Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
231/09.8YFLSB
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
LIMITES DO CASO JULGADO
Apenso:
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 235
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

1. Embora a lei do trabalho brasileira (art.º 2.º, § 2.º da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.5.1943) estipule que “[s]empre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direcção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”, daí não resulta que a sentença proferida em tribunal brasileiro, condenando uma empresa a pagar ao trabalhador uma determinada quantia, a título de créditos laborais, faça caso julgado relativamente às demais empresas que integram o grupo económico a que aquela também pertencia.
2. Deste modo, a sentença brasileira devidamente revista e confirmada em Portugal não constitui título executivo bastante contra empresa (portuguesa) que não foi demandada nem condenada na acção declarativa em que aquela sentença foi proferida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção social do Supremo Tribunal de Justiça

1. Em 14.8.2007, AA instaurou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção executiva contra BB – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S. A., para dela obter o pagamento da quantia de € 124.274,02, limitando-se a alegar, em sede factual, que pretendia executar a sentença proferida no processo 2.358/96 da 28.ª Junta de Conciliação e Julgamento do Tribunal do Trabalho da 2.ª Região de São Paulo, a qual tinha sido devidamente revista e confirmada por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferida no processo n.º 1.1295/05, da 1.ª Secção e transitada em julgado em 3 de Novembro de 2006.

O requerimento executivo foi liminarmente indeferido por despacho proferido a fls. 92, cujo teor é o seguinte:
“A sentença condenatória que o exequente pretende dar à execução é a de fls. 58 a 60, a única que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 51 a 57).
Em tal sentença foram condenadas as sociedades CC Treinamento, S.A. e DD Brasil Tecnologias de Informação, Ldª.
A ora executada BB – Soc. Gestora de Participações Sociais, S.A. não foi condenada nessa sentença a pagar qualquer quantia ao exequente.
Assim, não figurando como devedora do título executivo, a executada carece de legitimidade para ser aqui demandada.
Pelo exposto, por ilegitimidade manifesta da executada, indefiro liminarmente o requerimento executivo (artigos 45º/1, 55º/1, 493º/1, 494º, al. c), 495º e 812º/2, al. b), todos do CPC).
Custas pelo exequente.”

Inconformado com o despacho de indeferimento liminar, o exequente interpôs recurso de agravo, sustentando a tese de que, face à lei brasileira, a sentença dada à execução fazia caso julgado contra a executada, apesar da mesma não ter sido demandada nem condenada na acção declarativa, por pertencer ao mesmo grupo económico das sociedades que naquela acção foram condenadas.

E, nesse sentido, alegou substancialmente o seguinte:
- a executada, conforme iremos demonstrar, na sua qualidade de sociedade gestora de participações sociais (holding) dominava integralmente as sociedades brasileiras que, no título executivo, foram directamente condenadas, fazendo parte de um grupo económico, assim caracterizado em face da lei brasileira (art.º 2.º, § 2 da CLT);
- a decisão em causa estabelece a responsabilidade solidária de todas as entidades ou empresas que integram o grupo económico de que a executada faz parte, na qualidade de entidade empresarial dominante;
- o caso julgado, em termos subjectivos, abrange a executada, ainda que não tenha sido directamente demandada, uma vez que a lei segundo a qual se deve definir e determinar o alcance do caso julgado e, em consequência, o alcance da decisão condenatória, é a lei brasileira;
- segundo a lei brasileira, a empresa portuguesa, ora executada, será sempre responsável pelos créditos laborais em que as empresas brasileiras por ele dominadas foram directamente condenadas a pagar;
- nessa medida e segundo a lei brasileira, ainda que não conste no título executivo como directamente condenada, sempre poderá ser chamada em sede de execução, pagando com o seu património as dívidas das empresas subsidiárias, por si dominadas;
- a lei portuguesa prevê precisamente uma norma excepcional em termos de determinação da legitimidade da executada, ao dispor no art.º 57.º do CPC que “a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”;
- a sentença brasileira revista e confirmada, que constitui o título executivo, baseou-se, entre outras normas legais, no artigo 2.º, parágrafo 2.º do Decreto-Lei n.º 5.452, de 1 de Maio de 1943, que aprovou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação que regula as relações laborais na República Federativa do Brasil, o qual refere que “sempre que uma ou mais empresas, tendo embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direcção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”;
- na sentença, título executivo, logo na segunda página, terceiro e quarto parágrafos, é referido que “[v]erificando-se, na hipótese dos autos, que ambas as empresas encontram-se sob a mesma direcção, estamos diante a situação prevista no artigo 2.º, parágrafo 2.º, da CLT” e “assim sendo, as empresas permanecerão no pólo passivo, respondendo de forma solidária pelas obrigações decorrentes do contrato”;
- conclui-se, deste modo, que a ora agravada BB - SGPS, SA, na medida em que dominava absolutamente as empresas brasileiras, é e continua a ser, quer por determinação legal quer ainda por determinação judicial, responsável solidária pelos créditos laborais devidos e não pagos ao ora agravante;
- a determinação do caso julgado material, a sua amplitude e, sobretudo, os seus limites subjectivos foram definidos pela decisão judicial em causa subjacente à acção executiva proposta, de acordo com a norma do CLT, ou seja, de acordo com a lei do Estado de origem, a República Federativa Brasileira;
- não poderiam nunca ser definidos de acordo com a lei do Estado onde se pretende reconhecer e executar a sentença, pois, se assim fosse, estar-se-ia, de alguma forma, a cercear o mérito da tal decisão, com evidente prejuízo da lei do Estado onde tal mérito é aferido;
- por conseguinte, no caso em apreço deve-se entender que a determinação dos limites subjectivos e, portanto, os limites relativos aos sujeitos processuais ou partes legítimas e, consequentemente, a determinação das entidades que ficam abrangidas pelo caso julgado deve aferir-se em função do que é determinado pela lex fori, ou seja, pela lei brasileira, mais precisamente pelo Decreto-Lei n.º 5452 de 1 de Maio de 1943, que veio proceder à Consolidação das Leis do Trabalho e, bem assim, em função da interpretação e aplicação que dessa lei é feita pelos tribunais brasileiros;
- segundo a lei brasileira e segundo a aplicação que dela é feita pelos tribunais brasileiros, é evidente que a executada é considerada como responsável solidária pelos créditos devidos ao exequente e, nessa senda, abrangida pelo caso julgado inerente à sentença brasileira;
- se assim não entendessem, as entidades judiciais brasileiras não ousariam rogar às entidades judiciais portuguesas para que encetassem os procedimentos necessários e possíveis para fazer cumprir a decisão condenatória, designadamente através da expedição de cartas rogatórias;
- não restam dúvidas de que a ora executada também foi devidamente notificada para se opor ao cálculo dos créditos laborais, através de Carta Rogatória n.º 1/99, de 26.3.99, cumprida em 25.10.99 pelo Tribunal de Círculo da Comarca de Oeiras, que se junta;
- cumprida que foi a carta rogatória, não houve qualquer resposta por parte da agora executada, tendo precludido o direito de impugnar o cálculo dos créditos laborais, que até ao dia 1.8.98, atingiam a quantia de R$ 139.015,40 (Reais), incluindo os juros de mora, calculados até então, percentagem de correcção monetária e multa aplicável por dias de atraso no pagamento;
- por não ter existido resposta por parte da ora executada, foram tais cálculos homologados judicialmente em 17.4.2000, conforme documento n.º 5 que se junta e dá por reproduzido;
- a decisão de homologação do cálculo dos créditos foi devidamente notificada à agora executada, conforme Carta Rogatória n.º 1/2000, de 16.6.2000, cumprida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Oeiras em 26.10.2000, conforme documentos 5 e 6;
- a ora agravada nunca respondeu às cartas rogatórias e nunca interpôs qualquer recurso ou impugnou os créditos reclamados, tendo-se conformado com os mesmos, pelo que nunca poderia alegar desconhecer o caso ou afirmar que o princípio do contraditório ou igualdade das partes não fora assegurado segundo a lei aplicável, ou seja, segundo a lei brasileira;
- nos termos da lei brasileira e em face da existência de um grupo empresarial dominado pela executada, em face do total controlo existente sobre as empresas subsidiárias brasileiras, caracterizado de acordo com o disposto no já citado art.º 2.º, 4 2.º da CLT não importa quais as sociedades que integram o pólo passivo de determinada reclamação trabalhista, para que a respectiva decisão seja oponível a qualquer empresa integrante do mesmo grupo económico da reclamada(s);
- também de acordo com a lei brasileira, só quando negada a existência do grupo económico pela impossibilidade jurídica da sua configuração é que se impõe a citação de todos os empregadores coligados, como litisconsortes necessários, algo que no caso em apreço não se verificou;
- em face do direito trabalhista brasileiro, na sua vertente material, não importa qual o momento em que o grupo económico é evidenciado, se antes da propositura da acção declarativa, se durante o processo de conhecimento ou se, mesmo, em sede de execução.

O exequente citou, transcrevendo, diversa jurisprudência brasileira que, tratando-se de grupo económico, admite que as empresas do grupo sejam directamente executadas ainda que o seu nome não conste do título executivo, ou seja, mesmo que não tenham sido demandadas na acção declarativa. E, no mesmo sentido, juntou um parecer jurídico.

Apreciando o recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao agravo e confirmou a decisão da 1.ª instância, com a seguinte fundamentação:
«III – Apreciação
Está em causa saber, como referimos, se a presente execução pode ser intentada contra a ora executada, a qual não figura no título executivo, que é uma sentença estrangeira, revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Dispõe o artº 55, nº 1 do C.P.Civil que “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”.
No caso vertente, o título executivo é a sentença estrangeira que figura a fls. 24-26, sendo que nesta constam como credor o ora exequente, AA e como devedores CC Treinamento, S.A. e DD Brasil, Tecnologias de Informação Ldª.
É certo que no processo de revisão dessa sentença constam como requeridos para além das aludidas sociedades devedoras, também a aqui executada.
Porém, há que ter presente que o instituto da revisão de sentenças estrangeiras tem como finalidade dotar de eficácia em Portugal uma decisão proferida por um tribunal estrangeiro.
Para tanto, o tribunal competente limita-se a verificar se foram cumpridos todos os requisitos enunciados no artº 1096 do C.P.C., todos eles de ordem formal.
O tribunal da relação não pode, nem deve imiscuir-se na decisão revidenda, limitando-se a, conferidas que sejam as questões formais, tornar válida em Portugal a decisão emanada de um Tribunal estrangeiro, sem nada acrescentar a esta.
Foi o que fez o Tribunal da Relação de Lisboa que, na sentença de revisão que figura a fls. 52 a 57, se limitou a confirmar, “para valer em Portugal, a sentença acima identificada”.
Assim, não figurando a ora executada no título executivo em que se baseia a presente execução como devedora, poderíamos ser levados a concluir, desde logo, que aquela é parte ilegítima.
Há, porém, ainda que ter em conta – afastados que estão, manifestamente, os casos de desvios à regra geral da determinação da legitimidade previstos no artº 56 do C.P.C. – o que vem disposto no artº 57 do CPC que estipula: “A execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”.
Mas, tratando-se de decisão estrangeira, por que lei é regido o caso julgado?
A este propósito, ensina Miguel Teixeira de Sousa, citado aliás pelo Agravante, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 571:
“O caso julgado, porque é um valor processual de uma decisão, é regido pela lei do Estado de origem, sendo por esta lei que se determina quando é que a decisão adquire esse valor no ordenamento em que foi proferida. O reconhecimento desse valor numa outra ordem jurídica e, em especial, numa acção nela instaurada depende, por seu turno, da respectiva lex fori: ou seja, os efeitos do caso julgado de uma sentença estrangeira são equivalentes àqueles que são realizados, na ordem interna, por uma sentença nacional.”
E acrescenta, no que ao caso presente interessa: “Algo de diferente parece dever entender-se, todavia, quanto aos limites subjectivos do caso julgado de uma decisão estrangeira reconhecida num outro Estado, dados que estes limites são definidos por normas materiais. Excluído está que os limites subjectivos do caso julgado da decisão reconhecida possam ser apreciados pela lex causae determinada pelas normas de conflitos do Estado de reconhecimento, porque, se essa lei é irrelevante para a concessão do exequatur, também não pode relevar para a delimitação subjectiva do caso julgado; mas não é desrazoável pensar que esses limites subjectivos devem ser aferidos no Estado do reconhecimento pela lei aplicada na resolução do litígio. Por exemplo: para determinar se um devedor solidário fica abrangido pelo caso julgado proferido contra um outro condevedor, deve aplicar-se a lei reguladora do litígio”.
O Agravante chama à colação o artº 2º, § 2º do Dec. Lei nº 5452, de 1.5.43, que aprovou a consolidação das leis do Trabalho (CLT), legislação que regula as relações laborais na República Federativa do Brasil, o qual estabelece que “sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direcção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
Desta norma apenas se retira que, feita a prova que várias empresas juridicamente distintas integram o mesmo grupo económico, cada uma delas é solidariamente responsável pelos créditos laborais das restantes.
É certo que foram juntos aos autos vários arestos de tribunais superiores brasileiros que admitem que tal prova possa ser feita na fase liminar do processo executivo, podendo neste figurar como executada numa sociedade que não foi demandada nem condenada na sentença que constitui o título executivo.
Além de, evidentemente essa jurisprudência não vincular o Estado Português, certo é que o regime processual aplicável é o previsto na lei nacional, sendo que o processo civil português não prevê, no processo executivo, uma fase processual que comporte a definição dos sujeitos processuais, nomeadamente do devedor.
Ora, face aos elementos constantes dos autos, não é possível concluir com segurança, que a sociedade executada integra o grupo económico das empresas que foram condenadas no título executivo.
O facto de ter sido citada a ora executada no âmbito de um incidente de liquidação de uma execução instaurada no Brasil não pode ter as consequências pretendidas pelo Agravante, no sentido de dever ser reconhecida a Agravada como devedora solidária das que figuram no título executivo e, consequentemente, como parte legítima na presente execução.
Estamos em face de execuções distintas, sendo que o título executivo na presente execução é a sentença de fls. 24-26 e é em função dela que se determinam o fim e os limites da acção executiva (artº 45 do C.P.Civil).
Não pode, pois, ser provido o agravo.
IV – Decisão
Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo agravante.»

Mantendo o seu inconformismo, o exequente agravou para este Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua alegação da seguinte forma:
a) A sentença brasileira que constitui o título executivo produz caso julgado cujos limites são definidos pela própria lei brasileira, o que é perfeitamente assumido no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de que ora se Agrava em última instância.
b) Segundo a lei brasileira, todas as empresas que constituem um grupo económico ou empresarial são responsáveis solidariamente pelos créditos laborais umas das outras.
c) Em termos de limites subjectivos de caso julgado, uma empresa que seja parte de determinado grupo económico pode ser chamada em qualquer fase processual, inclusive em sede de execução, de forma a efectivar a responsabilidade solidária.
d) A sentença brasileira que constitui o título executivo (Anexo C) determina precisamente que qualquer entidade situada no pólo passivo responderá solidariamente pelos créditos laborais em que foram directamente condenadas a pagar a “BB TREINAMENTO SA” e “DD BRASIL - TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO, L.da”, consistindo tal determinação numa condenação ampla.
e) Pelo que se conclui que, nos termos da lei brasileira, a força de caso julgado derivado da sentença que constitui o título executivo ora em apreço abrange, em termos subjectivos, a Agravada BB – SGPS, SA em virtude de ser parte integrante do grupo económico ou empresarial ao dominar totalmente as empresas directamente condenadas.
f) A sentença brasileira observou a lei brasileira que possibilita limites de condenação amplos ao possibilitar que a condenação abranja partes que não intervieram directamente na acção, o que aliás é também perfeitamente admissível na legislação portuguesa.
g) A sentença brasileira determinou uma condenação no pagamento de créditos laborais que abrange todas as entidades ou pessoas que integrem o grupo empresarial de que fazem parte as empresas brasileiras directamente condenadas.
h) A determinação da justiça brasileira, quanto a este aspecto, é não só plasmada na própria sentença de condenação, mas ainda pelos subsequentes despachos e decisões que motivaram cartas rogatórias cumpridas pela justiça portuguesa, juntos aos autos.
i) Nessa medida, a Agravada BB – SGPS, SA, é parte legitima na acção executiva em apreço, estando abrangida pelo caso julgado, devendo a acção executiva prosseguir contra si em face do disposto no artigo 57.º do CPC que refere que, “A execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”.
j) Embora não surja directamente condenada, é evidente que a Agravada está abrangida pelo caso julgado, nos termos definidos pela lei brasileira – a única aplicável –, sendo um facto público e notório e nunca contrariado pela Agravada que a mesma possui uma participação de capital de 99,99% na "DD BRASIL TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO, LTDA"(Anexo A e B).
k) A exigência pelo Douto Tribunal da Relação, de que, para que a sentença estrangeira, revista e confirmada, possa consistir num título executivo válido, a Agravada surja nomeada como condenada é uma imposição que não tem sustentação nem na lei aplicável – a lei brasileira –, que define os limites do caso julgado, nem na lei portuguesa que prevê, a título excepcional, justamente no artigo 57.º do CPC a exequibilidade de sentenças contra quem não figura nelas como devedor, mas está, precisamente, abrangido pelo caso julgado.
l) Caso se entenda, como é o entendimento propugnado no Douto Acórdão do Tribunal da Relação, que não existe na fase processual em que nos encontramos a possibilidade de conformação dos sujeitos processuais e da demonstração da abrangência pelos limites do caso julgado, a norma patente no artigo 57.º do CPC nunca poderia ser aplicada e seria esvaziada de todo e qualquer sentido.
m) Quanto muito ao título executivo que é a sentença estrangeira se poderia exigir a junção de documento confirmativo de determinada qualidade que a executada, ora Agravada, deve reunir para poder ser parte legítima e isso seria, tão somente, um documento a confirmar que a Agravada domina o grupo empresarial ou que dele faz parte e, por conseguinte, é abrangida pelo caso julgado nos termos definidos pela lei estrangeira, podendo a acção executiva prosseguir contra si.
n) Documentação essa, que foi junta ao Requerimento Executivo (Anexo A) e que, em conjunto com a sentença revista e confirmada, conforma o título executivo, definindo-o sem margem para quaisquer dúvidas.
o) Caso seja dado provimento ao presente recurso, a Agravada poderá sempre defender-se em sede de oposição à execução e apresentar prova bastante de que não está abrangida pelo caso julgado em apreço.
p) Daqui se infere que a excepção de ilegitimidade aduzida no douto despacho de indeferimento liminar que se pretende anular, confirmado pelo Douto Acórdão do Tribunal da Relação, não teve em conta o normativo acima enunciado nem todos os factos inerentes ao mesmo, tal como lhe incumbia em face da obrigatoriedade na aplicação da lei estrangeira na definição dos limites e da força de caso julgado produzido pela sentença brasileira.
q) Na verdade, dispõe a alínea a) do n.º 2 artigo 812.º do CPC que o juiz pode proferir despacho de indeferimento liminar quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título executivo, o que não é o caso.
r) A sentença estrangeira havia sido revista e confirmada contra a Agravada e possuía em si uma condenação ampla que é contrário ao fácil entendimento ou percepção da falta ou insuficiência de título executivo, tanto mais que, em conjunto com o requerimento executivo, para além da sentença revista e confirmada, seguiam Certidões Específicas da Junta Comercial que atestavam a domínio societário pela Agravada da "DD Brasil L.da" e "CC Treinamento, SA".
s) O tribunal brasileiro verificou e decidiu quanto o mérito de saber qual era a entidade responsável pela direcção ou controle das empresas directamente condenadas, embora não tenha nomeado a Agravada, o que se infere do texto da sentença brasileira.
t) Pelo que qualquer questão de prova está perfeitamente ultrapassada, uma vez que já foi devidamente apreciada pelo Tribunal estrangeiro que julgou o mérito da causa.
u) O direito à retribuição é um direito fundamental de acordo com a Constituição da República Portuguesa, conforme o disposto no seu artigo 59.º, n.º 1, alínea a), sendo ainda considerado como um direito universal em todos os diplomas internacionais que se debruçam sobre o direito laboral e deve ser tido em conta independentemente da idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções politicas ou ideológicas.
v) Ao dar não dar provimento ao presente recurso estar-se-á negar esse direito fundamental, estruturante da nossa sociedade e ordem pública, ao Agravante.
w) As decisões em crise ofendem claramente o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, o qual impõe uma consideração da justiça em termos materiais e não puramente formais.

O recorrente rematou as suas alegações pedindo que fosse dado provimento ao recurso, anulando-se o despacho de indeferimento liminar de fls. 92 e 93, que deve substituir-se por outro que ordene o prosseguimento da acção executiva contra a agravada BB – SGPS, S.A., e as demais diligências necessárias à execução da penhora do seu património, até integral pagamento dos créditos laborais que lhe são devidos.

A executada contra-alegou, pugnando pela confirmação do aresto recorrido e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido, a que as partes não reagiram.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que vêm dados como provados pela Relação são os seguintes:
1) AA intentou na justiça do Trabalho Brasileira contra CC Treinamento S.A. e DD Brasil Tecnologias de Informação Lda uma acção de reclamação trabalhista com o nº 2538/96, que consta de fls. 24 a 26 dos presentes autos.
2) Nessa acção foi proferida a seguinte decisão:
“Pólo Passivo
Objectivando a protecção dos direitos do trabalhador, o direito do trabalho previu a responsabilidade solidária do grupo empresarial, situação que se configura não somente nas hipóteses de “holding company” ou “trust”, mas em todas as situações em que duas ou mais empresas, ainda que autónomas, são controladas por uma delas ou por uma mesma pessoa física.
Orlando Gomes e Elson Gottschalk ensinam que “o direito do trabalho, que encara sobretudo a realidade económica, como se viu, regula o fenómeno que engendra as filiais e as holdings estabelecendo o princípio da solidariedade legal para os efeitos da relação de emprego. Assim, sempre que uma ou mais empresas, tendo embora cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direcção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis, a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
Verificando-se, na hipótese dos autos, que ambas as empresas encontravam-se sob a mesma direcção, estamos diante da situação prevista no artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT.
Assim sendo, as empresas permanecerão no pólo passivo, respondendo de forma solidária pelas obrigações decorrentes do contrato.
Causa da Rescisão
(…)
Salário – Família
(…)
Honorários de Advogado
(…)
Isto posto, a 28ª junta de conciliação e julgamento de São Paulo, à unanimidade, resolve extinguir, sem julgamento do mérito, o pedido do item 5.8, com fundamento no artigo 267, i, do CPC. Ainda, à unanimidade, julgar Procedente em Parte, a presente acção, para condenar, de forma solidária, as reclamadas CC Treinamento S.A. e DD Brasil Tecnologias de Informação Ldª a paragem ao reclamante, salários de Agosto de 96 em dobro; aviso-prévio, férias vencidas e proporcionais e abono constitucional de 1/3; décimo-terceiro salário proporcional; multa por atraso na quitação de salários; depositar Fundo de Garantia para liberação, sob pena de execução directa; indemnização compensatória correspondente a 40% do FGTS; diferenças de reajuste salarial. Deverá a reclamada anotar a baixa no CTPS do reclamante, em cinco dias do trânsito em julgado desta decisão.
Todas as verbas ilíquidas serão apuradas em liquidação regular, observando-se os termos da fundamentação.
Juros de mora serão pagos sobre o principal corrigido.
Contribuições previdenciárias e fiscais na forma de lei, autorizando-se a retenção para recolhimentos que deverão ser comprovados nos autos.
(…)”
3) No Tribunal da Relação de Lisboa correram termos os autos de revisão da sentença estrangeira referida em 1 e 2, cuja decisão consta de fls. 16 a 21 dos presentes autos, em que foi julgada procedente a acção e a mesma confirmada, para valer em Portugal.

3. O direito
As questões suscitadas nas conclusões apresentadas pelo recorrente são as seguintes:
- saber se a sentença proferida nos tribunais brasileiros e que foi revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa constitui título executivo relativamente à executada, ora recorrida;
- saber se, o não provimento do recurso, se traduz numa negação do direito fundamental à retribuição;
- saber se as decisões em crise ofendem o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.

3.1 Do título executivo
Nos termos do art.º 45.º do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva e, nos termos do n.º 1 do art.º 46.º do mesmo Código, à execução apenas podem servir de base os títulos que aí são elencados, nesse elenco se incluindo as sentenças condenatórias.

Todavia, no que toca às sentenças proferidas por tribunais ou árbitros em país estrangeiro, o art.º 49.º do mesmo diploma adjectivo estipula que, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, as mesmas só podem servir de base à execução depois de revistas e confirmadas pelo tribunal português competente.

Como decorre do que já ficou dito, no caso em apreço o título executivo é uma sentença condenatória que foi proferida em tribunal brasileiro e que foi devidamente revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Dúvida não há, por isso, de que a mesma passou a constituir título executivo perante os tribunais portugueses.

A questão que se coloca é a de saber se essa decisão também constitui título executivo relativamente à sociedade contra quem a presente execução foi instaurada, a DD – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A., ora recorrida.

E, para responder a esta questão, há que ter presente, antes de mais, o disposto no art.º 55.º do CPC que tem por título “Legitimidade do exequente e do executado”.

Nos termos do n.º 1 do referido normativo, “a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor” e, nos termos do seu n.º 2, “se o título for ao portador, será a execução promovida pelo portador do título”.

Como daquele normativo decorre, a regra geral, no que toca à legitimidade processual das partes no processo executivo, afere-se pelo teor do próprio título executivo: só pode assumir a posição de exequente quem figurar no título como credor e só pode ser demandado como executado quem no título figurar como devedor.

Tal regra geral comporta, porém, os desvios que constam do art.º 56.º e que para o caso dos autos não relevam, e comporta também, no que especificamente diz respeito à exequibilidade das sentenças, o desvio contido no art.º 57.º, nos termos do qual “a execução fundada em sentença condenatória pode ser promovida, não só contra o devedor, mas ainda contra as pessoas em relação às quais a sentença tenha força de caso julgado”.

E é nesta última disposição que o recorrente se arrima para sustentar a tese de que a sentença dada à execução constitui título executivo contra a aqui executada, apesar desta não ter sido demandada nem condenada na acção declarativa em que aquela sentença foi prolatada, pois, segundo ele, face ao direito brasileiro, à luz do qual deve ser aferido o âmbito subjectivo do caso julgado, tal decisão faz caso julgado contra a aqui executada, por esta fazer parte do mesmo grupo económico em que se integravam as duas sociedades que, naquela acção, foram demandadas e condenadas, nele ocupando, aliás, segundo o agravante, uma posição verdadeiramente dominante.

Já vimos que, na 1.ª instância, a executada foi julgada parte ilegítima, por não figurar como devedora no título executivo, uma vez que na sentença não fora condenada a pagar qualquer quantia ao exequente.

No despacho então proferido, o M.mo Juiz não se pronunciou sobre o âmbito do caso julgado da sentença relativamente à executada, nem tinha que o fazer, uma vez que, no requerimento executivo, o exequente nada alegou a esse respeito, pois, como também já foi dito, limitou-se a alegar que dava à execução a sentença e que esta se encontrava revista e confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Nada alegou relativamente ao grupo económico e ao âmbito subjectivo do caso julgado à luz do direito e da jurisprudência brasileiros. Esta questão só foi por ele suscitada nas alegações do agravo interposto do despacho de indeferimento liminar da execução.

E também já vimos qual foi a resposta que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no aresto agora sob censura.

Sem rejeitar a tese de que os limites subjectivos do caso julgado da sentença dada à execução devem ser aferidos pela lei brasileira, a Relação entendeu que do normativo legal a que o exequente se arrimou para sustentar a tese de que a sentença fazia caso julgado contra a executada (o art.º 2.º, § 2.º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 5.452, de 1.5.1943 (vide fls. 173) cujo teor atrás já foi transcrito, a fls. 2, mas que, por comodidade, aqui se recorda: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direcção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.”) apenas se retira que, feita a prova que várias empresas juridicamente distintas integram o mesmo grupo económico, cada uma delas é solidariamente responsável pelos créditos laborais das restantes.

E a Relação acrescentou que foram juntos aos autos vários arestos de tribunais superiores brasileiros que admitem que essa prova possa ser feita na fase preliminar do processo executivo, neste podendo figurar como executada uma sociedade que não foi demandada nem condenada na sentença que constitui o título executivo, mas que tal jurisprudência não vincula os tribunais portugueses, sendo certo ainda que a lei processual aplicável é a portuguesa, não prevendo esta, no processo executivo, uma tal fase preliminar.

Da argumentação referida deduz-se que a Relação considerou, embora implicitamente, que do § 2.º do citado art.º 2.º da CLT não decorria que a sentença condenatória proferida contra determinada empresa de um grupo económico também fazia caso julgado contra as restantes empresa do mesmo grupo.

E esse é, também, o nosso entendimento.

Com efeito, ainda que se entendesse que os limites subjectivos do caso julgado da sentença revista e confirmada devem ser aferidos pela lei brasileira, a verdade é que o citado normativo legal se limita a dizer que todas as empresas que integram o grupo industrial, comercial ou de qualquer outra actividade económica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis. Nada diz acerca do âmbito caso julgado relativamente às empresas que, fazendo parte do grupo económico, não tenham sido demandas nem condenadas na acção declarativa, ou, usando a terminologia brasileira, na reclamação trabalhista.

Por outro lado, da jurisprudência citada e junta pelo exequente também não decorre que a sentença que condenou uma empresa faça caso julgado relativamente às demais empresas do grupo económico, pois o que nela se afirma é que o facto de uma sociedade não ter sido demandada e condenada na acção declarativa (ou, na terminologia brasileira, no processo de conhecimento) não impede que, na execução, ela venha a responder pela obrigação, mas, como daquela jurisprudência se verifica, tal implica que no processo de execução seja formulado um pedido de inclusão da empresa não condenada na acção declarativa e que sobre esse pedido haja uma decisão judicial a reconhecer que a existência do grupo económico e a sua inclusão neste (veja-se, a título de exemplo, o acórdão da 3.ª Turma, de 3.5.2006, proferido no processo 00838-2004-001-10-00-7 AP, a fls. 175-177 dos autos).

Como é fácil de ver, o caso julgado relativamente à empresa do grupo económico que não foi condenada na acção declarativa forma-se não com o trânsito em julgado da sentença proferida na acção declarativa, mas sim com a decisão que, na acção executiva, vier a acolher o pedido da sua inclusão no pólo passivo (terminologia brasileira) da execução.

E, sendo assim, é óbvio que o caso julgado formado sobre a sentença dada à presente execução não abrange a aqui executada que, por essa razão, carece de legitimidade para ser demandada como devedor.

Improcede, pois, o recurso, nesta parte.

3.2 - Do direito à retribuição e do princípio da tutela jurisdicional efectiva
Nas conclusões u) a w) inclusive, o recorrente afirma que o não provimento do recurso se traduziria numa negação do direito à retribuição que é um direito fundamental internacionalmente reconhecido e que as decisões em crise ofendem claramente o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no art.º 20.º da CRP.

Todavia, não se vislumbra que a confirmação da decisão recorrida possa ofender o direito à retribuição e o princípio da tutela jurisdicional efectiva, uma vez que o autor nunca demandou judicialmente a ré para que esta fosse condenada a pagar-lhe seja o que for, podendo fazê-lo.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2010

Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol