Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3071/13.6TJVNF.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
SIMULAÇÃO
PROVA
Data do Acordão: 02/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / ALTERAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- A. Varela, Manual de Processo Civil, 1984, 486.
- Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6.ª ed. 226.
- Beleza dos Santos, A Simulação em Direito Civil, II, 151.
- Carvalho Fernandes, «A Prova da Simulação Pelos Simuladores», O Direito, 124.º, 1992, IV, 600, 615.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 191; Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 1972, 207; Teoria Geral da Relação Jurídica, II, 171 ss..
- Mota Pinto e Pinto Monteiro, «Arguição da Simulação Pelos Simuladores. Prova Testemunhal», C.J., X, 1985, 3.ª 11 ss..
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., 466.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª ed., 2015, 598.
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, I, 3.ª ed., 310; “Código Civil” Anotado, I, 4.ª edição.
- Rodrigues Bastos, Notas ao “Código Civil”, II, 177.
- Rui Alarcão, «Simulação», B.M.J., 84.º, 305; «Do negócio jurídico», B.M.J., 105, 256.
- Vaz Serra, «Anotação ao Acórdão do S.T.J. de 4 de Dezembro de 1973», R.L.J. 107.º, 311 ss.; «Provas – Direito Probatório Material», B.M.J. 112, 194-197; 219-232; 236-292.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 10.º, 240.º, 244.º, 245.º, 351.º, 373.º A 379.º, 394.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 662.º, 674.º, N.º3, 682.º, N.º1.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA JUDICIÁRIO (LEI N.º 62/13, DE 26 DE AGOSTO): - ARTIGO 46.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 31/3/93 – C.J./S.T.J. I-II, 54; DE 21/1/99 – P.º N.º 1003/98 – 1.ª; DE 18/1/2001 – P.º N.º 3516/2000 – 2.ª; DE 13/3/2001 – P.º N.º 278/2001; DE 21/10/2005 – P.º N.º 2590/05; E DE 8/5/2006 – P.º N.º 06A1248, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 17/6/2003 - P.º N.º 03A1565; DE 5/6/2007 – P.º N.º 7A1364; P.º N.º 758/06.3TBCBR-BP1.S1; E DE 9.7.2014 - P.º N.º 5944/07.6TBVNG.P1.S1.
-DE 5/6/2007 – P.º N.º 07A3134, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

1- Como princípio – regra, a fixação dos factos materiais da causa,
baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista.

2-O S.T.J. limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado.

3- São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

4- Em suma, o S.T.J. só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova.

5- Nesta área o S.T.J. está a sindicar a aplicação de normas jurídicas movendo-se, então, em sede de direito.

6- O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções.

7- O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores.

8- Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta, o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial.

9- Porém, a doutrina e a jurisprudência, inspiradas nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os coevos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” (ou “começo”) de prova que crie uma convicção que as testemunhas podem sedimentar.

10- Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; o documento não ser usado como facto – base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil.

11- A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris”.

12- São elementos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; o propósito de enganar (simulação inocente) ou prejudicar (simulação fraudulenta) terceiros.

13- Só pode ocorrer simulação nos contratos mas também nos negócios unilaterais desde que recepticios.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


AA e BB intentaram acção, com processo comum, contra CC e DD

Pediram:

— a declaração de nulidade da dação em cumprimento, negócio pelo qual os Autores entregaram aos Réus os seguintes prédios:

a) duas casas de habitação, com a área coberta, respectivamente de 120 m2 e 90 m2 e quintal (este com 2.923 m2) situadas no lugar do ..., descritas na Conservatória do Registo Predial de ... – n.º 248.º daquela freguesia – e inscritas na respectiva matriz predial urbana sob os artigos n.ºs 632 e 634;

b) casa de habitação, com a área coberta de oitenta e cinco metros quadrados e quintal com dois mil setecentos e vinte e sete metros quadrados, no Lugar ..., descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° 108, da freguesia de ..., limite de ..., inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo 631, ordenando-se a restituição dos mesmos aos aqui Autores e ordenando à Conservatória do Registo Predial competente para proceder à anulação dos registos que titularam a transmissão de propriedade dos Autores para os Réus.

— a condenação dos Réus a devolverem os imóveis livres de quaisquer ónus ou encargos provenientes de dívidas contraídas pelos aqui Réus;

— não sendo possível o cumprimento do segundo pedido, serem os Réus condenados a caucionarem as dívidas existentes no(s) processo(s) em causa, com as demais consequências legais;

Sem prescindir,

— sejam  os   Réus  condenados   a  pagarem aos   Autores  uma  quantia correspondente ao pagamento da dívida dos Réus por parte dos Autores ou à perda do imóvel resultante da penhora registada, que se quantifica, no mínimo no valor da penhora, 31.000,006, mas que poderá, na eventualidade de incidirem outros ónus ou encargos sobre os referidos prédios ser um valor superior, relegando-se a liquidação de tal montante para liquidação de sentença, nos termos do disposto no art. 609.° do CPC.

Houve contestação por impugnação.

Na 1.ª Instância a acção foi julgada improcedente com a consequente absolvição dos Réus dos pedidos.

Apelaram para a Relação de Guimarães que, revogando a sentença assim deliberou, a final:

“a) Declara-se a nulidade da dação em cumprimento celebrada entre autores e réus, relativamente aos prédios identificados na alínea a) do pedido dos autores.

b) Condenam-se os réus a restituírem aos autores os aludidos prédios.

c) Condenam-se os réus a pagarem aos autores a quantia em dinheiro que estes venham a despender com a restituição efectiva e desoneração dos referidos bens imóveis ou a quantia em dinheiro correspondente à perda desse bem, a liquidar qualquer caso, em execução de sentença.”

Inconformados, os Réus pedem revista.

           Culminaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1- Recorrem os RR do acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Guimarães proferido nos presentes autos em virtude de o acórdão recorrido não fazer uma correcta aplicação da lei violando os art° 392°,393°,394 Código Civil, artº 240° CC e sofrer de nulidade prevista no art 615 n°l al b) e 674 n° 1 al a) c) e 674 nº3

2- Da falta de começo de prova documental que legitime o recurso à prova testemunhal em simulação alegada por um dos próprios simuladores prevista no art° 394 n° 1 e 2

3- Insurgem-se os RR contra a alteração da matéria de facto proferida pelo Tribunal da Relação em virtude desta alteração surgir da violação do art°394 n°l e 2 do CC e do art 674 n°3 CPC e tal desencadeia a necessidade da revogação do indevidamente acrescentado pela Relação aos factos julgados provados, havendo, assim, que se considerar como "não escritas" a factualidade inserta nas alíneas a),b),c),d),e),f),g),h),i),j),k),m) (a excepção da expressão "sempre" n),o),p),r),t),w)y),z), aa) e bb) da matéria de facto

4- Bem andou o tribunal de 1ª instancia ao concluir que "No caso dos autos não há nenhum princípio de prova da simulação por escrito, pois os documentos respeitantes aos contratos de arrendamento juntos com a p.i., a fls. 26 a 32, provêm unicamente da autora mulher, sendo que é contra os réus que a referida interposição é invocada pelos requerentes.

Assim, os diversos escritos nada têm a ver com os réus

5- A escritura de dação em cumprimento teve origem numa dívida existente dos Autores para com os Réus que foi paga através da entrega dos dois prédio que consubstancia documento autentico

6- Desde logo, tal como decidiu e bem o Tribunal de Io instancia não se verificam in casu, os requisitos legais de que a lei faz depender a excepção de aplicação do art. 394° do Código Civil

7- Não existe qualquer contrato promessa particular ou outorgado no notário, qualquer documento que sequer indicie a simulação do negocio não existindo principio de prova sendo certo que também não é admitida prova testemunhal quando se tiver por objecto quaisquer convenções contrarias ou adicionais ao conteúdo de documento autentico conforme art° 394 n° 1 CC

8- A lei, a doutrina e a jurisprudência dizem que prova do pacto simulatório, se invocado entre os simuladores, não pode ser realizada por testemunhas quando o negócio simulado for celebrado por documento autêntico, ou por algum dos documentos particulares mencionados nos arts. 373.° e 379.° e aquele pacto seja invocado pelos simuladores - art. 394°, n°2, do Código Civil.

9- Ademais, também não resultou provado que os Réus tivessem conhecimento de dividas de terceiro ou sequer que os AA tivessem efectivamente alguma divida sendo certo que o Acórdão não sustenta a alegação remetendo-se para "potenciais credores" não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificassem essa decisão violando o art 615 n° 1 al b CPC

10- Donde se atesta clara e inequivocamente que o acórdão é manifestamente ambíguo, tornando a decisão ininteligível, padecendo, nesse mesmo sentido, de nulidade, nos termos do disposto na alínea b) do n° l do art. 615.° do CPC.

11- As contradições, ambiguidades e obscuridades do acórdão proferido são tão flagrantes que não poderá ser outra a decisão que a validade do contrato de dação em cumprimento o que expressamente e para todos os efeitos legais se requer e pretende ver reconhecida.

12- No caso concreto, não ficou demonstrada qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada, o intuito de enganar ou iludir terceiros («animus decipiendi»), e acordo simulatório («pactum simulationis») ao contrario do referido no acórdão que padece de vícios previstos no art°615 n° al b

13- As alterações introduzidas pela Relação à matéria de facto motivaram contradição entre a mesma e de molde a poder dizer-se que foi cometida a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 674° do Código de Processo Civil e do artigo 674 n° 3 CPC

14- E, com as alterações introduzidas à matéria de facto, admitindo prova testemunhal para prova da existência de acordo simulatório, a Relação violou a disposição de direito substantivo relativa a provas, concretamente o disposto no artigo 393° do Código Civil

15- Salvo o devido e maior respeito por opinião diversa, a existência de um contrato de arrendamento celebrado pela Autora, aqui recorrente, na qualidade de senhoria, em 1 de Janeiro de 1998, já após a celebração do negócio objecto da presente acção de simulação, NUNCA poderá servir de começo de prova de natureza documental por violação do art° 394 CC

16- Mas também o documento junto com a PI como doc. n° 5,  nunca poderá ser considerado como princípio de prova documental, atento atá à sua impugnação e falta de validade jurídica

17- Desde logo, tal como decidiu e bem o Tribunal de 1ª instancia não se verificam in casu, os requisitos legais de que a lei faz depender a aplicação do art. 394 do Código Civil porque os diversos escritos nada têm a ver com os réus

18- O art.° 394 n° 2 é peremptório "a proibição do numero anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negocio dissimulado quando invocado pelos simuladores"

19- E à luz do exposto, se poderá entender que o acordo simulatório só poderia ser provado por documento ou por confissão, atenta a limitação imposta pelo artigo 394° do Código Civil", e "os documentos apresentados não revelam - nem, tão-pouco, indiciam – qualquer simulação, pelo que restaria ao requerente o recurso à prova por confissão o que no caso concreto não ocorreu tendo os RR negado peremptoriamente a simulação

20- Ao declarar nulo o contrato de dação em cumprimento por simulação com base na prova testemunhal, em escritos, presunções e indícios a fundamentação do acórdão violou os artigos 392°; 393°;394º do Código Civil e art.º 674 n°3 CPC

21- Deste modo, entendemos, salvo o devido respeito, que o Supremo Tribunal de Justiça devera revogar o acórdão do Tribunal da Relação com fundamento na nulidade do acórdão com base nos art°674 n°l al a) c) e art.º 674 n°3

22- Devera ser aplicado o art.º. 394 n°2 CC por falta de principio de prova documental de simulação. A prova do pacto simulatório, se invocado entre os simuladores, não pode ser realizada por testemunhas quando o negócio simulado for celebrado por documento autêntico, ou por algum dos documentos particulares mencionados nos arts. 373.° e 379.° e aquele pacto seja invocado pelos simuladores art.º. 394°, n°2, do Código Civil.  Assim, na inexistência de prova documental, uma vez que o acordo simulatório, quando invocado entre os simuladores, apenas pode ser provado por documento ou por confissão e não será possível efectuar essa prova

23- Desde logo, tal como decidiu e bem o Tribunal de 1ª instância, não se verificam in casu, os requisitos legais de que a lei faz depender a verificação da simulação absoluta designadamente: a divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório, e o intuito de enganar terceiros não estando preenchidos os requisitos da simulação previstos no art°240 CC

24-  Não só, não foi produzida prova da verificação de nenhum dos requisitos da simulação absoluta, tendo pelo contrário, resultado provado que factualidade oposta

25-  Os factos invocados no acórdão recorrido são manifestamente insuficientes para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos no art.º. 240° do CC, já que se não mostra alegado um facto essencial: ter a divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declarada o intuito de enganar (ou de enganar e prejudicar) terceiros omitiram, porém, totalmente a alegação de factos que corporizassem o referido e essencial intuito de enganar terceiros,

26-  Por outro lado, que ao caso concerne, não estão preenchidos em nenhum dos documentos referenciados pelo acórdão os pressupostos exigíveis para um começo de prova que legitime a admissibilidade de prova testemunhal

27-Impõe-se a repristinação da decisão da Ia instância, no segmento decisório aqui em causa, o mesmo é dizer que não há motivo algum para declarar nulo, por simulação absoluta, o contrato de dação em cumprimento outorgado no passado dia 20 de Janeiro de 1994

28- Em face do exposto o Acórdão recorrido merece censura, devendo ser alterado na íntegra e deve, assim manter-se intocada a douta sentença da primeira instancia que julgou totalmente improcedente a acção, com a consequente absolvição dos Réus do pedido contra estes formulado

Os recorridos contra-alegaram em defesa do julgado, alinhando, no essencial, o seguinte acervo conclusivo:

“A- Julgou bem a relação de Guimarães, em respeito pela verdade dos factos e fazendo apelo às melhores soluções de direito.

B- Existe falta de fundamento para a interposição deste recurso de revista.

C- O presente recurso tem como objeto uma reanálise da matéria de facto dos autos o que está vedado por lei.

D- Não existiu ou sequer existe qualquer violação ao artigo 394.° n.° 1 e 2 do CPC, que justificou e justifica a prerrogativa de valoração da prova testemunhal e outros escritos juntos aos autos.

E) Efectivamente, a regra da admissibilidade da prova testemunhal (prova esta apreciada livremente pelo Tribunal - art. 396° do CC) estabelecida no art.392º do CC. sofre excepções (veja-se também no art.º. 655°, n°2 do CPC), excepções que reflectem quer o seu valor quer o seu perigo especial.

F- Apesar do art.394° do CC não formular excepções à preceituada inadmissibilidade da prova testemunhal, as regras nesse normativo estabelecidas não devem ser aplicáveis, pois da razão de ser destas conclui-se que nada tem alcance absoluto, havendo que ressalvar algumas hipóteses em que a prova testemunhal será admissível apesar de ter por objecto convenção contrária ou adicionai ao conteúdo do documento.

G- Deve também ter-se por verdadeiras no nosso direito as excepções que o direito francês e o direito italiano fazem à regra da inadmissibilidade da prova testemunhal contra ou além do conteúdo de documentos (e isto apesar do silencio da lei a respeito dessas excepções). Designadamente:

a) Existir um começo de prova por escrito (isto é, qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o lacto alegado):

 b) Tiver sido impossível àquele que invoca a prova testemunhal obter uma prova escrita;

c) Lhe ter sido impossível prevenir a perda da prova escrita; e ainda (esta fundada no direito italiano),

d) Quando, no que concerne a convenções posteriores ao documento, a circunstancias do caso tornem verosímil que elas tenham sido realizadas.

H - Neste âmbito deve ser admita a prova testemunhal desde que ela seja acompanhada de circunstâncias que tornem verosímil a convenção contrário ao documento que com ela se pretende demonstrar, mormente quando exista um começo de prova por escrito.

I - Nos autos, o escrito junto com a petição inicial, 36 a 46 tem a virtualidade de traduzir tal escopo de começo de prova, pois que estamos perante um documento elaborado pelo Réu marido, segundo este admitiu, e entregue pela Ré mulher. Segundo esta confessou, à Autora, respeitante à simulação do reembolso de IRS do ano de 2009 (15 anos após a escritura de dação em cumprimento) que adviria aos Réus, não fosse a repercussão das rendas dos aludidos prédios nos seus rendimentos, exigindo os Réus o pagamento da diferença à Autora, no montante de € 810.26.

J - Trata-se de um escrito que está interligado com o negócio declarado e torna verosímil a alegada simulação.

L - Deverá pois se concluir pela interpretação do art.º. 394.° do CC, de forma a que que possa ser produzida prova testemunhal desde que o acordo simulatório contenha um mínimo de prova, um começo de prova de natureza documental.

M - Não existe qualquer erro de direito por não verificação do art 240.° do CC.

N- Preceitua o apontado art° 240. do CC. que o negócio é nulo, por simulado, quando, por acordo entre declarante e declaratório, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.

 O- Tal nulidade pode ser invocada, designadamente, pelos próprios simuladores entre si, ainda que a simulação seja fraudulenta, conforme prescreve o n° l do artigo 242, do CC, sem prejuízo de ser invocável a todo o tempo por qualquer interessado c poder ser declarada oficiosamente pelo tribunal (cfr. Artigo 286).

P- A simulação pressupõe a verificação dos seguintes três elementos; a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; o intuito de enganar terceiros; o acordo simulatório.

Q - Ora, na situação em apreço neste autos, tal simulação resulta de toda a materialidade fáctica provada, inclusive dos pontos n°s 1 a 9 e das alíneas a), b), c), d), e), 0, g), i), j), k), m), n). o), p). r). t). w). y). z), aa) e bb) supra - constante do Acórdão da Relação de Guimarães.

R - Enfatizando-se os factos vertidos nos pontos provados n°s 1 a 9 e das alíneas a) a g), m) a p), r) e t), onde é a patente a divergência entre a vontade real (de não dar nem receber em cumprimento) e a declarada (de dar e receber em cumprimento), o acordo simulatório ("os autores convencionaram com os réus"-alínea b) provada) e a intenção enganatória (a realização da escritura pública de dação em cumprimento com o mero fito de enganar terceiros credores, salvaguardando o património para as filhas dos autores).”

A 1ª Instância dera por assente a seguinte matéria de facto:

“No dia vinte de Janeiro de 1994, por escritura pública denominada Dação em Cumprimento, outorgada na Secretaria Notarial de ..., onde figuram como primeiros outorgantes os aqui autores e como segundos outorgantes os aqui réus, os autores declararam "Que são devedores ao segundo outorgante CC, da quantia de dez mil e trezentos contos, conformes letras aceites por ele primeiro outorgante marido, em vinte de Dezembro de mil novecentos e noventa, vinte de Março, vinte e três de Março, seis de Maio, e treze de Maio, estas do ano de mil novecentos e noventa e um, vinte e quatro de Fevereiro e trinta de Outubro, estas do ano de mil novecentos e noventa e dois, nos montantes, respectivamente de trezentos mil escudos, dois mil e quinhentos escudos, mil contos, mil contos, mil contos, dois mil e quinhentos contos e dois mil contos. Que, para cumprimento daquela dívida, eles primeiros outorgantes, pela presente escritura, dão ao segundo outorgante, CC, os seguintes prédios, sitos na dita freguesia de ...:

a) Duas casas de habitação, com a área coberta de cento e vinte metros quadrados, uma e outra com a área de noventa metros quadrados e quintal com dois mil novecentos e vinte e três metros quadrados, sitas no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., com registo de transmissão a favor dela primeira outorgante, pela inscrição G- dois e inscrito nos artigos 632 e 634 da matriz urbana respectiva (...), e ao qual atribuem o valor de seis milhões e trezentos mil escudos.

b) Casa de habitação, com a área coberta de oitenta e cinco metros quadrados e quintal com dois mil setecentos e vinte e sete metros quadrados, no Lugar ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° ..., da freguesia de ..., com registo de transmissão a favor dela primeira outorgante, pela inscrição G-dois e inscrito no artigo 631 da matriz urbana respectiva (...) ao qual atribuem o valor de quatro milhões de escudos.

(resposta aos artigos 1º e 2º da p.i.).

2. Os Réus eram pessoas da inteira confiança dos Autores, sendo que são inclusivamente padrinho e madrinha de uma das filhas dos Autores (resposta ao artigo 5º da p.i.).

3. Autores e Réus eram presença assídua na casa uns dos outros, comemoravam as festas familiares em conjunto, faziam programas em conjunto, enfim eram o que em gíria popular se costuma designar por "compadres" (resposta ao artigo 6o da p.i.).

4. Em 1 de Janeiro de 1998 a autora mulher celebrou com os Exmos. Senhores EE e FF contrato de arrendamento relativo ao prédio melhor identificado na alínea a) do ponto 1 (resposta ao artigo 19° da p.i.).

5. Sendo que são tais pessoas que fruem os prédios em causa (resposta ao artigo 22° da p.i.).

6. Neles pernoitando (resposta ao artigo 23° da p.i.).

7. Fazendo as suas refeições (resposta ao artigo 24° da p.i.).

8. Fazendo o cultivo das terras (resposta ao artigo 25° da p.i.).

9. Tudo de forma pacífica e sem oposição de terceiros (resposta ao artigo 26° da p.i.).

10.  Sobre o prédio identificado no ponto 1, alínea a) foi registada penhora referente ao processo executivo n°2510/13.0TBSTS, do ...º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., sendo a quantia exequenda no valor de 31.900,006 (resposta ao artigo 39° da p.i.).

11. A Autora AA enviou aos Réus carta registada, datada de 16 de Outubro de 2013, na qual refere que convoca os réus para a outorga da escritura de compra e venda dos imóveis identificados nos autos, que se realizaria no dia 28 de outubro de 2011, às 11h00 no Cartório Notarial ... (resposta ao artigo 42° da p.i.).

12.  Por carta datada de 22 de Outubro de 2013, os Réus responderam à aqui Autora AA, referindo que "não temos nenhuma escritura agendada com v. Exa. e teremos que presumir que com certeza foi um engano", referindo que "caso pretenda fazer alguma proposta deverá dirigir-se ao escritório da Dra. GG" (resposta aos artigos 43° e 44° da p.i.).

13.  No dia designado para a outorga da escritura, 28 de Outubro de 2013, a Autora AA compareceu no Cartório designado a fim de outorgar a escritura de transmissão de propriedade dos dois prédios em questão, não tendo comparecido qualquer dos Réus (resposta ao artigo 47° da p.i.).

 Mas considerou -B) Factos Não Provados:

a) Não existia qualquer dívida dos aqui Autores aos Réus, nem os dois prédios supra melhor descritos alguma vez foram efectivamente entregues aos Réus.

b) À data da celebração do referido contrato de dação em cumprimento, os aqui Autores, motivados por algumas dívidas que potencialmente poderiam vir a ter para com terceiros e de forma a salvaguardar o património para as filhas de ambos, convencionaram com os Réus que a melhor forma de salvaguardar o património aqui em causa seria colocar o mesmo em nome dos Réus.

c) Atenta a relação descrita, os Autores nunca sentiram a necessidade de, por forma a salvaguardar a sua posição e concomitantemente das suas filhas, pedir aos Réus que subscrevessem declaração em que reconheciam expressamente que o contrato celebrado não era real, não tendo produzido quaisquer efeitos.

d) Foram sempre os Autores, mormente através da Autora AA que utilizaram os prédios em causa.

e) E que fizeram uso dos mesmos.

f) Sempre sem oposição fosse de quem fosse e, pelo contrário, sempre com a aquiescência total de todos,

g) E os AA. assim agiram e assim ocuparam e usufruíram dos prédios na convicção segura de serem os seus donos e legítimos possuidores e de não lesarem quaisquer direitos de outrem.

h) Os Réus nunca se deslocaram sequer aos prédios.

i) Nem as chaves dos mesmos alguma vez tiveram.

j) Foram sempre os Autores que fizeram a manutenção dos prédios, realizando as obras de conservação necessárias.

k) Pagando as mesmas.

l) Em 1 de Outubro de 2012 os autores celebraram contrato de arrendamento com os Exmos. Senhores HH e II sobre o prédio melhor identificado na alínea b) do ponto 1.

m) Foram sempre os Autores que suportaram os impostos inerentes à propriedade de tais prédios ainda que os mesmos se encontrem ficticiamente registados em nome dos Réus.

n) O pagamento do IMI até ao ano de 2008, foi pago pelos AA., no seu próprio nome e interesse.

o) A partir de tal data, os AA, continuaram a liquidar o IMI, porém, não em nome próprio, mas de forma indirecta, já que os AA. procediam à transferência ou entrega do montante devido a título de IMI aos Réus.

p) Sendo que no ano de 2010, em virtude de ter sido reflectido no IRS do aqui Réu marido o recebimento de rendas decorrentes de rendas recebidas na prática, e como não podia deixar de ser, haviam sido os Autores, a receber as rendas, procederam estes igualmente ao pagamento do diferencial do valor de IRS que o Réu marido deixou de receber em virtude do rendimento proveniente de rendas.

q) Com efeito, os Autores, pese embora a declaração de vontade firmada no contrato de dação em pagamento, não quiseram, de facto, entregar os dois prédios melhor identificados, a favor dos Réus nem a favor de outra pessoa.

r) Até porque não existia qualquer dívida dos Autores aos Réus.

s) Não houve qualquer pagamento associado à referida transmissão de propriedade.

t) A mesma serviu única e exclusivamente para que os prédios em causa deixassem de figurar na competente Conservatória do Registo Predial em nome dos aqui Autores, atendendo às contingências de potenciais dívidas dos mesmos que poderiam resultar na perda dos referidos prédios a favor de potenciais credores.

u) Os Autores não quiseram transmitir os bens.

v) Os Réus não quiseram receber os referidos bens.

w) Os réus nunca tiveram a chave dos imóveis em causa.

x) Nunca lá foram, tendo os Autores inclusivamente dúvidas que os Réus saibam sequer onde ficam os prédios.

y) Neles fazendo obras.

z) Cedendo a utilização dos mesmos e recebendo os proveitos dessa mesma cessão.

aa) Pagando os impostos inerentes aos mesmos.

bb) A vista e com conhecimento de todos, com a perfeita anuência dos aqui Réus e sem que alguma vez tenham revelado qualquer oposição à posse pacífica mantida pelos aqui Autores dos referidos prédios.

cc) Os RR procederam a vários empréstimos ao A. BB em 1990,1991,1992 titulados em letras no valor global de dez mil e trezentos contos e em fins de 1993 os AA propuseram a dação em cumprimento para a liquidação da sua dívida aos RR e estes aceitaram.

dd) Três anos decorridos da escritura, a A. AA separada do A. BB dirigiu-se aos RR e solicitou uma promessa unilateral de venda dos bens imóveis.

ee) A autora tinha intenção de comprar os referidos imóveis uma vez que estes teriam sido herança dos seus pais. Contudo, uma vez que estava com dificuldades financeiras e separada do seu marido, tal teria de acontecer dilatado no tempo, pelo que ficou acordado um prazo de 10 anos para concretizar o negócio.

ff) Ficou convencionado numa promessa unilateral de venda dos RR à Autora AA onde se convencionou que os RR prometiam vender os referidos prédios no prazo de 10 anos (dez anos) pelo valor de quinze mil contos aproximadamente 75.000,006 (setenta e cinco mil euros) e a Autora utilizaria os referidos imóveis para uso e habitação.

gg) Em virtude de os RR serem padrinhos de uma filha dos AA, de compreenderem o facto de que era um bem da herança da Autora e terem a noção que esta tinha agido de uma forma correcta ao ter-lhes entregue para pagamento da divida contraída com eles os imóveis que tinha adquirido por herança acederam a uma promessa unilateral.

hh) O bom coração dos RR, aliado às relações de amizade que mantiveram com a Autora, assim como as dificuldades que viram a Autora sofrer por ter duas filhas a seu cargo, levaram os RR a conceder ainda um novo prazo de cinco anos em 2007 de promessa de venda.

ii) Os RR passaram todos estes anos a aguardar, de boa-fé, que a Autora pudesse comprar os imóveis, repudiando propostas de compra que lhes foram fazendo, respeitando deste modo a promessa assumida e cujo resultado seria ainda um bom negócio, mas, terminado o prazo sem que a Autora exercesse o seu direito de compra, e confrontando-se com dificuldades financeiras uma vez que o negócio da Ré estava a sofrer prejuízos, os RR sofreram uma penhora nos imóveis sua propriedade.

jj) Imóveis estes que os RR pagaram os impostos, pagaram facturas de obras, pagaram contra-ordenações da Camará Municipal  de ..., pagaram levantamentos topográficos em 2012 para alteração das áreas, procederam ao pagamento de todos as obrigações desde 1994, sempre sendo reconhecidos como os proprietários dos bens imóveis sitos em Bairro e tendo-se deslocado por diversas vezes aos seus imóveis.

kk) Os RR, aceitaram a dação em pagamento para liquidação da divida dos AA, mas sempre quiseram vender os imóveis e aliando a este facto o proposto pela Autora ser um excelente negocio e ajudar uma "comadre" dilatando o prazo prometeram vender á Autora.

11) Até que em Setembro deste ano a Autora começou a pressionar os RR para que fosse celebrada a escritura contudo não queria pagar pelos bens argumentando que os imóveis já tinham uma penhora e não valiam o valor que tinha assumido e começou a infernizar a vida dos RR, aparecendo em sua casa a altas horas da noite e na empresa da Ré com ameaças de tribunal porque já tinham passados quase 15 anos que tinha a posse e que os RR eram uns palermas e lorpas.

mm) A Autora marcou a escritura sem qualquer acordo com os RR e enviou uma carta sem consultar os RR que delicadamente a informaram que nada tinham marcado e recusaram-se a comparecer”.

Ulteriormente, e na sequência da impugnação da matéria de facto, o Tribunal recorrido assim julgou:

“Têm-se, pois, por não escritas as respostas negativas à matéria consignada nas enunciadas alíneas q), u) e v).

Em resumo, porquanto de deixa acima expendido, nos termos impugnados altera-se a decisão de facto do tribunal recorrido, por força do disposto no art° 662°, do CPC, considerando-se provados os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), f), g), i), j), k), m) (à excepção da expressão «sempre»), n), o), p), r), t), w), y), z), aa) e bb) da matéria de facto não provada, a qual passa a ter a seguinte redacção:

Provado que:

a) Não existia qualquer dívida dos aqui Autores aos Réus, nem os dois prédios supra melhor descritos alguma vez foram efectivamente entregues aos Réus.

b) À data da celebração do referido contrato de dação em cumprimento, os aqui Autores, motivados por algumas dívidas que potencialmente poderiam vir a ter para com terceiros e de forma a salvaguardar o património para as filhas de ambos, convencionaram com os Réus que a melhor forma de salvaguardar o património aqui em causa seria colocar o mesmo em nome dos Réus.

c) Atenta a relação descrita, os Autores nunca sentiram a necessidade de, por forma a salvaguardar a sua posição e concomitantemente das suas filhas, pedir aos Réus que subscrevessem declaração em que reconheciam expressamente que o contrato celebrado não era real, não tendo produzido quaisquer efeitos.

d) Foram sempre os Autores, mormente através da Autora AA, que utilizaram os prédios em causa.

e)     E que fizeram uso dos mesmos.

f)     Sempre sem oposição fosse de quem fosse e, pelo contrario, sempre com a aquiescência total de todos,

g)     E os AA. assim agiram e assim ocuparam e usufruíram dos prédios na convicção segura de serem os seus donos e legítimos possuidores e de não lesarem quaisquer direitos de outrem.

h) Os Réus nunca se deslocaram sequer aos prédios.

i) Nem as chaves dos mesmos alguma vez tiveram.

j) Foram sempre os Autores que fizeram a manutenção dos prédios, realizando as obras de conservação necessárias.

k) Pagando as mesmas.

m) Foram os Autores que suportaram os impostos inerentes à propriedade de tais prédios ainda que os mesmos se encontrem ficticiamente registados em nome dos Réus.

n) O pagamento do IMI até ao ano de 2008, foi pago pelos AA., no seu próprio nome e interesse.

o) A partir de tal data, os AA, continuaram a liquidar o IMI, porém, não em nome próprio, mas de forma indirecta, já que os AA. procediam à transferência ou entrega do montante devido a título de IMI aos Réus.

p) Sendo que no ano de 2010, em virtude de ter sido reflectido no IRS do aqui Réu marido o recebimento de rendas decorrentes de rendas recebidas na prática, e como não podia deixar de ser, haviam sido os Autores, a receber as rendas, procederam estes igualmente ao pagamento do diferencial do valor de IRS que o Réu marido deixou de receber em virtude do rendimento proveniente de rendas.

r) Até porque não existia qualquer dívida dos Autores aos Réus.

t) A mesma serviu única e exclusivamente para que os prédios em causa deixassem de figurar na competente Conservatória do Registo Predial em nome dos aqui Autores, atendendo às contingências de potenciais dívidas dos mesmos que poderiam resultar na perda dos referidos prédios a favor de potenciais credores.

w) Os réus nunca tiveram a chave dos imóveis em causa.

x) Nunca lá foram, tendo os Autores inclusivamente dúvidas que os Réus saibam sequer onde ficam os prédios.

y) Neles fazendo obras.

z) Cedendo a utilização dos mesmos e recebendo os proveitos dessa mesma cessão.

aa) Pagando os impostos inerentes aos mesmos.

bb) A vista e com conhecimento de todos, com a perfeita anuência dos aqui Réus e sem que alguma vez tenham revelado qualquer oposição à posse pacífica mantida pelos aqui Autores dos referidos prédios.”

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.

1- Reapreciação da matéria de facto pelo S.T.J.

2- Prova da simulação.

3- Simulação.

4- Conclusões.


*

1- Reapreciação da matéria de facto pelo STJ.

O primeiro segmento do recurso prende-se com o modo como a Relação reapreciou a matéria de facto, pretendendo, os impetrantes, que este Supremo Tribunal o sindique.

Como princípio, a fixação dos factos materiais da causa baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias, não cabe no âmbito do recurso de revista.

É que, salvo situações de excepção, o STJ só conhece matéria de direito, nos termos do artigo 46.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/13, de 26 de Agosto).

Em consequência, o tribunal de revista limitou-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo tribunal recorrido o regime jurídico adequado (artigo 682.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

As situações de excepção acenadas consistem na “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o n.º 3 do artigo 674.º do principal diploma adjectivo.

Assim, o STJ só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado como provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou se tiverem sido violadas as normas reguladoras da força probatória de alguns meios de prova.

E o exposto pode também ceder, excepcionalmente, noutro tipo de situações.

Ensina ainda o Cons. Amâncio Ferreira que “o Supremo pode «ex officio» exercer tacitamente censura sobre o não uso por parte da Relação dos poderes de alteração ou anulação da decisão de facto, sempre que entenda dever esta decisão ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito, ante o estatuído no n.º 3 do artigo 729.º [actual n.º 3 do artigo 682.º] – apud “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª ed. 226.

Mas, enfatizando o que acima se disse, não se tratando de sindicar a alteração em si, mas a legalidade da mesma, em termos de apurar se a Relação podia ou não eliminar, ou modificar, a resposta sem subverter os princípios de direito probatório, já o Supremo Tribunal pode pronunciar-se (cf. v.g. Acórdãos do STJ de 31/3793 – CJ/STJ I-II, 54; de 21/1/99 – P.º 1003/98 – 1.ª; de 18/1/2001 – P.º 3516/2000 – 2.ª; de 13/3/2001 – P.º 278/2001; de 21/10/2005 – P.º 2590/05; e de 8/5/2006 – 06A1248).

Isto porque essa averiguação prende-se com a aplicação de normas jurídicas, sendo, então, matéria de direito.

Vejamos, agora, a situação que aqui importa.

2- Prova da simulação.

2-1- “Punctum saliens” é saber se a Relação violou a lei ao admitir e fundar a sua convicção probatória em prova testemunhal quanto ao acordo simulatório, e ao negócio dissimulado, que tinham sido invocados pelos simuladores.

E, na afirmativa, ter julgado ao arrepio do n.º 2 do artigo 394.º do Código Civil.

O negócio jurídico posto em crise foi celebrado por escritura pública, outorgada em 20 de Janeiro de 1994.

Os Autores argúem-no de nulo, por simulação, oferecendo, e produzindo, prova testemunhal para demonstração do vício.

2-2- O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil excepciona a admissibilidade da prova testemunhal quando se tenha “por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”.

Cabem no âmbito do preceito as convenções que contrariam (ou se opõem) ao declarado no documento assim como todas as que acrescentam (ou adicionam) qualquer clausulado.

Mas o legislador foi mais longe, ao detalhar no n.º 2 que a proibição é aplicável ao “acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocado pelos simuladores”.

Pretendeu, assim, deixar claro que a proibição também abrange aquele vício de vontade, ou seja apenas aquela divergência entre a vontade e a declaração, que não as outras.

Na vigência do Código Civil 1867, o Prof. Beleza dos Santos explicava o regime legal: “Em conclusão: se o acto simulado consta de um documento autêntico ou de um documento de igual força, nos termos do artigo 2432.º e 2433.º do Código Civil, os simuladores, seus herdeiros ou representantes que não devam reputar-se terceiros em relação a esse acto, só podem demonstrar a simulação se exibirem uma prova plena que destrua a eficácia da que resulta daqueles documentos, tal como um documento da mesma natureza ou igual valor ou uma confissão judicial. (Código Civil, art.º 2412.º). Se esse acto não consta de documentos autênticos ou de igual força, então os simuladores e seus representantes podem utilizar-se de qualquer meio probatório para demonstrar a simulação, devendo aplicar-se as regras gerais em matéria de prova.” (in “A Simulação em Direito Civil”, II, 151).

Assim se entendia pacificamente.

A polémica surge nos trabalhos preparatórios do vigente Código Civil e na tendência da doutrina para menorizar (quiçá por razões sociológicas) a valia da prova testemunhal (cf. os Profs. Pires de Lima e A. Varela: que a apodavam de “prova extremamente insegura” – in “Código Civil Anotado” I, 4.ª ed.; “… falibilidade e fragilidade da prova testemunhal” –Prof.Carvalho Fernandes – “A Prova da Simulação Pelos Simuladores”, apud “O Direito” 124.º, 1992, IV, 600; “ …esconjurar os perigos que a prova testemunhal poderia provocar: qualquer acto poderia ser contraditado.” Ac STJ de 5.6.2007-07A3134).

Antes de prosseguirmos devemos deter-nos-emos nas palavras do Prof. Manuel de Andrade ao referir que “os simuladores em geral procuram as trevas, fogem de testemunhas. Por outro lado, está pouco divulgada entre nós a prática das contra-declarações. Em regra, portanto, não há prova directa da simulação. A prova tem de ser feita, quase sempre, por meio de indícios ou presunções”. (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, II, 1972, p. 207).

É certo que a demonstração da simulação é quase uma “probatio diabólica”, mesmo para os terceiros lesados, ou enganados.

Mas esta é questão que transcende o âmbito deste Acórdão onde o que está em causa é a prova da simulação invocada pelos simuladores.

Ora, se nestes casos, sendo vedada a prova testemunhal também ficará vedado o recurso às presunções judiciais – prova da primeira aparência (presunção simples) – “ex vi” do artigo 351.º do Código Civil.

Restariam, a nível d presunções, e com o merecido respeito pelo Prof. Manuel de Andrade, as presunções legais, sendo que os outros meios de prova que restariam seriam a documental (com as restrições do n.º 1 do artigo 394 CC) e a confissão.

2-3- Retomando os atrás referidos trabalhos preparatórios do Código Civil, iremos percorrer a história do n.º 2 do artigo 394.º citado.

O Prof. Vaz Serra (in “Provas – Direito Probatório Material”- BMJ 112, p. 194-197; 219-232; 236-292) invocando os artigos 1417.º e 2724.º do Código Civil Italiano de 1942 e 1347 e 1348 do Código Civil Francês, projectou uma norma que permitia que os simuladores pudessem, excepcionalmente usar a prova testemunhal, mas apenas  se:

— existisse um princípio de prova escrita “proveniente daquele contra quem a acção é dirigida ou do seu representante” ou quando “da qualidade das partes, da natureza do contrato, ou de quaisquer outras circunstâncias seja verosímil que tenham sido feitas contradeclarações”;

— impossibilidade material ou moral de obtenção de prova escrita.

Esta formulação, decalcada dos artigos 2724.º do “Codice” (“vi è um principio di prova per iscritto …”, “quando il contraente è stato nell´impossibilità morale o materiale di procurarsi una prova scritta”) e 1347.º e 1348.º do “Code” nada tem, portanto, de original e foi definitivamente arredada pelo legislador da lei expressa.

Não obstante, e ao arrepio da letra o Prof. Vaz Serra insistiu na defesa da sua tese (v.g. R.L.J. 107.º, 311 ss, anotando o Acórdão do STJ de 4 de Dezembro de 1973).

Também vieram aderir a tal interpretação os Profs. Mota Pinto e Pinto Monteiro (embora em parecer – “Arguição da Simulação Pelos Simuladores. Prova Testemunhal”, CJ, X, 1985, 3.ª 11 ss) com o argumento nuclear maleabilizar o artigo 394.º e, de certo modo, o Prof.Carvalho Fernandes (ob. loc. cit. 615) pondo a tónica na eventualidade de “resultados injustos de aproveitamento do acto simulado por um dos simuladores em detrimento do outro”. (Mas este Autor chama a atenção para que não se ponha em causa a «ratio» do preceito nem se sobreponha” à certeza da prova documental, a fragilidade e a falibilidade da prova testemunhal e por presunções judiciais”.

2-4- Só com muitas reservas podemos concordar com o “novo” entendimento.

A tese em apreço não vale “jure constituto”, tanto assim que constou de uma proposta (trabalhos preparatórios do Código Civil) que não obteve acolhimento no n.º 2 do artigo 394.º.

Ademais, o legislador deixou clara no n.º 1 uma regra e enfatizou-a no n.º 2 reportando-a ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado “quando invocados pelos simuladores”.

Se tivesse querido flexibilizar este preceito tê-lo-ia dito expressamente, acolhendo a proposta do Prof. Vaz Serra, ou inserindo-o, sem qualquer “distinguo” na regra geral do n.º 1.

Como refere o Cons. Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código Civil”, II, 177) o entendimento flexível colide com o direito legislado.

De todo o modo, ainda fica alguma perplexidade quando se refere a expressão “princípio de prova” (ou “começo de prova”).

O conceito só pode ter correspondência no de “fumus bonni juris”, ou prova indiciária, sobretudo elaborado em sede de procedimentos cautelares.

A assim não se entender caímos nos princípios de experiência geral, de verosimilhança que a nada mais conduzem do que a presunções simples, judiciais ou de experiência (cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil Anotado”, I, 3.ª ed., 310; Prof. A. Varela, in “Manual de Processo Civil”, 1984, 486; e Prof. Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 191).

Ora, já deixámos dito que, inadmitida a prova testemunhal não são de admitir presunções judiciais (artigo 351.º do Código Civil).

Daí que o tal “princípio de prova” só poderia ser constituído por qualquer dos documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 394.º que, se não unívocos, só poderão tornar-se completos se conjugados com a prova secundária (que ,então, se concede ser testemunhal), complementar ou, com rigor, meramente residual, e só por si sem valor autónomo, por não lho permiti o n.º 2 do artigo 394.º.

De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva,  desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.

Daí que, adicionando esse documento a existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394.º (v.g. os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 –Pº 7A1364; Pº 758/06.3TBCBR-BP1.S1; e de 9.7.2014 -5944/07.6TBVNG.P1:S1)

2-5- Vejamos se, “in casu”, surgem nos autos documento(s) a constituir princípio de prova permissiva do recurso à prova testemunhal.

Só podemos concordar com o acórdão recorrido de que os contratos de arrendamento (juntos com o primeiro articulado, a fls. 26 – 32) e respectivo averbamento na entidade fiscal, foram celebrados pela Autora mulher, não podendo constituir nenhum princípio de prova de simulação, por nada terem a ver com os Réus contra quem a acção foi intentada.

E igualmente a permanência da inscrição matricial dos prédios em nome da ré mulher, durante 14 anos após a escritura, não possui essa virtualidade.

Já não será assim quanto ao documento n.° 5 junto com a petição inicial, que é um documento pessoal dos Réus  (elaborado pelo réu marido e entregue pela sua mulher à autora), respeita à simulação do IRS dos RR do ano de 2009, considerando o respectivo rendimento com e sem inclusão das rendas das casas a que os autos se reportam e visou exigir dos autores o ressarcimento pelo prejuízo daí resultante para os RR, ou seja, o pagamento por aqueles da diferença entre o reembolso recebido e o que teriam recebido, não fora (mais € 810,26).

Ora, haverá que concordar, apesar das reservas atrás formuladas, mas reconhecendo que não é a posição mais exigente a que tem sido adoptada pela maioria da doutrina e seguida neste Tribunal, que estará aqui, como reconheceu a Relação, o princípio de prova escrita, a tornar verosímil a simulação invocada e a justificar o recurso à prova testemunhal.

           Assim, haverá que concluir pela não violação pela Relação da regras do artigo 394.º, n.º 1 e 2) do CC ou qualquer outra regra substantiva que determine a vinculação da prova ou fixe o respectivo valor, pelo que a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal deixa de ter suporte legal.

Ficam, em consequência, definitivamente assentes os factos que a Relação fixou.


3- Simulação

3-1-O pedido nuclear consiste, em primeira linha, na declaração de nulidade de negócio jurídico, sendo causa de pedir a simulação.

Deparamo-nos com um instituto a fulminar com a máxima sanção o negócio jurídico celebrado com divergência entre a vontade real e a vontade declarada com o propósito de enganar terceiros (artigo 240.º do Código Civil, a distinguir-se da, muito próxima, reserva mental onde a intenção é enganar o declaratário – artigo 244.º - e da declaração não séria, onde existe a expectativa “de que a falta de seriedade” não seja conhecida – artigo 245.º CC).

Na simulação há uma declaração negocial conjunta em que o declarante, com conhecimento e acordo do declaratário, não a querem “quo tale”, antes a produzindo para enganar, ou lesar, um terceiro.

Só na simulação há acordo só podendo, por isso, afectar os contratos e os negócios unilaterais  receptícios.

Aquando da redacção definitiva do citado artigo 240º CC, com o mesmo número no Anteprojecto – 2.ª Revisão Ministerial – e no Projecto – o Prof. Rui Alarcão explicou: “… pode definir-se a simulação como a «divergência intencional entre a vontade a declaração, procedente de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada pelo intuito de enganar terceiros». É a noção que temos por preferível doutrinalmente, e que, embora esteja longe de poder considerar-se pacificamente aceite – sobretudo pelos ataques que têm sido dirigidos à tese da divergência entre a vontade e a declaração – corresponde aos ensinamentos da doutrina tradicional e preponderante designadamente entre nós “(“Simulação” BMJ – 84.º, p. 305 e do mesmo Autor, “Do negócio jurídico” BMJ – 105, p. 256).

De acordo com o n.º 2  do artigo que vimos citando o negócio simulado é nulo “tout court” quer na simulação absoluta, quer na relativa.

O Prof. Mota Pinto (apud “Teoria Geral do Direito Civil”, 4.ª ed., 466 com os Profs. Pinto Monteiro e P. Mota Pinto) sintetiza o conceito com os seguintes elementos: “a) Intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; b) Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório), o que, evidentemente, não exclui a possibilidade de simulação nos negócios unilaterais; c) Intuito de enganar terceiros”.

Neste último elemento pode distinguir-se o mero intuito de enganar, mas sem prejudicar (“animus decipiendi”) que faz apodar a simulação de inocente e o “animus nocendi” (de prejudicar terceiros ou de violar norma legal) geradora da simulação fraudulenta.

O Prof. Pedro Pais de Vasconcelos insiste que “na simulação é de crucial importância o pacto simulatório. Trata-se de um acordo, de um pacto, que tem como conteúdo a estipulação entre as partes da criação de uma aparência negocial, da exteriorização de um negócio falso e a regulação do relacionamento entre o negócio aparente assim exteriorizado e o negócio real. A esta aparência negocial assim criado pode corresponder um negócio verdadeiro que as partes mantém oculto ou pode também não corresponder qualquer negócio”. (in “Teoria Geral do Direito Civil” 8.ª ed., 2015, 598).

No primeiro caso há simulação relativa enquanto no segundo existe simulação absoluta.

 Na simulação absoluta só existe o negócio simulado.

Já na relativa além deste (que o Prof. Manuel de Andrade apoda de palente, ostensivo, decorativo, aparente ou fictício – in “Teoria Geral da Relação Jurídica” II, 171 ss) há um negócio oculto (“latente, disfarçado, real”) que é o dissimulado.

Na simulação absoluta diz o aforismo que o negócio “colorem habet, substantiam vero nullom”; na simulação relativa, “colarem habet, substantiam vero alteram”.

3-2- Do que fica exposto, “máxime”, a matéria de facto fixada resultam fixados os elementos da simulação acima elencados, na sequência da lei e da melhor doutrina.

Por isso a acção sempre terá sempre de proceder.


4- Conclusões.

Pode, assim, e desde já, concluir-se que:
a) Como princípio – regra, a fixação dos factos materiais da causa, baseados na prova livremente apreciada pelo julgador nas instâncias não cabe no âmbito do recurso de revista.
b) O STJ limita-se a aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado.
c) São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
d) Em suma, o STJ só pode conhecer do juízo de prova fixado pela Relação quando tenha sido dado por provado um facto sem que tivesse sido produzida a prova que a lei declare indispensável para a demonstração da sua existência ou tiverem sido violadas as normas reguladoras da força de alguns meios de prova.
e) Nesta área o STJ está a sindicar a aplicação de normas jurídicas movendo-se, então, em sede de direito.
f) O n.º 1 do artigo 394.º do Código Civil veda a prova testemunhal para demonstração de convenções que contrariem ou ampliem o conteúdo de documentos autênticos ou particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, independentemente da data dessas convenções.
g) O n.º 2 do mesmo artigo 394.º manda aplicar essa proibição de meio de prova ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocados pelos simuladores.
h) Muito embora tal tenha sido proposto nos trabalhos preparatórios do Código Civil, a letra da redacção final do preceito não autoriza, ainda que por via indirecta o recurso à prova testemunhal e consequentemente (artigo 351.º CC) à prova por presunção judicial.
i) Porém a doutrina e a jurisprudência, inspirados nos argumentos do Autor da 1.ª proposta (por sua vez seguindo os coevos Códigos Civis Italiano e Francês) e receando a rigidez do preceito, admitem que se utilize prova testemunhal desde que, a montante, surja um “princípio” ou “começo” de prova que crie uma convicção que as testemunhas se limitam a sedimentar.
j) Essa tese pode aceitar-se com três condições: o princípio de prova consistir num documento, com força e credibilidade; se documento não ser usado como facto – base de presunção judicial; reconhecer-se que se trata de uma laboração da doutrina e da jurisprudência oportunamente arredada do “jure constituto” e, em consequência, a ser tida em consonância com os artigos 9.º e 10.º do Código Civil.
k) A prova testemunhal será sempre, nestes casos, complementar (coadjuvante) de um documento indiciário de “fumus bonni juris”.
l) São elementos da simulação a divergência entre a vontade real e a vontade declarada; o propósito de enganar (simulação inocente) ou prejudicar (simulação fraudulenta) terceiros.
m) A simulação tem ínsito um acordo só podendo afectar os contratos mas também os negócios unilaterais receptícios.

Nos termos expostos, acordam negar a revista, mantendo o Acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Sebastião Póvoas (Relator)

Paulo de Sá

Garcia Calejo