Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | FERNANDES DA SILVA | ||
Descritores: | ASSÉDIO MORAL MOBBING NO TRABALHO DIREITO À INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/23/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - O assédio moral ou mobbing, abrangido no âmbito de tutela do art. 24.º, n.º 2 do Código do Trabalho de 2003 (CT/2003) – consubstanciado num comportamento indesejado do empregador e com efeitos hostis no trabalhador – é aquele que se encontra conexionado com um, ou mais, factores de discriminação, de entre os expressamente previstos no art. 23.º, n.º 1, do mesmo diploma legal e 32.º, n.º 1, do Regulamento do Código do Trabalho (RCT). II - Assim, o trabalhador que pretenda demonstrar a existência do comportamento, levado a cabo pelo empregador, susceptível de ser qualificado como mobbing ao abrigo do disposto no referido art. 24.º, n.º 2, para além de alegar esse mesmo comportamento, tem de alegar que o mesmo se funda numa atitude discriminatória alicerçada em qualquer um dos factores de discriminação, comparativamente aferido face a outro ou a todos os restantes trabalhadores, aplicando-se, nesse caso, o regime especial de repartição do ónus da prova consignado no n.º 3 do art. 23.º do CT. III - Não tendo a A. alegado factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer um dos factores característicos da discriminação, o assédio moral por parte da R., por ela invocado, tem de ser apreciado à luz das garantias consignadas no art. 18.º do CT, segundo o qual «o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral», aplicando-se o regime geral de repartição do ónus da prova estabelecido no art. 342.º do Código Civil. IV - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, com fundamento no art. 441.º, n.º 2, do CT/2003, pressupõe a afirmação da culpa da entidade empregadora e a inexigibilidade para o trabalhador da manutenção do vínculo laboral, devendo a apreciação da justa causa ser feita nos termos do art. 396.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, atentas as circunstâncias aí referidas e todas as demais que se revelem no caso pertinentes, devendo, contudo, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo ser valorado de forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem outros meios legais de reacção à violação dos deveres laborais. V - Não é de afirmar a justa causa da resolução do contrato efectuada pela A., mediante carta recepcionada pela R. em 20.07.2005, quando está demonstrado que – apesar de a superiora hierárquica da A. ter tido, perante ela, um comportamentos objectivamente violador dos deveres de respeito, urbanidade e probidade – a A. só comunicou esse comportamento à R. quando se encontrava em situação de baixa médica, mediante cartas por esta recepcionadas, respectivamente, em 04 e 14 de Julho de 2005 e, nessa na sequência, a R. procedeu à abertura de um inquérito interno para averiguar os factos relatados pela A., de que lhe deu pronto conhecimento. Era, assim, exigível à A. que aguardasse pela conclusão do aludido inquérito – o que não sucedeu – de forma a aferir da continuação, ou não, do comportamento desrespeitoso por parte da sua superiora hierárquica. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I – Relatório
1. AA, devidamente identificada, interpôs no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 23-06-2006, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra «BB, S.A.», pedindo que, uma vez considerada a licitude da resolução do contrato da A., seja a R. condenada a pagar-lhe: - € 15.000,00, a título de danos não patrimoniais; - € 16.676,25, a título de indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho; - O montante dos valores que a autora deixou de auferir desde a data da resolução do contrato, a contabilizar a final, incluindo custas e procuradoria. Alegou, para tanto, em síntese útil, que trabalhou sob as ordens, direcção e fiscalização da R. desde 12 de Novembro de 1990 até 20 de Julho de 2005, data em que a R. tomou conhecimento da resolução de contrato com justa causa, por si efectuada em 19 de Julho de 2005. Desempenhava funções na Direcção Financeira da R., como secretária, categoria que a R. não lhe reconhece, e foi objecto de perseguição pessoal realizada no seio da empresa pela sua superiora hierárquica, CC, perseguição que se traduziu em atitudes de hostilização consubstanciadas na agressividade com que lhe dirigia a palavra para lhe dar qualquer ordem ou instrução, o que levou a que entrasse em situação de baixa médica entre 26.01.98 e 02.01.00 e entre 25.11.02 e 11.04.05, com uma depressão. Esta perseguição continuou logo que se apresentou ao serviço em 12.04.05 com a sua superiora hierárquica a vigiá-la quando ia tirar fotocópias, chamando-lhe “incompetente” em frente dos outros colegas, “atrasadinha”, acusando-a de “querer babás” e dizendo “faça tudo caladinha”, sobrecarregando-a com trabalho, sendo, para além disso, constantemente ameaçada com despedimento e de que faria queixa por escrito à Direcção, o que criava na A. uma situação de insustentável pressão pessoal diária, que lhe provocava dores de estômago e de cabeça, diarreias contínuas, tonturas, desequilíbrio, perda de memória e choro descontrolado, tremores, angústia e descontrolo emocional que conduziram a que tivesse chamado por diversas vezes o marido para a ir buscar ao trabalho por não conseguir sair pelo seu próprio pé. 2. Citada, a R. contestou, por impugnação e por excepção, alegando, em resumo, que não se compreende que a A. queira chamar a esta acção procedimentos seus e de terceiros que tiveram lugar em data anterior a 26.01.98 e entre esta data e 12.01.00, ou mesmo os que tiveram lugar em data anterior ao período que decorreu entre 25.11.02 e 11.04.05, invocando a caducidade do direito de resolução do contrato relativamente aos mesmos, pois a suspensão do contrato, no caso concreto, por motivo de doença da A. de 26.01.98 a 02.01.00 e de 25.11.02 a 11.04.05, não suspende ou interrompe a caducidade da rescisão prevista no art. 442.º n.º 1 do CT. Impugnou a existência de qualquer forma continuada de “perseguição pessoal”, e a caracterização das funções efectuada pela A., pois a mesma desempenhava, até 20.07.05, as funções de escriturária de 3.ª, definindo as respectivas funções. Concluiu pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido. A A. não respondeu à contestação. 3. Discutida a causa, proferiu-se sentença, em que se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, declarando a resolução do contrato de trabalho com justa causa, condenou-se a R. no pagamento, à A., da quantia de € 14.967,63, a título de indemnização por antiguidade e de € 7.500,00 a título de danos morais. 4. Irresignada com o assim decidido, veio a R. interpor recurso de apelação, a que o Acórdão de fls. 897-916 concedeu provimento, alterando a sentença impugnada e julgando a acção totalmente improcedente, com absolvição da R. dos pedidos formulados pela A.
Não se conformando com o assim ajuizado, traz-nos a A. a presente Revista, cujas alegações remata com a formulação deste quadro conclusivo:
1 - Face a toda a prova carreada para os autos, não podia o Acórdão aqui recorrido ter concluído como concluiu, ou seja pela inexistência de justa causa para que a recorrente pudesse pôr fim ao seu contrato de trabalho. 2 - Existe uma evidente nulidade do Douto Acórdão proferido, visto que existe uma evidente oposição entre os factos provados e a decisão efectivamente proferida pelo tribunal a quo, o que determina que exista uma patente violação do artigo 668.º, n.º 1, do CPC. 3 - Por outro lado, existe uma evidente omissão de pronúncia no douto Acórdão, porque estão carreados para os autos factos abundantes que permitem inequivocamente, concluir que a recorrente foi objecto de comportamento de assédio moral, praticado directamente pela sua superiora hierárquica, que continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e destabilizador que se arrastou no tempo e determinou que a recorrente tivesse de recorrer a baixas médicas prolongadas. 4 – Existem, pois, nos Autos, factos suficientes, que integram o conceito de assédio moral, previsto no artigo 29.º do nosso Código de Trabalho. 5 - Ocorre, pois, uma evidente desconsideração desta norma legal, expressamente invocada e devidamente sustentada na decisão recorrida, por ter sido entendido que a continuidade da conduta de assédio não foi suficiente para determinar a invocação da justa causa enquanto fundamento para a recorrente se despedir. 6 - Existe, assim, uma evidente falta de fundamentação de facto e de direito, que justifique a decisão proferida pelo Tribunal de que se recorre, verificando-se que se trata com alguma desconsideração a figura do assédio moral, constante do art. 29.º do Código do Trabalho, a qual consubstancia, por si mesma, a existência de um verdadeiro acto discriminatório, que daria sempre lugar, nos termos conjugados do art. 29.º, n.º 3 e 28.º do Código do Trabalho, a atribuição de uma indemnização. 7 - Ocorre assim também, no douto Acórdão recorrido, uma evidente violação na aplicação dos aludidos normativos ao considerar que a matéria factual invocada pela recorrente para resolver o seu contrato com justa causa não é suficiente para poder integrar qualquer um daqueles normativos. Por todo o exposto, devem Vossas Excelências, em abono do princípio legal da liberdade de julgamento consagrado no artigo 655° do CPC e do principio constitucional do direito à justiça, apreciar a decisão proferida, à luz de todos os elementos de prova que estão carreados para os Autos, e concluir-se pela revogação da decisão proferida, concluindo-se pela existência de justa causa para a recorrente, pôr termo ao seu contrato de trabalho, por não lhe ser exigível suportar o prolongamento no tempo das comprovadas condutas da superiora hierárquica da recorrente. Farão assim Vossas Excelências a Justiça de revogar a decisão proferida.
A recorrida apresentou resposta, pugnando pela manutenção do acórdão impugnado. __ Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer em que propende no sentido da improcedência do recurso, posição notificada a que nenhuma das partes reagiu. __ 5. Do objecto da Revista A questão a dilucidar e resolver é a da justa causa para a resolução do contrato de trabalho levada a cabo pela A. __ Colhidos os “vistos” dos Exm.ºs Adjuntos, cumpre decidir.
II – Dos Fundamentos. A – De Facto. __ O quadro factual estabelecido não foi objecto de impugnação, nem se vislumbra justificação para fazer uso do disposto no art. 729.º/3 do CPC, razão por que a questão proposta há-de dilucidar-se e resolver-se com base nos factos assim fixados. __ B – O Direito. Tal arguição não pode ser atendida, porque extemporânea. A recorrente – como se constata pela compulsação do requerimento de fls. 922 – não observou a disciplina constante do art. 77.º/1 do CPT, que manda que a mesma seja feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, regra aplicável aos Acórdãos da Relação ex vi dos arts. 1.º, n.º 2, a) do CPT e 716.º/1 do CPC, como é reiteradamente entendido neste Supremo Tribunal. A etiologia desta exigência legal é consabida: ditam-na razões de celeridade e economia processuais, visando permitir ao Tribunal recorrido que detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento.
Sempre se dirá, não obstante, que razões, fundamentos ou argumentos são apenas elementos dialécticos, distintos, por isso, de “questões” proprio sensu, só destas estando o Tribunal obrigado a conhecer – art. 660.º/2 do CPC. Diferentes das tipificadas nulidades são também os chamados erro na valoração das provas e/ou o erro de julgamento. E, do que resulta do teor global das conclusões formuladas pela recorrente, mais do que uma pretensa nulidade, o que a mesma pretende invocar é um erro de julgamento do Acórdão recorrido ao não considerar, ante os factos provados, a existência de um comportamento consubstanciador de assédio moral da empregadora perante a recorrente, fundamentador da justa causa da resolução do contrato de trabalho que as vinculava. Essa é, no entanto, a questão a dilucidar nestes autos, o que se fará de seguida. __ 2. Da justa causa da resolução do contrato de trabalho levada a cabo pela A. Equacionada, acima, a questão que integra o objecto do recurso – que se nos apresenta aferido e delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, por via de regra – avancemos então para o seu tratamento e solução. O Acórdão sub specie revogou a sentença da 1.ª instância, que tinha concluído pela existência de justa causa fundamentadora da resolução do contrato operada pela A., entendendo que não estavam verificados todos os pressupostos legais necessários à afirmação da aludida justa causa de resolução do contrato.
A recorrente entende que existem nos Autos factos suficientes que permitem, inequivocamente, concluir que a mesma «foi objecto de assédio moral praticado directamente pela sua superiora hierárquica, que continuadamente afectou a sua dignidade, causando-lhe um ambiente intimidatório, hostil, degradante, humilhante e destabilizador que se arrastou no tempo e determinou que a recorrente tivesse de recorrer a baixas médicas prolongadas».
Mas – tudo já visto e ponderado – sem razão, podemos adiantá-lo.
Antes de mais, cumpre referir que, apesar de a recorrente fazer menção, nas suas conclusões de alegação da Revista, a preceitos legais do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro (C.T./2009), o quadro legal ao abrigo do qual tem de ser analisada a questão aqui em apreço é o constante do Código do Trabalho/2003, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, por ser o diploma em vigor à data (20.07.2005) em que ocorreu a cessação do vínculo laboral que ligava a autora à ré, e como tal aplicável, atento o disposto no seu art. 8.º, n.º 1.
Integrado na Subsecção III, sob a epígrafe “Igualdade e não discriminação”, dispõe o art. 24.º do Código do Trabalho/2003: “1 - Constitui discriminação o assédio a candidato a emprego e a trabalhador. 2 - Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador. 3 - Constitui, em especial, assédio todo o comportamento indesejado de carácter sexual, sob a forma verbal, não verbal ou física, com o objectivo ou o efeito referidos no número anterior.”
Por sua vez, o art. 23.º dispõe que: “1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical. 2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional. 3 - Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.”
O Regulamento do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho (RCT), no seu artigo 32.º, alarga os factores de discriminação e delimita os conceitos de discriminação envolvidos nesta temática: discriminação directa; discriminação indirecta; trabalho igual e de trabalho de valor igual.
Refere Júlio Gomes, ‘Direito do Trabalho’, vol. I, pág. 428, concretizando o referido conceito, que “o mobbing ou assédio moral ou, ainda, como por vezes se designa, terrorismo psicológico, parece caracterizar-se por três facetas: a prática de determinados comportamentos, a sua duração e as consequências destes”, sendo usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego.
Nos termos legalmente consagrados – de forma inovadora no C.T./2003 e resultando da transposição da Directiva n.º 76/207/CEE, de 23 de Setembro – o conceito de mobbing é amplo, traduzindo-se numa prática persecutória reiterada, contra o trabalhador, levada a efeito, por regra, pelos respectivos superiores hierárquicos ou pelo empregador, a qual tem por objectivo, ou como efeito, afectar a dignidade do visado, levando-o eventualmente ao extremo de querer abandonar o emprego (cfr. Pedro Romano Martinez, ‘Código do Trabalho’, em anotação ao art. 24.º/C.T.).
Como resulta, claramente, quer da inserção sistemática dos preceitos acima transcritos, quer da sua própria redacção, o assédio moral abrangido no âmbito de tutela do art. 24.º, n.º 2 do C.T. é aquele que se encontra conexionado com um, ou mais, factores de discriminação, de entre os expressamente previstos no art. 23.º, n.º 1 do C.T. e 32.º, n.º 1 do RCT. Ou seja, o comportamento levado a cabo pelo empregador, susceptível de ser qualificado como traduzindo mobbing, fundamenta-se numa atitude discriminatória do empregador relativamente ao referido trabalhador vítima de assédio e, necessariamente, aferido em relação aos restantes trabalhadores que prestam trabalho nas mesmas circunstâncias funcionais para a empregadora. Ou, ainda, nos dizeres do preceito, tem de se tratar de um comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no n.º 1 do art. 23.º.
Vale isto por dizer que o trabalhador que pretenda demonstrar a existência do referido comportamento do empregador, qualificável como assédio moral, ao abrigo do disposto no referido art. 24.º, n.º 2 do C.T., para além de alegar esse mesmo comportamento, tem de alegar que o mesmo se funda numa atitude discriminatória alicerçada em qualquer um dos factores de discriminação comparativamente aferido face a outro, ou a todos os restantes trabalhadores. É, aliás, o que resulta claramente da regra de distribuição do ónus da prova constante do n.º 3 do art. 23.º do C.T., que prescreve que compete a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado e, perante essa demonstração, incumbe ao empregador provar que as diferenças, no caso, de tratamento, não assentam em nenhum dos factores de discriminação indicados.
Explicita Maria do Rosário Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, Parte II, Almedina, 2.ª edição, pág. 150, quanto ao assédio, que “trata-se de um comportamento indesejado, que viola a dignidade do trabalhador ou candidato a emprego e cujo objectivo ou efeito é criar um ambiente hostil ou degradante, humilhante ou destabilizador para o trabalhador”, podendo, o comportamento de assédio ter “diversas formas: o assédio sexual e o assédio com conotação sexual, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, tem conotação sexual, podendo assumir forma verbal, gestual ou física (art. 24.º, n.º 2); o assédio moral discriminatório, em que o comportamento indesejado, e com efeitos hostis, se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (art. 24.º, n.º 1); e o assédio moral não discriminatório, quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa. Perante os termos do art. 24.º do C.T., parece difícil integrar esta última forma de assédio no âmbito da tutela conferida pelo princípio da não discriminação, apesar da sua importância e frequência prática. Contudo, crê-se que, mesmo que a tutela por esta via não seja possível, este tipo de assédio cabe no âmbito de previsão do art. 18.º do C.T., na medida em que constitui um atentado à integridade física e moral do trabalhador ou candidato a emprego”.
Também este Supremo Tribunal, quando chamado a dirimir litígios em que não se mostra invocado qualquer dos factores característicos de discriminação, tem entendido, em termos uniformes[1], que, para se concluir pela existência de mobbing legalmente enquadrável no art. 24.º do C.T., é necessário provar que esse comportamento indesejado assenta em qualquer um dos aludidos factores característicos de discriminação.
Ora, na situação aprecianda, a autora não alegou, como causa petendi, factologia susceptível de afrontar, directa ou indirectamente, o princípio da igual dignidade sócio-laboral, subjacente a qualquer dos factores característicos da discriminação, não tendo, sequer, configurado o comportamento indesejado que imputa à sua superiora hierárquica como discriminatório face àquele que essa mesma superiora hierárquica mantinha com os restantes trabalhadores sob a sua alçada.
Assim, atento o teor dos n.ºs 1 e 2 do art. 24.º, de acordo com a Jurisprudência desta Secção nesse âmbito já firmada, tal como salienta a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no parecer elaborado neste autos, o assédio moral invocado pela A. não deve ser apreciado à luz do quadro legal definido para garantir o princípio da igualdade e da não discriminação, mas sim, à luz das garantias consignadas no artigo 18.º, segundo o qual «[o] empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respectiva integridade física e moral».
E, assim sendo, não se aplica, no caso, o regime especial de repartição do ónus da prova, consignado no n.º 3 do art. 23.º, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – a alegar e demonstrar pelo pretenso lesado –, impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção.
Efectivamente, tal como se consignou no referido Acórdão de 21.04.2010, fora do domínio da protecção contra a discriminação, e no âmbito da tutela dos direitos de personalidade, não se encontra norma que estatua presunção de causalidade idêntica à que se referiu. Daí que o denunciante de uma situação de assédio moral não discriminatório deva, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil, suportar o ónus de alegar e provar todos os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral a que se refere o art. 18.º do Código do Trabalho.
Assim, cumpre agora analisar se nos autos ficaram demonstrados comportamentos do R. em relação à A. que traduzam a violação dos deveres daquele para com esta e que sejam susceptíveis de integrar o conceito de justa causa para fundamentar a resolução do contrato de trabalho levada a cabo pelo A. Ou seja, importa apreciar, se os demonstrados comportamentos do R., apreciados isoladamente e no seu conjunto, se revelam susceptíveis de ferir a integridade moral de um trabalhador de sensibilidade normal, colocado na situação da A.
É sabido que, entre outros, o empregador tem o dever de – concretamente quanto ao que aqui releva – respeitar e tratar com urbanidade e probidade o trabalhador e proporcionar-‑lhe boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral (alíneas a) e c) do art. 120.º). A A., na carta resolutiva que enviou ao R. alegou, entre outros, como fundamento para a resolução do contrato, que a sua superiora hierárquica, D. CC, tinha para consigo uma atitude persecutória, dirigindo-lhe palavras agressivas e desrespeitosas o que lhe determinou vários períodos de baixa médica.
Nos termos do disposto no artº 441.º do C.T., ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o vínculo contratual. No nº 2 deste preceito legal estão estabelecidas, a título exemplificativo, causas subjectivas de justa causa (dependentes da afirmação de culpa do empregador) e no n.º 3, causas objectivas (situações que fundamentam a resolução do contrato pelo trabalhador, independentemente da afirmação da culpa do empregador para a ocorrência das mesmas).
Seja qual for o fundamento em concreto invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato, a declaração tem de ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento desses factos, conforme estabelece, expressamente, o artº 442.º do C.T. A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento no artº 441º, nº 2 do C.T. pressupõe a afirmação da culpa da entidade empregadora e a inexigibilidade para o trabalhador da manutenção do vínculo laboral e, confirmada a justa causa, confere ao trabalhador o direito a uma indemnização, a fixar entre 15 a 45 dias da retribuição. Como determina o n.º 4 do referido art. 441.º, a apreciação da justa causa deve ser feita nos termos do art. 396.º, nº 2 do C.T., com as necessárias adaptações, sendo que este preceito legal manda atender, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se revelem pertinentes. Dessa apreciação resultará firmado o juízo sobre a inexigibilidade, ou não, relativamente ao trabalhador, da manutenção do vínculo laboral.
Neste particular, tem vindo a ser concretizado por este Supremo Tribunal[2] que não obstante as circunstâncias a apreciar para a verificação da justa causa para a resolução do contrato por parte do trabalhador serem reportadas às estabelecidas para os casos da justa causa de despedimento levado a cabo pelo empregador, o juízo de inexigibilidade da manutenção do vínculo tem de ser valorado de uma forma menos exigente relativamente à que se impõe para a cessação do vínculo pelo empregador, uma vez que este, ao contrário do trabalhador, tem ao seu dispor outros meios legais de reacção à violação dos deveres laborais.
Perante estes considerandos, volvemos, agora, ao caso concreto destes autos. Não estando em causa o cumprimento dos requisitos de natureza procedimental, cumpre verificar, no confronto com os factos concretamente dados como provados, e perante o único fundamento invocado para a resolução trazido à apreciação na revista – o alegado mobbing, que, como já se consignou acima, será apreciado no âmbito da violação do direito à integridade da A. – se é de afirmar a violação das garantias legais da A. face ao comportamento realizado pelo R. e se é de afirmar a culpa deste, de modo a concluir pela inexigibilidade da manutenção do vínculo por parte do A.
Neste particular, o acórdão recorrido, apesar de entender ser de afirmar que a superiora hierárquica da A. praticou comportamentos violadores do dever de a respeitar e tratar com urbanidade, considerou que, no momento em que a A. procedeu à resolução do contrato de trabalho, ainda a entidade empregadora não tinha tido a possibilidade de obter informações concretas sobre o apontado comportamento da aludida superiora hierárquica da A. de forma a poder adoptar as medidas que, nessa sequência, se afigurassem adequadas pelo que, tendo a entidade empregadora revelado interesse no apuramento da real situação de trabalho reportada pela A., era exigível, a esta, que aguardasse a conclusão de tais diligências da empregadora e da decisão, nesse âmbito, por ela tomada para, perante ela, poder reagir.
Atenta a factualidade provada, verifica-se que, tal como decidido no acórdão recorrido, o único período que pode ser considerado para apreciação dos factos alegados pela A. para fundamentar a resolução do contrato de trabalho é aquele que se iniciou em Abril de 2005 – uma vez que a A. esteve de baixa médica de 25 de Novembro de 2002 a 11 de Abril de 2005 e, regressada nesta última data ao trabalho, gozou férias de 13 a 28 de Abril de 2005 (cfr. factos provados sob os nºs 5, 7 e 13). – e terminou, necessariamente, em 20 de Julho de 2005 (data em que a R. recepcionou a carta de resolução enviada pela A., não obstante a A. estar de baixa médica desde 22 de Junho de 2005 (factos provados sob os n.ºs 6, 22 e 30).
Com relevância para a apreciação, encontra-se demonstrado que a A., quando regressou ao serviço, em 12.04.2005, após um longo período de baixa médica, iniciou um período de gozo de férias, e reiniciou, efectivamente, as suas funções, em 29 de Abril de 2005. Nessa altura, a R. dispunha de um sistema informático que tinha sofrido alterações, e este regresso da A. ao trabalho foi preparado pela Direcção de Recursos Humanos que apoiou a A. com preparação/formação em áreas que se encontravam alteradas, designadamente a nível informático, tendo a A., no dia 22 de Junho de 2005, recebido formação sobre as funções de “caixa geral” (factos provados sob os n.ºs 13, 17, 23).
Está, ainda, demonstrado que, com o reinício de funções da A., a sua superiora hierárquica dirigia-lhe frequentemente, a palavra de forma ríspida ou agressiva dizendo-lhe “vire-se”, “faça o pino”, “faça o que quiser” e “você é incompetente”, o que fazia mesmo em frente a outros colegas, e vigiava a A., sobrecarregava-a com tarefas e impunha-lhe prazos para a respectiva execução, tendo a A, em Junho de 2005, de fazer relatórios diários do que fazia, sendo ainda pedido à A. a realização de consulta de relatórios, arquivo de facturas e fotocópias, acompanhamento do preenchimento de cheques, elaboração de processos de facturas já pagas, aberturas das caixas de arquivo morto para as mesmas, e outras tarefas relacionadas, sendo que a aludida superiora hierárquica da A., em situações de pressão, é muito exigente e pressiona para o cumprimentos de prazos (factos provados sob os n.ºs 11, 15, 20, 34 e 35).
Está, também, demonstrado que a A., no local de trabalho, estava mais nervosa e sentia-se indisposta e, por vezes, chorava descontroladamente e, na sequência das atribuição das sobreditas tarefas para execução, a A., que não se sentia capaz para as levar a cabo, acabou por se dirigir à Direcção de Recursos Humanos referindo a dificuldade de ser “caixa geral”, tendo mesmo dito, em 22 de Junho de 2005, que “não ia conseguir”, admitindo que não se encontrava bem, tendo sido acalmada e aconselhada, pelo respectivo Director, a entrar em novo período de baixa médica, o que veio a fazer, a partir de 22.06.2005 (factos provados sob os nºs 19, 23, 27, 30, 36 e 38).
Perante este circunstancialismo resulta evidenciado, por um lado, que a A. regressou ao trabalho ainda não completamente reabilitada dos problemas ao nível da sua saúde psíquica, e, por outro lado, que a sua superiora hierárquica não teve em consideração essa sua situação, determinando-lhe a realização de várias tarefas que, como referido pela própria A., a mesma não se sentia com capacidade para realizar, tendo a aludida superiora hierárquica dirigido expressões à A., objectivamente, ofensivas da sua consideração e mesmo vexatórias, ao apodá-la, mesmo em frente dos colegas, de “incompetente”. Este comportamento é, objectivamente, violador dos sobreditos deveres de respeito, urbanidade e probidade para com o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho a nível psíquico. No entanto, este apurado comportamento está reportado à superiora hierárquica da A., também trabalhadora da R., pelo que se mostra necessário analisar se tal comportamento era do conhecimento da R., ou susceptível de por ela ser conhecido, e se, perante esse mesmo conhecimento, a R. permitiu que tal situação se prolongasse no tempo, pois a culpa na prática do acto ilícito fundamentador da justa causa de resolução do contrato, quando não aferida perante um comportamento próprio da empregadora mas de um seu outro trabalhador, com funções de chefia, tem de ser afirmada face à empregadora.
Nesse concreto caso, resulta, expressamente, da factualidade provada, que a A. só depois de 22 de Junho de 2005 – no decurso do novo período de baixa médica que lhe foi, aliás, sugerida, pelo Director de Recursos Humanos da R. – reporta à R., por carta que esta recebeu em 4 de Julho de 2005, que era discriminada, por assédio moral, por parte da sua superior hierárquica e solicitou, ainda, que lhe fosse dada formação adequada a nível informático para desenvolver cabalmente as funções de “caixa geral”, nunca tendo, antes, mencionado à R. tal circunstancialismo da sua vida pessoal, nem alegado ser o mesmo decorrência do mau ambiente de trabalho (factos provados sob os n.ºs 8 e 37). Doutro passo, a A., não alegou, nem provou, como lhe competia, que a R. fosse, por qualquer outra forma, conhecedora dessa situação ou estivesse em condições de dela conhecer. Demonstrou-se, antes, que, perante esse reporte de situação efectuado pela A., a R. respondeu-lhe, por carta datada de 6 de Julho de 2005, onde, nomeadamente, manifestou a sua disponibilidade para a enquadrar, devidamente, na equipa e nos métodos de trabalho associados e, após referenciar a situação de saúde física e psíquica da A., desejou o regresso da mesma, “em força”, e revelou-se disponível para qualquer ajuda e apoio. E, ainda, na sequência desta carta, a A. enviou nova carta à R., em 14 de Julho de 2005, a concretizar os comportamentos tidos pela sua superiora hierárquica de assédio moral, sendo que, atento o teor desta missiva, a R. abriu um processo de inquérito interno para averiguar dos factos relatados pela A., tendo, no âmbito do mesmo procedido, inclusive, à inquirição de 4 trabalhadores do referido departamento da A. sobre os aludidos factos (factos provados sob os n.ºs 8 e 9). No entanto, não obstante esta atitude da R., reveladora de interesse em indagar a real situação de trabalho da A., esta, quatro dias após – em 19 de Julho de 2005 – enviou à R. a carta a resolver o contrato de trabalho. Temos, assim, de sufragar a conclusão alcançada no acórdão recorrido, quando afirma que não estão reunidos os pressupostos para se concluir pela existência de justa causa para a resolução do contrato por parte da A. Efectivamente, como aí se consignou, constata-se que …«da parte da empresa R., das suas estruturas de Direcção sempre houve uma preocupação não só de atender às situações de debilidade psicológica manifestadas pela A., chegando mesmo a aconselhá-la a entrar em situação de baixa, como a proporcionar-lhe uma formação adequada de forma a poder integrar-se o melhor possível no exercício das suas funções no Departamento Financeiro, como ainda a lançar um processo de inquérito ante as queixas formuladas pela A., seguramente para saber o que efectivamente se passava. Não se compreende, pois, que volvidos poucos dias após o envio pela A. da aludida carta de 14 de Julho de 2005 e numa altura em que estava em curso um inquérito determinado pela R. na sequência dessa carta, aquela tenha decidido pôr termo ao contrato que a unia à R. Não estavam, pois, reunidos os pressupostos legais, anteriormente apontados, para podermos concluir haver justa causa para resolução de contrato por parte da A. no momento em que a mesma decidiu enveredar por essa solução. No mínimo, houve uma nítida precipitação por parte desta, que deveria ter aguardado pelo ultimar, em tempo razoável, do inquérito lançado pela R. na sequência da sua carta de 14 de Julho de 2005 para, então sim, extrair daí as suas ilações.».
Perante este quadro de facto, seria exigível à A. que, no mínimo, aguardasse pela conclusão do aludido inquérito determinado pela R., de forma a aferir da continuação, ou não, do comportamento desrespeitoso por parte da sua superiora hierárquica e das condições de trabalho que lhe causavam alterações na sua saúde, a nível psíquico. Tanto mais que, na data em que procedeu à referida resolução do contrato, a A. não estava, efectivamente, a desempenhar funções (por se encontrar de baixa médica), logo não sujeita ou exposta ao aludido comportamento da referida superiora hierárquica.
Não o tendo feito, e tendo-se demonstrado a disponibilidade da R. em efectuar diligências para apurar a situação de trabalho invocada pela A. para eventual resolução desses problemas, não se mostra possível afirmar a culpa da R., determinante da justa causa resolutiva.
Não procederá, por isso, o peticionado pela A. II – Nos termos expostos, delibera-se negar a Revista e manter a decisão impugnada. Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de Novembro de 2011
Fernandes da Silva (Relator) Gonçalves Rocha Sampaio Gomes _________________________ |