Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | RIBEIRO DE ALMEIDA | ||
Descritores: | COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PODERES DA RELAÇÃO TRESPASSE EMPRESA ESTABELECIMENTO COMERCIAL FORMA FORMA DO CONTRATO UNIÃO DE CONTRATOS FIANÇA FORMA ESCRITA | ||
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Nº do Documento: | SJ200306240018421 | ||
Data do Acordão: | 06/24/2003 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL GUIMARÃES | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1146/02 | ||
Data: | 12/18/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA. | ||
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Sumário : | I - O estabelecimento comercial abrange as coisas corpóreas, e o conjunto de bens e serviços que o comerciante organiza com vista ao exercício do comércio ou da indústria. II - Na união de contratos os mesmos mantêm a sua individualidade, estando porém ligados entre si segundo a intenção dos contraentes. III - A união de contratos não está sujeita a forma inserindo-se no âmbito da consensualidade. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça A) "A", intentou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra B, Lda., C e D, pedindo: - a condenação dos réus B, Lda., C e D a pagar-lhe a quantia de 27.500.000$00 correspondente à indemnização "pelo valor comercial de mercado", acrescida de juros, à taxa de 15%, a contar da citação, as quantias de 346.826,75 USD e 9.034,95 Libras Inglesas correspondentes ao stock vendido, acrescidas de juros, a taxa de 9%, desde a citação, a quantia de 702.000$00 correspondente ao mobiliário e equipamento vendido, acrescida de juros, a taxa de 15%, a contar da citação, e a quantia de 150.000.000$00 a título de cláusula penal fixada para o incumprimento contratual ou rescisão unilateral do contrato, acrescida de juros, à taxa de 15%, a contar da citação; - a condenação da ré B, Lda, a pagar-lhe a quantia de 5.035,00 libras correspondente ao valor da factura junta como doc. n° 10, a quantia de 20.828 USD correspondente ao valor das facturas juntas como docs. n°s 9, 11, 12 e 13 e a quantia de 2.604.449$00 correspondente ao valor da factura junta como doc. n° 17, tudo acrescido de juros, à taxa de 15%, desde a citação. Alegou, para tanto, a existência de violação de vínculos comerciais que lhe causou danos nomeadamente do referido "Memorando de Entendimento". Na contestação ré "B, Lda.", deduziu reconvenção, pedindo se declare a invalidade da versão do "memorando de autos, porquanto a mesma não constitui a versão definitiva de qualquer contrato ou, quando assim não se entenda, se declare válida a causa de denúncia por si invocada, por motivos exclusivamente imputáveis à autora/reconvinda, que não cumpriu o estabelecido naquele memorando, condenando-se a mesma pagar-lhe a denominada "multa de rescisão", equitativamente reduzida segundo o prudente arbítrio do tribunal; a condenação da autora no pagamento da quantia de 24.316.953$00 relativa a danos patrimoniais causados com o fornecimento de produtos defeituosos, acrescida dos juros, à taxa legal, contados desde a denúncia até efectivo e integral pagamento, e da quantia de 50.000.000$00 relativa a danos não patrimoniais. B) A acção veio a ser julgada parcialmente procedente, por convalidação da causa de pedir invocada pela autora, e a reconvenção improcedente e, em consequência foram os réus C e D absolvidos dos pedido e oficiosamente, declarados nulos os acordos plasmados no "Memorando de Entendimento" A ré B, Lda., foi condenada a restituir à autora o valor correspondente ao mobiliário e equipamento, no montante de 702.000$00, equivalente a € 3.501,56, acrescido dos juros, à taxa de 10% até à data da entrada em vigor da portaria nº 263/99, de 12.04, e, a partir dessa data, à taxa de 7%, vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo pagamento; e a restituir à autora o valor correspondente ao stock, no montante de USD 346.826,75 e GB Pounds 9.034,95, acrescido dos juros, à taxa de 9% até à data da entrada em vigor da portaria nº 263/99, de 12.04, e, a partir dessa data, à taxa de 7%, vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo pagamento, calculados sobre o contravalor em escudos que - à data do início de cada taxa - tiverem cambialmente os montantes de USD 346.826,75 e GB Pounds 9.034,95; a restituir à autora o valor correspondente às mercadorias que lhe foram fornecidas na execução do referido "Memorando", no montante de GB Pounds 5.035,00 e USD 15.048, acrescido dos juros, à taxa de 10% até à data da entrada em vigor da portaria n.º 263/99, de 12.04, e, a partir dessa data, à taxa de 7%, vencidos e vincendos desde a data da citação até efectivo pagamento, calculados sobre o contravalor em escudos que - à data do início de cada taxa - tiverem cambialmente os montantes de GB Pounds 5.035,00 e USD 15.048; A ré "B, Lda.", foi absolvida do demais peticionado; e a autora dos pedidos reconvencionais. C) Inconformada com tal decisão dela apelou a Autora tendo o Tribunal da Relação de Guimarães, na procedência do recurso, alterado a condenação das Rés no quantitativo a pagar à Autora. D) Inconformada com tal decisão, dela recorre agora a Ré para este Supremo, e alegando, formula estas conclusões: 1) Do próprio texto do denominado "memorando de entendimento", junto com a petição inicial, datado de 2 de Outubro de 1997, resulta no seu ponto 1 que a EDL concorda que a sua distribuição local-actividade comercial cessará em Portugal logo que o acordo seja finalizado, enquanto sucursal mas continuará a existir como empresa à data da cessação para todos efeitos práticos de comércio e stock seria 18/9/97 2) Inexiste nos autos qualquer factualidade no sentido de que o pretendido acordo alguma vez veio a ser finalizado, pelo que deveria, na correcta interpretação do mencionado documento, atenta a teoria da impressão do declaratário, qual seja a de um declaratário razoável, mediamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição concreta daquele, ter-se decidido pela inexistência de qualquer contrato celebrado entre recorrente e recorrida; 3) - Pelo que, ao decidir do modo que decidiu, o tribunal recorrido fez uma errada interpretação do conjugadamente preceituado nos Artigo 236° e 9°, ambos do Código Civil; 4) - Existe nos autos a fls. ... prova documental com força probatória plena no sentido de que a versão do "memorando de entendimento" junto pela recorrida não constitui qualquer versão definitiva do pretenso contrato; 5) - Pelo que, ao considerar-se aquele documento como o contrato definitivo foi cometido um erro notório na apreciação da prova e fixação dos factos materiais da causa, porquanto, foi admitida a produção de prova testemunhal que teve por objecto convenções adicionais ao mencionado escrito, em violação ao disposto no Artigo 394° do Código Civil; 6) - Na verdade, e em bom rigor, deveria o tribunal recorrido ter relevado e considerado a mencionada matéria probatória documental, atenta a qual não estaremos seguramente perante um vínculo definitivo por inexistência de acordo em todas as respectivas cláusulas que as partes consideram necessárias, o que, de resto, resulta do próprio texto do documento junto com a recorrida a fls...., o que, a não ter sucedido resultou numa violação do disposto nos Artigo 373°, 374° e 376°, todos do Código Civil; 7) - Ao decidir o tribunal recorrido que no caso em apreço estaremos perante um vínculo contratual definitivo entre as partes, não ponderou devidamente os documentos oportuna e atempadamente juntos aos autos, os quais, grosso modo, contém aditamentos e modificações ao teor do denominado "memorando de entendimento" datado de 2 de Outubro de 1997, e que estão dotados de força probatória plena; 8) - Pelo que requerem de tal modo os recorrentes que seja reformado o douto aresto ora posto em crise por estarmos perante um caso em que constam do processo documentos que, só por si, implicam necessariamente decisão diversa da proferida - vide o conjugadamente disposto na alínea b) do nº 2 do Artigo 669° e 686°, ambos do Código de Processo Civil; 9) - Ou, caso assim se não entenda, sempre existirá contradição na decisão sobre a matéria de facto que, ao ater-se apenas e tão somente no denominado "memorando de entendimento junto pela recorrida, não relevou os demais documentos que, pelos mencionados motivos, estão dotados de força probatória plena, nos termos do conjugadamente disposto nos Artigo 373°, 374° e 376°, todos do código civil, violando de tal modo o disposto no Artigo 659 do Código de Processo Civil; 10) - Por outro lado, e sem prescindir de tudo quanto se deixou explanado, contrariamente ao que pode, eventualmente, sugerir a epígrafe do Artigo 115 do RAU - trespasse do estabelecimento comercial ou industrial -, o mesmo não visa definir ou disciplinar tal figura, sendo antes uma disposição que regula uma situação jurídica que pode ocorrer, havendo trespasse; 11) - O Artigo 115º do RAU não dá os contornos do conceito de trespasse, nunca podendo ser afirmado que o trespasse só é possível, juridicamente, quando seja transmitido, também, o direito ao arrendamento; 12) - Atenta a factualidade assente, bem como os termos do "memorando de entendimento", que reproduzem, além do mais, a vontade negocial da recorrida vender à recorrente sociedade o seu stock, mobiliário e equipamento existente nas suas instalações sitas em ...., Guimarães, cessando consequentemente a respectiva actividade comercial em Portugal, a qual passava a ser exercida por esta sociedade, será de concluir que existiu in casu um contrato de trespasse; 13) - Ora, ao não aceitar a existência de um contrato de trespasse, o douto aresto objecto do presente recurso fez uma errada interpretação do disposto no Artigo 115 do regime do RAU em clara violação do disposto no nº 2 do Artigo 659 do Código de Processo Civil; 14) - Pelo que, impondo a lei àquela data que o contrato em questão fosse celebrado através de instrumento notarial - vide gratia e Artigo 115 nº 3 do RAU -, padece tal contrato do vício da nulidade por falta de forma - vide Artigo 220 do Código Civil -, sendo que tal nulidade do contrato de trespasse conduz à nulidade de todos os negócios que se encontram em união com o mesmo, mormente a pretensa fiança prestada pelos recorrentes C e D; 15) - Acresce ainda que não resulta de igual modo provado terem os recorrentes C e D outorgado o documento em questão em nome pessoal, sendo que os mesmos apenas e tão somente vincularam a recorrente sociedade enquanto seus legais representantes; 16) - Sendo que, a tal propósito, entendemos manter-se válida a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 1/2002 de 6 de Dezembro de 2001, nos termos do qual «a indicação da qualidade de gerente prescrita no nº 4 do Artigo 260 do CSC pode ser deduzida, nos termos do Artigo 217 do Código Civil, de factos que, com toda a probabilidade, a revelem» (sic); 17) - Bem como o facto da declaração de fiança dever ser taxativa e expressamente prestada pelo (respectivo (s) declarante (s)), não podendo a mesma ser extraída de certos e determinados comportamentos; 18) - Por tudo isto, foi violado o conjugadamente disposto nos Artigos 5, 6, 197 nº 3 e 240 nº 4, todos do CSC - princípios da personalidade e capacidade judiciária das sociedades comerciais e o de que, "só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade..." -, e ainda os próprios Artigos 264 nº 1, 268, 467 e seguintes do Código de Processo Civil e Artigo 627 e seguintes do Código Civil. Nas suas contra alegações a recorrida entende ser de negar a revista. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.E) Os Factos: a) A autora dedica-se à comercialização por grosso e a retalho de produtos químicos b) A autora iniciou a sua actividade em Portugal em 02.11.94 c) Tendo como administrador o réu C, que foi administrador desde 22.05.96 d) A autora iniciou a sua actividade tendo o réu D a prestar-lhe serviços; e) A autora arranjou instalações e criou um stock, assim permitindo a sua gestão e funcionamento, que confiou ao réu C; f) A autora era arrendatária dos armazéns sitos no Lugar de Pomardufe, Paço, freguesia de S. João de Ponte, Guimarães; g) A autora criou em Portugal um stock de mercadorias que o réu C geria; h) A confiança no réu C baseava-se em laços de amizade e correspondeu a liberdade de acção; i) Os réus criaram a sociedade ré, B, Lda; j) A ré comercializava produtos químicos; l) A ré sociedade declarou o seu início de actividade em 3 de Julho de 1997; m) Os réus passaram a gerir a sociedade ré (resposta ao número 6 da base instrutória); n) O Réu C apresentou formalmente a sua demissão do cargo que ocupava na autora por carta que em 30.06.97 remeteu ao Sr. Ratnasabapathy, administrador desta; o) A autora comunicou ao réu por carta de 28.07.97 que, na sequência da carta daquele datada de 30.06.97, o pedido de demissão como Director da A Limited tinha sido aceite com efeitos imediatos; p) A ré iniciou a sua actividade utilizando os mesmos armazéns cuja arrendatária era a autora; q) E usando também para o exercício da sua actividade máquinas e móveis que a autora adquirira para equipar as suas próprias instalações; r) Desde a data referida na alínea 1) e até Outubro de 1997 a ré utilizou, para a sua actividade social, os mesmos armazéns de que a autora era arrendatária, conforme referido em p) e utilizou também as máquinas e os móveis da autora, conforme referido em q); s) Desde a data referida em 1) até 01.09.97 a autora, através do réu C , vendeu produtos seus à ré B; t) A ré B, Lda, adquiriu à autora produtos que compunham o stock desta; u) a ré B, Lda, adquiria os produtos que compunham o stock da autora a um preço inferior ao praticado para os demais clientes desses produtos; v) A ré B vendia os produtos assim adquiridos (resposta ao número 16 da base instrutória); x) A autora e a ré celebraram um acordo que denominaram Memorando de Entendimento entre A Limited ("EDL") e B - Produtos Químicos, L.da ("ECPL") para o Acordo Legal de Exclusividade para o Mercado de Portugal; z) Com vista a estabelecer entre ambas relações comerciais duradouras com os produtos existentes, e com novos produtos no futuro, e a evitar a concorrência entre a autora e a ré; a') A autora cessava a sua actividade comercial em Portugal iniciando-se "para todos os efeitos práticos de comércio e stocks" tal cessação em 18.09.97; b') A partir de então a autora só poderia vender mercadoria de sua propriedade, no mercado português, à ré, que faria a sua distribuição, direito a que esta era concedido em regime de exclusividade (resposta aos números 23 e 24 da base instrutória); c') E a ré, por seu lado, só poderia negociar em Portugal, ou noutros mercados que viessem a ser acordados no futuro, produtos químicos adquiridos à autora; d') Tratava-se de um contrato de exclusividade recíproca; e') No memorando referido em x) a ré aceitou pagar à autora a quantia de 28.500.000$00 como "valor comercial para o mercado Portugal"; f') Em 27 prestações quinzenais de 1.000.000$00 cada, a partir de 15 de Outubro de 1997 e uma 28" prestação de 1.500.000$00 em 28.10.98; g') No memorando referido em x) a ré aceitou adquirir o stock existente nos armazéns da autora à data da cessação por esta acordada para 18.09.97; h') Pelo preço correspondente ao de preço original acrescido de 20% - ou mais 22% se o pagamento fosse em 6 prestações -, stock esse que, preço acordado, ascendeu ao valor de 379.905,25 dólares para uma parte e 9.034,95 GB Pounds; i') No memorando referido em x), a ré aceitou pagar o stock existente na data acordada para a cessação em seis prestações, sendo a primeira em 15.10.97 e correspondente a 10% do valor global e o restante em 5 prestações iguais, mensais e sucessivas, que a autora debitou à ré através das facturas nºs 482 e 483 ambas de 19.09.97, e que em caso de mora a ré deveria pagar acrescidas da taxa de juro de 9% ao ano; j') No memorando em x), a ré aceitou adquirir, por um montante fixo de 600.000$00, o mobiliário e equipamento existente nas instalações da sucursal portuguesa da autora, quantia essa que a ré se obrigou a pagar até 01.10.97 conforme declarado ficou no "Memorando de Acordo"; l') No memorando referido em x) ficou consignado que todos os pagamentos mencionados nesse acordo teriam que ser legalmente garantidos por administradores da ré em nome da empresa pessoalmente pelos réus C e D; m') No mês de Outubro de 1997 a ré sociedade tomou de arrendamento o armazém sito no Lugar de ..., Paço, freguesia de S. João de Ponte, Guimarães; n') A partir de 01.09.97 o réu passou a assumir o pagamento dos encargos salariais para os até à data trabalhadores da autora; o') A partir de 29.09.97 a ré transferiu para a sua titularidade o contrato de prestação de serviço telefónico com a Portugal Telecom; p') Pelo menos a partir de 01.10.97 a ré assumiu o pagamento de todas as despesas incluindo as do telefone e água relativas às instalações de armazém sitas no lugar de ...., S. João de Ponte; q') A autora forneceu à ré as mercadorias no valor global de 5.035 libras inglesas e de 15.048,00 USD que constam das facturas n°s 488, 491 e 500, e na mesma altura a ré devolveu à autora algumas mercadorias que compunham o stock vendido, e de que esta necessitava, no valor global de 33.078,50 USD relativamente às quais a autora remeteu nota de crédito, onde discriminava o modo como esse valor deveria ser compensado nas prestações acordadas; r') Na execução do memorando referido em x) a autora forneceu à ré as mercadorias referidas em q'); s') A ré pagou à autora em 20.01.98 a quantia de 1.000.000$00; t') A ré não pagou as quantias referidas h'); u') A ré vendeu produtos do stock da autora existente à data de 18.09.97; v') A ré adquiriu produtos químicos a terceiros; x') A autora debitou à ré, através da factura n° 485 de 22.09.97 com vencimento para 30.10.97, a quantia de USD 5.780,00; z') Na sequência da comunicação da ré de 11.11.97 a autora tentou obter a devolução do stock; a") A ré comunicou à autora, por fax de 11.11.97, que, confrontada com reclamações de clientes tendo por base a falta de qualidade dos produtos da autora, não via razão para manter as negociações em curso com vista a um futuro contrato de exclusividade com aquela; b") Na comunicação referida em a") a ré sociedade informou a autora que tinha sido obrigada a indemnizar a sua cliente Tintojal na quantia de 316.953$00, em virtude de erro da autora na etiquetagem dos produtos que esta lhe tinha fornecido, pelo que reclamava da autora essa quantia, bem como o pagamento da quantia de 10.000.000$00, a título de indemnização por danos não patrimoniais e lucros cessantes, porquanto aquele cliente havia cortado relações comerciais consigo; c") Desde finais de 1996, altura em que o réu D, por instruções do dito F, negociou a aquisição de um terreno para a instalação de um armazém em Fafe, o proprietário da autora começou a aventar a hipótese da constituição de uma nova sociedade em Portugal, com uma denominação diversa daquela, mas em tudo semelhante, designadamente quanto ao objecto social e logótipo utilizado; d") Essa sociedade iria utilizar as instalações da autora, os seus funcionários, bem como todo o seu equipamento; e'') Paralelamente às negociações para aquisição do armazém referido em c") iniciaram-se diversas diligências junto da banca; f") A E - Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, S.A - aceitou financiar, em regime de leasing, a aquisição do armazém referido em c"), condicionada ao aval pessoal do réu D e cônjuge; g") A condição referida em f") foi imposta devido ao facto de a autora, por ser uma sociedade estrangeira, e os seus representantes, por residirem no estrangeiro, não oferecerem garantias às instituições financeiras nacionais; h") O Sr. F foi declarado falido em Inglaterra, no ano de 1993; i") A Direcção Geral do Ambiente começou a ser mais exigente com os produtos, acabando por levantar diversos autos de notícia em processos de contra-ordenação; j") O Ministério do Ambiente instaurou processos de contra-ordenação contra a autora por possuir nas suas instalações, sitas em S. João de Ponte, Guimarães, diversas substâncias perigosas sem a devida rotulagem; l") A Direcção Geral do Ambiente instaurou processos de contra-ordenação contra a autora numa altura em que o réu C era administrador da autora e o réu D lhe prestava serviços; m") A autora levou consigo um computador que integrava o recheio da sede (alínea P) dos factos provados; n") Após a comunicação da ré referida em a") a autora providenciou no sentido de retomar o exercício da sua actividade em Portugal; o") Só em Junho do corrente ano a Autora criou novo stock em Portugal, em instalações que arranjou, em regime de locação de espaços, nos armazéns de uma sociedade transitária, G Lda.; F) Decidindo: Das conclusões das alegações de recurso, que delimitam o âmbito da sua apreciação, resultam formuladas estas questões: a) O Acórdão não fez correcta interpretação do Memorando de Entendimento, deveria concluir pela inexistência de qualquer contrato; (Conclusões a), b) e c)) b) O Acórdão recorrido cometeu erro na apreciação da prova admitindo prova testemunhal contra documentos com força probatória plena; (conclusões d), e), f) e g)) c) Existe contradição entre na decisão sobre a matéria de facto; ( conclusão i)) d) Dos factos resulta a existência de um contrato de trespasse nulo por falta de forma, tendo sido interpretado de modo errado o disposto no Artigo 115 do RAU; (Conclusões j), k), l), m) e n)) e) Não está provado que os recorrentes tenham outorgado o Memorando de Entendimento em nome pessoal; (o), p), q) e r)) Quanto à primeira das questões enumeradas ela não foi apreciada pelo Tribunal da Relação, na medida em que os aí recorridos nas contra alegações defenderam que se estava em presença de um contrato de trespasse, que foi sendo limado ao longo dos Memorandos de Entendimento que se encontram juntos aos autos nunca tendo o mesmo sido reduzido a escrito. Foi este o entendimento que foi acolhido na 1ª Instância. Ora assumindo esta posição no recurso de apelação não pode agora pretender que se volte a apreciar essa questão com outros fundamentos, pois tratar-se-ia de questão nova. Por um lado, na apelação os então recorridos e ora recorrentes poderiam ter usado das prorrogativas que prevê o Artigo 684 A do Código de Processo Civil. Efectivamente o seu n.º 1 admite a ampliação do recurso, a requerimento do recorrido, permitindo - nos casos de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa - que o tribunal de recurso conheça do fundamento em que a parte vencedora decaiu, caso venha a ser julgado procedente o recurso interposto pelo vencido. Os ora recorrentes, vencedores na 1ª Instância deveriam a título subsidiário colocar a questão na Relação e não o tendo feito, transitou em julgado a decisão sobre a questão da existência de um contrato definitivo. Os recorrentes questionam agora, também, a interpretação negocial feita pela Relação o que manifestamente constitui matéria de facto. Constitui jurisprudência uniforme e constantemente afirmada que o apuramento a vontade real do declarante e do seu efectivo conhecimento por parte do declaratário são insindicáveis pelo STJ por caberem dentro da averiguação da matéria de facto (cf., por todos, BMJ 341/373 e Ac.de 00.02.22 no Rec. 995/99 da 1ª Secção). Quanto à segunda e terceira das questões colocadas, as mesmas referem-se ao facto de se ter permitido prova testemunhal contra documentos com força probatória legal plena e ainda por existir contradição sobre a matéria de facto. Estas questões não foram apreciadas pela Relação na medida em que não foram aí suscitadas. Os recursos visam a modificar as decisões recorridas, e não a criar decisões sobre matéria nova, não podem tratar-se neles questões que não tenham sido suscitadas perante o tribunal recorrido - R. Bastos Notas ao Código de Processo Civil III/266 e BMJ 389/408 e 403/382 -. Quanto ao erro na apreciação da prova, não pode o Supremo dela conhecer, conforme resulta do disposto no Artigo 722 e 729 n.º 2 do Código de Processo Civil. Nos termos do Artigo 722 n.º 2 e 729 do Código de Processo Civil, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova. Poderia é certo o Supremo ordenar a ampliação da matéria de facto em ordem a possibilitar uma qualquer solução plausível da questão de direito, nos termos prescrito no n.º 3 do Artigo 729 do Código de Processo Civil. Mas diga-se desde já que nenhuma destas hipóteses se verifica no caso concreto, já que a matéria de facto fixada, tão só constitui base suficiente para a decisão da questão de direito, como ainda não ocorrem contradições na decisão daquela matéria que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Constitui também, de resto, jurisprudência pacífica a de que não cabe na esfera da competência do Supremo censurar o não uso pela relação dos poderes a esta conferidos pelo Artigo 712 do Código de Processo Civil. E estando em causa o juízo crítico da matéria probatória produzida em audiência, o STJ, como tribunal de revista não poderá censurar o uso feito pela relação dos poderes que, em matéria de facto, o Artigo 712 nº 1 do Código de Processo Civil lhe confere. À sombra do disposto no Artigo 722 nº 2 do Código de Processo Civil tem vindo a jurisprudência do STJ a decidir e de modo uniforme que, embora só a Relação tenha competência para anular as respostas do tribunal de 1ª instância à sombra do 712 nº 2 Código de Processo Civil, o STJ pode verificar se o tribunal da Relação, ao usar tais poderes de anulação, agiu dentro dos limites traçados por lei para os exercer pois que, se os não observou, praticou violação da lei o que constitui matéria de direito. Assim, na competência do STJ cabe verificar se a Relação ao usar dos poderes conferidos pelo Artigo 712 Código de Processo Civil, agiu dentro dos limites aí estabelecidos, mas já não lhe é lícito fazer censura sobre o não uso daqueles poderes - entre outra vide os Ac. do STJ de 2/10/97, 22/10/97 (Secção Social) de 12/3/98 e de 11/6/2002, em respectivamente CJ STJ ano 97, tomo III, págs. 47, idem pág. 272; de 1998, STJ tomo I, pág. 124 e 2002, STJ, tomo II, pág. 100. Assim, no caso que nos ocupa só se tivesse sido postergado meio de prova legal plena é que o Supremo poderia alterar as os factos e na medida em que os mesmos se achassem provados por documento com força plena ou quando os mesmos só por documento se pudessem provar. A questão como se disse não foi colocada, e além disso, não se especifica quais os documentos que teriam essa virtualidade, nem mesmo os que seriam suficientes para se averiguar de resposta contraditória. Incumbia aos recorrentes especificarem esses documentos e os factos. Não pode assim o Supremo pronunciar-se sobre o erro notório na apreciação dos factos, nem mesmo onde radicaria a contradição. Desde a decisão da 1ª Instância que entendem os recorrentes que no chamado Memorando de Entendimento o negócio aí plasmado configurava o trespasse do estabelecimento que seria nulo por não ter obedecido à forma legal. Para haver trespasse é necessário que exista um estabelecimento comercial. Na linguagem comum estabelecimento comercial significa armazém ou loja aberta ao público. Porem no seu sentido técnico jurídico a palavra abrange não só as coisas corpóreas, mas também o conjunto de bens e serviços que o comerciante organiza com vista ao exercício do comércio. (cf. Artigo 24 do Código Comercial, 1085 do Código Civil 115 do RAU). No Código Comercial, a expressão estabelecimento comercial aparece com três sentidos: o armazém ou loja (art. 95, n.º 2, 114, n.º 2, e 263, § único); o de um conjunto de coisas corpóreas (art. 425); e conjunto de realidades, materiais ou imateriais, afectadas ao exercício do comércio (art. 24). Para H, as palavras "empresa" e "estabelecimento comercial", na sua acepção mais lata e em sentido objectivo, vêm a significar " o mesmo que o complexo da organização comercial do comerciante, o seu negócio em movimento ou apto a entrar em movimento». I, considera o estabelecimento como "um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas, de bens e serviços, organizados pelo comerciante com vista ao exercício da sua actividade mercantil, de sorte que, em última análise, o que o compõe são os elementos aptos para o desempenho da actividade do comerciante que este agregou e organizou para a realização de tal empresa". Ora sendo o estabelecimento comercial uma realidade jurídica que se diferencia dos vários elementos que o integram, os negócios que recaiam sobre o estabelecimento têm, forçosamente, de ser diferentes dos que recaiam sobre os seus elementos. Genericamente entende-se que há trespasse se quando ocorra uma transferência definitiva e unitária do estabelecimento comercial (cf. Januário Gomes Arrendamentos Comerciais pág. 162/163). E uma vez que, seja necessário para a exploração da respectiva actividade a disponibilidade do imóvel, o mesmo há-de acompanhar o trespasse do estabelecimento que com o arrendamento, quer com um novo arrendamento se o imóvel onde se desenvolvia a actividade do comerciante trespassante lhe pertencesse. Pinto Furtado (Manual do Arrendamento Urbano, pág. 565) entende que o trespasse consiste na transmissão voluntária ou forçada, entre vivos e onerosa, da titularidade de estabelecimento comercial ou industrial, integrada do respectivo direito de arrendatário. Ora não se compreenderia que a transmissão do estabelecimento comercial não englobasse o prédio onde essa actividade se desenvolve, salvo nos casos em que a empresa não necessite de dispor de um imóvel. Só quando a transmissão do direito ao arrendamento, ou à disposição do imóvel caso seja pertença do trespassante, se faça conjuntamente com os restantes elementos constitutivos de universalidade que é o estabelecimento comercial é que se +pode dizer que efectivamente houve trespasse. Ora as partes - como vem provado - com vista a estabelecer entre ambas relações comerciais duradouras com os produtos existentes, e com novos produtos no futuro, e a evitar a concorrência entre si, a autora e a ré celebraram um acordo que denominaram Memorando de Entendimento entre A Limited (EDL) e B - Produtos Químicos, (ECPL) - para o Acordo Legal de Exclusividade para o Mercado de Portugal. Para tingir tal desiderato, a autora cessava a sua actividade comercial em Portugal iniciando-se "para todos os efeitos práticos de comércio e stocks" tal cessação em 18.09.97. A partir de então autora só poderia vender mercadoria de sua propriedade, no mercado português, à ré, que faria a sua distribuição, que a esta era concedido em regime de exclusividade, e a ré, por seu lado, só poderia negociar em Portugal, ou noutros mercados que viessem a ser acordados no futuro, produtos químicos adquiridos à autora. As partes protegeram-se no referido Memorando de Entendimento, através do conteúdo declarado, expressando uma vontade negocial dirigida a mais do que uma operação contratual, diferenciadas, mas com uma interdependência jurídica", um "sinalagma funcional bilateral" que, ao mesmo tempo, o, traduzido na normalidade das relações comerciais, ou seja, existe uma união contratos, nos dizeres da sentença da 1º Instância que o Acórdão da Relação acolheu, ao interpretar a vontade das partes, tema que se reporta à matéria de facto e, que por isso, está fora da apreciação deste Supremo. As partes afastaram da transmissão a responsabilidade pelo pagamento dos salários que eram da responsabilidade da recorrente, além de que a recorrida não assumia as despesas relativas ás instalações, designadamente da água e da luz. O vinculo entre as partes não engloba qualquer trespasse. Daqui se concluiu que não existe trespasse, e uma vez que a união dos contratos aceites pelas partes não carece de qualquer requisito de forma escrito, inserindo-se no âmbito da consensualidade (art. 219 do Código Civil) os mesmos são válidos. A união de contratos que reveste a existência de um núcleo essencial reportado à compra para revenda dos produtos químicos, revestido de carácter de exclusividade para as sociedades e, como meio acessório dessa concretização as partes outorgaram a compra e venda de material e equipamento. Quanto à última das questões as instâncias interpretaram a declaração negocial das partes no sentido de que todos os pagamentos aí mencionados teriam que ser legalmente garantidos por administradores da empresa e pessoalmente petos réus C e D, neste aspecto o "Memorando" traduz a vontade de os Réus prestarem fiança, pois garantem uma obrigação pecuniária encarada como contrato definitivo. A tal conclusão não se opõe qualquer razão de forma. - Art. 628 do Código Civil -. Rescreve o Artigo 628 n.º 1 do Código Civil que a vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma estabelecida para a obrigação principal. Acrescenta o n.º 2 que a fiança pode ser prestada sem o conhecimento do devedor ou contra a vontade deste, e à sua prestação não obsta o facto de a obrigação ser futura ou condicional. Por outro lado o Artigo 457 refere que a promessa unilateral de uma prestação nos casos previstos na lei, e, como afirma Henrique de Mesquita «Fiança» CJ ano XI/4/24, a lei consagrou o princípio do contrato ou do numerus clausus dos negócios unilaterais como acto gerador de obrigações. Hoje, interpretando os normativos citados, a Jurisprudência e a Doutrina defendem à natureza contratual da fiança - cf. Antunes Varela Obrigações II/485 7ª; Henrique Mesquita CJ XI/IV/25; e BMJ 482/227 -. Antunes Varela - Obrigações V.II/475 sustenta que necessitando a obrigação principal de constar de documento escrito assinado por ambas as partes, igual forma deve revestir o contrato de fiança, sob pena de nulidade: nulidade que persiste, mesmo havendo declaração escrita do fiador. O certo é que se tem entendido que apesar da natureza contratual da fiança, só a declaração do fiador carece de ser prestada por escrito e não já a do credor a favor de quem a mesma é prestada. O Artigo 628 nº 1 do Código Civil trata de forma diferente a declaração do fiador, exigindo que essa declaração seja expressa e com a forma exigida para a obrigação principal. Assim a aceitação da proposta feita pelo fiador ao credor não está sujeita a qualquer formalismo especial, pelo que a liberdade de forma consagrada no Artigo 219 do Código Civil possibilita a aceitação tácita. Os Réus assinaram o documento denominado Memorando de Entendimento, que plasma, como se deixou dito, um contrato definitivo, e por isso a sua assinatura é o suficiente para que a fiança não seja nula, além disso, como repetidamente já se disse, a interpretação da vontade das partes é matéria de facto que está fora do conhecimento deste Supremo como tribunal de revista. De todo o modo, os recorrentes não colocaram à censura da relação que as assinaturas foram lavradas no documento como representantes das sociedades e não com uma qualquer intenção de se responsabilizarem, pessoalmente pelo pagamento previstos no contrato. G) Face ao que se deixou exposto, acorda-se em negar a revista. Custas pelos recorrentes. Lisboa, 24 de Junho de 2003 Ribeiro de Almeida Afonso de Melo Nuno Cameira |