Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4406/11.1TBVFX.L1-A.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
ACÓRDÃO
DECISÃO QUE NÃO PÕE TERMO AO PROCESSO
INDEFERIMENTO
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 03/31/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
O acórdão de conferência que indefere uma reclamação e/ou um requerimento de reforma do acórdão recorrido não preenche os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. — RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de expropriação por utilidade pública,

I. — FF, LL, MM, NN, OO, PP e QQ;

II. — GG, JJ, II, SS, HH, AA, DD, EE, BB e KK

a. — invocaram a caducidade da declaração de utilidade pública expropriativa constante do despacho nº 17829/2009, de 27 de Julho, do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas e das Comunicações, publicado no Diário da República — II Série, de 03 de Agosto de 2009;

b. — interpuseram recurso da decisão arbitral de 19 de Abril de 2011 em que se fixou a indemnização devida, pela expropriação da parcela 21 - com a área de 19.863 m2, a destacar do prédio rústico, denominado “F...”, sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...66 e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo ...º, seção ... da referida freguesia — em € 119.178,00;

c.  — interpuseram recurso do despacho de adjudicação proferido em 18 de Agosto de 2011.

2. O Tribunal de 1.ª instância julgou parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos expropriados.

3. O dispositivo da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância é do seguinte teor:

Pelo exposto, tudo visto e ponderado, julgo parcialmente procedente os recursos interpostos pelos recorrentes expropriados e fixo em € 1.350.684,00 (um milhão trezentos e cinquenta mil seiscentos e oitenta e quatro euros) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser atualizado nos termos do artº 24º, nºs 1 e 2 do C.E. até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a atualização, a partir de então e até à decisão final, sobre a diferença entre o montante atualizado até essa data e o montante depositado.

4. Inconformada, a expropriante Brisa – Concessão Rodoviária, SA., interpôs recurso de apelação.

5. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida fixou a indemnização pela expropriação da parcela 21, com a área de 19.863 m2, em € 1.350.684,00 (€ 68,00/m2).

2. Em arbitragem havia sido fixado o valor em € 119.178,00 (€ 6,00/m2).

3. O laudo maioritário atribuiu o valor indemnizatório de € 186.712,20 (€ 9,40/m2).

4. A sentença recorrida desprezou a prova pericial, tendo optado pelo valor de € 68,00/m2 com base na “autoridade do caso julgado”.

5. A sentença copiou o valor de € 68,00/m2 fixado para a Parcela 15.2.

6. A aderência ao valor fixado para a Parcela 15.2 foi justificada pela utilização da “autoridade do caso julgado”, quer com base numa razão de prejudicialidade, quer com base em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.

7. Ora, a prejudicialidade só surge quando uma decisão é necessária para decidir outra, ou quando o conhecimento do mérito de uma ação está dependente da resolução de outra ação, o que vincadamente não sucede no presente processo.

8. O acórdão no qual a sentença se apoiou emergiu de uma realidade factual distinta, que faz uma avaliação (subjetiva) da responsabilidade por um acidente viação, em função do comportamento dos respetivos condutores, nada comparável com a avaliação (objetiva) de uma parcela de terreno, efetuada com base em parâmetros fixados por via legal.

9. Consequentemente, não poderia a sentença recorrida sustentar a errada utilização da “autoridade do caso julgado” relacionada com um contexto factual e legal completamente diferente do que o tratado nos presentes autos.

10. Por sua vez, suportada no conceito de prejudicialidade e de “autoridade do caso julgado”, a sentença parte do errado princípio que as Parcelas 15.2 e 21 são idênticas apenas por existir coincidência quanto às partes, à declaração de utilidade pública e ao PDM.

11. Tão reduzida coincidência ofende profundamente o princípio da comparabilidade, que exige, como reconhece a jurisprudência, a demonstração de uma essencialidade quanto às características dos prédios comparados.

12. De igual modo, concluiu a sentença erroneamente que a Parcela 15.2 é contígua à Parcela 21.

13. Efetivamente contígua à Parcela 21 é a 22 e até apresenta os mesmos critérios para ser considerada idêntica.

14. Acontece que a contígua Parcela 22, embora com decisão deste Tribunal da Relação não transitada em julgado, por se encontrar pendente recurso de revista, obteve a fixação de um valor distinto, quer da Parcela 15.2, quer da Parcela 21.

15. Esta constatação, que nem tem em conta os valores verificados nas demais parcelas da mesma declaração de utilidade pública, só permite evidenciar que o critério utilizado pela sentença recorrida é destituído de razoabilidade.

16. Ademais, a sentença desconsiderou, por completo, sem justificação, a prova pericial determinada no Código das Expropriações e nas complementares normas processuais aplicáveis.

17. A douta sentença recorrida viola o princípio constitucional da separação de poderes, expresso no artigo 112.º da Constituição, na medida em que ignora o que sobre a determinação da avaliação se encontra estabelecido no Código das Expropriações, em favor de uma regra extraída de um acórdão.

Nestes termos,

Deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a douta decisão que fixou em € 1.350.684,00 a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados.

6. Os expropriados contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

7. Em 5 de Novembro de 2020, o Tribunal da Relação ... julgou procedente o recurso de apelação.

8. O dispositivo do acórdão de 5 de Novembro de 2020 é do seguinte teor:

Em face do exposto, acordam na ... Secção Cível do Tribunal da Relação ..., julgar o recurso procedente e, em consequência revogam parcialmente a sentença decorrida e fixam em 186 712,20€ (cento e oitenta e seis mil setecentos e doze mil euros e vinte cêntimos) a indemnização a atribuir pela expropriante aos expropriados, valor a ser actualizado nos termos do artº 24º nºs 1 e 2 do CE até à data da notificação do despacho que autorizou o levantamento do montante depositado pela expropriante nos autos, incidindo a actualização, a partir de então e até à decisão final sobre a diferença entre o montante actualizado até essa data e o montante depositado.

9. Em 24 de Novembro de 2020, os expropriados requereram a reforma do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... em 5 de Novembro.

10. Finalizaram o seu requerimento com as seguintes conclusões:

1ª. O Acórdão reclamado padece de uma nulidade processual por terem sido proferidas decisões-surpresa: de facto, nenhuma das 3 questões (e correspondentes pré-decisões) que suportaram o julgamento do Acórdão reclamado (PDM de 1993  RAN  art. 27º, nº 3, do Código das Expropriações) vinha invocada na apelação interposta pela Expropriante (basta ler essas Alegações e, sobretudo, as respectivas Conclusões), pelo que não era nem legalmente permitido nem expectável que este douto Tribunal se viesse a pronunciar sobre as mesmas – antes de ter proferido decisão sobre essas questões, este douto Tribunal deveria ter notificado os Recorridos para, querendo, se pronunciarem sobre as mesmas ou sobre o projecto de decisão que se ponderava proferir (art. 195º do CPC);

2ª O Acórdão reclamado errou na determinação da norma/regime aplicável à determinação do valor indemnizatório devido por esta expropriação: falamos, essencialmente, da relevância, maior ou menor, formal ou material, do PDM de ... de 2009 que já havia sido aprovado na data da declaração de utilidade pública desta expropriação e que o Acórdão reclamado ignorou de todo (art. 616º, nº 2, a., do CPC);

3ª Do processo constam documentos que, só por si, determinam decisão diversa da proferida (art. 616º, nº 2, b., do CPC).

11. Em 14 de Dezembro de 2020, os expropriados interpuseram recurso de revista, arguindo, designadamente, a nulidade do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... em 5 de Novembro.

12. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª O Acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que conheceu questões que não foram invocadas pela Expropriante/Recorrente no seu recurso;

2ª O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que, pretendendo fixar a indemnização de acordo com a metodologia/critérios adotados, ignorou todas as questões jurídicas que se discutiam no processo a propósito dessa metodologia e critério, bem como os factos assentes e os documentos juntos aos autos;

3ª O Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC, na medida em que ignorou a questão jurídica fundamental em discussão nos presentes autos: o valor de mercado da parcela expropriada demonstrado por várias escrituras públicas de compra e venda/expropriação amigável e por diferentes decisões judiciais;

4ª O Acórdão recorrido viola a autoridade de caso julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2017, proferido sobre a mesma situação de facto e sobre as mesmas questões de direito que se discutem nos presentes autos, onde se decidiu que a justa indemnização deve ser fixada de acordo com o valor de mercado do terreno expropriado e fixou o valor de mercado deste tipo de terrenos nesta zona em € 68/m2 (art. 629º, nº 1, a., do CPC);

5ª O Acórdão recorrido viola o caso julgado formado na Sentença da 1ª Instância quanto à atendibilidade do valor unitário fixado para a parcela contígua e idêntica 15.2 (€ 68/m2) por força do princípio da igualdade e por ter suporte na avaliação pericial minoritária apresentada nos autos;

6ª O Acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2017 quanto ao critério e metodologia indemnizatória a atender na expropriação por utilidade pública de solos – art. 629º, nº 2, d), do CPC;

7ª O Acórdão recorrido está em oposição com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.03.2017 quanto às “circunstâncias objetivas suscetíveis de influir no respetivo cálculo” a que se deve atender nos termos e para os efeitos do art. 27º, nº 3, do Código das Expropriações – art. 629º, nº 2, d), do CPC

8ª A interpretação do art. 23º do Código das Expropriações no sentido de não serem considerados como relevantes para efeitos indemnizatórios os efeitos económicos e materiais que as soluções urbanísticas de um plano diretor municipal já aprovado ao tempo da declaração de utilidade pública (embora ainda não publicado nessa data) produzia no valor de mercado dos solos expropriados, é inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito, do direito fundamental a uma justa indemnização e do princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos (arts. 62º e 13º da Constituição).

13. Em 15 de Julho de 2021, em conferência, o Tribunal da Relação ...:

I. — indeferiu o requerimento de reforma do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ... em 5 de Novembro de 2020;

II. — pronunciou-se no sentido da improcedência das nulidades arguidas pelos expropriados.

14. O dispositivo do acórdão de conferência de 5 de Julho de 2021 é do seguinte teor:

Em face do exposto, acordam em Conferência nesta ... Secção Cível do Tribunal da Relação ...:

a) - Indeferir a solicitada Reforma do acórdão;

b) - Indeferir as invocadas Nulidades do acórdão.

15. Inconformados, os expropriados interpuseram recurso de revista do acórdão de conferência de 15 de Julho de 2021.

16. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª O Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 constitui uma decisão surpresa, pois nenhuma das 3 questões(e correspondentes pré-decisões) que suportaram o julgamento proferido nesse Acórdão (PDM de 1993 RAN  art. 27º, nº 3, do Código das Expropriações/rendimentos agrícolas) vinha invocada nas Conclusões da apelação interposta pela Expropriante, pelo que, para além de não poderem legalmente ser conhecidas, não era pelo menos expectável que o Tribunal recorrido viesse decidir essas 3 questões não invocadas/peticionadas nesse recurso.

De qualquer modo, independentemente de o Tribunal recorrido poder ou não conhecer essas 3 questões, uma coisa é certa: porque essas 3 questões não vinham peticionadas nas Conclusões das Alegações da Expropriante, antes de ter proferido decisão sobre as mesmas, o Tribunal a quo deveria ter notificado os Expropriados/Recorridos para, querendo, se pronunciarem sobre essas questões ou sobre o projeto de decisão que se ponderava proferir. Só assim seriam cumpridos os princípios do contraditório e da igualdade das artes (arts. 3º, nº 3, e 4º do CPC).

2ª Ao contrário do que se entendeu no Acórdão recorrido, as questões decididas no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 são questões novas na apelação: o facto de poderem ter sido discutidas na 1ª Instância é irrelevante, pois o que aqui importa é o recurso de apelação que nos ocupa e não o que se passou na 1ª Instância, sendo certo que essas 3 questões não foram suscitadas nas Conclusões das alegações de apelação da Expropriante, não integrando assim o objeto da apelação.

A Recorrente/Expropriada violou as exigências prescritas no art. 639º, nº2, do CPC, nada disse quanto ao que aí se exige: nada disse quanto às normas jurídicas violadas e nada disse quanto às normas jurídicas que poderiam suportar a sua posição e que se poderiam entender violadas.

Deste modo, as questões decididas no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 não foram (como não poderiam ser) discutidas neste recurso, pois em momento algum das suas Conclusões recursivas a Recorrente/Expropriante invocou (i) a aplicação do PDM de 1993 e a não aplicação do PDM de 2009, (ii) a integração da parcela expropriada na RAN ou (iii) que a parcela expropriada só poderia ser avaliada de acordo com os seus rendimentos agrícolas.

Porque estas questões não foram invocadas nas Conclusões das Alegações, essas questões não foram peticionadas, suscitadas ou discutidas no recurso, sendo que é só o recurso que está em causa.

3ª Ao contrário do que se entendeu no Acórdão recorrido, das Conclusões das Alegações da Recorrente/Expropriante não resulta implícita a sua pretensão de ser fixada a indemnização nos termos calculados na avaliação pericial maioritária.

Ainda que se considere resultar, os Expropriados recorridos não tinham o dever legal de descortinar essa pretensão recursiva de umas conclusões onde, sem mais, só se escreveu que “a sentença desconsiderou, por completo, sem justificação, a prova pericial determinada no Código das Expropriações e nas complementares normas processuais aplicáveis” (Conclusão 16ª das Alegações da apelação da Recorrente/Expropriante).

Como se sabe constitui jurisprudência unânime dos nossos Tribunais superiores, só o que vem formulado nas Conclusões pode ser conhecido pelo Tribunal de recurso, na medida em que são as Conclusões da Recorrente que delimitam o objeto do recurso, o dever legal de decidir e a defesa dos recorridos.

E da citada Conclusão 16ª das alegações da Recorrente não se pode considerar implícita a pretensão recursiva (i) da aplicação do PDM de 1993 e a não aplicação do PDM de 2009, (ii) a integração da parcela expropriada na RAN ou (iii) que a parcela expropriada só poderia ser avaliada de acordo com os seus rendimentos agrícolas. Não são pretensões que possam ser tidas como implícitas.

E como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.10.2020, proc. nº 1075/16.6T8PRT.P1.S1: “II- As alegações de recurso devem conter a síntese dos aspetos mencionados no art. 639.º, n.º3, do CPC através de conclusões que, além de outras funções, delimitam o objeto do recurso com o qual o recorrido é confrontado e sobre o qual deve incidir o tribunal ad quem”.

É que, para além do mais, como adequadamente se sublinha neste Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 07.10.2020, estaria em causa a violação de princípios estruturantes do nosso Direito Processual Civil, ordinário e constitucional, designadamente o direito fundamental a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição) e os princípios da certeza e segurança jurídico-processuais.

Não podem suscitar-se dúvidas quanto ao objeto da impugnação, quanto aos segmentos decisórios impugnados e quanto às questões de facto e/ou de direito que são suscitadas e que, como a jurisprudência e a doutrina o afirmam, delimitam, em regra, a intervenção do tribunal ad quem (art. 635º do CPC).

Um outro fator não menos importante liga-se ao princípio do contraditório, associado ao direito da parte contrária de ser confrontada com uma peça da qual resulte com total inequivocidade o objeto da impugnação e as questões que são suscitadas, a fim de poder exercer a sua defesa que, aliás, pode ser multifaceta da em função da iniciativa do recorrente (v.g. art. 636º do CPC).

O que os Recorridos/Expropriados fizeram foi confiar nesta jurisprudência unânime dos nossos Tribunais superiores, máximedo Supremo Tribunal de Justiça, não podendo ser prejudicados pelo facto de a Recorrente/Expropriante não ter cumprido as exigências legais.

4ª Ao contrário do que se entendeu no Acórdão recorrido, não seria manifestamente desnecessária a prévia notificação dos Expropriados/Recorridos para se pronunciarem sobre as questões decididas no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 e não suscitadas pela Expropriante nas Conclusões da sua apelação.

Quanto a esta pretensa desnecessidade, para além do que já se deixou referido, importa sublinhar o seguinte: a maior demonstração de que, além de necessária, era essencial a prévia audiência dos Expropriados, é o facto de o referido Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020, pretendendo fixar a indemnização de acordo com a metodologia/critérios adotados na avaliação pericial maioritária, ter ignorado todas as questões jurídicas que se discutiam no processo e que impediam essa metodologia e critério, bem como os factos assentes e os documentos juntos aos autos. Este Acórdão ignorou todas essas questões, pelo que fica evidenciada a necessidade de os Recorridos terem sido ouvidos.

5ª Assim, em qualquer caso, antes dedecidir questões que a Recorrente não levouàs Conclusões das suas Alegações, o Tribunal recorrido deveria ter notificado os Recorridos para se pronunciarem.

Não o tendo feito, violou as exigências do princípio do contraditório e da igualdade das partes (arts. 3º, nº 3, e 4º do CPC) e as exigências do art. 639º, nº 2, do CPC, sendo que a interpretação desses preceitos nos termos de a prévia pronúncia dos Recorridos não ser necessária (por estarmos perante um pedido recursivo implícito ou questões que já haviam sido abordadas na 1ª Instância) viola grosseiramente os princípios da segurança e certeza jurídico-processuais inerentes ao direito fundamental a um processo equitativo (art. 20º, nº 4, da Constituição).

17. O Exmo. Senhor Desembargador Relator não admitiu o recurso do acórdão de conferência de 15 de Julho de 2021, fundamentando a sua decisão nos seguintes termos:

Notificados do acórdão 15/07/2021, tirado em Conferência, que indeferiu a Reforma do acórdão de 05/11/2020 e indeferiu as invocadas nulidades desse mesmo acórdão, vieram estes expropriados interpor recurso de revista, invocando o artº 630º nº 2, parte final, do CPC.

Pois bem, salvo melhor e superior entendimento, parece-nosque o recurso é inadmissível.

Com efeito, apesar dos recorrentes qualificarem, agora, as nulidades que arguem como nulidades processuais, a verdade é que se tratam das mesmas nulidades de acórdão, nos termos do artº 615º nº 1 do CPC, que haviam invocado no recurso interposto a 14/12/2020 e, sobre as quais já recaiu acórdão da Conferência, nos termos do 641º nº 1 e 666º nº 2 do CPC.

Ora, não cabe recurso da decisão que indefere as nulidades do acórdão porque essas invocadas nulidades integram o objecto do recurso de revista e serão apreciadas e decididas pelo STJ (cf. Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, vol. I, AAFDL, 2020, pág. 96).

Assim, não se admite o recurso interposto a 21/09/2021, pelos expropriados DD e outros.

18. Inconformados, os expropriantes reclamaram do despacho de não admissão de recurso do acórdão de conferência de 15 de Julho de 2021, proferido pelo Exmo. Senhor Desembargador Relator, ao abrigo dos arts. 641.º, n.º 6, e 643.º do Código de Processo Civil.

19. Fundamentaram a sua reclamação nos seguintes termos:

DD e Outros, Expropriados no processo acima identificado, notificados do Despacho de 26.11.2020, no qual se decidiu não admitir o recurso dos Expropriados do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021, vêm, nos termos dos arts. 641º, nº 6, e 643º do CPC, reclamar dessa decisão:

I. ÂMBITO DO RECURSO

1. O Despacho sub judice decidiu não admitir o recurso interposto do Acórdão do Tribuna da Relação ... de 15.07.2021, que, para além do mais, indeferiu a arguição da nulidade processual invocada pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020.

2. De facto, antes de mais, importa esclarecer o seguinte:

a. No seu Requerimento de 24.11.2020, os Expropriados, por um lado, à cautela apresentaram um pedido de reforma nos termos do art. 616º, nº 2, do CPC, que apenas deveria ser conhecido e decidido se o recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 não fosse admitido; e, por outro lado, arguiram uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do CPC, de que padece o Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020, por aí ter sido proferida uma decisão surpresa, sem prévia notificação para os Expropriados, aí recorridos, se pronunciarem;

b. Nas suas Alegações de recurso de 14.12.2020 (recurso desse Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020), os Expropriados, para além domais, arguiram nulidades desse Acórdão nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC.

c. No Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 (i) julgou-se o pedido de reforma deduzido à cautela pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020; (ii) indeferiu-se a nulidade processual invocada pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020 e (iii), nos termos do 641º, nº 1, do CPC, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades invocada pelos Expropriados nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC nas suas Alegações de recurso de 14.12.2020.

d. O recurso interposto pelos Expropriados em 20.09.2021 daquele Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 apenas sindica, conforme expressamente aí se referiu, a decisão aí proferida sobre a nulidade processual arguida no Requerimento de 24.11.2020 (decisão surpresa, sem prévia notificação da parte que decaiu para se pronunciar sobre a mesma).

Nesse recurso (cfr. as nossas Alegações de 20.09.2021) não vem por qualquer forma questionada a pronúncia do Tribunal a quo sobre as nulidades do art. 615º, nº 1, do CPC.

3. No Despacho sub judice, num evidente erro nos pressupostos, decidiu-se não admitir o recurs do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 por se considerar que o mesmo visava a pronúncia do Tribunal a quo sobre as nulidades do art. 615º, nº 1, do CPC. […]

Isto é,

a. o Despacho sub judice em erro, não atendeu a que (i) no Requerimento de 24.11.2020 havia sido invocada, ex professo, uma nulidade processual em virtude de no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 ter sido proferida uma decisão-surpresa, isto é, sem prévia notificação dos Expropriados aí Recorridos para se pronunciarem sobre a mesma, (ii) a que no Acórdão recorrido se decidiu essa nulidade processual, (iii) e a que o recurso sub judice tem exclusivamente como objeto essa decisão sobre a nulidade processual e não também as considerações aí expendidas acerca das nulidades do art. 615º do CPC que se invocaram no recurso;

b. noutra perspetiva hermenêutica, o Despacho sub judice também pode ser interpretado no sentido de aí se ter entendido que a nulidade em causa (decisão surpresa) constitui, não uma nulidade processual, mas sim uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC.

Em qualquer dos casos, o Despacho sub judice não respeita o Direito aplicável, como se procurará demonstrar de imediato.

II. RAZÕES QUE DETERMINAM A PROCEDÊNCIA DESTA RECLAMAÇÃO

A. O erro nos pressupostos do Despacho reclamado

4. O Despacho sub judice, em erro, não atendeu a que (i) no nº 4 da pág. 3 do Requerimento de 24.11.2020 havia sido invocada, ex professo, uma nulidade processual em virtude de no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 ter sido proferida uma decisão-surpresa, isto é, uma decisão sobre questões não integradas no objeto do recurso da Expropriante sem prévia notificação dos Expropriados aí Recorridos para se pronunciarem sobre as mesmas, a que (ii) nas págs. 6 e 7 do Acórdão recorrido se decidiu ex professo essa nulidade processual, (iii) e a que o recurso sub judice tem exclusivamente como objeto essa decisão sobre a nulidade processual (cfr. Conclusões das Alegações do recurso interposto pelos Expropriados em 20.09.2021).

Basta esta constatação para podermos concluir que esta Reclamação deverá proceder.

B. Noutra perspetiva hermenêutica, importa constatar que a nulidade invocada pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020 (Decisão surpresa) é uma nulidade processual e não uma nulidade do art. 615º, nº 1, do CPC

5. No seu Requerimento de 24.11.2020, os Expropriados invocaram o seguinte:

a. o Acórdão reclamado padece de uma nulidade processual por terem sido proferidas decisões surpresa: de facto, nenhuma das 3 questões (e correspondentes pré-decisões) que suportaram o julgamento do Acórdão reclamado (PDM de 1993 RAN  art. 27º, 3, do Código das Expropriações) vinha invocada na apelação interposta pela Expropriante (basta ler essas Alegações e, sobretudo, as respetivas Conclusões), pelo que não era nem legalmente permitido nem expectável que este douto Tribunal se viesse a pronunciar sobre as mesmas antes de ter proferido decisão sobre essas questões, este douto Tribunal deveria ter notificado os Recorridos para, querendo, se pronunciarem sobre as mesmas ou sobre o projeto de decisão que se ponderava proferir (art. 195º do CPC)” – cfr. nº 4 da pág. 3 do referido Requerimento de 24.11.2020, com sublinhados nossos.

Terminando com o seguinte pedido:

Assim, porque foi cometida uma nulidade processual, requer-se a este douto Tribunal se digne revogar o Acórdão sub judice e notificar as Expropriadas para, querendo, se pronunciarem sobre o projeto de decisão constante, respeitando-se assim, para além do mais, o principio do contraditório (art. 3º, 3, do CPC), o referido princípio da tutela da confiança dos cidadãos nas decisões dos Tribunais e do direito fundamental a um processo equitativo” (cfr. nº 4 da pág. 3 do referido Requerimento de 24.11.2020 – sublinhados nossos).

Isto é, anulidade invocada pelos Expropriados neste Requerimento de 24.11.2020 é efetivamente uma nulidade processual e não uma nulidade do art. 615º, nº 1, do CPC.

Assim, quando no Despacho reclamado se afirma que “apesar dos recorrentes qualificarem, agora, as nulidades que arguem como nulidades processuais, a verdade é que se tratam das mesmas nulidades de acórdão” constata-se um evidente equívoco: os Expropriados (bem como o regime legal aplicável e a jurisprudência) sempre qualificaram e trataram a nulidade em causa (decisão-surpresa) como uma nulidade processual.

6. Neste sentido, por exemplo, a seguinte jurisprudência:

a. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 31.05.2012 (processo n.º 222/10.6TVPRT.P1): “II - A decisão surpresa integra uma nulidade processual secundária, que deve ser arguida no prazo legal perante o tribunal em que ocorreu, sob pena de ficar sanada”.

b. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proc. nº 1250/20.9T8VIS.C1, de 03.05.2021: “i) Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos termos do art. 195º, 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, do art. 615º, 1, c), do referido código; ii) Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites; tão pouco se confundindo a dita nulidade com um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo; iii) “Das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respetiva nulidade perante o juiz da causa, e não interpor recurso, invocando aquela nulidade da sentença…”

c. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proc. nº 2358/19.9T8VLG.P1, de 07.06.2021: “IV - E cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibida decisão-surpresa (a solução efetivamente dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever nº3, do art. 3º, do CPC), o caso, pois que se trata de decisão de questão, oficiosamente suscitada, fundada em prova, para tanto, determinada pelo juiz, sem, sequer, disso ter sido dado conhecimento às partes. V - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre factos e respetivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos)”.

d. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. nº 533/04.0TMBRG-K.G1, de 19.04.2018: “A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico”.

7. Por outro lado, importa esclarecer que esta nulidade processual não se confunde com as nulidades do art. 615º, nº 1, do CPC, arguidas nas Alegações de recurso de 14.12.2020.

7.1 De facto, a nulidade processual invocada pelos Expropriados prende-se com o facto de o ... de 05.11.2020 ter decididoquestõesque, pornão terem vindo invocadas pela Recorrente Expropriante no seu Recurso de apelação, os Expropriados não tiveram oportunidade de se pronunciar em sede de recurso – antes de decidir essa questão, o Tribunal a quo deveria ter notificado os Expropriados aí Recorridos para se pronunciarem sobre a mesma.

Isto é, não se discute se no referido Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 podiam ou não ser decididas ou conhecidas as questões que aí foram efetivamente decididas: o que se sindica é a omissão da notificação dos Expropriados para se pronunciarem sobre as mesmas, considerando que, por não virem invocadas ou peticionadas no recurso da Expropriante, os Expropriados não tiveram oportunidade para exercer o seu contraditório.

Assim, independentemente de o Tribunal recorrido poder ou não conhecer as questões em causa, porque as mesmas não vinham peticionadas nas Conclusões das Alegações da Expropriante, antes de ter proferido decisão sobre as mesmas o Tribunal a quo deveria ter notificado os Expropriados/Recorridos para, querendo, se pronunciarem sobre essas questões ou sobre o projeto de decisão que se ponderava proferir. Não o tendo feito, preterindo-se o direito ao contraditório dos Expropriados, estamos perante uma decisão-surpresa, que constitui, como já se referiu, uma nulidade processual.

7.2 Diferentemente, nas Alegações de recurso de 14.12.2020, o que se invocou e defendeu é que não se podiam conhecer e decidir as questões que não vinham invocadas ou peticionadas no recurso da Recorrente Expropriante, motivo pelo qual, tendo o referido Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 decidido tais questões, o mesmo é nulo por excesso de pronúncia nos termos do art. 615º, nº 1, d), do CPC.

Portanto, o que se invocou nestas Alegações não é a preterição do direito de contraditório dos Expropriados (em virtude de os mesmos não terem sido notificados para se pronunciarem sobre questõe relativamente às quais não se tinham pronunciado nas suas Contra-alegações de apelação, em virtude de as mesmas não terem vindo integradas nas Alegações de apelação), mas sim o facto de o Tribunal de recurso não poder extrapolar o objeto do recurso delimitado pela Recorrente Expropriante nas Conclusõe das suas Alegações, decidindo questões que não vinham peticionadas.

7.3. Assim, uma vez mais se demonstra que o Despacho reclamado laborou num evidente erro: a nulidade por decisão-surpresa é, como sempre foi qualificada, uma nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do CPC, e o âmbito material da mesma não se confunde com o âmbito material da nulidade por excesso de pronúncia invocada nas Alegações de recurso de revista de 14.11.2020.

O que está em causa na nulidade processual da decisão surpresa é, no essencial, a preterição do contraditório, a omissão de uma formalidade, a não notificação da parte recorrida que decaiu para se pronunciar sobre uma questão que, apesar de não incluída nas conclusões das alegações de recurso, o Tribunal decidiu conhecer.

O excesso de pronúncia em decisão de recurso já tem que ver com o facto de terem sido conhecidas questões não integradas nas conclusões das alegações de recurso, extravasando-se assim a delimitação do objeto do recurso efetuada pelo recorrente.

8. Constituindo a nulidade invocada (decisão-surpresa) uma nulidade processual, a mesma não integra o recurso do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020

Conforme resulta expressamente do regime de arguição das nulidades processuais, designadamente do art. 199º do CPC, as mesmas têm de ser arguidas perante o Tribunal em que foram cometidas, in casu, o Tribunal a quo, apenas podendo ser arguidas perante o Tribunal de recurso na situação do art. 199º, nº 3, do CPC.

Na situação que nos ocupa, respeitando o referido regime legal, os Expropriados arguiram a nulidade processual por decisão surpresa nos 10 dias subsequentes à notificação do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 e não nas Alegações de recurso de 14.12.2020, sob pena de, por decurso do prazo legal, a mesma se considerar sanada.

Neste sentido, por exemplo, a seguinte jurisprudência:

a. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.02.2011 (processo n.º 6845/07.3TBMTS.P1.S1): Sumário “VI - Cabem no âmbito das decisões-surpresa aquelas que, embora, juridicamente, possíveis, não foram peticionadas, e que as partes não tinham o dever de prognosticar, antes estabelecem uma relação colateral com o pedido formulado para a concreta decisão da causa. VII - É intempestiva a arguição da nulidade processual decorrente da inobservância do princípio do contraditório antes da prolação da sentença, considerada como decisão-surpresa, que apenas foi deduzida, nas alegações da apelação, que tiveram lugar muito para além do prazo de dez dias sobre a data daquela sentença” (Sublinhados nossos).

b. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.04.2004 (processo n.º 04B1430): “A lei expressa, no que concerne aos actos processuais em geral, por um lado, que a prática de um acto a lei não admita ou a omissão de um acto ou formalidade por ela prescrita produz nulidade se a lei o declarar ou a irregularidade cometida puder influir na  exame ou na decisão da causa (artigo 201º, nº. 1, do Código de Processo Civil). E, por outro que, quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão também os termos subsequentes que dele dependam em termos absolutos (artigo 201º, nº. 2, do Código de Processo Civil).Tratando-se de nulidade decorrente da omissão de audição de alguma das partes antes da decisão, deve ser arguida pelas partes no prazo de dez dias contado desde da data em que foram notificadas do decidido (artigos 153º, nº. 1, 204º e 205º, nº. 1, do Código de Processo Civil). A referida arguição deve ocorrer perante o tribunal em que a nulidade foi cometida, só podendo ser arguida em recurso quando o processo for remetido ao tribunal superior antes do decurso do prazo de arguição, o que será actualmente, dado que as alegações de recurso são oferecidas no tribunal recorrido, hipótese inverificável (artigo 205º, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Civil). (…) Mas impunha-se aos recorrentes a arguição da referida nulidade, perante a Relação, no decêndio posterior à data em que foram notificados do acórdão recorrido. Como assim não procederam, limitando-se a invocar a omissão de audição nas alegações de recurso, muito depois do termo do referido prazo de dez dias, caducou seu direito de arguição da nulidade, com a consequência da sua sanação (artigos 145º, nº. 3, do Código de Processo Civil)” (Sublinhado nosso).

c. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.05.2009 (processo n.º 09B0677): Sumário “2 É de considerar decisão-surpresa a contida no despacho do Juiz, sem prévio exercício do contraditório, sobre a incompetência do tribunal comum para conhecer do litígio, proferida ao cabo de mais de oito anos, em vez da aguardada decisão de mérito findo que estava o julgamento sem que qualquer das partes tal excepção alguma vez tivesse suscitado. 3 Está tal decisão ferida de nulidade, face à grave omissão praticada pelo Juiz, devendo, contudo, a mesma ser arguida no prazo de dez dias após o seu conhecimento. 4 – Passado esse prazo e só sendo tal nulidade arguida nas alegações do recurso interposto, está a mesma sanada”

d. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 03.03.2009 (processo n.º 2546/06.08TJCBR-B.C1): Sumário “II A garantia do exercício do direito do contraditório, que se encontra plasmado no artº 3º, 3, do CPC, visa, como princípio estruturante de todo o nosso processo civil, evitar “decisões surpresa”, ou seja, baseadas em fundamentos que não tenham sido previamente considerados pelas partes e, consequentemente, reforçar, assim, o direito de defesa. III A violação da garantia do exercício desse direito consubstancia uma nulidade de natureza processual. IV– Tendo essa nulidade sidocometida em plena sentença, deve ela ser arguida no prazo de 10 dias, contados a partir da data e que tal sentença foi notificada às partes, sob pena de se considerar precludido o respectivo direito de arguição”.

Ora, compulsando os autos verifica-se que a srª juiz a quo condenou o apelante com litigante de sem que essa questão tivesse sido antes objecto de discussão nos autos e sem que, todavia, tenha previamente dado às partes, e particularmente ao ora apelante a possibilidade de sobre ela se pronunciar, isto é, de se defender a tal propósito. Com essa omissão, a srª juiz a quo incorreu então na prática da nulidade processual a que atrás nos referimos. A arguição de tal tipo de nulidade conta-se do dia, em que depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas aqui quando deva presumir-se que então tomou conhecimento dessa nulidade ou dela pudesse conhecer agindo com a diligência devida (cfr. artºs 205 e 202 parte - do CPC). No caso dos autos, o prazo legal de 10 dias (cfr. artº 150, nº 1, do CPC) para arguir a referida nulidade contava-se a partir da data da notificação da sentença que condenou o apelante como litigante de má fé (já que foi proferida sem as parte estarem presentes). Dado que a referida sentença foi notificada às partes (através do seus ilustres mandatários) por carta registadas datadas de 21/10/2008 (cfr. fls. 67 e 68), e dado que arguição da aludida nulidade (arguição essa que se considera estar implícita quando invocou a violação do disposto no citado artº 3, nº 3, do CPC) só teve lugar nas alegações do presente recurso remetidas a juízo em 21/11/2008 (sendo certo nesse mesmo dia o ora apelante fez também juntar ao processo requerimento autónomo a insurgir-se contra a extemporaneidade da elaboração da conta cfr. fls. 76/79 e 80/90), facilmente se conclui que nessa altura já há muito havia decorrido o prazo legal fixado para a arguição da aludida nulidade (sendo certo ainda que a arguição de nulidade processual no tribunal superior só é admissível quando processo for expedido em recurso antes de findar aquele prazo legal estipulado para o efeito – cfr. nº 3 do citado artº 205 -, começando então o prazo a correr desde a distribuição, o que manifestamente não sucedeu no caso em apreço)” (Sublinhado nosso).

Deste modo, não tendo sido, como não podia ser, arguida nas Alegações de recurso de 14.12.2020, a nulidade processual por decisão surpresa não integra aquele recurso.

9. Assim, a necessária conclusão: o objeto do nosso recurso do Acórdão do Tribunal ... de 15.07.2021 (não admitido no Despacho reclamado) só tem como objeto a decisão aí proferida sobre a nulidade processual de decisão surpresa que havia sido invocada, não abrangendo, nem faria sentido abranger,a pronúncia do Tribunal recorrido quantoàsnulidadesdoart.615º, nº1,do CPC arguidas nas Alegações de recurso de 14.12.2020.

Nestes termos

Deve a presente reclamação ser julgada procedente e admitido o recurso interposto pelos Expropriados do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021.

20. Em 14 de Fevereiro de 2022, foi proferida decisão singular em que se indeferiu a reclamação e se confirmou o despacho reclamado [1].

21. Inconformados, os Reclamantes reclamaram para a conferência, ao abrigo do art. 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:

DD e Outros, Expropriados/Recorrentes no processo acima identificado, notificados da Decisão Singular do Senhor Conselheiro Relator de 14.02.2022, vêm, a abrigo do disposto no art. 652º, nº 3, do CPC [2], dela Reclamar para a Conferência deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, o que fazem nos termos e com os seguintes fundamentos:

1. A Decisão Singular reclamada, decidindo a nossa Reclamação de 21.12.2021, manteve o Despacho do Senhor Desembargador Relator de 26.11.2021 que não admitiu a revista interposta pelos Expropriados/Recorrentes do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021.

A Decisão Singular reclamada entendeu que este Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 não é recorrível por ser um Acórdão que indefere uma reclamação/reforma deduzida pelos Expropriados/Recorrentes, invocando para o efeito o art. 671º, nº 1, do CPC (cfr. nºs. 21 a 25 da Decisão Singular reclamada.

2. Com o devido respeito, a Decisão Singular não interpretou adequadamente a situação que se nos depara, nem aplicou o regime processual que vem invocado e que deveria ter sido aplicado.

Na verdade, esta Decisão Singular assenta em 2 equívocos:

a. Por um lado, considerou que o Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 de que se pretende interpor recurso decidiu a reclamação/reforma deduzida pelos Expropriados/Recorrentes, quando, na verdade, esse Acórdão decidiu 3 questões: (i) indeferiu-se a reforma deduzida à cautela pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020; (ii) indeferiu-se a nulidade processual invocada pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020 e (iii), nos termos do 641º, nº 1, do CPC, o Tribunal recorrido pronunciou-se sobre as nulidades invocada pelos Expropriados nos termos do art. 615º, nº 1, do CPC nas suas Alegações de recurso de 14.12.2020.

Assim, o que importa aqui reter como é essencial é que esse Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 de que se pretende interpor recurso decidiu efetivamente (para além de um pedido de reforma) a nulidade processual (decisão surpresa) que foi invocada pelos Expropriados/Requerentes em 24.11.2020.

E é da decisão aí proferida sobre essa nulidade processual que vem interposto o recurso.

b. Por ser assim (recurso de Acórdão que decidiu uma nulidade processual invocada), a Decisão Singular reclamada não poderia ter aplicado o regime que aplicou, isto é, o art. 671º, nº 1, do CPC (ou os arts. 615º, nº 4, e 617º, nºs. 1 e 6, do CPC, também aí invocados).

De facto, porque estamos perante o recurso de Acórdão que decidiu uma nulidade processual invocada, o regime recursivo que deve ser aplicado e que foi expressamente invocado pelos Expropriados/Recorrentes nas suas Alegações de recurso de 20.09.2021 é o regime do art. 630º, nº2, in fine, do CPC, onde expressamente se prescreve que “Não é admissível recurso das decisões de simplificação ou de agilização processual, proferidas nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º, das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º e das decisões de adequação formal, proferidas nos termos previstos no artigo 547.º, salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios”.

3. Deste modo, atendendo ao objeto do recurso interposto em 20.09.2021 do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 (decisão sobre nulidade processual – decisão surpresa) e ao regime recursivo invocado e aplicável (art. 630º, nº 2, in fine, do CPC), não pode subsistir qualquer dúvida da admissibilidade do recurso interposto.

Na verdade, a Decisão singular reclamada não atendeu a que o recurso interposto pelos Expropriados em 20.09.2021 daquele Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 apenas sindica, conforme expressamente aí se referiu, a decisão aí proferida sobre a nulidade processual arguida no Requerimento de 24.11.2020 (decisão surpresa, sem prévia notificação da parte que decaiu para se pronunciar sobre a mesma).

A decisão sub judice, em erro, não atendeu a que (i) no nº 4 da pág. 3 do Requerimento de 24.11.2020 havia sido invocada ex professo uma nulidade processual em virtude de no Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020 ter sido proferida uma decisão-surpresa, isto é, uma decisão sobre questões não integradas no objeto do recurso da Expropriante sem prévia notificação dos Expropriados aí Recorridos para se pronunciarem sobre as mesmas, a que (ii) nas págs. 6 e 7 desse Acórdão se decidiu ex professo essa nulidade processual, (iii) e a que o recurso sub judice tem exclusivamente como objeto essa decisão sobre a nulidade processual (cfr. Conclusões das Alegações do recurso interposto pelos Expropriados em 20.09.2021).

4. Neste contexto importa sublinhar que a nulidade invocada pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020 (Decisão surpresa) é uma nulidade processual invocada nos termos do art. 195º, do CPC e não uma nulidade do art. 615º, nº 1, do CPC.

E as nulidades processuais são sempre arguidas perante o Tribunal que as haja praticado no prazo geral de 10 dias, nos termos dos arts. 199º e 149º do CPC, não se aplicando o art. 615º, nº 4, do CPC invocado na Decisão Singular reclamada.

E porque esta nulidade processual invocada (decisão surpresa) e indeferida no Acórdão de 15.07.2021 contende com os princípios de igualdade e do contraditório, é recorrível nos termos do art. 630º, nº 2, in fine, do CPC.

5. Nos exatos termos do que vem de ser exposto, podem ver-se, por exemplo, os seguintes registos jurisprudenciais (sublinhados nossos):

a. “3.- Do n.° 2 do art. 630 CPC extrai-se a seguinte regra: todas as decisões judiciais relativas (…) às regras gerais da nulidade dos actos processuais admitem recurso quando contendam quer com os princípios da igualdade ou do contraditório, quer com a aquisição processual de factos, quer com a admissibilidade de meios probatórios” – Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.10.2014, proc. nº 507/10.1T2AVR-C.C1

b. “A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que tal omissão seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre os factos e respetivo enquadramento jurídico” – Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, proc. nº 533/04.0TMBRG-K.G1;

c. “I - Não há que confundir ‘nulidades da sentença’ com ‘nulidades processuais’. II - Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no n. 1 do art. 668º [3] do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 668º, n. 3, 716º e 721º n.3 do mesmo diploma. III - Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 193º e ss e 201º [4] e ss do mesmo corpo normativo” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.09.2002, proc. nº 02B2281.

d. “i) Proferida decisão-surpresa, com violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no art. 3º, nº 3, do NCPC, incorre-se numa nulidade processual, nos termos do art. 195º, nº 1, do mesmo diploma, e não numa nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, do art. 615º, nº 1, c), do referido código; ii) Uma coisa é a nulidade processual, por ex. a omissão de um acto que a lei prescreva, relacionada com um acto de sequência processual, e por isso um vício atinente à sua existência, outra bem diferente é uma nulidade da sentença ou despacho, e por isso um vício do conteúdo do acto, por ex. a omissão de pronúncia, um vício referente aos limites; tão pouco se confundindo adita nulidade com um erro de julgamento, que se caracteriza por um erro de conteúdo; iii) “Das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, pelo que o recorrente devia ter arguido a respetiva nulidade perante o juiz da causa, e não interpor recurso, invocando aquela nulidade da sentença, já que não é invocável o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, o qual só ocorre quanto ao objecto da decisão, nem o trânsito em julgado se dando enquanto a arguição estiver pendente, para se dever entender que o juiz deixa de poder conhecer da nulidade oportunamente arguida; e se a nulidade vier a ser declarada, a sentença deixa de poder subsistir (art. 195º, nº 2, 1ª parte do NCPC); iv) Quando um despacho judicial se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades processuais para seguir o regime do erro de julgamento, por a infração praticada passar a ser coberta pela decisão proferida” – Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 03.05.2021, proc. nº 1250/20.9T8VIS.C1;

e. “IV - E cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibida decisão-surpresa (a solução efetivamente dada a uma questão que, embora previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever – nº3, do art. 3º, do CPC), o caso, pois que se trata de decisão de questão, oficiosamente suscitada, fundada em prova, para tanto, determinada pelo juiz, sem, sequer, disso ter sido dado conhecimento às partes. V - A inobservância do contraditório constitui uma omissão grave, representando uma nulidade processual sempre que seja suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, sendo nula a decisão (surpresa) quando à parte não foi dada possibilidade de se pronunciar sobre factos e respetivo enquadramento jurídico (designadamente seu alcance e efeitos)” – Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proc. nº 2358/19.9T8VLG.P1, de 07.06.2021;

f. “I – Não há que confundir ‘nulidades da sentença’ com ‘nulidades processuais’. II – Aquelas só ocorrerão, como causa invalidante típica, nas diversas hipóteses taxativamente contempladas no nº 1 do art. 615º do CPC, possuindo um regime próprio de arguição plasmado nos arts. 615º/3, 666º e 671º/3 do mesmo diploma. III – Já quanto às nulidades processuais propriamente ditas e respectivos regimes, efeitos e prazos de arguição, encontram-se as mesmas elencadas e reguladas nos arts. 186º e ss. e 195º e ss. do mesmo corpo normativo. IV – O regime de arguição das nulidades processuais principais, típicas ou nominadas vem contemplado nos arts. 186º a 194º e 196º a 198º do CPC, sendo que as nulidades secundárias, atípicas ou inominadas –, genericamente contempladas no nº 1 do art. 195º –, só produzem nulidade quanto a lei expressamente o declare ou quando a irregularidade possa influir no exame e discussão da causa, possuindo o respectivo regime de arguição regulado pelo art. 199º do mesmo diploma” – Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27.09.2018, proc. nº 6267/16.5T8GMR-B.G1.

6. Por outro lado, importa também relembrar que, constituindo a nulidade invocada (decisão- surpresa) uma nulidade processual, a mesma não integrou, naturalmente, o objeto do recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020.

Conforme resulta expressamente do regime de arguição das nulidades processuais, designadamente do art. 199º do CPC, as mesmas têm de ser arguidas perante o Tribunal em que foram cometidas, in casu, o Tribunal a quo, apenas podendo ser arguidas perante o Tribunal de recurso na situação do art. 199º, nº 3, do CPC.

Na situação que nos ocupa, respeitando o referido regime legal, os Expropriados arguiram a nulidade processual por decisão surpresa nos 10 dias subsequentes à notificação do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 05.11.2020, e não nas Alegações de recurso de 14.12.2020 interposto do mesmo Acórdão, sob pena de, por decurso do prazo legal, a mesma se considerar sanada.

Neste sentido, por exemplo, a seguinte jurisprudência:

a. “VI - Cabem no âmbito das decisões-surpresa aquelas que, embora, juridicamente, possíveis, não foram peticionadas, e que as partes não tinham o dever de prognosticar, antes estabelecem uma relação colateral com o pedido formulado para a concreta decisão da causa. VII - É intempestiva a arguição da nulidade processual decorrente da inobservância do princípio do contraditório antes da prolação da sentença, considerada como decisão-surpresa, que apenas foi deduzida, nas alegações da apelação, que tiveram lugar muito para além d prazo de dez dias sobre a data daquela sentença” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 01.02.2011, proc. n.º 6845/07.3TBMTS.P1.S1;

b. “2 – É de considerar decisão-surpresa a contida no despacho do Juiz, sem prévio exercício do contraditório, sobre a incompetência do tribunal comum para conhecer do litígio, proferida ao cabo de mais de oito anos, em vez da aguardada decisão de mérito – findo que já estava o julgamento – sem que qualquer das partes tal excepção alguma vez tivesse suscitado. 3 – Está tal decisão ferida de nulidade, face à grave omissão praticada pelo Juiz, devendo, contudo, a mesma ser arguida no prazo de dez dias após o seu conhecimento. 4 – Passado esse prazo e só sendo tal nulidade arguida nas alegações do recurso interposto, está a mesma sanada” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.05.2009 (processo n.º 09B0677);

Síntese conclusiva:

a. A decisão sub judice equivocou-se ao invocar e aplicar o regime das nulidades das Sentenças previsto no art. 615º do CPC e o regime da sua invocação e processamento, estabelecidos nos arts. 615º, 617º e 671º do CPC, para concluir, face aos mesmos, que este recurso não é admissível.

b. O que importa reter como é essencial é que o Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 de que se pretende interpor recurso decidiu efetivamente (para além de um pedido de reforma) uma nulidade processual (decisão surpresa) que foi invocada pelos Expropriados/Requerentes em 24.11.2020. E é da decisão aí proferida sobre essa nulidade processual que vem interposto o recurso.

c. Por ser assim (recurso de Acórdão que decidiu uma nulidade processual invocada), a Decisão Singular reclamada não poderia ter aplicado o regime recursivo que aplicou (o art. 671º, nº 1, do CPC ou os arts. 615º, nº 4, e 617º, nºs. 1 e 6, do CPC, também aí invocados), mas sim o regime recursivo que foi expressamente invocado pelos Expropriados/Recorrentes nas suas Alegações de recurso de 20.09.2021: o regime do art. 630º, nº 2, in fine, do CPC, de onde expressamente resulta a admissibilidade do recurso que se interpôs.

d. Deste modo, atendendo ao objeto do recurso interposto em 20.09.2021 do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 (decisão sobre nulidade processual – decisão surpresa) e ao regime recursivo invocado e aplicável (art. 630º, nº 2, in fine, do CPC), não pode subsistir qualquer dúvida da admissibilidade do recurso interposto.

e. O objeto do nosso Recurso do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021 (não admitido no Despacho de 26.11.2021, cuja reclamação foi indeferida na Decisão sub judice), só tem como objeto a decisão proferida nesse Acórdão sobre a nulidade processual de decisão surpresa que havia sido invocada, não abrangendo, nem faria sentido abranger, a pronúncia/decisão do Tribunal recorrido quanto às nulidades do art. 615º, nº 1, do CPC ou o pedido de reforma invocadas nas Alegações de recurso de 14.12.2020.

Nestes termos,

Deve a presente Reclamação ser julgada procedente e admitido o recurso interposto pelos Expropriados do Acórdão do Tribunal da Relação ... de 15.07.2021.

22. A Recorrida Brisa – Concessão Rodoviária, SA. não respondeu.

II. — FUNDAMENTAÇÃO

23. O art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil dispõe que “[c]abe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”.

24. O teor do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é claro no sentido de que entre os requisitos de admissibilidade do recurso de revista estão requisitos relativos ao conteúdo da decisão impugnada — “o cabimento do recurso de revista afere-se designadaamente pelo conteúdo do acórdão do Tribunal da Relação de que se recorre” [5].

25. Ora o acórdão de conferência que indefere uma reclamação e/ou um requerimento de reforma do acórdão recorrido não preenche os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

26. Em primeiro lugar, o acórdão em causa não é um acórdão proferido sobre decisão da 1.ª instância e, em segundo lugar, não é um acórdão que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus.

27. O argumento deduzido do art. 671.º, n.º 1, é reforçado por argumentos deduzidos dos arts. 615.º, n.º 4, e 617.º, n.ºs 1 e 6, do Código de Processo Civil:

Artigo 615.º: 4. — As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.

Artigo 617.º: 1 — Se a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento.
6. — Arguida perante o juiz que proferiu a sentença alguma nulidade, nos termos da primeira parte do n.º  4 do artigo 615.º, ou deduzido pedido de reforma da sentença, por dela não caber recurso ordinário, o juiz profere decisão definitiva sobre a questão suscitada; porém, no caso a que se refere o n.o 2 do artigo anterior, a parte prejudicada com a alteração da decisão pode recorrer, mesmo que a causa esteja compreendida na alçada do tribunal, não suspendendo o recurso a exequibilidade da sentença.

28. O argumento deduzido da circunstância de o acórdão de conferência não preencher os requisitos do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é confirmado pela constatação do facto de que o incidente de reforma só pode ser suscitado em requerimento autónomo em relação a decisões de que não haja recurso — art. 616.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — e pela constatação do facto de que a decisão do tribunal sobre a arguição de nulidades e sobre o incidente de reforma é definitiva — cf. art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.

29. Como foi decidido pelo Exmo. Senhor Conselheiro Oliveira Abreu em despacho proferido em 11 de Outubro de 2019, no processo n.º 4901/17.9T8OER.L1.S1, “… impõe-se que tenhamos em atenção que, deduzido pedido de reforma perante o Tribunal que proferiu a decisão, por dela não caber recurso ordinário, o Tribunal profere decisão definitiva sobre a questão suscitada — art. 617.º, n.º 6, do Código de Processo Civil”. “Assim sendo, não temos como deixar de reconhecer que estando em causa o conhecimento da reforma do acórdão reformando, a decisão proferida sobre a reclamada reforma, quando indeferida, como foi o caso, é insusceptível de recurso, nos termos enunciados, decorrente do art. 617.º, n.º 6, do Código Processo Civil”.

30. O raciocínio desenvolvido a propósito do objecto do recurso — do conteúdo da decisão impugnada — é reforçado pela disposição sobre os fundamentos do recurso do art. 674.º do Código de Processo Civil.

31. O art. 674.º, n.º 1, do Código de Processo Civil enumera os fundamentos do recurso de revista, dizendo que “a revista pode ter por fundamento:


a) A violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º”

32. Os Recorrentes pretendem agora que o recurso seja admitido por ter como fundamento uma nulidade processual, “nos termos do art. 195º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.


33. O silêncio do art. 674.º, n.º 1, sobre as nulidades processuais é um silêncio eloquente — significa que a nulidade processual, designadamente a nulidade processual decorrente da inobservância do art. 3.º, n.º 3, deverá ter como consequência a nulidade da decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 2, alínea d) [6], e só deverá ser fundamento do recurso de revista nos termos do art. 674.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.


34. Como diz Miguel Teixeira de Sousa,

“Se o juiz conhecer de uma matéria de facto ou de direito alegada por uma das partes sem previamente ter sido concedida à parte contrária a possibilidade de exercer o contraditório, a decisão é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o juiz decide essa questão de facto ou de direito quando não estão reunidas as condições para se poder pronunciar sobre ela”  [7]

“A violação da proibição da decisão-surpresa implica um vício da própria decisão-surpresa. A decisão-surpresa é, em si mesma, um vício processual que nada tem a ver com a tramitação processual e, por isso, com as nulidades processuais. A decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.o, n.o 1, al. d), 666.º, n.º 1, e 685.º), porque o tribunal conhece de matéria que, nas condições em que o fez, não podia conhecer […]” [8].

35. Ora, de acordo com uma jurisprudência constante, a arguição de nulidades do acórdão recorrido não poderá ser fundamento autónomo de recurso de revista [9].

36. Como diz, p. ex., n acórdão do STJ de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —, “a arguição de nulidades do acórdão da Relação ou o erro na apreciação da prova, não implicam, por si só, a admissibilidade do recurso de revista; podem é constituir fundamentos deste, como se alcança do art. 674.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se for admissível, o que é bem diferente”.

37. Em consequência, a alegada nulidade processual, por violação do art. 3.º, n.º 3, nunca seria só por si suficiente para a admissão do recurso, superando os requisitos de conteúdo do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


38. Em diferentes palavras, ainda que insistindo em igual pensamento — a alegada nulidade processual, por omissão de pronúncia, nunca poderia convolar um acórdão de conferência que não conhece do mérito da causa num acórdão que conheça do mérito da causa, no sentido do art. 671.º, n.º 1, ou um acórdão de conferência que não põe termo ao processo num acórdão que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou alguns dos réus, no sentido do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.


III. — DECISÃO


Face ao exposto, indefere-se a presente reclamação e confirma-se a decisão singular reclamada.
           
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.



Lisboa, 31 de Março de 2022


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

José Maria Ferreira Lopes

Manuel Pires Capelo

_______

[1] Em 14 de Fevereiro de 2022, depois de ter sido proferida a decisão singular em que se indeferiu a reclamção e se confirmou o despacho reclamado, os Reclamantes apresentaram requerimento com o seguinte teor:

DD e Outros, Expropriados/Recorrentes no processo acima identificado, notificados do Despacho de 24.01.2022 do Tribunal da Relação …, no qual se identificam as peças processuais que deverão instruir a Reclamação deduzida pelos mesmos, vem, nos termos do art. 7º do CPC (princípio da cooperação), dizer e requerer o seguinte:

1. A Reclamação em causa tem como objeto o Despacho de 26.11.2021 que não admitiu o recurso interposto pelos Expropriados do Acórdão do Tribunal da Relação …. de 15.07.2021.

2. Esse recurso dos Expropriados, não admitido no Despacho reclamado, tem como objeto a decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação…de 15.07.2021 sobre a nulidade processual por decisão surpresa, arguida pelos Expropriados no seu Requerimento de 24.11.2020.

3. Deste modo, para uma boa decisão desta Reclamação é essencial que a mesma seja instruída também com o referido Requerimento dos Expropriados de 24.11.2020, onde foi arguida a nulidade processual cujo indeferimento no referido Acórdão recorrido constitui objeto do recurso não admitido.

4. Entretanto, antes do termo do prazo de análise do Despacho sub judice, o Apenso referente à Reclamação em causa foi distribuído neste Venerando Supremo Tribunal, sem que os Recorrentes pudessem requerer a instrução da mesma também com o referido Requerimento de 24.11.2020.

5. Assim, porque se afigura essencial para uma correta compreensão do objeto da Reclamação que aqui se discute e considerando que os autos principais foram também distribuídos a esta Secção, requer-se a este Venerando Tribunal que se digne instruir a presente Reclamação também com o referido Requerimento dos Expropriados de 24.11.2020 (além das peças processuais que vêm identificadas no Despacho sub judice).

Considerando que o requerimento só foi recebido depois de proferida a decisão singular sobre a reclamação interposta ao abrigo do art. 643.º do Código de Processo Civil; que o despacho reclamado não admitiu o recurso por a decisão impugnada não preencher os requisitos de conteúdo do art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e o requerimento de reforma de 24 de Novembro de 2021 não alterar, em nada, o conteúdo da decisão impugnada; e que, de qualquer forma, as conclusões do requerimento de reforma de 24 de Novembro de 2021 foram reproduzidas no acórdão recorrido e naa decisão singular reclamada, entende-se que não há razão para apreciar e decidir agora o requerimento apresentado em 14 de Fevereiro de 2022.

[2] Neste sentido, por exemplo, o Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2011, proc. nº 984/2002.L1.S1, apesar de também ser ponderável o regime dos arts. 641º, nº 6, e 643º do CPC. Aderindo também a este regime processual, os Acórdãos do STJ de 07.10.2021 (Proc. nº 1.138/13.0TBSLV.E1.S1) e de 07.09.2020 (Proc. nº 376/13.0TBRMR-F.E1.S1).

[3] Atualmente art. 615º do CPC, nulidades de sentença.

[4] Atualmente arts. 195º e ss. do CPC, regras gerais sobre as nulidades processuais.

[5] Luís Espírito Santo, Recursos civis. O regime recursório português: fundamentos, regime e actividade judiciária, CEDIS — Centro de I & D sobre Direito e Sociedade / Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2020, pág. 277.

[6] Cf. designadamente Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º (págs. 3-5)— in: WWW: <https://drive.google.com/file/d/10e9sm4d1csJFwN8cjXomoVzOMFcTpE9u/view >; Miguel Teixeira de Sousa, “Jurisprudência (105) — Proibição de decisões-surpresa; nulidade da decisão-surpresa” (23 de Março de 2015), in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2015/03/jurisprudencia-105.html >; “Jurisprudência (237) — Deserção da instância; decisão-surpresa; nulidade da decisão” (26 de Novembro de 2015)”, in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2015/11/jurisprudencia-237.html >; “Jurisprudência (814) — Agente de execução; decisão-surpresa; nulidade da decisão” (19 de Março de 2018), in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2018/03/jurisprudencia-814.html >;  “Jurisprudência 2018 (188) — Decisão-surpresa; omissão do dever de cooperação” (4 de Março de 2019), in: WWW: < https://blogippc.blogspot.com/2019/03/jurisprudencia-2018-188.html >; ou António dos Santos Abrantes Geraldes, anotações aos art. 627.º e 674.º, in: Recursos no novo Código de Processo Civil, 5.ª`ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 23-36 (esp, nas págs. 26-30) e 396-412 (esp. na pág. 404).

[7] Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 4.

[8] Miguel Teixeira de Sousa, anotação ao art. 3.º, in: CPC online — art. 1.º a 58.º, cit., pág. 5.

[9] Cf. designadamente acórdãos do STJ de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º 414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 — e de 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1.