Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | ARAÚJO BARROS | ||
Descritores: | ACÇÃO EXECUTIVA LEGITIMIDADE GARANTIA REAL SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA | ||
Nº do Documento: | SJ200410140027717 | ||
Data do Acordão: | 10/14/2004 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 6361/03 | ||
Data: | 05/27/2004 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Sumário : | 1. A legitimidade afere-se perante a posição do demandado na relação material legalmente definida tal como é configurada pelo demandante e no momento em que a acção é proposta. 2. Na acção executiva, se o exequente, cujo crédito gozar de garantia real sobre bens de terceiro, pretender fazer valer a garantia, deve instaurar a execução contra o titular dos bens que garantem o crédito exequendo que, assim, é parte legítima, independentemente da posterior sorte daqueles bens. 3. A norma do artigo 279º, nº 1, do C.Proc.Civil, que prevê a suspensão da instância com fundamento na existência de causa prejudicial, não é aplicável às acções executivas. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: Por apenso à execução hipotecária para pagamento de quantia certa com processo ordinário para pagamento da quantia de 117.195,85 Euros, instaurada em 23/06/2002, no Tribunal Judicial de Vila do Conde, pela "Caixa A, ...e..., CRL" contra B e "D, L.da" veio esta última executada, em 03/12/2002, deduzir embargos, alegando, no essencial, que: - é verdade que a executada tem registada a propriedade do imóvel hipotecado a favor da exequente; - porém, foi registada uma acção que corre termos sob o n° 135/00, pelo 3° Juízo do Tribunal Judicial de Vila do Conde, movida pela B, contra a aqui embargante, pedindo a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda celebrados entre ambas e titulados por escrituras de 10/05/96, condenando-se a ré (aqui embargante) a restituir os imóveis aí referidos à autora, e o cancelamento dos registos dos mesmos a favor da ré; - face ao exposto, a legitimidade passiva da ora embargante não se encontra verificada nos presentes autos, isto porque na acção de nulidade se discute precisamente a questão da propriedade do imóvel dado de garantia à exequente; - tal questão é fundamental para se determinar a legitimidade passiva prevista no art. 56°, nº 2, do C.Proc.Civil, tratando-se de uma questão prejudicial, pelo que deve o Tribunal ordenar a suspensão da instância, nos termos do art. 279° do mesmo código. Contestou a embargada, concluindo pela improcedência dos embargos. Foi, depois, proferido saneador-sentença em que os embargos foram julgados improcedentes. Inconformada, apelou a embargante, sem êxito, já que o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 27 de Janeiro de 2004, negando provimento ao recurso, confirmou a sentença recorrida. Interpôs, então, a embargante recurso de revista (seria de agravo, embora por força do princípio da economia processual não haja a questão sido levantada) pretendendo a revogação do acórdão recorrido, com as consequências legais. Não foram apresentadas contra-alegações. Nas alegações do presente recurso formulou a recorrente as conclusões seguintes (sendo, em princípio, pelo seu teor que se delimitam as questões a apreciar - arts. 690º, nº 1 e 684º, nº 3, do C.Proc.Civil): 3. Porém, foi registada acção que corre os seus termos sob o nº 135/00 pelo 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde, movida por B contra a aqui recorrente, peticionando: a) a declaração de nulidade, por simulação, dos contratos de compra e venda celebrados entre autora e ré e titulados por escrituras de 10/05/96, lavrada a fls. 22 do livro nº 251-B e de 02/03/98, lavrada a fls. 40 do livro nº 154-C, ambas do 2º Cartório Notarial de Vila do Conde, que incidem sobre os imóveis objecto deste registo, condenando-se a ré a restitui-los à autora; 5. Assim, o desfecho da referida acção 135/00, do 3º Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde, constitui verdadeira questão prejudicial que determinará a necessidade, ou não, da ora embargante intervir na presente execução. Para além dos factos referidos acima no relatório, encontram-se demonstrados os seguintes: i) - é fundamento da execução (de que estes embargos são apenso) a concessão, por parte da exequente, de um crédito-habitação à executada B, sendo a executada "D, L.da" demandada nos termos do art° 56°, n° 2, do CPC, tendo sido celebrada escritura pública pela qual ficou constituída garantia real de hipoteca a favor da exequente sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n° 02462/951123, Fracção "D", de Vila do Conde; ii) - em 23/03/2000, foi intentada, no Tribunal Judicial de Vila do Conde, a acção com o n° 135/2000, em que é autora a ora executada B e ré a ora executada "D, L.da", onde se pede, para além do cancelamento de registos, se declarem nulos por simulação os contratos de compra e venda titulados pelas escrituras de 10/05/96 e de 02/03/98, a primeira tendo por objecto a casa de habitação da autora, com quintal, no lugar de Casal do Monte, em Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 200 e inscrita na respectiva matriz sob o n° 1.117, e a segunda incidindo sobre a Fracção "B" correspondente ao 1º andar esquerdo, sobre a Fracção "C" correspondente ao 1º andar direito e sobre a Fracção "D" correspondente ao 2° andar, todas da habitação do prédio em propriedade horizontal à Rua da Alegria, ..., em Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2462 e inscrito na respectiva matriz sob o art° 7266. As questões suscitadas pela recorrente - e que se encontram interligadas - respeitam à sua legitimidade para ser demandada como executada nos autos de execução que embargou, que entende não se verificar, bem como à suspensão da instância executiva, que pretende dever ser ordenada pela ocorrência de causa prejudicial. Na acção executiva, em termos de legitimidade, a regra geral decorrente do art. 55º, nº 1, do C.Proc.Civil (1) é a de que "a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor". Constituindo desvio na determinação da legitimidade passiva, estabelece, no entanto, o art. 56º, nº 2, que "a execução por dívida provida de garantia real sobre bens de terceiro seguirá directamente contra este, se o exequente pretender fazer valer a garantia, sem prejuízo de poder desde logo ser também demandado o devedor". Por isso, se pode dizer que "sempre que o exequente pretenda fazer valer uma garantia real sobre bens de terceiro, a execução deve ser proposta contra este sujeito, embora isso não impeça que também possa ser demandado o próprio devedor (art. 56º, nº 2). A consequência da não propositura da acção executiva contra o terceiro que é titular do bem onerado é a impossibilidade de a penhora recair sobre esse bem (cfr. art. 821º, nº 2) e, caso este seja penhorado, a admissibilidade da defesa dos direitos do terceiro através de embargos (art. 351º, nº 1) ou da acção de reivindicação (art. 1331º, nº 1, e 1315º CC)". (2) Ora, sendo que a legitimidade se afere perante a posição do demandado na relação material legalmente definida tal como é configurada pelo demandante (art. 26º, nº 3) e no momento em que a acção é proposta, parece óbvia a conclusão de que a recorrente é parte legítima, pelo menos ab initio, para ocupar a posição de executada. Claro que supervenientemente a sua posição poderá sofrer alteração. Na verdade, desde que excutidos os bens que constituem a garantia, se reconheça a sua insuficiência, a execução seguirá apenas contra o devedor, já executado ou não (art. 57º, nº 3). Doutro passo, se vier a verificar-se que os bens lhe não pertencem (quer inicialmente, quer em consequência de decisão proferida noutro processo), também neste caso a execução terá que prosseguir apenas contra o devedor, se assim for ou tiver sido requerido pelo exequente. Tratar-se-á de um caso típico de ilegitimidade superveniente, de que o juiz pode conhecer, até ser ordenada a venda, nos termos do já referido art. 57º, nº 3, ou, em todo o caso, em conformidade com o art. 820º. Em consequência, neste momento - e é só isto que está em causa - é patente a legitimidade passiva da executada. Dir-se-á que da decisão que vier a ser proferida na acção nº 135/2000 (em que a autora - aqui co-executada Adelina Cândida peticiona contra a ré - embargante e ora recorrente "D, L.da" - que se declarem nulos por simulação os contratos de compra e venda titulados pelas escrituras de 10/05/96 e de 02/03/98, a primeira tendo por objecto a casa de habitação da autora, com quintal, no lugar de Casal do Monte, em Vila do Conde, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n° 200 e inscrita na respectiva matriz sob o n° 1.117, e a segunda incidindo sobre a Fracção "B" correspondente ao 1º andar esquerdo, sobre a Fracção "C" correspondente ao 1º andar direito e sobre a Fracção "D" correspondente ao 2° andar, todas da habitação do prédio em propriedade horizontal à Rua da Alegria, ...., em Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 2462 e inscrito na respectiva matriz sob o art° 7266, para além do cancelamento de registos) constitui causa prejudicial relativamente à execução instaurada. E, de facto, nos termos do disposto nos arts. 276º, nº 1, al. c) e 279º, nº 1, o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão de uma causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta. Mas a verdade é que - independentemente do facto já acima referido de a eventual procedência daquela acção ordinária apenas acarretar a ilegitimidade superveniente da recorrente, situação que não é verdadeiramente decisiva em termos de prejudicialidade - a jurisprudência praticamente uniforme se tem inclinado no sentido de que a norma do referido art. 279º, nº 1, não é aplicável às acções executivas. (3) A norma do art. 279º, nº 1, vem já do Código de Processo Civil de 1939, onde aparecia a abrir o seu art° 284° com a seguinte redacção, muito semelhante à actual: "O juiz pode ordenar a suspensão (da instância) - quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta". Na vigência do C.Proc.Civil de 1939 a jurisprudência do STJ dividiu-se quanto a saber se a execução podia ou não ser suspensa nos termos da primeira parte do seu art. 284º, supra transcrito. A tal divergência veio pôr termo o Assento de 24/05/60, (4) que fixou jurisprudência no sentido de que "a execução propriamente dita não pode ser suspensa pelo primeiro fundamento do artigo 284º do Código de Processo Civil". Como já se disse, a primeira parte do art. 284º do C.Proc.Civil de 1939 é idêntica à primeira parte do art. 279º, nº 1, do código vigente, conforme seguramente se alcança do confronto dos dois citados textos legais. Identidade que, aliás, se estende a toda a disciplina do instituto da suspensão da instância. Mas, assim sendo, o mencionado Assento de 24/05/60 que, em nossa opinião, consagrou a doutrina que ainda hoje parece ser a melhor (5), embora apenas com o valor de acórdão uniformizador de jurisprudência (art. 17º, nº 2, do Dec.lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Com efeito, "a doutrina dos assentos (e, acrescentamos, dos acórdãos uniformizadores) não caduca pelo simples facto de ser revogada a legislação vigente quando foram proferidos: se essa legislação foi substituída por outra que contenha textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, a doutrina do assento será de manter e de considerar em vigor". (6) Sempre se dirá, no entanto, e reforçando o entendimento acolhido, que "embora a lei não distinga no art. 279° entre a acção declarativa e a acção executiva, e se trate de uma norma geral sobre a suspensão da instância, a redacção da primeira parte do nº 1 torna inaplicável esse comando à execução propriamente dita. Realmente, desde que a suspensão, neste caso, resulta de estar a decisão da causa dependente do julgamento de outra já proposta, parece clara a sua inaplicabilidade ao processo de execução, em que não há que proferir decisão sobre o fundo da causa, visto o direito que se pretende efectivar já estar declarado" (7) (ou consta de título que lhe confere prova de primeira aparência). Não tem, pois, razão a recorrente, havendo que manter o acórdão recorrido. Termos em que se decide: a) - julgar improcedente o recurso interposto pela embargante "D, L.da"; b) - confirmar o acórdão recorrido; c) - condenar a recorrente nas custas do recurso. Lisboa, 14 de Outubro de 2004 |