Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
305/11.5TBCHV.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
EXCEÇÃO DILATÓRIA
LEGITIMIDADE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação:
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO E DA AUDIÊNCIA PRÉVIA / RECURSOS.
Doutrina:
-Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017- 4ª edição, Almedina, pág. 189.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 644.º, NºS 1 E 3, 595.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 644.º, N.ºS 1 E 4.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



- DE 21-10-1993, IN CJ STJ, ANO I, TOMO III, PÁG. 84;
- DE 12-1-1995, IN CJ STJ, ANO I, TOMO I, PÁG. 19.
Sumário :
De acordo com o disposto no artigo 644º, nºs 1 e 3 do CPC, não há recurso autónomo da decisão que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade, pelo que a parte inconformada com esta decisão só pode apresentar a respetiva impugnação no recurso que venha a ser interposto de algumas das decisões previstas no n.º 1 do citado art. 644º, ou, se não houver recurso da decisão final, em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte, nos termos do nº4 daquele mesmo artigo.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório


1. AA e BB deduziram ação declarativa contra “CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Lda.” e contra todos os demais condóminos do prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “Edifício DD” sito na Rua do …, freguesia de …, C…, pedindo:

- a condenação solidária dos réus na realização de obras em zonas que identificam, a suportar por todos os condóminos, por respeitarem a zonas comuns do prédio, sendo da incumbência da 1.ª ré o processo de condução de obras de reparação, através de empresa contratada para o efeito.

- a condenação da 1.ª ré, após a realização de obras no telhado e terraço, a reparar as frações das autoras ou, em alternativa, a pagar à 1.ª autora, a quantia de € 14.145,00 e à 2.ª autora, a quantia de € 3.075.00 ou, ainda em alternativa e se assim não se entender, serem todos os réus condenados na realização dessas obras ou indemnizações.


2. Contestaram os réus EE e mulher, excecionando a sua ilegitimidade passiva, por já não serem proprietários de qualquer fração no prédio em causa, e alegando desconhecimento dos factos.


3. Após duas habilitações de herdeiros, contestaram os demais réus, excecionando a sua ilegitimidade e apresentando outra versão dos factos.


4. As autoras replicaram.


5. Findos os articulados e após fixação do valor em €17.220,00, foi proferido despacho saneador, datado de 17.10. 2016, que julgou procedente a exceção de ilegitimidade passiva de todos os réus demandados, à exceção da ré “CC – Limpezas Gerais e Administração de Condomínio, Lda.”, declarando apenas esta entidade parte legítima e absolvendo os demais réus da instância.

Seguiu-se a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.


6. Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença, que:

a) Julgou verificada a excepção dilatória inominada de autoridade do caso julgado em relação à autora BB e em relação aos estragos existentes na fracção “Z” da autora AA, à excepção dos ocorridos na suite, absolvendo, naquela parte, a ré da instância.

b) Julgou parcialmente procedente o pedido correspondente aos danos ocorridos na suite da fracção “Z” da autora AA, condenando a ré «CC» ao pagamento de 1.750,00 € (mil setecentos e cinquenta euros) acrescida de IVA e dos juros civis à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

c) Absolveu a ré do demais peticionado.


7. Discordando desta sentença, dela apelaram as autoras para o Tribunal da Relação de Guimarães, tendo a ré interposto também recurso subordinado.


8. Por acórdão proferido em 9 de novembro de 2017, o Tribunal da Relação de …, decidiu:

- Julgar procedente o recurso subordinado, revogando a sentença recorrida e julgando a ré “CC – Limpezas Gerais e Administração do Condomínios, Lda.”, parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância.

- Ficar prejudicado o conhecimento do recurso independente.


9. Inconformados com este acórdão, as autoras dele interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

«I. Se as partes invocaram a excepção de ilegitimidade na sua Contestação, o Juiz deve, obrigatoriamente tomar uma posição sobre ela no Despacho Saneador.

II. Decidindo o Juiz no Despacho Saneador, expressa e concretamente e não de forma tabelar e genérica, sobre as excepções de ilegitimidade questionadas na Contestação, essa decisão, não tendo havido recurso, constitui caso julgado formal no processo quanto às questões apreciadas.

III. Tendo a questão sido suscitada na Contestação e sobre ela recaído uma decisão com duas páginas, pormenorizada e concreta onde verificou os pressupostos, terminando com a decisão de julgar uma parte ilegítima, absolvendo-a da instância, e outra parte legitima, com ela  prosseguindo a ação para julgamento, não se está perante um despacho saneador genérico e tabelar.

IV. Destarte, tal Despacho Saneador produzirá efeitos de caso julgado formal, obstando a que os aludidos pressupostos e nulidades processuais possam voltar a ser apreciados, por ter havido concreta apreciação da questão.

V. E de toda a relevância jurídica para uma correcta e concreta aplicação do direito, que a Jurisprudência uniformize o entendimento que considere um Despacho Saneador irrecorrível aquele em que a questão de legitimidade é apreciada e decidida concretamente, em resposta às excepções levantadas da ilegitimidade por um Réu, sem que a decisão tenha sido objecto de Recurso, não podendo tal questão ser novamente suscitada em Recurso, já que há entendimento dispare nos Tribunais da Relação.

Termos em que deve o Acórdão da Relação de … que, em violação do caso julgado, apreciou novamente a questão de legitimidade já apreciada concretamente nos autos, ser revogado e substituído por outro que o anule integralmente e mande apreciar o Recurso independente e principal conforme for de direito, por deficiente interpretação e aplicação do disposto nos artigos 595 n° 1 al. a) e n° 3, 595 n° 1 al. a) e n° 3, 1a parte, 620 e 644 n° 1 al. b) todos do C.P.C., com o que se fará a sempre esperada JUSTIÇA».


10. A ré CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª, contra alegou, concluindo nos seguintes termos:

«A - As recorrentes interpõem recurso de revista para o STJ do acórdão da Relação que julgou ilegítima a recorrida CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª, com um duplo fundamento, segundo aquilo que alegam:

- revista excepcional por entenderem estar em causa uma questão de grande relevância jurídica e o acórdão recorrido estar em contradição com outros acórdãos (art. 672º, nº 1, als. a e c) C. Pr. Civil;

- revista normal ainda com base na tal contradição de acórdãos (art. 629º, nº 2, al. d) C. Pr. Civil.

B - Desde logo falece à admissibilidade da revista excepcional a concorrência dos pressupostos gerais de admissibilidade da revista normal e, concretamente, que o valor da causa seja superior à alçada do tribunal de que se recorre, requisito esse enunciado no art. 629º, nº 1 C. Pr. Civil.

C - Mas para além de não concorrerem os requisitos gerais de admissibilidade desta revista, tão pouco os pressupostos específicos se vislumbram por falta de alegação nesse sentido por parte das recorrentes.

D - Acresce que a questão em análise não é, actualmente, nem complexa nem passível de interpretações divergentes porquanto é jurisprudência firme e mesmo uniforme dos nossos tribunais superiores que a decisão de fundo proferida no saneador a decidir da excepção da legitimidade das partes, logo que transitada, constitui caso julgado formal relativamente a essa concreta questão apreciada.

E - Depois, no acórdão recorrido é apenas apreciada a decisão da 1ª instância, na sequência do recurso interposto, sobre a legitimidade ou ilegitimidade processual da recorrida, sem que aí tenha sido objecto de apreciação a questão de saber se a decisão tabelar e/ou a concretamente apreciada constituem ou não caso julgado.

F - Pelo que a invocada contradição de acórdãos não existe na situação vertente.

G - Por outro lado, o disposto na 2ª parte da al. d) do nº 2 do art. 629º C. Pr. Civil também não permite a admissibilidade deste recurso como revista normal porquanto o fundamento de tal admissibilidade se reporta aqueles casos em que o recurso ordinário fosse admissível em função da alçada ou da sucumbência, se não existisse motivo a estas estranho e aqui não ocorre a tal inadmissibilidade de recurso por motivo alheio à alçada do tribunal.

H - Mas não obstante o alegado pelas recorrentes, o que elas verdadeiramente invocam como fundamento deste recurso de revista é a violação do caso julgado, ou seja, que a decisão proferida em 1ª instância não foi atacada tempestivamente e, por isso, transitou em julgado o aí sentenciado.

I - Diga-se, porém, que a decisão proferida no saneador sobre a questão da legitimidade foi tempestivamente atacada, não logo nesse momento, porque tal decisão interlocutória, conforme se dispõe no nº 3, com referência aos nºs 1 e 2, do art. 644º C. Pr. Civil, não é passível de recurso autónomo, mas posteriormente juntamente com o recurso interposto da decisão final, momento processual para o fazer, contrariamente ao que acontecia na versão do C. Pr. Civil anterior a 2008 em que tinha de ser logo atacada através do competente recurso de agravo.

J - E assim, sobre essa decisão interlocutória não se formou caso julgado por ter sido impugnada tempestivamente.

Termos em que se está perante uma situação clara de inadmissibilidade de recurso de revista, normal ou excepcional, com base em qualquer um dos fundamentos invocados pelas recorrentes ou em qualquer outro, devendo consequentemente o mesmo ser rejeitado».


11. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.        



*



II – Quanto à questão prévia suscitada pela Recorrida relativamente à admissibilidade da revista normal e excecional.


Argui a ré/recorrida a inadmissibilidade do recurso de revista normal e excecional por o valor da causa, fixado em € 17.220,00, ser inferior à alçada do Tribunal da Relação, faltando, desde logo, um dos pressupostos gerais de admissibilidade destes recursos, nos termos do disposto no art. 629º, nº1 do CPC.

E, por outro lado, não estarem preenchidos os pressupostos específicos da revista excecional estabelecidos no art. 672º, nº 1, als. a) e c) CPC,  quer por falta de alegação nesse sentido por parte das recorrentes, quer por a questão em análise não ser, atualmente, nem complexa nem passível de interpretações divergentes, quer por inexistir a alegada contradição  entre o acórdão recorrido e o acórdão  que indicam como sendo o acórdão fundamento,  não estando, também por isso, verificados os pressupostos de admissibilidade da revista normal enunciados no art. 629º, nº 2, al. d) do CPC .



*


A este respeito, importa, desde logo, esclarecer que ao presente processo é aplicável o regime recursório do CPC na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, por força do disposto no respetivo artigo 5.º, n.º 1.

Assim, de harmonia com o disposto no art. 629º, nº 1 deste diploma, são dois os requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista previsto no art. 671º deste mesmo código:

a) que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre;

b) que a decisão impugnada seja desfavorável  para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.

Para efeitos de admissibilidade de recurso, em razão do valor da causa, o valor da ação a atender, no caso dos autos, é o de € 17.220,00, pelo que, sendo este valor inferior ao valor da alçada do Tribunal da Relação (que é de € 30.000,00), manifesto se torna, face ao disposto nos arts. 629º, nº 1 e 671º, nº 1, ambos do NCPC, não se verificar um dos pressupostos gerais de admissibilidade do recurso de revista.

Por outro lado, estando a revista excecional prevista para situações de dupla conforme nos termos em que esta é definida pelo nº 3 do art. 671º do CPP, ou seja, quando a Relação confirma a decisão de 1ª instância, sem qualquer voto de vencido e sem fundamentação substancialmente diferente, fácil se torna concluir que, tendo o acórdão recorrido, contrariamente ao decidido no despacho saneador, julgado procedente a exceção de ilegitimidade da ré/recorrida, no caso dos  autos não estamos perante uma situação de dupla conforme, o que tanto basta para determinar a inadmissibilidade do recurso de revista excecional.

Todavia e porque, tal como reconhece a ré/recorrida, na alínea H) das conclusões das suas contra alegações, o que as autoras verdadeiramente invocam como fundamento deste recurso de revista é a violação do caso julgado, dúvidas não restam que a revista se mostra admissível nos termos do disposto no art. 629º, nº 2, al. a) e nº3, 1ª parte do CPC.



***



III - Delimitação do objecto do recurso


Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].


Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se a decisão que, no despacho saneador, julgou improcedente a exceção de legitimidade da ré CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª, constitui caso julgado obstativo do conhecimento desta mesma exceção pelo Tribunal da Relação.



***



IV - Fundamentação


4.1. Com interesse para a decisão desta questão, resulta dos elementos constantes dos autos que:


1º- Contestando a presente ação, invocou a ré “CC – Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª.”, para além do mais, a exceção dilatória da sua ilegitimidade, sustentando, em síntese, que, sendo «administradora do prédio em regime de propriedade horizontal onde se situam as fracções das demandantes, apenas e tão só nessa qualidade poderia ser demandada em vista das pretensões por estas expressas e  nunca fora dessa posição jurídica de administradora do condomínio, porque (…) nenhum facto é relatado que a coloque como sujeito da relação jurídica tal como configuradas pelas autoras».    

Daí que, manifestando «as autoras a pretensão de serem ressarcidas dos danos que dizem ter sofrido nas suas fracções e decorrentes de infiltrações de águas através das partes comuns do edifício, a ação teria necessariamente que ser intentada apenas contra o administrador do condomínio, e não contra a sociedade CC e as pessoas físicas que foram demandadas», carendo, por isso de legitimidade para a ação (cfr. artigos 5º, 6º a 13º e 47º e 48 da contestação).


2º- Apreciando e conhecendo desta exceção, no despacho saneador, foi proferida a seguinte decisão:

Da «matéria alegada pelas autoras, contata-se que a mesma afirma que os danos que suportam as suas fracções decorrem de infiltrações derivadas das partes comuns do edifício, sendo a ré “CC, Ldª” a administradora do mencionado condomínio; logo, a entidade responsável para proceder a essa reparação.

Ao longo de todo o articulado não é imputado qualquer facto ou comportamento a cada um dos condóminos que possa ser gerador de qualquer responsabilidade individual.

A simples alegação de que são os demais réus condóminos e que se o condomínio não for responsabilizado a responsabilidade incidirá sobre cada um deles na proporção da sua permilagem não basta para que encabecem a relação material controvertida.

A não se entender assim, estariam a ser duplamente demandadas na qualidade de condóminos: uma vez representados pela entidade administradora do condomínio e uma outra na própria qualidade de condóminos.

Assim, em face do exposto, julgo verificada a excepção de ilegitimidade passiva de todos os réus demandados à excepção da ré “CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínio, Ldª”, declarando apenas esta entidade parte legítima para a presente lide, absolvendo-se os demais da instância».

 

3º- Foi proferida sentença, que:

a) Julgou verificada a exceção dilatória inominada de autoridade do caso julgado em relação à autora BB e em relação aos estragos existentes na fracção “Z” da autora Isaura, à exceção dos ocorridos na suite, pelo que, absolveu parcialmente a ré da instância.

b) Julgou parcialmente procedente por provada o pedido correspondente aos danos corridos na suite da fracção “Z” da autora AA, condenando a ré «CC» ao pagamento de 1.750,00 € (mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de IVA e dos juros civis à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

c) Absolveu a ré do demais peticionado.


4. Discordando desta sentença, dela apelaram as autoras para o Tribunal da Relação de …, tendo a ré “CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínio, Ldª ” interposto também recurso subordinado, finalizado a sua alegação com as seguintes conclusões:

«A - Na sequência da excepção de ilegitimidade arguida pelos réus, com o argumento de que apenas o administrador, na sua qualidade de órgão executivo da assembleia de condóminos, devia ser demandado, só nele radicando a legitimação para agir (in casu passivamente) em nome do conjunto de condóminos e, por outro lado, porque a ré CC foi demandada enquanto sociedade e não na qualidade de administradora do condomínio, apenas foram declarados partes ilegítimas os condóminos individualmente demandados, mas já se decidiu dispor de legitimidade a ré CC por se considerar que ela foi demandada na sua veste de administradora do condomínio do Edifício DD.

B - Desde logo, esta acção é proposta contra CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Lda., e, individual e pessoalmente, contra os proprietários de cada uma das fracções de que se compõe o prédio constituído em regime de propriedade horizontal e a final é pedido, do mesmo modo, a condenação solidária de CC, qua tale, juntamente com o condomínio a efectuarem determinadas obras e a suportarem o custo da reparação dos danos que as suas fracções terão sofrido.

C - Depois, são as próprias autoras que, em sua réplica, afirmam expressamente que a Ré CC é accionada individual e pessoalmente, pois os autores lhe imputam grande negligência na sua conduta.

D - E é por isso que, em sintonia com esta posição e com o requerido na petição, a citação é feita na própria entidade empresarial CC – Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª, e não na administradora do condomínio do Edifício DD.

E - Só que a demandada CC, enquanto tal, é completamente alheia à relação jurídica configurada pelas autoras, ou seja, àquela relação jurídica que emerge do pedido e causa de pedir vertidos nos articulados da petição inicial.

F - Efectivamente, o complexo factual vertido nesse articulado não concretiza nem suporta qualquer relação jurídica estabelecida entre autoras e demandada CC capaz de fundamentar a pretensão daquelas em serem ressarcidas dos por si alegados prejuízos.

G - A sociedade CC é administradora do prédio em regime de propriedade horizontal onde se situam as fracções das demandantes e, nessa qualidade, poderia ser demandada em vista das pretensões por estas expressas, mas apenas e tão só nessa qualidade de administradora.

H - Daí que a ré CC, na qualidade em que foi demandada, careça de legitimidade passiva para a presente acção e, como tal, deva ser absolvida da instância.

I - Não obstante ter sido decidido que a ré CC foi demandada na sua veste de administradora do condomínio do Edifício DD e, como tal dispor de legitimidade, e se considerar, já na douta sentença recorrida, que o condomínio ou conjunto dos condóminos é o responsável pelo ressarcimento de determinados danos verificados na suite da fracção da autora AA, o certo é que se condenou a ré “CC” ao pagamento de 1750,00 €.

J - Mas condenado tinha que ser o condomínio ou o conjunto dos condóminos e nunca a sociedade CC, como tal e enquanto tal, como se sentenciou.

L - Há, assim, uma clara e frontal oposição, uma desarmonia lógica entre a motivação fáctico-jurídica e a decisão resultante de os fundamentos da responsabilidade pelo ressarcimento dos danos apurados inculcarem um determinado sentido decisório e ser proferida decisão diversa ao condenar entidade diferente da responsável por esses mesmos danos, o que acarreta a nulidade da sentença na conformidade do disposto no art. 615º, nº 1, al. c) C.Pr.Civil.

M - Mas para além disso, ou também por causa disso a fundamentação factual expressa na sentença não comporta a condenação de uma sociedade que em si é alheia à relação jurídica decorrente desses factos, ou, dito de outro modo, a decisão não é uma decorrência lógica da fundamentação, pelo que nunca poderia ser a sociedade demandada CC condenada na presente acção.

N - Estando factualmente assente na sentença que os danos ocasionados na suite da fracção da autora AA são decorrentes de infiltrações com origem numa parte comum do edifício e aí se reconhecendo consequentemente que, pelo ressarcimento desses mesmos danos, responsável é o condomínio ou conjunto dos condóminos, logo só o condomínio poderia ser condenado.

O - Foi assim feita incorrecta aplicação e interpretação dos princípios ínsitos nos arts. 493º, nº 1, 1424º e 1437º C.Civil e 30º, 576º e 577º C.Pr.Civil.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:

1. ser a ré CC declarada parte ilegítima, com a sua absolvição da instância;

e a não proceder esta excepção,

2. ser a douta sentença recorrida declarada nula com a decorrente absolvição da ré CC;

e a não proceder esta nulidade,

3. ser a ré CC absolvida do pedido contra si formulado e pelo qual foi condenado.

Como é de inteira Justiça».


5. Por acórdão proferido em 9 de novembro de 2017, o Tribunal da Relação de …, na parte que agora interessa analisar, considerou que:

«No recurso subordinado, a ré “CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Lda.” sustenta a sua ilegitimidade por ter sido demandada enquanto tal e não na qualidade de administradora do condomínio.

E deve dizer-se que tem razão.

Esta ação foi proposta contra a apelante e contra os proprietários de cada uma das frações que integram o prédio onde ocorreram as alegadas infiltrações e prejuízos, pedindo a condenação solidária dos réus na realização de obras em zonas que identificam, a suportar por todos os condóminos, por respeitarem a zonas comuns do prédio, bem como a condenação da 1.ª ré, após a realização de obras no telhado e terraço, a reparar as frações das autoras ou, em alternativa, a pagar à 1.ª autora, a quantia de € 14.145,00 e à 2.ª autora, a quantia de € 3.075.00 ou, ainda em alternativa e se assim não se entender, serem todos os réus condenados na realização dessas obras ou indemnizações.

No despacho saneador, os condóminos foram considerados parte ilegítima, ficando na ação, do lado passivo, apenas a apelante.

Contudo, o que se verifica, é que a sociedade “CC”, por si mesma, é parte ilegítima nesta ação, não tem qualquer interesse direto em contradizer, nenhum prejuízo lhe podendo advir da eventual procedência da ação – artigo 30.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Como bem refere a apelante, os factos vertidos na petição inicial não traduzem qualquer relação jurídica estabelecida entre as autoras e a ré CC, capaz de fundamentar a pretensão daquelas em serem ressarcidas dos por si alegados prejuízos.

Todos os interesses respeitantes às partes comuns do edifício compreendem-se no condomínio e seus respectivos órgãos de administração, sendo que o condomínio tem personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador – ou seja, tem o condomínio a susceptibilidade de ser parte em pleito judicial, nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (artigo 12.º, alínea e) do CPC)

Respeitando a relação material controvertida a partes comuns de edifício constituído em regime de propriedade horizontal, sujeito dessa relação será o condomínio resultante da propriedade horizontal, que assim é o titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade (art. 30º, nº 3 do C.P.C.).

Não tendo o condomínio personalidade jurídica, mas apenas judiciária – já citado artigo 12.º e) do CPC – falta-lhe capacidade judiciária, que é suprida através da representação judiciária do administrador – Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2.ª edição revista e atualizada, Almedina, pág. 214.

Isso mesmo decorre do artigo 1433.º, n.º 6 do Código Civil, ao estabelecer que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações, compete ao administrador e do artigo 1437.º, n.º 2, quando estabelece que o administrador pode ser demandado nas ações respeitantes às partes comuns do edifício.

Assim, não há dúvida que o administrador do condomínio é parte ilegítima para, em nome pessoal, ser demandado em juízo por condómino em questão relacionada com parte comum do prédio – Acórdão da Relação do Porto de 06/03/1997, anotado por Aragão Seia, obra citada.

Diga-se que, aceitar que a ré CC podia ser demandada em nome pessoal e não enquanto administradora do condomínio, este sim, réu, conduziria ao desfecho que acabou por se verificar nos autos, de vir a ser condenada, ela própria, no pagamento da quantia gasta por uma condómina na reparação dos prejuízos sofridos na sua fração oriundos de infiltração em zonas comuns do prédio.

Tal solução não é aceitável.

A existir um condenado, ele sempre teria que ser o condomínio, representado pelo seu administrador.

Do que fica dito, resulta a ilegitimidade passiva da ré CC, demandada em nome pessoal, o que conduz à sua absolvição da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea d) do CPC, não sendo já caso de sanação/suprimento da exceção por parte deste tribunal – artigo 6.º, n.º 2 e 590.º, n.º 2 a) do CPC – tendo em conta a fase em que o processo se encontra».


E, com base nesta argumentação, decidiu:

- Julgar procedente o recurso subordinado, revogando a sentença recorrida e julgando a ré “CC – Limpezas Gerais e Administração do Condomínios, Lda.”, parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância.

- Ficar prejudicado o conhecimento do recurso independente.



*


4.2. Perante este quadro factual, sustentam as autoras/recorrentes que, tendo a ré CC - Limpezas Gerais e Administração de Condomínios, Ldª suscitado, na sua contestação, a exceção de ilegitimidade e tendo o Tribunal de 1ª instância, no despacho saneador, apreciado de forma expressa e concreta, esta exceção, julgando-a improcedente, o acórdão recorrido não podia reapreciar a decisão da exceção de ilegitimidade dado a mesma ter transitado em julgado por falta de recurso.

Mas, em nosso entender, não lhes assiste qualquer razão.

Senão vejamos.

Dispõe o art. 595º, nº 1, al. a), do CPC, que o despacho saneador destina-se a conhecer «das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente», estabelecendo o seu nº 3 que «no caso previsto na alínea a) do nº 1, o despacho constitui, logo que transite caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas»   

Por sua vez, sob a epígrafe Apelações autónomas, estabelece o at. 644º, nº 1 do CPC que «1. Cabe recurso de apelação:

a) Da decisão, proferida em 1ª instância, que ponha termo à causa ou a procedimento cautelar ou incidente processado autonomamente;

b) Do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos.

2. Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância:

a) Da decisão que aprecie o impedimento do juiz;

b) Da decisão que aprecie a competência absoluta do tribunal;

c) Da decisão que decrete a suspensão da instância;

d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova;

e) Da decisão que condene em multa ou comine outra sanção processual;

f) Da decisão que ordene o cancelamento de qualquer registo;

g) De decisão proferida depois da decisão final;

h) Das decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil;

i) Nos demais casos especialmente previstos na lei.

3 - As restantes decisões proferidas pelo tribunal de 1.ª instância podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.

4 - Se não houver recurso da decisão final, as decisões interlocutórias que tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão podem ser impugnadas num recurso único, a interpor após o trânsito da referida decisão».

No dizer de Abrantes Geraldes[2], este artigo distingue as decisões sujeitas a recurso imediato [as previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 e no seu nº 2] daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior, ou seja, daquelas que apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso que venha a ser interposto de algumas das decisões previstas no n.º 1 (máxime da decisão final ou do despacho saneador com o conteúdo previsto na al. b) do nº1) ou, se este não existir (por não ser admissível ou por não ter sido apresentado), em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte (nº4).

Daí ter-se por certo que, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 deste art. 644º, não há recurso autónomo da decisão que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade.

Significa isto, no caso dos autos, que a ré inconformada com a improcedência da exceção dilatória de legitimidade só podia apresentar a respetiva impugnação no recurso da sentença final, ou seja, através da interposição do recurso subordinado.

Vale tudo isto por dizer que a decisão proferida no despacho saneador que apreciou e decidiu, de forma concreta, a exceção de ilegitimidade da ré/recorrida não transitou em julgado, pois dela não há recurso autónomo, nos termos do citado art. 644º, nºs 1 e 3, e que, por isso, o acórdão recorrido não estava impedido de a reapreciar em sede do recurso subordinado interposto pela mesma ré.

Sendo assim e porque as recorrentes restringem o recurso à questão da ofensa de caso julgado, que não se verifica na medida em que estava vedada à ré a possibilidade de interpor recurso autónomo de apelação daquela decisão, improcedem todas as conclusões de recurso aduzidas pelas recorrentes.



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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo das recorrentes.


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Supremo Tribunal de Justiça, 3 de maio de 2018

Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

João Luís Marques Bernardo

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respectivamente.

[2] In,  “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017- 4ª edição, Almedina, pág. 189.