Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/13.7TTBRG.P1.G1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ÃCESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO - GARANTIAS DE CRÉDITO DO TRABALHADOR.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas” Anotado, 164 e ss.; 2.ª Edição, 2013, Quid Juris, 140 e ss..
- Catarina Serra, «Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação” », Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.
- Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Patrício, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 1.º, 512, 1999.
- Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Vol. I, 2013, 38.
- Madalena Perestrelo de Oliveira, “Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE”, in RDS (Revista do Direito das Sociedades), IV, 2012, 3, 718 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 1.º,17.º-A, 17.º-E, 17.º-F, N.º 6, 17.º-G, N.º7, 17.º-I, 36.º, N.º1, ALÍNEA J), 128.º, 129.º, 130.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 277.º, AL. E).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO 333.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 18/12/2013, PROCESSO N.º 407/12.0TTBRG.P1, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/2/2014, PROC. N.º 1786/12, Nº 1786/12, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 23/3/2014, PROCESSO N.º 6148/12, IN WWW.DGSI.PT ;
-DE 26/11/2015, PROC. N.º 1190/12.5TTLSB.L2.S1, IN WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR N.º 1/2014, PLENO DAS SECÇÕES CÍVEIS E SOCIAL, PUBLICADO NO D.R., 1.ª SÉRIE, DE 25 DE FEVEREIRO.
Sumário :
I – O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico-financeira.

II – Nos termos do art. 17.º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.

IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona o reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.

V – Tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte do A. - que figuram igualmente no PER a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso.

VI – Por força do preceituado no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na acção em que o A. busca a condenação da Ré no pagamento de um crédito superior ao que foi reconhecido no PER, devendo considerar-se, em tal circunstância, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

VII – Esta interpretação não viola a Constituição da República Portuguesa, inexistindo qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

1. AA

Intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, contra:

BB, S.A.

Pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:
a) a quantia de € 58.212,73, respeitante a retribuições em atraso, férias, subsídios de férias e de Natal não pagos; e
b) indemnização pela resolução do contrato de trabalho da iniciativa do trabalhador e com invocação de justa causa, tudo com juros de mora legais.

Alegou, para tanto, que resolveu com justa causa o contrato de trabalho no dia 4 de Dezembro de 2012, porquanto a R. deixou de pagar o vencimento ao Autor, tendo ficado a dever a este a totalidade das retribuições dos meses de Setembro, Outubro e Novembro (€ 1.431,17x 3); € 85,00 referente ao mês de Agosto, subsídio de Natal de 2011 (€ 1.431,17), tudo no total de € 5.809,65.
A estes valores acrescem os demais montantes peticionados a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e outros, que perfazem o total do pedido.

2. A R contestou impugnando a justa causa de resolução do contrato invocada pelo A, bem como os restantes créditos reclamados.

3. Tendo sido marcada a audiência de discussão e julgamento, veio a R. requerer a suspensão da instância, ao abrigo do n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, alegando estar em curso no Tribunal Judicial de Vila Verde, sob o n.º 754/13.4TBVVD, um Processo Especial de Revitalização da Empresa, tendo nele sido proferido despacho a nomear Administrador Judicial Provisório, conforme anúncio publicado no CITIUS, em 5 de Julho de 2013 – cf. fls. 102.

Requerimento que foi deferido, tendo o Tribunal de 1ª instância determinado a suspensão da instância, ao abrigo da citada norma – cf. fls. 111.

4. Posteriormente, no âmbito do supra mencionado processo de reestruturação (PER), foi homologado por sentença de 20/01/2014, o plano de revitalização, no qual foi reconhecido o crédito peticionado pelo A. nos presentes autos (cf. fls. 149).

Por isso, e em face desse circunstancialismo, foi proferido nos presentes autos, pelo Tribunal de primeira instância, a seguinte decisão:

Decorre do plano de revitalização aprovado e judicialmente homologado, que existirá um "deferimento na estrutura do passivo" (cf. fls. 17 e 19), tendo sido estipulado ainda diferentes períodos de carência, ora de 24 meses, ora de 18 meses, ora de 12 meses (este quanto a juros) (cf. fls. 20), tendo ficado consagrado a fls. 34 do PR ser tal período inicial de carência de pagamento de capital “(…)determinante para a prossecução dos objectivos e cumprimento das obrigações decorrentes do próprio plano (liquidação das dívidas ao pessoal(…)”.

Nada estipulado foi em tal PR quanto à previsão da continuação de quaisquer acções de cobrança de dívidas contra a aqui R, pelo que, ao abrigo do disposto no art.º17.º-E, n.º 1, parte final, do CIRE, se determina a extinção da presente instância, por impossibilidade superveniente da lide

5. Inconformada, veio a R. apelar para o Tribunal da Relação de Guimarães, que se pronunciou da seguinte forma:

Prescreve o art. 17.º-E n.º 1 do CIRE, que a decisão a que se refere a alínea c) do n.º 3 do art. 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

A norma jurídica acabada de mencionar emprega a expressão "obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas... ficam suspensas durante a fase negocial... extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação". (…)

Os termos abrangentes empregues pelo legislador, os princípios inspiradores do plano especial de revitalização - e do CIRE - baseiam-se na celeridade e na autocomposição, com vista a obter em tempo útil uma solução que viabilize a empresa, que a revitalize e a impeça de morrer. O prolongar de acções declarativas de condenação, mais demoradas, não se compadece minimamente com a agilidade prescrita pelo legislador para o processo especial de revitalização, a menos que os próprios credores acordem em que determinada acção prossiga. Este processo visa evitar que o devedor caia na insolvência. Daí a grande dinâmica que o legislador lhe impõe. Visa evitar que a empresa entre em incumprimento. O prolongamento no tempo de acções declarativas com manifesto e incerto efeito económico na empresa a recuperar constituem um obstáculo à finalidade do processo especial de revitalização. (…)

No plano de recuperação não se prevê a continuação da acção.

Assim, (…) entendemos que, ao estar certificado no processo que foi homologado o plano de revitalização da apelante, o tribunal recorrido decidiu bem ao julgar a extinção da instância, nos termos do art. 17º-E n.º 1 do CIRE” – cf. 261, do II Vol.

Pelo que, com tais fundamentos, julgou improcedente a apelação, confirmando, por unanimidade, a decisão recorrida.

6. Irresignada, veio a R. interpor recurso de revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado as seguintes conclusões, que aqui se sintetizam:

“ - (…) O douto Acórdão proferida pelo Tribunal (…) determinou a extinção da presente instância, por inutilidade superveniente da lide, mantendo a sentença proferida pelo Tribunal da 1.ª Instância.

(…) Está a douta decisão em contradição quanto à mesma matéria com outras decisões proferidas por Tribunais Superiores.

- (…) Fica a Devedora, aqui Recorrente prejudicada pelo pagamento de um crédito litigioso e que não foi discutido, nem apreciado judicialmente, quer pelo Tribunal no âmbito do qual decorreu o PER, quer pelo Tribunal do Trabalho, sendo este o competente para apreciação deste matéria.

- (…) Caso a sentença não seja revogada, ficará a aqui Recorrente prejudicada, pois será obrigada a assumir e a liquidar um valor de crédito reclamado pelo Recorrido que não são devidos, só porque formalmente, no âmbito do PER, em sede de reclamação de créditos foi considerado o valor reclamado pelo Credor, aqui Recorrido, vendo assim o Recorrente prejudicado o acesso à justiça, sendo colocado em causa o Princípio do Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efectiva.

- (…) A questão jurídica fulcral a apreciar e decidir neste recurso prende-se com a definição exacta do conceito de acções para cobrança de dívidas e mais concretamente saber se nesse mesmo conceito se incluem as acções declarativas de condenação, como a presente.

- (…) Está em causa a contradição existente, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão aqui recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11.07.2013 - Processo n.º 1190/12.5TTLSB.L 1-4 (Relator Leopoldo Soares) Cf. Acórdão-fundamento de acordo com o disposto no artigo 721.°-A, n.º 2, alínea c), do C.P.C. - que considerou para efeitos do disposto no artigo 17°- E, n.º1 do C.I.R.E., as acções declarativas não consubstanciam acções para cobrança de dívidas contra o Devedor, ao passo que o Acórdão-recorrido, versando também sobre a aplicação do disposto no artigo 17.º-E. n.º 1 do C.I.R.E. considerou, sumariamente, que a acção declarativa instaurada pelo aqui Recorrido contra a ora aqui Recorrente deverá ser extinta, atendendo à homologação do plano de recuperação no âmbito do PER, existindo assim oposição entre os dois Acórdãos.

- Da mesma forma que o Acórdão recorrido se encontra igualmente em contradição com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 23.04.2015 no âmbito do Processo n.º 172724/12.6YIPRT.L1 - que veio definir com exactidão o conceito de “acções para cobrança de dívidas/acções com identifica finalidade” no contexto dos efeitos previstos nos termos do disposto no art. 17.°-E, n.º 1, do C.I.R.E. e que veio concluir no sentido da expressão apenas se circunscrever às acções de natureza executiva para pagamento de quantia certa, com exclusão das acções declarativas de condenação, ao passo que o Acórdão-recorrido, versando sobre a mesma matéria e sobre os créditos da mesma natureza, considerou que a presente acção (declarativa) ficará abrangida pelos efeitos da homologação do plano de recuperação e consequentemente, por efeito automático, a mesma acção será extinta.

- (…) Importa assim saber, se a acção declarativa deverá ser extinta ou prosseguir os seus termos perante a homologação do plano de recuperação.

- O Acórdão recorrido merece censura, na medida em que não fez uma correta interpretação, nem uma aplicação do direito, pelo que deverá ser integralmente substituído, por uma decisão que ordene a prossecução dos termos da acção declarativa com vista ao reconhecimento do crédito que foi instaurada pelo aqui Recorrido com vista ao reconhecimento dos seus créditos laborais.

- (…) Numa acção declarativa a dívida ainda não foi declarada.

- (…) À data em que a acção declarativa é intentada o que existe é apenas um crédito potencial e não um crédito declarado (firmado), considerando que, destina-se a proporcionar ao Autor um título executivo que depois possa executar em sede própria, ou seja, numa acção executiva, esta sim - indubitavelmente - para cobrança de uma dívida ...

- A existência e decurso de uma acção declarativa de condenação, como é o caso, em nada prejudica as negociações referidas na lei, entenda-se no âmbito do PER.

- A acção declarativa de condenação, efectivamente, não é uma acção de cobrança de uma divida. (…) Não existe ainda o reconhecimento de um crédito, apenas essa potencialidade.

- Encontrando-se, assim, o Acórdão-recorrido em plena contradição com o Acórdão e que é aqui Acórdão-fundamento, pois acerca da mesma matéria têm os dois Acórdãos posições distintas.

- (…) Apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa podem ser consideradas como verdadeiras acções para cobrança de dívida para os efeitos do artigo 17.°-E, n.º 1, do C.IRE.

- As acções declarativas têm sempre o fito de estabelecer o direito e nunca o de assegurar a realização coactiva do mesmo. (…) Está-se ainda numa fase prévia, em que se discute e se reconhece judicialmente a existência de um devedor e de uma dívida, o que no caso em concreto ainda não aconteceu.

- O Tribunal “a quo” justificou ainda a sentença proferida alegando a existência da aprovação e já homologação do Plano de Recuperação, mas o facto de o art.17.º-E, n.º1, do C.I.R.E estabelecer que as acções de cobrança de dívidas se extinguem logo que seja aprovado e homologado o Plano de Recuperação (salvo quando este preveja, a sua continuação) também depõe a favor do entendimento segundo o qual as referidas acções de cobrança de dívidas não podem ser acções declarativas.

- O PER, ao contrário do processo de insolvência, busca, na sua essência, a recuperação económica da empresa que se encontra em dificuldades mas que tem capacidade para se manter em funcionamento e que pretende apenas reestruturar o seu passivo junto dos seus Credores, de forma a conseguir a sua manutenção no giro comercial, logo, com o devido respeito, não faz qualquer sentido o paralelismo relativamente aos efeitos do processo de insolvência quando na verdade os efeitos de ambos os processos são profundamente diversos (…).

- É errado o paralelismo ou conexão entre o caso aqui em concreto e o entendimento fixado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2014, proferido em 8 de Maio de 2013 (relator Manuel Augusto Silva), segundo o qual o trânsito da sentença que declara a insolvência implica a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287.º, do CPC, quando na verdade a essência de ambos os processos são diversos.

- É da competência dos Tribunais a apreciação do mérito dos pedidos formulados, sendo precisamente essa a sua actividade jurisdicional por excelência, assistindo às partes o direito à pronúncia substantiva quanto às pretensões que visam ver reconhecidas em juízo, sendo que, no caso em concreto, à aqui Recorrente não foi dado possibilidade de pronúncia, sendo obrigada aceitar o crédito que o Credor, aqui Recorrido reclamou no âmbito do PER.

Concluindo, a Recorrente invoca diversos fundamentos para a interposição do presente recurso de revista excepcional, nomeadamente, o facto de se estar perante uma questão jurídica relevante e existir contradição de decisões no âmbito da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de Direito, entre o Acórdão recorrido e outros dois Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, juntando, para o efeito, os referidos Acórdãos.

7. Por Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Setembro de 2015, foi admitida a revista excepcional, com base no último dos fundamentos invocados, isto é, na referida contradição jurisprudencial sobre a mesma questão fundamental de direito – cf. fls. 448 e segts.


8. O A. não apresentou contra-alegações.

9. O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, louvando-se no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 1/2014 e no Acórdão do STJ, sobre igual matéria, proferido no âmbito do Processo nº 1190/12.5TTLSB.L2.S1, datado de 26/11/2015, argumentando, em síntese, nos seguintes termos:

- “Resulta dos autos que a Ré se apresentou a processo especial de revitalização, cujo plano de recuperação foi homologado, vinculando, consequentemente, todos os credores.
Conforme resulta do art. 17º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
O A. apresentou no processo especial de revitalização, a reclamação dos seus créditos.
Cremos que a sede própria para se proceder à apreciação daqueles créditos será no PER, dado por uma banda que a expressão “de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor” constante do art. 17.º-E do CIRE, abrange, desde logo, as acções para cobrança de dívidas e créditos laborais como é o caso da presente acção e por outra, a tramitação normal da presente acção - admitindo que o A. obtivesse uma decisão favorável na acção declarativa -, não teria qualquer significado útil, dado o impedimento legal contido no normativo referido, de propor acção executiva, afigurando-se-nos pois que os presentes autos deverão ser declarados extintos por inutilidade superveniente da lide, atento o normativo inserto no n.º1, do art. 17º-E, nº 1, do CIRE e na alínea e) do art. 277.ºdo CPC, assim se negando provimento ao recurso, confirmando-se, consequentemente, o Acórdão impugnado”.(3) .

9. Notificadas as partes do teor desse Parecer, em 25/1/2016, não apresentaram qualquer resposta.

10. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.
II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Está em causa, em sede recursória, a questão de saber se:
- A presente acção deve ser, ou não, declarada extinta por inutilidade superveniente da lide, ao abrigo do art. 17º-E, nº 1, do CIRE.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

Para a decisão do presente pleito relevam as normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, nomeadamente as relativas ao Processo Especial de Revitalização, previstas nos arts. 17º-A e segts., e as do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2013, mas que tem aplicação aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da sua entrada em vigor, ainda que em acções instauradas antes dessa data, como é o caso sub judice.

A) DE FACTO

Uma vez que vez que o despacho que pôs termo ao processo, em sede de primeira instância, foi proferido antes da decisão sobre a matéria de facto, e que as questões a dilucidar em sede de revista são estritamente jurídicas, os factos a ter em conta são:

- Os que constam do despacho, de extinção da instância de 23 de Abril de 2014, proferido pelo Tribunal de Trabalho de Braga (vide fls. 162);

- A decisão judicial proferida em 20 de Janeiro de 2014, transitada em julgada em 12 de Fevereiro de 2014, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, sob o número de Processo 754/13.4 TBVVD, que homologou o Plano de Revitalização da Ré nos presentes autos – BB, S.A. - em que o A. – AA – viu o seu crédito reclamado no valor de € 59.443,97, e aprovado (cf. certidão junta a fls. 123 a 161);

- O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que confirmou a decisão da primeira instância (fls. 259 a 262);

- A existência de dois Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa (acórdãos fundamento) proferidos em 11 de Julho de 2013, no Processo n.º 1190/12.5TTLSB.L1 e em 23 de Abril de 2015, no âmbito do Processo n.º 172724/12.6YIPRT.L1.


B) DE DIREITO:

Cumpre no essencial apreciar se, em face da aprovação do PER (Processo Especial de Revitalização) em que interveio a R., deve ser confirmada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, que foi declarada pelo Tribunal da Relação.

A decisão desta matéria não se dissocia da questão de saber quais os objectivos visados com a introdução, no âmbito do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, de um processo dessa natureza e quais os efeitos decorrentes da aprovação de um plano especial de revitalização de uma empresa, in casu, da empresa Ré, relativamente aos restantes credores, independentemente da natureza jurídica dos créditos em causa.

Vejamos, pois, o que de relevante se processa e como se projectam as decisões proferidas no âmbito de tal processo relativamente a outras acções em curso, instauradas contra o mesmo devedor, que se apresenta a requerer a sua recuperação económica ao abrigo desse processo, como acontece no caso sub judice.

Salienta-se contudo que, sobre a questão fulcral dos presentes autos já expressámos o nosso entendimento no Acórdão desta Secção do STJ, datado de 26/11/2015, no âmbito do Proc. nº 1190/12.5TTLSB.L.2.S1, citado pelo MP no seu Parecer, cuja fundamentação consideramos útil reiterar, aduzindo as razões que então, como agora, estiveram subjacentes ao acolhimento da pretensão da Recorrente.


1. O Processo Especial de Revitalização – o PER:

1.1. O Processo Especial de Revitalização (designado usualmente pelas suas iniciais, PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, criado, e a desenvolver-se, num contexto económico difícil, passível de suportar a viabilização da empresa, assentando a estabelecida eficácia do acordo, para além da esfera dos que nele intervieram, na aprovação por uma maioria que seja apta a vincular a generalidade dos credores.
Extrai-se do art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (igualmente conhecido pelas suas iniciais – CIRE) que esse tipo de processo destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
Revitalização que passa por uma efectiva negociação das dívidas com os credores de modo a que o devedor consiga recuperar da situação económica difícil em que se encontra.
Entendendo-se como situação económica difícil a do devedor que enfrenta dificuldades sérias em cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito por parte das entidades bancárias e financeiras.

1.2. O objectivo do legislador, que presidiu à criação deste regime – do PER – foi o de institucionalizar um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de qualquer devedor singular, ou pessoa colectiva, poder obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente.
Procurou-se, assim, através deste processo, conceder primazia à vontade dos intervenientes (devedor e credores), de modo a propiciar uma revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”, pois só nestas condições existe justificação para se privilegiar o interesse público da manutenção do devedor na circulação e actividade comercial.

A criação de um novo processo – diferente do processo da insolvência – por ser mais expedito e de tramitação simplificada, foi norteada pelo desígnio vertido no seu próprio nome: a revitalização da empresa com dificuldades económico-financeiras, a obter através da negociação com os respectivos credores, tendente a alcançar um acordo que conduza à revitalização do devedor, se esta se mostrar viável e se for esse, igualmente, o interesse dos credores.
Finalidade que encontra expressão nas normas que regulam este processo especial.

1.3. Com efeito, decorre do art. 1.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (=CIRE), na redacção introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20/04, que criou o Plano Especial de Revitalização (doravante PER), que o processo de insolvência é um processo de execução universal “que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e na repartição do produto obtido pelos credores”.
Mas “estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, o devedor pode requerer ao Tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos arts. 17º-A a 17º-I,” do CIRE – cf. N.º 2 do art. 1.º.
Este procedimento, simplificado, surgiu porquanto o Estado Português, em forte constrangimento económico e financeiro, assumiu, como é sabido, por imposição do Memorando de Entendimento, celebrado com o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional, no quadro do programa de auxílio financeiro ao nosso País, o compromisso Europeu de legislar no sentido de introduzir um regime legal de cooperação, flexibilização e reestruturação de créditos, seus e/ou de outros credores. (4)

Ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis no ordenamento jurídico Português, no âmbito de créditos dessa natureza, como forma de salvaguarda das empresas, numa comunhão de esforços com os credores particulares, propondo-se alcançar, prima facie, a sua recuperação, que só pode ser obtida, no caso do processo especial em análise, pelo acordo de cada um dos credores do devedor e com todos aqueles que queiram participar.
Criando, para tal, um procedimento de facilitação da aprovação de planos de recuperação do devedor.


1.4. O objectivo, como ressalta de toda a legislação, é contribuir com sucesso para a recuperação da empresa – se esta se mostrar viável – e visa, conforme se salientou supra, a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecendo, para o efeito, negociações com os respectivos credores de modo a concluir, com a intervenção destes, acordo conducente à revitalização do devedor, por meio da aprovação de um plano de recuperação.
Plano esse que só não deve merecer a homologação do Tribunal se houver fortes razões que obstem a tal. Mas que uma vez homologado, não pode deixar de produzir os respectivos efeitos.


2. Os Efeitos Processuais:

2.1. Entre esses efeitos decorrentes da decisão proferida pelo Tribunal competente, e cumpridas as demais formalidades que as normas conjugadas dos arts. 17º-A a 17º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) prevêem, estão os que constam expressamente do art. 17º-E, nº 1, que, por sua vez, estabelece que:
“A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”. (5)

Ora, estes efeitos não se confinam ao processo especial de revitalização. Mas como o próprio normativo consagra, estendem-se “às acções em curso com idêntica finalidade” e a “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

Resulta, assim, da análise da norma em causa, que os efeitos dessa decisão podem conduzir a uma das seguintes situações:
1.º- Tanto “obstam à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”;
2.º - Como “suspendem, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade”;
3.º - Ou “extinguem aquelas acções logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”.

Exceptuando-se, apenas, nessa norma, as situações em que se preveja a sua continuação.

2.2. No caso dos autos, sabe-se pelos elementos que o integram, que foi instaurado um processo de recuperação nos termos do art. 17º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e solicitado ao Tribunal, ao abrigo do normativo citado, a homologação de acordos extrajudiciais de recuperação do devedor.

Ou seja, está-se perante o denominado “PER de homologação”, o que significa que o processo chega ao fim assim que se mostre proferida a decisão judicial que procede à homologação desse plano apresentado pelo devedor.
Tendo a Ré solicitado ao Tribunal, ao abrigo deste procedimento especial, a homologação de acordo extrajudicial de recuperação, a que alude o art. 17º-I do CIRE. E que uma vez aprovado pela assembleia de credores e homologado pelo Juiz competente, encontra-se apto a desencadear os respectivos efeitos legais.

Sendo certo que, in casu, se verifica que, no âmbito do referido PER em que a Ré figura como devedora, o plano de recuperação da empresa Ré já existe e foi homologado por sentença transitada em julgado, em que foi reconhecido o crédito do aqui A.

2.3. Com efeito, mostra-se documentado nos autos que, no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 754/13.4TBVVD, em que é interveniente a Ré, como devedora, e que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, foi proferido despacho de homologação, relativo ao acordo extrajudicial de recuperação da Ré.
E da decisão judicial do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, exarada nesse processo, em 20/01/2014, e inserida a fls. 124 e 125 dos presentes autos, extrai-se que o A. reclamou os seus créditos de natureza laboral, e aqui em discussão, tendo sido assinalado, nessa decisão, expressis verbis, que:

Resulta do plano de revitalização apresentado que o mesmo cumpre os requisitos formais e substanciais exigidos pelos arts. 192.º e ss, do CIRE, acautelando, na medida do possível, os interesses dos credores, os quais, na sua totalidade, aderiram ao plano apresentado, votando-o favoravelmente.
Por outro lado, não se vislumbrando que haja violação de preceitos imperativos e considerando que o plano apresentado respeita o princípio da igualdade entre os credores, a que alude o art. 194.º do CIRE, nada obsta à respectiva homologação.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos arts. 17.º-F, n.º 5 e 214.º do CIRE, homologo, por sentença, o plano de revitalização constante de fls. 609 e ss., cujo teor se dá por reproduzido.
Custas pela devedora (art. 17º-F, nº 7, do CIRE)– cf. fls. 124.

Sendo que, no referido Plano de Revitalização, pode ler-se a fls. 146, na rubrica Considerações Adicionais:
“(…) i) Os Créditos dos trabalhadores foram todos agregados no PP1;”

Na lista de credores aparece o aqui Autor, AA, com o crédito privilegiado no valor de € 59.443,97, (vide fls. 149).


Concluindo a decisão, com a prolação do despacho homologatório por parte do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Verde, relativamente ao Plano de Revitalização, que integra a lista de credores, onde está incluído o A., esta converteu-se em definitiva, sendo que dessa lista definitiva consta o total dos créditos dos reconhecidos, entre os quais, o do A., no valor de € 59.443,97

2.4. Aqui chegados a questão que importa dirimir é a que tem gerado divisão na jurisprudência das Relações, com a prolação de decisões nem sempre coincidentes nesta matéria.

- Para uns, como é o caso do aresto da Relação de Guimarães que motivou o recurso de revista, ora em análise, a presente acção cai na alçada do normativo que estabelece que a decisão homologatória do Tribunal no âmbito do processo PER, “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação.

- Para outros, essa extinção não pode ocorrer e, por isso, as acções propostas devem prosseguir os seus termos.

Assim sendo, a questão que se coloca é a de saber quais são as acções abarcadas pelo nº 1 do art. 17º-E do CIRE.
Ou seja: que tipo de acções cabem nesta elocução da norma com acepção jurídica “de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”.

Concretizando: será de incluir a presente acção?
E a resposta, em nosso entender, não pode deixar de ser afirmativa.

Vejamos porquê.

3. As acções para cobrança de dívidas e os créditos laborais:

3.1. Desde logo, porque a lei não distinguiu, nem excepcionou, as acções em que estejam em causa – simultaneamente com a condenação do Réu ao pagamento de uma quantia determinada, devida por falta do pagamento de retribuições e salários – o pedido de reconhecimento da natureza do contrato celebrado entre as partes.
E sendo certo que, in casu, se discute – de acordo com a causa de pedir e o pedido formulado pelo A. - direitos alegadamente emergentes da relação de trabalho, o certo é que esses direitos, quer no que respeita às indemnizações pedidas, quer quanto às retribuições peticionadas, reconduzem-se a uma expressão numérica: são valores determinados, relativos a montantes em dívida. São créditos laborais.
E uma vez decidida a condenação da Ré no seu pagamento, assume a plena natureza de direito de crédito do A./trabalhador sobre a Ré/devedora, por conseguinte, é o património desta que sempre terá de responder por esse crédito.

Quer isto dizer que se a acção do A. fosse julgada procedente a consequência seria a condenação da Ré nas quantias peticionadas – no todo ou em parte. Com reflexos directos no património da Ré, podendo, a partir de então, ser exigidas.
E se é verdade que uma acção de reconhecimento do contrato de trabalho não é uma acção de cobrança de dívida, não deixa de se assumir – porque o é – como uma acção declarativa de condenação. Em que a condenação se cifra num montante determinado, num crédito, a exigir da Ré e com consequências directas no património e activo desta.
Quando é sabido que a Ré, se apresentou, requerendo por sua iniciativa, um processo especial de revitalização.
Por conseguinte, entendemos que, situações como a descrita nestes autos, constituem acções de idêntica finalidade e, como tal, mostram-se abrangidas pelo n.º 1 do art. 17.º-E, do CIRE.
O objectivo central de tal acção é, inquestionavelmente, o reconhecimento de um crédito emergente de contrato de trabalho e, por isso, justifica a sua inserção no conceito de acções para “cobrança de dívidas contra o devedor”, porquanto neste conspecto trata-se de “acções em curso com idêntica finalidade”.


Na acção instaurada pelo A., discutia-se as questões relacionadas com o direito do A. a resolver o contrato de trabalho por falta de pagamento de créditos salariais, tal acção não deixa de assumir a natureza de uma acção declarativa de condenação, através da qual se pretende obter a condenação da Ré nos créditos devidos ao A.
E ao contrário do que alegam os Recorrentes, o art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não se limita a incluir nessa extinção “quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor”, porquanto abarca também todas “as acções em curso com idêntica finalidade”.
E essa identidade de finalidade é-nos dada pela natureza da acção declarativa de condenação nos créditos dos AA., já que, o prosseguimento dos presentes autos iria conduzir, de acordo com o pedido formulado, e como se disse, não só ao reconhecimento do direito do A. a resolver o contrato de trabalho com a R., como também à eventual condenação da Ré no pagamento de indemnização, bem como nos montantes que estariam em dívida – “dívidas contra o devedor, in casu a Ré” – e “créditos para o A.”.

Ora, são esses créditos que o legislador quis impedir que possam ser exigidos fora deste processo especial de revitalização, sob pena de se penalizar o património do devedor – aqui, a Ré – que se quer liberto de tantas dívidas para recuperação da própria empresa. Mantendo e prosseguindo a sua actividade que, de outro modo, seria afectada pelo reconhecimento e respectivo pagamento de outros montantes que lhe seriam exigidos, fossem eles de natureza laboral ou não.


3.2. Daí que Carvalho Fernandes e João Labareda, (6) explicitem, com a Mestria que lhes é reconhecida nesta área, o sentido adequado a dar a este normativo, na parte que aqui releva:
“A paralisação aqui determinada abrange todas as acções para a cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas condenatórias… e também as acções com processo especial e procedimentos cautelares”.

A razão para tal extrai-se ainda da explanação de outros Autores, v.g. Madalena Perestrelo de Oliveira, quando nos alertam para o seguinte:

O objectivo deste processo é “facultar ao devedor o espaço necessário para levar a cabo a recuperação, com a consequente proibição da prossecução de outras acções, até das próprias acções executivas, como forma de protecção do devedor que fica com a faculdade de tentar a recuperação da empresa, liberto de todas as tentativas de os credores se fazerem pagar e da pressão do mercado que os levou até aquela situação económica depauperada e de insolvibilidade”. (7)
Sistema processual similar está consagrado nos ordenamentos jurídicos Espanhol e Alemão, e com regulação normativa nos EUA, onde o procedimento especial de revitalização aparece designado como “automatic stay” ou o “breathing space”(8) por prever este sistema no qual os credores não podem reclamar os seus créditos.

No mesmo sentido se manifesta Luís M. Martins, a propósito dos créditos dos trabalhadores (9), quando refere que:
“A natureza e fins do processo de revitalização pretendem trazer ao processo todos os credores e respectivos direitos. Motivo pelo qual impende sobre o devedor a obrigação de informar todos os seus credores por carta registada, pretendendo o processo que todo e qualquer credor do devedor, venha a reclamar o seu crédito no processo de revitalizaçao, de forma a poder ser ressarcido…Todos os credores inclui, por exemplo, aqueles que são fundamentais para a revitalização de qualquer estrutura produtiva – os trabalhadores.
E estes (os trabalhadores), no âmbito de um processo desta natureza não podem, porque a lei que criou e regula o PER o não permite, ter ao longo da sua tramitação tratamento diferenciado dos restantes credores”.

Sobre o entendimento relativo ao art. 17.º-E, do n.º 1, do CIRE, cf. também Catarina Serra, in “Processo Especial de Revitalização — contributos para uma “rectificação” —, na Revista da Ordem dos Advogados, A.57-T.2/3, Abril-Setembro, 2012.


3.3. Ora, estando aqui em causa a cobrança de créditos laborais por parte do A. contra a Ré devedora, e uma vez que já foi aprovado e homologado o PER, por sentença transitada em julgado, esta decisão vincula todos os credores, não permitindo, assim, a continuação das acções em curso contra a aqui R., pelo A., que figura igualmente no PER como credor, a reclamar da Ré o pagamento desses créditos.

O que bem se compreende, porquanto a procedência de tais acções projecta-se na determinação de direitos de crédito que, ao serem exigidos, conforme se salientou, se repercutem no património do credor, com reflexos não pretendidos pelo legislador. Por isso, não podem deixar de estar abrangidas pelas consequências de um Processo Especial de Revitalização, cujos efeitos a lei consagrou expressamente no sentido apontado.

3.4. Entendimento que a Relação do Porto veiculou, com grande clarividência, no Acórdão datado de 18/12/2013, (10) em que estavam em discussão créditos laborais, e no qual exarou o seguinte sumário:
“ (…)
II – A suspensão das acções previstas no n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, abrange qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) destinada a exigir o cumprimento de um direito e que, por isso, contendam como o património do devedor;
III – Em conformidade, deve ser suspensa, nos termos do normativo legal referido, a acção emergente de contrato individual de trabalho, em que estão em causa direitos de crédito (designadamente indemnização de antiguidade e retribuições) do trabalhador sobre o empregador”.


3.5. Ora, a decisão do juiz – de homologação do acordo –, transitada em julgado, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor, nos termos estipulados pelo art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE.
Nesse processo especial alude-se também à laboralidade da dívida e à qualidade de trabalhador do Autor.

E a questão que se pode colocar é a seguinte: partindo da pressuposição que a presente acção prosseguia e que o A. obteria uma decisão favorável na acção declarativa, qual o efeito que extrairia de tal sentença?
- Uma acção executiva – sabe-se que nunca poderia ser proposta, pois a lei impede-a claramente face ao estatuído na citada norma, porquanto se estaria a tentar obter a cobrança de uma dívida, e quanto a este tipo de acções – as executivas – a própria doutrina e a jurisprudência são inequívocas ao considerar que, em tal circunstância, há lugar à extinção da instância.
- E se não pode lançar mão da correspondente acção executiva contra a devedora revitalizada/Ré, então pergunta-se:
* Para que servirá manter, neste caso, uma acção em juízo?
* Qual o interesse que lhe pode advir da afirmação judicial de um crédito que o A. não poderá depois executar?

Tanto mais que, a natureza do crédito foi apreciada pela decisão do 2.º Juízo do Tribunal de Vila Verde, transcrita supra, e a lei proíbe a prática de actos inúteis, sancionando com a extinção da instância o litígio em que não se vislumbre interesse útil na sua prossecução, seja por impossibilidade, seja por inutilidade.

3.6. Em Conclusão: em face do preceituado no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na presente acção em que o A. buscava a condenação da Ré no pagamento de um crédito idêntico ao que foi reconhecido no PER, devendo confirmar-se o Acórdão recorrido que, com tal fundamento, declarou a extinção da instância.
Defender outro entendimento seria, quanto a nós, atentar contra a própria ratio que determinou a criação dos PERs.


3.7. Os próprios Carvalho Fernandes e João Labareda, na última versão do seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado” (11), referindo-se a este novo procedimento, dizem expressamente que: “nos termos em que está concebido e arquitectado, não tem sequer paralelo no Direito pregresso, conquanto se dirija a propiciar um fim – a recuperação do devedor – que fora já móbil de soluções processuais específicas adoptadas anteriormente”.

Tanto assim que, nunca é demais sublinhar, a lei o classifica de processo especial.

E conforme alertam os referidos Autores, no CIRE Anotado, o legislador fá-lo com propriedade.
“Está, com efeito, em causa a adopção de um modelo processual próprio, vocacionado para a satisfação de objectivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum(12).

E por isso, acrescentamos nós, comparar a solução criada por os normativos analisados, com outras, ou pretender que impere solução diversa da querida pelo legislador, seria, sem qualquer dúvida, atentar claramente contra a ratio que presidiu à criação deste tipo de processo especial.
Não faria sentido que, uma vez instaurado e aprovado o PER, com a homologação judicial do plano de recuperação da empresa, ficasse, depois, “tudo na mesma”, sem qualquer alteração.
A revitalização de uma empresa projecta-se em função desses efeitos, permitindo-lhe o referido “break” – o “breathing space”, assumida no direito anglo-saxónico, com o renegociar e conter os montantes em dívida dentro de certas margens acordadas, com repercussão nos valores em dívida, nas datas para liquidação dos montantes envolvidos, nos prazos de cumprimento das obrigações a que o devedor estava vinculado, seja na sua globalidade, seja quanto ao valor e ao número de prestações parcelares ou créditos a liquidar.


3.8. Razão pela qual se deve considerar como tendo aqui aplicação a consequência prevista no art. 17.º-E do CIRE: a presente instância, atenta a superveniência referida, deve ser julgada extinta.


4. A inutilidade superveniente da lide:

4.1. Entendemos, por isso, que tais acções, onde se engloba o caso sub judice, se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação por decisão judicial.
Fundando-se a extinção da instância na inutilidade superveniente da lide, nos termos da al. e) do artigo 277.º do CPC.

Efectivamente, a presente acção deixou de produzir os respectivos efeitos úteis a partir do momento em que foi homologado o PER e, por esse motivo, tornou-se inútil, por não ser possível dar satisfação à pretensão do A. nos termos em que reclama; por razões objectivas, tornou-se insubsistente alcançar a produção dos resultados que o A. pretendia obter.

Ora, a inutilidade superveniente da instância dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do Autor não se pode manter, v.g., ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio ou porque o efeito útil que se pretendia atingir com a propositura da acção não pode manter-se”.(13)

Não podendo confundir-se a decisão de uma questão prejudicial ou a ocorrência superveniente de uma excepção, ambas dando lugar a decisões de mérito, com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, que dá lugar à extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.

Aprovado o PER pelos credores que constituíram o quorum exigido, e uma vez homologado, o prosseguimento da presente acção mostra-se incompatível com a natureza deste processo especial, que visa precisamente o saneamento financeiro da empresa, por forma a possibilitar a manutenção da actividade que constitui o seu objecto social.

A acção deixou de poder produzir os seus efeitos úteis normais, tornando-se inútil o prosseguimento da lide.

4.2. Considerou o legislador que, através dessa homologação, se obteve a solução para as dívidas existentes e respectiva cobrança destas, permitindo ao devedor, por meio do acordo alcançado, a recuperação e revitalização da sua empresa que se encontra em situação económica difícil.

Acresce que os créditos do A. foram, como já vimos, qualificados como “créditos privilegiados” no processo especial de revitalização.


4.3. Os próprios arestos emanados do Supremo Tribunal de Justiça, sobre esta matéria, reconhecem que, com o PER, foram adoptados procedimentos que afectam essas garantias, mas que, não obstante isso, são maiores “os benefícios que o erário público colhe quando uma empresa é recuperada e não liquidada pela inviabilidade da sua recuperação”.

Podendo ler-se, nesse Acórdão do STJ., datado de 18/2/2014, o seguinte:
“O Estado Português, aceitou adoptar legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que no direito português como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v.g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação”. (14).


Concretamente sobre os créditos laborais, num outro Acórdão do STJ, onde tal questão é igualmente referida, mas no âmbito da análise dos privilégios de que gozam outros créditos, como sejam, os da Fazenda Nacional e da Segurança Social, podendo ser todos eles postergados, diz-se expressamente que:

O princípio da igualdade dos credores “par conditio creditorum” não confere para os que deles beneficiam um direito absoluto, pese embora a natureza muito peculiar do crédito salarial que visa remunerar a força do trabalho, muitas vezes único bem de quem trabalha e esse direito de crédito, como qualquer outro que seja disponível após estar vencido, pode sofrer afrouxamento ou restrição como decorre do texto constitucional que contempla a par do princípio da igualdade, o princípio da proporcionalidade e da proibição do arbítrio coenvolvidos na actuação fundada na legalidade do exercício de direitos e deveres, como é apanágio do estado de Direito baseado na Dignidade da pessoa humana – art. 1º da Lei Fundamental.
(...)
Pese embora os créditos laborais e da Fazenda Nacional e da Segurança Social gozarem de privilégios nos termos da lei, garantias reais, sendo que os créditos laborais têm natureza privada individual visando a remuneração do trabalho; já os créditos por impostos e as contribuições para a Segurança Social, visando assegurar interesses do Estado, quer pela cobrança de impostos, quer pela implementação de um sistema previdencial, assim os tributos e as contribuições realizam interesses públicos, que se situam num patamar diferente, supra individual, sem menosprezo pela dignidade do preço do trabalho.
Esta constatação é indissociável do facto de estar nas mãos dos credores públicos e privados da insolvente o destino da empresa particular enquanto estrutura organizada de meios de produção, cujo funcionamento transcende interesses meramente privados de obtenção de lucro, seja para a empresa e para os seus sócios ou accionistas, já que o seu regular funcionamento cria e mantém postos de trabalho, gerando riqueza; isso implica que, nas concretas circunstâncias do caso, se atenue o princípio da igualdade, de outro modo, para satisfazer plena e imediatamente o interesse do recorrido, muito provavelmente, se impulsionaria a recorrente para o estado da insolvência com a muito provável liquidação, sendo que, no caso em apreço, aqueles entes públicos também abdicaram da intangibilidade dos seus créditos visando a recuperação da empresa. (15)




4.4. Também não faz sentido apelidar de provisória ou perfunctória a decisão homologatória do PER, dado que, para todos os efeitos, transitada em julgado a decisão, passa a reger as relações creditícias em que a empresa era sujeito passivo.
Sendo certo que o A. tomou conhecimento da existência do PER, reclamou os seus créditos e viu-os reconhecidos nos termos que constam da sentença exarada pelo 2.º Juízo do Tribunal de Vila Verde.
Realça-se que com a prolação desta sentença, a lista de créditos converteu-se em definitiva. E dessa lista definitiva consta o total dos créditos reconhecidos. Tendo, posteriormente, sido homologada por sentença o plano especial de revitalização da devedora Ré, por aquele mesmo Tribunal.

4.5. O que se procura é o equilíbrio entre o deve e o haver: a recuperação económica de uma empresa – com o que tudo isso representa – com a satisfação possível dos créditos devidos.
Valem aqui as restantes considerações tecidas sobre a natureza do PER.

Por outro lado, o acordo a que se chegou no decurso desse procedimento foi aprovado por todos, tendo sido reconhecidos os créditos do A. nos montantes referidos.
Permitir ao A. manter a presente acção em curso, tal como aos restantes credores, sem suspensão ou extinção das mesmas, iria conduzir a que no futuro, lhes fosse permitido reclamar, de novo, eventuais créditos restantes.
Ora, essa situação, multiplicada por todos os credores, com o pretendido prosseguimento dos termos subsequentes da presente acção até julgamento e eventual procedência, levaria a que se perdesse o efeito útil do Processo Especial de Revitalização, subvertendo-se a razão de ser deste procedimento especial.

4.6. É certo que os créditos dos trabalhadores por serem emergentes do contrato de trabalho, da sua cessação e violação, gozam, por força da lei, de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário especial – cf. arts 333º nº 1, alíneas a) e b) do CT.
Mas esses privilégios relevam para efeitos da graduação de créditos que venha a ter lugar, posicionando-os de acordo com a ordem que a lei lhes confere, não sendo essa a função da acção declarativa cuja extinção foi determinada.
E o privilégio de que goza o A. foi reconhecido nos termos que constam da decisão proferida pelo 2.º Juízo do Tribunal de Vila Verde.
Sendo certo que qualquer eventual reclamação de créditos só pode ter lugar nos termos legais, e no que aqui releva, em sede de PER, tal acontecerá no caso de o processo especial de revitalização ser convertido em processo de insolvência, por força do disposto na alínea j), do nº 1, do art. 36º, ex vi nº 7 do art. 17º-G, do CIRE.
Em tal circunstância, os credores que integrem a lista definitiva, cujos créditos tenham sido reconhecidos, sempre poderão impugnar os créditos no respectivo apenso de verificação e graduação de créditos, por força do preceituado nos arts. 128º, 129º e 130º, todos do CIRE.

4.7. Sobre a questão jurídica da insolvência e a inutilidade das acções declarativas que têm por objecto o reconhecimento de um crédito sobre o insolvente, no âmbito de um processo de insolvência, já se pronunciou este STJ, em Acórdão Uniformizador – Acórdão nº 1/2014, publicado no D.R., 1ª Série, de 25 de Fevereiro – com o seguinte sentido (16)

“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do CPC”.

Louvou-se o referido Acórdão, nomeadamente, nas normas do CIRE - arts. 85.º e 90.º - que estabelecem os efeitos da insolvência sobre as acções pendentes, bem como no entendimento dos autores aí citados, maxime, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, em anotação às correspondentes disposições legais do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado; cujo art. 85.º possui conteúdo similar ao plasmado no art. 17.º-E, do mesmo Código, sobre os efeitos da decisão proferida no âmbito do Processo Especial de Revitalização.

4.8. Salienta-se que, no caso subjacente à decisão proferida pelo citado Acórdão do STJ Uniformizador, estavam igualmente em causa créditos laborais e a acção instaurada tratava-se de uma acção judicial emergente de um contrato individual de trabalho proposta por um trabalhador que tinha sido despedido da entidade empregadora, que, por sua vez, terá sido, depois, declarada insolvente por sentença proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa.
Sendo o regime do PER nesta parte, semelhante ao determinado para o processo de insolvência, como se referiu em ponto anterior, não se vislumbram fundamentos para se chegar a conclusão diversa.

Razão pela qual, encontramos respaldo reforçado neste Acórdão Uniformizador para se concluir, no caso sub judice, nos mesmos termos sobre a declaração a produzir relativamente à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.


6. O acesso ao Direito e aos Tribunais: a CRP

6.1. Por fim, que não se diga que a interpretação efectuada viola a Constituição da República Portuguesa.
Não existe qualquer discriminação ou violação de direitos da Ré, ou do A., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

Tendo sido os mesmos assegurados ao Autor (e à Ré), pois foi exactamente para defesa dos direitos, liberdades e garantias, que a Lei colocou à disposição dos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e eficácia, garantias de imparcialidade e de independência, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil dos seus direitos, nos termos do art. 20.º da CRP.
Aqui se inscrevendo toda a filosofia que conduziu, como se disse, à criação e implementação do PER.
Tanto mais que se sabe que subjacente a este tipo de procedimentos – especiais, como a lei os designa – o que se pretendeu foi dar flexibilidade e eficiência ao processo especial de revitalização para recuperação de empresas em situações de debilidade ou inviabilidade económica, o que envolve dívidas a fornecedores, clientes e trabalhadores.

6.2. Esta simplificação de procedimentos não retira direitos.
Simplifica, tão só, as negociações conducentes à revitalização da empresa em dificuldades económicas e os procedimentos para obtenção do acordo, entre devedor e credores, indispensável à homologação do PER.

Sendo o processo especial de revitalização justo e equitativo no quadro legal em que se mostra delineado, e no âmbito do qual o A. pode esgrimir os seus argumentos e deduzir a defesa dos seus direitos.


7. Note-se que idêntica solução foi já adoptada, recentemente, por esta Secção (4.ª) do STJ, no Acórdão de 26 de Novembro de 2015, proferido no Proc. n.º 1190/12.5TTLSB.L2.S1, a que se fez referência ab initio, e também relatado pela aqui Relatora, e do qual se transcreve o respectivo sumário:

“I – O Processo Especial de Revitalização (designado por PER) traduz-se num instrumento processual, sobretudo de cariz negocial, que visa a revitalização dos devedores em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, tendo sido instituído pelo legislador com o objectivo específico de contribuir para a recuperação de uma empresa que seja, ainda, passível de viabilização económico-financeira.

II – Nos termos do art. 17.º-E do CIRE, a aprovação e homologação do plano de recuperação no âmbito do Processo Especial de Revitalização obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

III – No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido.

IV – Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona o reconhecimento da existência de um contrato individual de trabalho e a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.

V – Tendo sido aprovado e homologado um PER, por sentença transitada em julgado, na pendência de uma acção na qual se discute a cobrança de créditos laborais por parte dos AA. - que figuram igualmente no PER como credores a reclamar da Ré devedora o pagamento desses créditos –, aquela decisão vincula todos os credores e não permite a continuação da referida acção em curso.

VI – Por força do preceituado no art. 17.º-E, n.º 1, do CIRE, não estão verificadas as condições para o prosseguimento da instância na acção em que os AA. buscam a condenação da Ré no pagamento de um crédito superior ao que foi reconhecido no PER, devendo considerar-se, em tal circunstância, extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

VII – Esta interpretação não viola a Constituição da República Portuguesa, inexistindo qualquer discriminação ou violação de direitos dos AA., nem limitação ao acesso ao Direito e aos Tribunais em defesa dos seus interesses e direitos legalmente protegidos.

VIII – A responsabilidade pelas custas da acção cuja extinção foi determinada pela aprovação de um PER, em que a Ré era parte, não pode deixar de se considerar facto imputável à R., pois foi esta que, voluntariamente, requereu o PER, para poder continuar a manter a sua actividade económica, recaindo, por isso, sobre esta, a responsabilidade, nos termos expressos no art. 536º, nº 3, do CPC.”

8. Nestes termos, improcede a revista, com os presentes fundamentos, confirmando-se a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, com assento normativo no art. 277.º, alínea e), do Novo CPC.


IV – DECISÃO:

- Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista e, por consequência, confirma-se o Acórdão recorrido quanto à extinção da instância, com fundamento na inutilidade da lide.

- Custas da revista a cargo da R., parte vencida – cf. art. 536º, nº 3, do NCPC.

- Anexa-se sumário.


Lisboa, 17 de Março de 2016.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol

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(1) Sublinhado nosso. – cf. fls. 162.

(2) Sublinhado nosso

(3) Negrito nosso

(4) Sobre esta matéria cf. o Memorando de Entendimento, nomeadamente os seus pontos 2.17, 2.18 e 2.19, que se reporta às linhas gerais do “Enquadramento Legal da Reestruturação de Dívidas de Empresas e de Particulares”.

(5) Sublinhado nosso.

(6) In “Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, Anotado”, págs. 164 e segts.

(7) Cf., neste sentido, cf. Madalena Perestrelo de Oliveira, in “Processo Especial de Revitalização: O Novo CIRE”, in RDS (Revista do Direito das Sociedades), IV, 2012, 3, págs. 718 e segts.

(8) Madalena Perestrelo de Oliveira, Ibidem

(9) In “Recuperação de Pessoas Singulares”, Vol. I, 2013, pág. 38. Sublinhado nosso.

(10) Acórdão proferido no âmbito do processo nº 407/12. OTTBRG.P1, in www.dgsi.pt., e igualmente citado nos autos.

(11) In pág. 140, 2ª Ed., 2013, “Quid Juris”.

(12) Ibidem, págs. 140 e segts. Sublinhado nosso

(13) Neste sentido, cf. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Patrício, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, pág. 512, 1999.

(14) Acórdão do STJ, proferido no âmbito do Proc. nº 1786/12.5ª, nº 1786/12, Relator: Fonseca Ramos, e que, no contexto da relação tributária, debruçando-se sobre as prerrogativas dos seus créditos, refere expressamente que:

“Tais prerrogativas dos seus créditos (do Estado) não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, e por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos na tentativa de recuperar a empresa e, reflexamente, outros interesses a ela ligados” – cf. acórdão in www.dgsi.pt
Sublinhados nossos.

(15) Cf. Acórdão do STJ, datado de 23/3/2014, relatado igualmente por Fonseca Ramos, no âmbito do processo nº 6148/12, in www.dgsi.pt. Sublinhado nosso.

(16) Este Acórdão Uniformizador envolveu, por determinação do Exm.º Presidente deste Supremo, o Pleno das Secções Cíveis e Social.