Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1999/11.7TBGMR.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
RECONVENÇÃO
ACESSÃO IMOBILIÁRIA
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS/ DIREITO DA PROPRIEDADE/ ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA - PROCESSO DECLARATIVO/ ARTICULADOS PROCESSO DE EXECUÇÃO/ ENTREGA DE COISA CERTA
Doutrina: - Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 394.
- Castro Mendes, "Caso julgado e acessão”, O Direito, ano 105º, págs. 62 e segs..
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, págs. 306, 324, 382; RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs..
- Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs. 394, 402 e 495.
- Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, págs. 418 e segs., 429, 453, 441.
- Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1340.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 274.º, 489.º, N.º1, 929.º, N.º3.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13-12-07 E DE 23-11-11, AMBOS ACESSÍVEIS ATRAVÉS DE WWW.DGSI.PT, SENDO ESTE EM SUMÁRIO.
Sumário :

1. A autoridade de caso julgado inerente a uma decisão que reconheceu ao autor o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condenou o réu na sua restituição e na demolição da construção que na mesma foi erigida impede que este, em nova acção, peça o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela, ainda que com fundamento na acessão industrial imobiliária.

2. Apesar de em tal situação não se verificar a excepção de caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da decisão obstam a que em posterior acção se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira acção com base numa realidade que naquela ocasião já se verificava e que aí poderia ter sido invocada quer para impedir a procedência da acção, quer para sustentar, em sede de reconvenção, o direito potestativo de acessão imobiliária.

A.G.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM no SUPREMO TRIBUNAL de JUSTIÇA

I – RICARDO …  MARIA …

intentaram a presente acção declarativa contra

ANÍBAL … e

MARIA das DORES …,

pedindo que se declare que adquiriram por acessão industrial imobiliária uma parcela de terreno com o comprimento de 10 m e largura de 0,25 m pertença dos RR.

Alegam serem proprietários de um prédio urbano que confronta com o prédio dos RR., sendo que, por se encontrarem convictos que o limite sul desse prédio ocorria num determinado ponto, procederam à construção de um anexo no logradouro.

Em acção intentada pelos ora RR. foi-lhes reconhecido que o referido anexo se encontrava implantado parcialmente em terreno que lhes pertencia, numa faixa de terreno com o comprimento de 10 metros e 25 cm de largura.

Alegaram que a referida parcela foi ocupada de boa-fé, constituindo uma ínfima parte do prédio dos RR. e menos de 5% do total da área de implantação do anexo.

Os RR. contestaram e excepcionaram o efeito preclusivo do caso julgado pelo facto de terem instaurado contra os AA. acção judicial em que pediram o reconhecimento de que a faixa de terreno em causa integrava o seu prédio e a condenação dos ora AA. a demolirem a construção que levaram a cabo na parte em que ocupa terreno dos ali demandantes, tendo sido proferida sentença que reconheceu que a faixa de terreno litigada integra o prédio dos RR. e condenou os AA. a demolirem a construção que efectuaram na parte em que ocupa o terreno dos aqui demandados (25 cm ao longo de 10 m).

Responderam os AA.

No despacho saneador foi considerado que se impõe a autoridade da decisão proferida no âmbito da acção intentada pelos RR. contra os ora AA., sendo os RR. absolvidos da instância, decisão que, em recurso de apelação, foi revogada, sendo determinado o prosseguimento dos autos.

Interpuseram os RR. recurso de revista em que concluíram o seguinte:
a) Na primeira acção os AA. reivindicaram uma parcela de terreno, que os RR. sustentavam ser sua, e, por isso, nela haviam construído um barraco; o pedido dos AA. foi julgado procedente, com condenação dos RR. a reconhecerem aquela propriedade e a demolirem o barraco, na parte em que este ocupou terreno dos AA.
b) Quando citados para a acção executiva correspondente àquela condenação, vieram os RR. distribuir a presente acção, visando evitar o cumprimento daquela sentença, pedindo a condenação dos ali AA. a reconhecerem que tinham adquirido por acessão industrial imobiliária a propriedade do terreno ocupado, simultaneamente pedindo a suspensão da execução até à decisão do pedido aqui formulado.
c) A acção foi julgada improcedente por força do efeito impositivo do caso julgado ou pela autoridade do caso julgado, com o argumento de que o caso julgado abrange o que foi objecto de controvérsia, mas também tudo aquilo que as partes tinham o ónus de trazer à colação, nomeadamente todos os meios de defesa possíveis, devendo os RR., no caso, ter deduzido na primeira acção, ainda que incidentalmente, e para a hipótese de a sua tese improceder, reconvenção pedindo a aquisição da parcela ocupada do prédio por acessão.
d) Essa decisão foi revogada pelo acórdão recorrido que, sem discutir sequer a questão do efeito impositivo do caso julgado, se limitou a sustentar que entre as duas acções não havia senão identidade de sujeitos, de onde concluiu que não era possível, por isso, falar de caso julgado.
e) Erradamente, porém, se decidiu, já que o caso julgado não apenas preclude todos os meios de defesa como, na sua extensão, abarca todo o objecto da causa.
f) Como vem sendo decidido, são abrangidos pela força do caso julgado os factos que estão “co-envolvidos na pretensão do autor e cuja verificação é necessária, mas não suficiente para a procedência da mesma”, única solução compatível com a “economia processual, o prestígio das instituições judiciárias e a estabilidade e certeza das relações jurídicas”.
g) Por outro lado, estando o Réu obrigado a deduzir toda a sua defesa na contestação, de tal princípio da preclusão, conjugado com o princípio da preclusão da sentença e da extensão e da força do caso julgado, resulta que aquele mesmo R. não pode propor uma acção, repondo os mesmos factos e argumentos nem invocar novos factos nem novos fundamentos que pudesse, devesse, tivesse a obrigação de deduzir aquando da contestação.
h) O acórdão recorrido violou, manifestamente, o direito, designadamente o estatuído pelos arts. 497°, 498° e 673°, do CPC, pelo que não pode manter-se.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

II – Factos relevantes:

1. Encontra-se registada a favor dos AA., por compra, a propriedade do prédio situado no Lugar de …, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, a confrontar do Norte com Estrada, do Sul com Aníbal..., do Nascente com rego de consortes e do Poente com herdeiros de G..., descrita na CRP de Guimarães sob o nº 6/19870203;

2. Em 21-5-07 os ora RR. Aníbal … e Maria das Dores …, instauraram contra os aqui AA. acção de condenação sob a forma sumária peticionando:

− O reconhecimento de que uma faixa de terreno de largura variável, nuns lugares com 1,5 m de largura, noutros com um pouco menos, noutros com um pouco mais, e uma caleira, construída pela Junta de Freguesia, na sua estrema poente, integra o seu prédio inscrito na matriz sob o art. 113º urbano e 203º rústico e descrito na CRP sob o nº 00282/13112000;

− A condenação dos ora AA. na demolição de uma construção abarracada na parte em que ocuparam a faixa de terreno referida no ponto anterior.

3. Alegaram serem proprietários do prédio inscrito na matriz sob o art. 113º urbano e 203º rústico e descrito na CRP sob o nº 00282/13112000, a confrontar do Norte com herdeiros de G …, do Sul com caminho público, do Nascente com Rua do Largo e com os ali RR. e do Poente com Henrique …, sendo que a faixa de terreno cujo reconhecimento como parte integrante desse prédio peticionam sempre foi deles pertença.

4. Mais alegaram que os ali demandados (ora AA.), após a aquisição do prédio que confronta com o seu do lado poente, decidiram fazer no local construções várias, nomeadamente uma construção abarracada, encostada à caleira, ocupando terreno deles, demandantes, em cerca de 50 cm ao longo de 7 m.

5. Citados para a acção referida em 2., com o n.º 2168/07.6TBGMR, os ora AA. contestaram negando, entre o mais, que a faixa de terreno e a caleira reclamadas sejam parte integrante do prédio dos ali demandantes, ora RR., pois que a mesma integraria o prédio deles e que a caleira referida foi colocada com autorização do anterior proprietário do prédio pertença dos ali AA.

6. Por Ac. da Rel. de Guimarães datado de 6-4-10, a acção referida em 2. foi julgada parcialmente procedente e, entre o mais:

− Foi reconhecido que o prédio inscrito na matriz sob o art. 113º urbano e 203º rústico e descrito na CRP sob o nº 00282/13112000 integra a faixa de terreno ao longo de toda a estrema, de largura variável, correspondente ao terreno existente entre a estrema dos prédios dos ali AA. e RR. e esteios, nela se compreendendo a caleira, que se situa a 25 cm da estrema norte do prédio dos ali demandantes;

− Foram os ora AA. condenados a demolirem a construção que efectuaram encostada à caleira, na parte em que ocupa o terreno dos aqui RR. (25 cm ao longo de 10 m).

III – Decidindo.

1. Suscita-se na presente revista a apreciação de uma questão que foi objecto de decisões divergentes nas instâncias e que assim se pode sintetizar:

Uma sentença proferida em acção de reivindicação que reconheceu ao Autor o direito de propriedade de uma parcela de terreno na qual o Réu construiu uma edificação impede que este interponha nova acção pedindo o reconhecimento do direito de propriedade da mesma faixa de terreno por via da acessão imobiliária?

2. Os ora RR. propuseram contra os AA. uma acção de reivindicação referente a uma parcela de terreno, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade dessa parcela e a condenação dos ora AA. na sua restituição, assim como na demolição da construção na parte em que ocupa a referida faixa de terreno.

Os ora AA. defenderam-se em tal acção e alegaram que a faixa de terreno em litígio lhes pertencia. Porém, a acção terminou com sentença que reconheceu que a aludida faixa se integrava no prédio dos ora RR., reconhecendo-lhes o direito de propriedade e condenando os AA. na sua restituição e demolição da referida construção.

Transitada em julgado tal decisão, os AA., no pressuposto de que a parcela em causa está integrada no prédio dos RR., pretendem que lhes seja reconhecido o direito de propriedade por via da acessão industrial imobiliária.

Tal pretensão claudicou na primeira instância com fundamento no efeito preclusivo do caso julgado, por se considerar que a sentença em causa resolveu definitivamente o litígio, não podendo este ser reaberto, ainda que com diverso fundamento.

Já a Relação, no acórdão recorrido, concluiu que nada obsta a que esta acção prossiga para apreciação do pedido sustentado no fundamento de acessão industrial imobiliária invocado pelos ora AA.

3. Os argumentos expostos pela Relação e postos em destaque pelos recorridos parecem convincentes se nos quedarmos num plano estritamente formal.

Todavia, importa notar que:

- Foi instaurada acção de reivindicação contendo não apenas o pedido de reconhecimento do direito de propriedade, mas também o de condenação na restituição da faixa de terreno e na demolição da construção;

- Toda a defesa relativa ao pedido de restituição e de demolição deveria ter sido apresentada, ainda que subsidiariamente, nessa acção (art. 489º, nº 1, do CC);

- Constitui séria violação do efeito preclusivo da sentença a invocação por parte dos ora AA. em acção autónoma do direito de propriedade adquirido por acessão imobiliária, com o objectivo de, além do mais, evitar o cumprimento das obrigações em que foram condenados;

- De outro modo, ficaria aberta a possibilidade de sucessiva renovação do litígio, a pretexto da formulação de novos pedidos assentes noutros fundamentos.

4. Explicitando:

Ambas as partes, tal como as instâncias, confluem na afirmação da inexistência, in casu, da excepção dilatória de caso julgado.

Na verdade, embora exista identidade de partes (elemento subjectivo), o pedido de reconhecimento do direito de propriedade foi formulado na primeira acção pelos ora RR., ao passo que nesta segunda acção esse mesmo pedido é apresentado pelos AA., com fundamento na acessão industrial imobiliária (elemento objectivo).

Mais evidente se mostra a falta de identidade deste último elemento quando se constata a diversidade de causas de pedir, já que na primeira acção foi invocada a existência do direito de propriedade na esfera jurídica dos ora RR., reivindicantes, ao passo que nesta acção os ora AA. invocam a aquisição potestativa desse direito por via da acessão.

Não é, pois, a excepção de caso julgado que constitui impedimento à apreciação do mérito da presente acção.

Porém, o trânsito em julgado de uma qualquer sentença de mérito é susceptível de produzir outros efeitos, mais difusos, mas não menos importantes quando se trata de relevar os valores da certeza e da segurança jurídica que qualquer sistema deve buscar e proteger. Trata-se da eficácia preclusiva dos fundamentos de defesa que, em regra, se esgotam com o decurso do prazo para a dedução da contestação.

Por isso, em princípio, todos os fundamentos de defesa que não sejam apresentados na primeira acção ficam cobertos pela autoridade do caso julgado formado pela sentença (cfr. neste sentido os Acs. do STJ, de 13-12-07 – Nuno Cameira – e de 23-11-11 – Pereira da Silva -, ambos acessíveis através de www.dgsi.pt, sendo este em sumário).

5. Contra esta conclusão invocam os AA., nas contra-alegações, a natureza facultativa da reconvenção. Consideram que, não sendo esta obrigatória, não pode resultar da sua não dedução qualquer efeito preclusivo, sendo, por isso, oportuna a formulação em separado do pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade por via da acessão imobiliária, sem que tal seja impedido pelo facto de terem ficado vencidos na primeira acção.

Vejamos:

É verdade que a reconvenção tem, em regra, natureza facultativa. Sendo concedida ao réu demandado em determinada acção a faculdade de aproveitar a mesma instância processual para formular uma pretensão autónoma contra o autor, forçoso é afirmar-se que, em princípio, o não uso dessa faculdade não interfere negativamente na consistência do direito material de que porventura o réu seja titular.

Trata-se, porém, de uma asserção que não é absoluta e que deve ser contrastada com o objecto da primeira acção, não se admitindo que o réu, depois de ter sido atingido pelos efeitos definitivos de uma sentença de mérito proferida no âmbito de um processo em que teve ampla possibilidade de se defender, faça uso autónomo do direito de acção para, em boa verdade, provocar o esvaziamento daquela sentença, com prejuízo para o direito que pela mesma foi reconhecido.

6. Em primeiro lugar, importa acentuar a importância que deve ser atribuída ao preceituado no art. 489º, nº 1, do CPC, nos termos do qual toda a defesa deve ser deduzida na contestação, normativo que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão.

Como refere Manuel de Andrade, “devendo os fundamentos da defesa ser formulados todos de uma vez num certo momento, a parte terá de deduzir uns a título principal e outros in eventu – a título subsidiário, para a hipótese de não serem atendidos os formulados em primeira linha (Noções Elementares de Processo Civil, pág. 382), ónus este imposto por razões de lealdade no combate judiciário, a que subjazem também razões de segurança e de certeza jurídica que impedem que, tornada definitiva uma sentença, os seus efeitos sejam postergados com base em novos argumentos que em tal acção não foram - mas poderiam ter sido - invocados.

Como se disse, não se configura, in casu, uma situação que deva ser apreciada sob o prisma do caso julgado material, atenta a falta de identidade dos elementos integrantes, importando relevar, isso sim, a autoridade de caso julgado inerente à sentença, efeito que visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza ou segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.

Na verdade, continuando a aproveitar as palavras do mencionado jurista, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse de constantemente defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalguns dos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”, concluindo que “se a sentença reconheceu, no todo ou em parte, o direito do autor, ficam precludidos todos os meios de defesa do réu, mesmo os que ele não chegou a deduzir, e até os que poderia ter deduzido com base num direito seu (p. ex., ser ele, réu, o proprietário do prédio reivindicado)...” (ob. cit., págs. 306 e 324).

Ainda que dirigindo-se a uma hipótese não inteiramente coincidente com a dos presentes autos, observa o mesmo autor que, julgada procedente uma acção de reivindicação, não pode o réu interpor contra o primitivo autor uma acção invocando que o direito de propriedade tinha sido adquirido por usucapião, com base numa situação de facto que já existia e era conhecida do réu aquando da sua demanda na primeira acção.

Situação que, com estes precisos contornos, também foi apreciada na RLJ, ano 70º, págs. 232 e segs., onde se observou, além do mais, que, “uma vez julgada procedente uma acção, nela se afirmando competir ao autor certo direito, com base em certo acto ou facto jurídico, a força e autoridade do caso julgado impedirá que mais tarde, por qualquer motivo não superveniente … se possa vir impugnar aquele direito, com isto negando ou por qualquer forma se intentando prejudicar bens correspondentes por aquela decisão reconhecidos ao autor”. Aí se conclui que “o réu em qualquer pleito tem de invocar todos os meios de defesa que lhe possam assistir, quer dizer, todos os factos susceptíveis de comprovarem que o direito do autor não se constituiu validamente (factos impeditivos), ou que já sofreu alteração ou mesmo deixou de subsistir (factos modificativos ou extintivos)” (pág. 235).

Trata-se de solução para que igualmente aponta Teixeira de Sousa quando refere que com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada” (Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586).

Ideia igualmente acentuada por Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 394, e por Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs. 394, 402 e 495.

Mas é Miguel Mesquita que aborda com mais profundidade e com mais interesse para a integração da concreta situação a questão dos efeitos preclusivos inerentes ao trânsito em julgado de uma sentença e sua conexão com a figura da reconvenção.

Na sua obra intitulada Reconvenção e Excepção em Processo Civil, págs. 418 e segs., observa que “o réu que se absteve de alegar direitos acaba por ver precludida a possibilidade de vir a obter uma futura decisão que afecte, na prática, o resultado anteriormente alcançado pelo adversário”. Por isso, ainda que a reconvenção seja facultativa, considera que o réu deverá reconvir “para se livrar de um prejuízo futuro e eventual (não certo): o prejuízo de preclusão do seu direito” (pág. 441), ficando, por isso, “inibido de propor uma contra-acção independente, baseando-se em factos anteriores deduzidos sem êxito ou que, podendo ter sido deduzidos em sua defesa, o não foram” (pág. 429). Conclui que o réu tem “sempre de jogar, no momento em que contesta, com a possibilidade de vir a ser proferida uma sentença favorável ao autor. Porque sobre esta se forma caso julgado material, o réu não pode, através de uma acção, com base em factos anteriores, vir a afectar o teor da sentença neste proferida” (pág. 453).

Tais argumentos respondem de modo acertado ao problema suscitado nos presentes autos, traduzindo uma correcta concatenação de preceitos adjectivos com princípios gerais do processo civil e com valores que devem ser acautelados.

Ademais, a concreta situação encontra algum paralelismo com a que está configurada no art. 929º, nº 3, do CPC, norma em que aflora um outro efeito preclusivo ao nível da pretensão reconvencional.

Com efeito, apesar da latitude aparente do art. 274º do CPC, a invocação do eventual direito de indemnização fundado em realização de benfeitorias (direito substantivo) é impedida, no âmbito da oposição à sentença executiva, nos casos em que o executado se tenha abstido de invocar tal direito na acção declarativa de que emerge a sentença exequenda, não podendo a acção executiva para entrega de coisa certa ser perturbada com a invocação desse direito de crédito.

7. Importa, no entanto, que se exponham todos os argumentos, mesmo os que são contrários à solução que propugnamos.

A argumentação empregue no acórdão recorrido encontra conforto num escrito de Castro Mendes, na revista O Direito, ano 105º, págs. 62 e segs., intitulado precisamente “Caso julgado e acessão”, onde procedeu a uma profunda análise de questão de contornos idênticos à dos presentes autos.

Em resposta a um pedido de consulta, o referido autor concluiu que o reconhecimento do direito de propriedade de um imóvel numa acção declarativa não prejudica a possibilidade de o réu – parte vencida - invocar noutra acção o direito potestativo de acessão imobiliária, uma vez que este pressupõe o reconhecimento daquele direito de propriedade na esfera da contraparte. Observa ainda que, tendo a reconvenção natureza facultativa, não deve resultar da sua não dedução qualquer efeito preclusivo, tanto mais que a acessão imobiliária não constitui um fenómeno aquisitivo de natureza automática, como a usucapião, antes supõe uma pronúncia judicial. Por isso, podendo esta ser concretizada no âmbito da apreciação de uma pretensão reconvencional, assevera o ilustre jurista que poderá igualmente ser apreciada em acção autonomamente interposta depois de na primeira acção ser reconhecido o direito de propriedade (ob. cit., págs. 64 e segs.).

8. É inegável o relevo dos argumentos que mais extensamente se encontram arrolados em tal resposta, envolvendo em simultâneo aspectos de natureza substantiva ligadas ao instituto da acessão industrial imobiliária e outros de ordem adjectiva conexos com as figuras da excepção peremptória, da reconvenção e da autoridade do caso julgado.

Apesar disso, mantemos a recusa da resposta enunciada, na medida em que nos parece que outros aspectos de não menor relevo deverão ser ponderados, os quais colidem com a aceitação desse resultado.

Ainda que na primeira acção os ora AA. tivessem contestado o direito de propriedade invocado pelos ora RR., arrogando-se eles mesmos proprietários da mesma parcela em litígio na qual fora implantada uma edificação, tinham o ónus de se defender em toda a extensão de tal pretensão, ainda que de forma subordinada ou eventual, prevenindo a hipótese – que acabou por se concretizar - de vencer a posição invocada pela contraparte.

Assim, uma vez que a oposição à pretensão reivindicatória dos ora RR. formulada em tal acção assentava na alegação da titularidade do mesmo direito, não poderiam os ora AA. deixar de invocar, ainda que a título eventual, a aquisição do mesmo direito de propriedade pela via da acessão industrial imobiliária, prevenindo a hipótese de se apurar que a faixa de terreno era pertença da contraparte e procurando, por essa via, obstar à procedência de cada um dos pedidos apresentados na acção de reivindicação.

Tendo os ora AA. apostado apenas na impugnação do direito que contra si foi reclamado, abstendo-se de formular, posto que subordinadamente, o pedido de reconhecimento do mesmo direito adquirido por uma via distinta da invocada pelos reivindicantes, constitui uma grave violação da estabilidade da relação jurídica definida pela sentença transitada em julgado a posterior dedução daquela mesma pretensão fundada em factos materiais que na ocasião já se haviam verificado e que, sem qualquer inconveniente ou prejuízo para o direito material, poderiam ter sido alegados, discutidos e apreciados em toda a sua extensão na primeira acção.

Assim, independentemente da qualificação da acessão imobiliária como forma de aquisição potestativa do direito de propriedade ou antes como efeito automático, ex lege, de factos que integram o normativo do art. 1340º do CC (sobre esta polémica, cfr. Antunes Varela, anot. ao referido normativo, no CC anot., e Castro Mendes, ob. cit., págs. 64 e segs.), cabia aos RR., em face da factualidade que pelos mesmos já era conhecida na ocasião em que apresentaram a sua contestação na primeira acção, invocar esse direito.

Fazendo-o, teriam permitido que a sentença apreciasse em toda a extensão a realidade emergente dos factos apurados, para efeitos de confirmar ou infirmar o juízo sobre a existência e a titularidade do direito de propriedade inerente à faixa de terreno litigada ou para afirmar ou negar, com base em todos os factores pertinentes, a obrigação de restituição dessa faixa e de demolição da construção que sobre a mesma fora erigida.

É verdade que, em princípio, o efeito preclusivo dos meios de defesa apenas abarca o que constitui matéria de excepção que integre factos modificativos ou extintivos apostos à pretensão do autor, excluindo as pretensões autónomas.

Mas é precisamente a falta de autonomia que se nos apresenta no caso concreto, na medida em que a invocação aquisição da propriedade por via da acessão imobiliária se apresentava com natureza impeditiva do reconhecimento não apenas do direito de propriedade alegado pelos reivindicantes, como ainda da condenação dos demandados na restituição da parcela de terreno e na demolição da construção, efeitos estes emergentes de factos que já existiam e que eram conhecidos dos demandados na ocasião em que se defenderam na acção de reivindicação.

Nesse contexto, o direito de propriedade sobre a parcela litigada que foi reclamado pelos reivindicantes poderia, assim, ser confrontado com os pressupostos da acessão industrial imobiliária que, a título principal ou subsidiário, tivesse sido invocado pelos demandados, ora AA., determinando, de acordo com a matéria de facto que viesse a apurar-se, o reconhecimento daquele direito de propriedade na esfera dos reivindicantes ou a sua integração na esfera dos demandados, com os correspondentes efeitos ao nível das demais pretensões acessórias de restituição da parcela e de demolição da construção.

De outro modo, apesar de os ora AA., em processo em que lhes foi concedido o direito de defesa, terem sido condenados na demolição da referida construção, tal segmento condenatório poderia ser negativamente atingido pelos efeitos de nova sentença, como se o sistema admitisse, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas e como se, contrariando as sábias palavras de Manuel de Andrade, nem sequer as sentenças transitadas em julgado conferissem aos seus beneficiários direitos efectivos, ficando eternamente submetidas aos efeitos da litigiosidade (ou da chicana processual) promovida pela parte vencida.

Por isso, quer para contrariar o reconhecimento do direito de propriedade invocado pelos autores na primeira acção, quer para impedir a condenação na restituição da parcela e na demolição da construção, tinham os ora AA. o ónus de trazer para o objecto dessa acção tudo quanto pudesse colidir com qualquer daquelas pretensões. 

Por conseguinte, mostra-se impedido o prosseguimento da acção, por via da autoridade de caso julgado projectada pela sentença judicial proferida na primeira acção.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso de revista, revogando o acórdão recorrido, ficando a subsistir a decisão da primeira instância que absolveu os RR. da instância.

Custas da revista e nas instâncias a cargo dos AA.

Notifique.

Lisboa, 11-10-12

Abrantes Geraldes (Relator)

Pereira da Silva

Oliveira Vasconcelos