, como se infere da repetição da conduta e dos antecedentes criminais do arguido, sendo igualmente elevadas as exigências de prevenção geral. Importa ainda ponderar em todos os casos, as condições de vida do arguido. Quanto a cada um dos dezassete crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256º, n.º 1 e 3 do Código Penal entende-se de aplicar uma pena de 2 anos de prisão. Quanto a cada um dos quarenta e oito crimes de burla qualificada, p. e p. pelo artigo 218°, n.º 1 e n.º 2, alínea b) do Código Penal, entende-se de aplicar uma pena de 2 anos e 2 meses de prisão. Quanto a cada um dos doze crimes de burla qualificada, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 218º, n.º 1 do Código Penal, entende-se de aplicar ao arguido uma pena de 18 meses de prisão. Nos termos do n.º 1 do artigo 77º do Código Penal quando o agente cometa vários crimes, deve o Tribunal considerar, em conjunto, os factos e a personalidade do agente de forma a encontrar uma pena que satisfaça adequadamente as necessidades da punição. Assim, ponderando globalmente a conduta do arguido e a sua personalidade, entende o Tribunal Colectivo de aplicar ao arguido BB uma pena de 10 (dez) anos de prisão.».
Com relevo para a questão há ainda a considerar a seguinte factualidade (fls. 24417 a 24418): - Por sentença de 27 de Novembro de 1996, proferida no processo n.º 727/95.7PCSNT, do 3º Juízo Criminal de Sintra, foi o arguido BB condenado numa pena de 9 meses de prisão, suja execução foi suspensa pelo período de 2 anos, pela prática, a 30 de Abril de 1995, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 204º, nº 1, alínea f) e 23º do Código Penal. A pena foi declarada extinta; - Por acórdão de 10 de Março de 2000, proferido no processo 1727/97.8PCSNT da então 2ª Vara Mista do Tribunal de Sintra, foi o mesmo arguido condenado numa pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de coacção grave, p. e p. pelo artigo 154º, n.º 1 do Código Penal. A pena foi declarada extinta; - Por acórdão de 11 de Novembro de 2003, proferido no processo n.º 2098/99.3PCSNT da então 1ª Vara Mista do Tribunal de Sintra, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática, a 22 de Outubro de 1999, de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1 do Código Penal. A pena em causa foi declarada extinta; - O arguido Próspero é solteiro e vive sozinho, pagando de renda cerca de € 250,00 pelo quarto; - É estucador auferindo cerca de € 1.200,00 mensais; - Frequentou o 7º ano de escolaridade. Posto isto.
8.1. Face ao que se deixou dito nos pontos 6 e 7 que antecedem, a apurada conduta do arguido integra a prática de quarenta e quatro crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, de onze crimes de burla qualificada tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal e de quinze crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256º, nºs 1 e 3, do C. Penal.
Já vimos que – como se disse no ponto II., A), 4.1., que antecede – que prevenção geral [protecção de bens jurídicos], prevenção especial [reintegração social do agente] e culpa são, nos termos do art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal, as balizas a ter em conta para a determinação da medida concreta da pena. Significa isto que a medida concreta da pena é dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial de socialização], mas sempre com o limite inultrapassável da medida da culpa. Sabemos que o critério de escolha da pena se encontra previsto no art. 70º do C. Penal [quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição], e que a determinação da medida concreta da pena, balizada por aqueles limites, é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal), entre elas, o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do mesmo artigo).
O arguido não contesta a opção feita pelo tribunal colectivo por pena privativa da liberdade, nos casos em que ela está prevista alternativamente à pena de multa, como não contesta a medida concreta de cada uma das penas fixadas. Também não vemos que mereçam censura, quer opção tomada, quer as penas concretas fixadas, face à concreta factualidade provada e os critérios legais aplicáveis.
8.2. Quanto à pena conjunta, dispõe o art. 77º, nº 1 do C. Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.”. E dispõe o nº 2 do mesmo artigo: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.
Começando pela determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso, e tendo em conta as penas parcelares aplicadas a cada crime praticado pelo arguido, verificamos que o seu limite mínimo é o de 2 anos e 2 meses de prisão e o seu limite máximo é o de 25 anos de prisão [o somatório das penas parcelares atinge 141 anos e 10 meses].
Como dissemos já, resulta do nº 1 do art. 77º do C. Penal que o elemento aglutinador dos vários crimes em concurso e que vai condicionar a determinação da pena única é a personalidade do agente. Impõe-se pois a relacionação de todos os factos entre si, assim se obtendo a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles e de todos com a personalidade do agente, a fim de se determinar se existe uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, estamos perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, como ensina o Prof. Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
As repetidas condutas criminosas do arguido obedecem a um mesmo padrão de actuação, em que as falsificações de documento [cheques] são o meio necessário ao cometimento das burlas e portanto, à obtenção do resultado pretendido, ao recebimento dos proventos decorrentes dos levantamentos bancários. O conjunto destas condutas criminosas, conjugado com os antecedentes criminais do recorrente, revelam claramente uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes, já indiferente aos valores tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respectivas sanções ou seja, estamos perante uma verdadeira carreira criminosa que eleva o grau das exigências de prevenção especial e aumenta o limite da culpa. Por isso, a acumulação de crimes deve funcionar como elemento agravante da pena conjunta, e ainda que não se ignore que estamos unicamente perante crimes de natureza patrimonial, fixa-se tal pena em 8 anos e 6 meses de prisão.”
E quanto ao AA “13. Diz o arguido que a pena única de 13 anos de prisão que lhe foi aplicada foi além do limite da sua culpa pelo que deverá ser reduzida, misericordiosamente, para 6 anos e 6 meses de prisão, ou quando assim não se entenda, para 8 anos de prisão, correspondente ao limite mínimo da pena aplicável ao crime de homicídio simples, que tutela o valor supremo. Vejamos.
Foi considerado na fundamentação de direito de fls. 24546 a 24551 do acórdão recorrido, ter o arguido praticado oito crimes de violação de correspondência, sessenta e um crimes de falsificação de documento, vinte e três crimes de burla qualificada na forma tentada, e trinta e um crimes de burla qualificada. Na determinação da medida concreta das penas, a fls. 24589 a 24591, foi no entanto considerada a existência de vinte e sete crimes de burla qualificada na forma tentada. E, entendendo-se que os crimes integradores de cada uma das categorias apontadas foram cometidos em circunstâncias idênticas, impossibilitando a distinção de graus de ilicitude e de culpa que, em qualquer caso, foram considerados elevados, que também eram elevadas as exigências de prevenção geral e de prevenção especial, estas face à repetição de condutas e aos antecedentes criminais do arguido, foram fixadas as seguintes penas parcelares: - Por cada crime de violação de correspondência, 6 meses de prisão; - Por cada crime de falsificação de documento, tendo por objecto cheques [cinquenta e três], 2 anos de prisão; - Por cada crime de falsificação de documento, tendo por objecto documentos de identificação [oito], 2 anos e 6 meses de prisão; - Por cada crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal [vinte e nove], 2 anos e 6 meses de prisão; - Por cada crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, a) e b), do C. Penal [dois], 3 anos de prisão; - Por cada crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal [vinte e seis], 18 meses de prisão; - Pelo crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 218º, nºs 1 e 2, a) e b), do C. Penal, 2 anos de prisão.
Na determinação da pena única, depois de fazer apelo tabelar ao critério legal estabelecido no art. 77º, nº 1 do C. Penal, ponderou-se, em concreto, o seguinte: «No caso dos autos, a conduta do arguido é grave e são particularmente elevadas as exigências de prevenção geral e especial. Porém, não podemos desconsiderar que, embora não estando perante uma situação de crime continuado, existem factores associados à repetição da conduta que de algum modo facilitaram a sua execução e, dessa forma, atenuam a culpa do arguido.». E concluiu-se pela fixação da pena única em 13 anos de prisão.
13.1. Já sabemos que – como se deixou dito no ponto II., A), 4.1., que antecede – que prevenção geral [protecção de bens jurídicos], prevenção especial [reintegração social do agente] e culpa são, nos termos do art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal, as balizas a ter em conta para a determinação da medida concreta da pena. Vale isto dizer que a medida concreta da pena é dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial de socialização], mas sempre com o limite inultrapassável da medida da culpa. Também sabemos que o critério de escolha da pena se encontra previsto no art. 70º do C. Penal [quando ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal deve dar preferência a esta última sempre que ela realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição], e que a determinação da medida concreta da pena, balizada por aqueles limites, é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal), entre elas, o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do mesmo artigo).
O arguido não contesta a opção feita pelo tribunal colectivo por pena privativa da liberdade, nos casos em que ela está prevista alternativamente à pena de multa, como não contesta a medida concreta de cada uma das penas fixadas. E também não vemos que mereçam censura, quer aquela opção, quer as penas concretas fixadas, atentos os critérios legais aplicáveis e a concreta factualidade provada. Detenhamo-nos pois, na pena única fixada.
13.2. Dispõe o art. 77º, nº 1 do C. Penal: “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do arguido.”. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo: “A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”.
Começando pela determinação da moldura abstracta aplicável ao concurso, e tendo em conta o que atrás se decidiu nos pontos 3, 9 e 10 que antecede, quanto a factos provados e sua qualificação jurídica, temos a considerar: - Quatro crimes de violação de correspondência, e a pena de 6 meses de prisão por cada um; - Cinquenta crimes de falsificação de documento, tendo por objecto cheques, e a pena de 2 anos de prisão por cada um; - Oito crimes de falsificação de documento, tendo por objecto documentos de identificação, e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um; - Vinte e oito crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, e a pena de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um; - Um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 218º, nºs 1 e 2, a) e b), do C. Penal, e a pena de 3 anos de prisão; - Vinte e um crimes de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 218º, nºs 1 e 2, b), do C. Penal, e a pena de 18 meses de prisão por cada um; - Um crime de burla qualificada na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, 73º e 218º, nºs 1 e 2, a) e b), do C. Penal, e a pena de 2 anos de prisão. Assim, a moldura abstracta a considerar para a fixação da pena única é a de 3 anos de prisão a 25 anos de prisão [o somatório das penas parcelares atinge 227 anos e 6 meses].
Decorre do nº 1 do art. 77º do C. Penal que o elemento aglutinador dos vários crimes em concurso e que vai determinar a pena única é a personalidade do agente. Vale isto dizer que se impõe a relacionação de todos os factos entre si, obtendo-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles e de todos com a personalidade do agente, a fim de se determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, estamos apenas perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, como nota o Prof. Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo de perto (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
É claro que as repetidas condutas criminosas do recorrente obedecem a um mesmo padrão de actuação, em que as violações de correspondência e as falsificações de cheques surgem como meio, como passos necessários ao cometimento das burlas e portanto, à obtenção do resultado pretendido, os proveitos decorrentes das quantias levantadas nos bancos. O universo destas condutas criminosas, conjugado com os antecedentes criminais do recorrente, revelam claramente uma personalidade com manifesta tendência para a prática de crimes de burla, já completamente indiferente aos valores tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respectivas sanções ou seja, estamos perante uma verdadeira carreira criminosa, que torna elevado o grau das exigências de prevenção especial e aumenta o limite da culpa, não obstante exercer actividades empresariais e se encontrar familiarmente inserido. Assim, devendo funcionar a acumulação de crimes como elemento agravante da pena conjunta, e não podendo no entanto ignorar-se que estamos unicamente perante crimes de natureza patrimonial, fixa-se a pena em 11 anos e 6 meses de prisão”. - Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. ( Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo, , Proc. n.º 2555/06- 3ª)
Tendo em conta a fundamentação da decisão recorrida, que se mostra conforme a realidade fáctica e legal, a ponderação conjunta dos factos e personalidade de cada arguido recorrente, documentados na variedade e gravidade das ilicitudes praticadas, e na personalidade manifestada nos factos e por eles projectada, e tendo em conta a carência de socialização dos arguidos que revelam propensão para a prática de actos ilícitos, e, efeito previsível da pena no comportamento futuro de cada arguido recorrente, sendo que o arguido BB nasceu em … de …de 19…, e o arguido AA nasceu em … de … de 19…, portanto já no patamar da maturidade necessária para evitarem a senda do crime, tendo ainda em conta o limite da culpa (intensa) dos arguidos e os limites da pena concretamente aplicável, conclui-se quanto a ambos que não se revelam desproporcionais, nem excessivas as penas concretamente aplicadas, que por isso são de manter.
Os recursos não merecem provimento - Termos em que, decidindo:
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em negar provimento aos recursos e confirmam o acórdão recorrido.
Tributam cada recorrente em 6 Us de taxa de justiça
Supremo Tribunal de Justiça, 26 de Outubro de 2011 Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça (Relator) Raul Borges |