Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1326/13.9TTPRT.P1.S3
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: PENSÃO OBRIGATORIAMENTE REMÍVEL
REVISÃO DA INCAPACIDADE
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS EMERGENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO E DE DOENÇA PROFISSIONAL / PROCESSO PARA A EFECTIVAÇÃO DE DIREITOS RESULTANTES DE ACIDENTE DE TRABALHO / FASE CONTENCIOSA / PROCESSO PRINCIPAL.
Doutrina:
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo CiviL, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS N.º 804.º E 805.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO N.º 135.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 05-04-89, BMJ, N.º 386.º, P. 446;
-DE 10-07-2013, PROCESSO N.º 941/08.7TTGMR.P1.S1;
-DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 175/14.1TUBRG.G1.S1.

ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

-ACÓRDÃO N.º 47/2010;
-ACÓRDÃO N.º 353/2012;
-ACÓRDÃO N.º 313/89;
-DE 08-06-1993, DR, II.ª SÉRIE DE 6-10-1993;
-DE 05-05-2013, ACÓRDÃO N.º 187/2013;
-DE 10-07-2013, PROCESSO N.º 941/08.7TTGMR.P1.S1;
-DE 13-07-2017, PROCESSO N.º 175/14.1TUBRG.G1.S1.

Sumário :
I - O artigo 135.º do atual Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime geral estipulado nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.

II - Sendo a pensão obrigatoriamente remível, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efetiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora.

III- No caso de revisão da incapacidade os juros de mora sobre o capital de remissão são devidos, à falta de outra referência, desde a formulação em juízo do pedido de revisão.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1])

1. RELATÓRIO

No dia 4.10.2013, AA, ..., vítima de acidente de trabalho em 6.10.2008 ao serviço do BB – ..., SAD, cuja responsabilidade infortunística se achava transferida para a CC, S.A., e que não foi participado ao Tribunal, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 145.º n.º 8, do Código de Processo do Trabalho, a revisão da incapacidade que lhe fora fixada pela seguradora, dado entender ter sofrido um agravamento do seu estado de saúde.

Realizada perícia médica, concluiu-se que o sinistrado estava afetado de um grau de incapacidade de 2,98%, com o que a seguradora e o sinistrado não se conformaram e requereram a realização de exame por junta médica, tendo os peritos fixado, por maioria, a incapacidade em 4,94%.

Indeferido o pedido de realização de segunda perícia formulado pela seguradora, foi proferida decisão final, fixando em «4,94% o grau de incapacidade permanente parcial ao sinistrado AA, com efeitos a partir de 04.10.2013, data da entrada do pedido de revisão». Mais se decidiu que o sinistrado tinha «direito ao capital de remição de uma pensão anual de € 13.832,28», acrescendo sobre a respetiva quantia «juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 04.10.2013, até integral pagamento.»

Inconformada com esta decisão, a ré seguradora (que entretanto passou a designar-se DD, S.A.) interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão em 2.03.2017, julgou totalmente improcedente a apelação e manteve a sentença recorrida.

De novo inconformada, a ré seguradora interpôs recurso de revista excecional, impetrando a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que decida que «mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar juros de mora sobre o valor da pensão anual, não sobre o capital de remição, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da entrega do capital de remição».

O sinistrado contra-alegou, pedindo a imediata rejeição do recurso interposto.

Por acórdão de 22.06.2017, foi admitido o recurso de revista excecional interposto.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido.

Notificadas, a recorrente respondeu mantendo o alegado.

A recorrente formulou as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([2]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

I. Ao entender que os juros de mora “sobre a respetiva quantia” se reporta a juros de mora sobre o capital de remição o acórdão do Tribunal a quo viola os artigos 13.º da Constituição da República Portuguesa; 135º, 149.º e 150.º do CPT; 805.º, n.º 3, do Código Civil; 10.º al. b), 17º, n.1, c), bem como n.º 4 e 5, da Lei 100/97; e 56º do DL 143/99, com os seguintes fundamentos:

II. Nos casos em que a pensão anual e vitalícia for obrigatoriamente remível, como sucede nos presentes autos, os juros moratórios devem incidir sobre o valor da pensão anual, mantendo-se a mora desde o dia do vencimento da pensão atribuída até à data da efetiva entrega do capital de remição ao sinistrado.

III. A fixação de juros de mora sobre o valor do capital de remição só em circunstâncias muito contadas pode suceder. Um exemplo é o caso em que a entidade responsável não procede ao pagamento do capital de remição depois de estar liquidado e designada a sua entrega, nos termos dos artigos 149.º e 150.º do CPT. Existe, nesta sede, uma situação análoga à prevista no artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto não se tornar líquido; o crédito do sinistrado ao capital de remição só se torna líquido com o cálculo e designação da data de entrega.

IV. Ainda que se entenda que os juros moratórios são fixados sobre o valor da pensão anual e vitalícia independentemente da culpa no atraso imputável ao devedor e, até, de o credor ter ou não formulado o correspondente pedido, não pode entender-se que os juros de mora são independentes de mora!

V. O art. 135º do CPT não refere qual o momento de vencimento das obrigações, importando recorrer à lei substantiva que regula a reparação dos acidentes de trabalho.

VI. O n.º 4 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, estabelece que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta; não existindo qualquer norma que indique o momento do vencimento do capital de remição.

VII. A fixação de juros sobre o capital de remição introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível, dado que os juros moratórios calculados sobre o capital de remição são sempre muito superiores àqueles cujo cálculo incida apenas sobre o valor da pensão anual e vitalícia, implicando um tratamento desigual daqueles e, por isso, inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.

VIII. Viola-se ainda o princípio da igualdade com este entendimento, porque se trata de forma desigual os sinistrados consoante haja ou não lugar ao pagamento de pensões provisórias; e de forma igual as responsáveis cumpridoras e as incumpridoras da entrega de um capital de remição.

IX. Na génese (evolutiva) do direito ao capital da remição está o direito a uma pensão anual e vitalícia: Assim, deve considerar-se que, para efeitos de mora (do atraso do pagamento das prestações), no caso do direito a capital da remição o acidentado de trabalho tem sempre um crédito, em formação, a uma pensão ainda que obrigatoriamente remível.

X. O capital de remição mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia que, por isso, engloba, não só as prestações vencidas, mas também as vincendas, pelo que importa fixar os juros de mora apenas sobre as prestações vencidas, pois que só estas se encontram em atraso.

XI. O artigo 135º do CPT pode ser uma norma especial, mas não é incompatível com os artigos 804º e 805º do CC.

XII. Não se pode concluir que o legislador (que se presume ter encontrado as soluções mais justas) tenha querido penalizar a entidade responsável com o pagamento de juros calculados sobre uma mera forma de pagamento unitário e antecipado (capital de remição) da pensão anual e vitalícia (que é a verdadeira obrigação/objeto de condenação), quando impede essa entidade de cumprir tal pagamento na data do seu pretenso vencimento (dia seguinte ao da alta).

XIII. O entendimento de que os juros são uma forma de reintegrar o património do sinistrado e, portanto, devem incidir sobre o capital de remição não tem em consideração que o legislador previu a obrigação de pagamento de uma pensão provisória ao sinistrado, que é incompatível com a simultânea verificação de mora sobre o capital de remição desde o dia seguinte ao da alta.

XIV. A obrigação pecuniária da entidade responsável no dia seguinte ao da alta não é outra senão a de pagar ao sinistrado uma pensão, ainda que provisória, e nunca um capital de remição.

XV. Deste modo, no caso em apreço, os juros de mora, à taxa legal de 4%, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir; isto é, sobre o valor de € 13.832,28 – e não sobre o capital de remição, ainda nem calculado pela secretaria, desde 04.10.2013, até integral pagamento.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

A presente ação foi instaurada em 26.10.2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 7.04.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

• O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

• O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se nos casos de revisão da incapacidade em que a pensão é obrigatoriamente remível, os juros de mora são devidos sobre o valor de cada uma das pensões até à entrega do capital de remição ou sobre o capital de remição contados, desde a data de entrada em juízo do pedido de revisão, até à data da entrega do capital de remição;

2 – Se o art. 135º do CPT, no entendimento sufragado no acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade ínsito no art. 13º da CRP.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 – OS FACTOS

Com relevo, a factualidade provada é a seguinte:

1. AA foi vítima de um acidente de trabalho no dia 6.10.2008, pelo qual era responsável a CC, S.A., atualmente designada de DD, S.A.

2. O aludido acidente não foi participado ao Tribunal, tendo os serviços clínicos da Seguradora dado alta clínica ao sinistrado em 31.08.2009, considerando-o, então, curado, sem incapacidade.

3. Em 4.10.2013, o sinistrado requereu a revisão da incapacidade, invocando ter sofrido um agravamento do seu estado de saúde.

4. No exame médico de revisão da incapacidade foi atribuído ao sinistrado um grau de desvalorização por incapacidade permanente de 2,98%.

5. A seguradora e o sinistrado, não se conformaram e requereram a realização de exame por junta médica, tendo os peritos concluído, por maioria e com a oposição do perito da seguradora, que considerou inexistir qualquer grau de incapacidade, que o sinistrado sofreu um agravamento e fixaram em 4,94% o grau de incapacidade.

6. A seguradora solicitou a realização de segunda junta médica, pedido que foi indeferido.

7. No incidente de revisão o tribunal de 1ª instância proferiu a seguinte decisão:

«Pelo exposto, julgo o presente incidente de revisão procedente, por provado e, em consequência, decido aumentar para 4,94% o grau de incapacidade permanente parcial ao sinistrado AA, com efeitos a partir de 04.10.2013, data da entrada do pedido de revisão.

Custas pela Seguradora responsável, com taxa de justiça mínima.

Notifique.

[…] Atento o referido grau de incapacidade do Sinistrado, este, nos termos do disposto no artigo 17º nº 1 d) da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, tem direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho.

Por outro lado, tal pensão será calculada com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo Sinistrado, nos termos do disposto no artigo 26º nºs 2, 3 e 4.

Ora, ambas as partes estão de acordo que a retribuição anual auferida pelo Sinistrado à data do acidente era de €400.008,00; bem como que tais montantes se encontravam integralmente transferidos para a seguradora responsável.

Assim sendo, e em consequência da decisão que antecede, tem o Sinistrado direito ao capital de remição de uma pensão anual de € 13.832,28.

Sobre a respectiva quantia acrescem juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 04.10.2013”, até integral pagamento.»

4.2. O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([3]).

4.2.1 – Se nos casos de revisão da incapacidade em que a pensão é obrigatoriamente remível, os juros de mora são devidos sobre o valor de cada uma das pensões até à entrega do capital de remição ou sobre o capital de remição contados, desde a data de entrada em juízo do pedido de revisão, até à data da entrega do capital de remição.

Foram as instâncias unânimes, com a discordância da seguradora recorrente, no sentido de que, nos casos de revisão da incapacidade e de pensões obrigatoriamente remíveis, os juros de mora são devidos sobre o capital de remição desde a data do pedido de revisão, e não sobre o valor das pensões devidas até à data de entrega do capital de remição.

Esta Secção, nos acórdãos de 10.07.2013, proc. 941/08.7TTGMR.P1.S1 (Pinto Hespanhol) e de 13.07.2017, proc. 175/14.1TUBRG.G1.S1 (Ferreira Pinto, aqui primeiro adjunto), já se pronunciou sobre a questão de saber se, nos casos de pensão obrigatoriamente remível, os juros de mora incidem sobre o capital de remição ou sobre as pensões, tendo decidido serem devidos «[…]desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição até à sua efectiva entrega […]».

Consignou-se no referido acórdão de 10.07.2013:

“As normas jurídicas a considerar para a resolução da problemática exposta têm assento na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, e no Código de Processo do Trabalho.

Assim, o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, intitulado «Prestações por incapacidade», dispõe que se do acidente resultar redução da capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, este terá direito, ocorrendo incapacidade permanente parcial inferior a 30%, o que sucede no caso, à prestação seguinte: «capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados» [alínea d)].

E o n.º 4 do mesmo artigo reza que «[a]s indemnizações por incapacidade temporária começam a vencer-se no dia seguinte ao do acidente e as pensões por incapacidade permanente no dia seguinte ao da alta», sendo que o n.º 1 do artigo 33.º do citado diploma legal, prescreve que, «[s]em prejuízo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º, são obrigatoriamente remidas as pensões vitalícias de reduzido montante, nos termos que vierem a ser regulamentados».

Por seu turno, o n.º 1 do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 143/99 consigna que as pensões respeitantes a incapacidade permanente são fixadas em montante anual e o subsequente artigo 56.º, na alínea b) do seu n.º 1, prevê que são obrigatoriamente remidas as pensões anuais «[d]evidas a sinistrados, independentemente do valor da pensão anual, por incapacidade permanente parcial inferior a 30%».

Já o artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho, editado pelo Decreto-‑Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de Dezembro, [38/2003, de 8 de Março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto], determina que, na sentença final, o juiz «fixa também, se forem devidos, juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso» […].

Os regimes substantivo e processual respeitantes às prestações devidas por incapacidade emergente de acidente de trabalho constituem, pois, um todo harmónico e especial em relação ao regime geral dos juros moratórios previsto nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, prevalecendo, consequentemente, sobre este.

Não fora assim, e não se anteveria razão válida para a previsão acolhida no artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho, quanto à condenação em juros.

Efectivamente, o citado artigo 135.º consubstancia uma norma especial que não só impõe ao juiz o dever de fixar juros moratórios, ainda que não peticionados, como o dever de os fixar independentemente da verificação do circunstancialismo previsto nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil, como sejam a culpa do devedor e a interpelação deste para cumprir. A letra da lei e a razão de ser daquela norma (ratio legis) apontam no sentido de se pretender conceder a devida protecção ao trabalhador sinistrado, que vive, em regra, da retribuição e deixa de a receber devido ao acidente, devendo contar-se os juros desde a data do vencimento das indemnizações e pensões a atribuir ao sinistrado, pois nesta data o devedor fica constituído em mora.

E não se diga que a distinta redacção do artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, quando cotejada com a acolhida no artigo 138.º do anterior Código de Processo do Trabalho, editado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro, que estabelecia que, na sentença final, o juiz «fixa também juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso», na qual não figurava a aludida expressão «se forem devidos», remeterá para o regime estabelecido nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.

Por um lado, a essência das prestações em causa e, consequentemente, o espírito que preside à disposição normativa em apreciação não consente interpretação distinta: estão em causa direitos indisponíveis e está em causa reintegrar — com os juros — o valor do capital na data do vencimento da prestação por apelo à ideia de que as prestações derivadas do acidente de trabalho têm natureza próxima dos alimentos, cujo valor deve ser mantido aquando do recebimento.

Por outro lado, a inclusão da expressão «se forem devidos», no artigo 135.º do Código de Processo de Trabalho, visou a harmonização com o regime substantivo aplicável aos acidentes de trabalho, maxime, com o instituto da pensão provisória, instrumento que, na disponibilidade das entidades responsáveis, seria idóneo a obstar à condenação em juros, ainda que parcial, na medida em que a pensão a arbitrar pelo tribunal pode ser distinta da atribuída pelo médico assistente, sendo que a pensão provisória é fixada em função do coeficiente de desvalorização que por este venha a ser atribuído (artigos 17.º, n.º 5, da Lei n.º 100/97, e 47.º do Decreto-Lei n.º 143/99).

[…]

De tudo o que já se expôs, o momento a partir do qual os juros são devidos decorre da conjugação do disposto nos artigos 17.º, n.ºs 1, alínea d), e 4, e 33.º da Lei n.º 100/97, 43.º, n.º 1, e 56.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 143/99, donde, sendo a pensão devida emergente de uma incapacidade permanente parcial inferior a 30%, a qual é obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efectiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.

O regime assim delineado não consente, por isso, que entre o momento do vencimento do capital de remição e o momento do seu pagamento ocorra qualquer suspensão na contagem dos juros moratórios, designadamente, por o cálculo e/ou a fixação da data da entrega do capital estarem na dependência de actos de secretaria, conclusão imposta por força da natureza dos direitos em causa e da ausência de norma legal que consinta, neste tipo de acção ou noutro, a suspensão da contagem de juros moratórios em virtude de actos que não estejam na disponibilidade das partes, maxime, da devedora, como sejam a citação ou a marcação de data para a realização da audiência de discussão e julgamento.

Concordamos com estas considerações.

Efetivamente, como estabelecem os arts. 10º, al. b) e 17º, nº 1, al. d), da Lei nº 100/97 de 13 de setembro (aplicável ao caso dos autos), porque a incapacidade permanente parcial é inferior a 30%, o sinistrado tem direito a uma prestação correspondente ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho e não ao pagamento dessa pensão anual e vitalícia. Esta funciona como referência e base de cálculo do capital de remição devido. Carece, por conseguinte de qualquer fundamento o argumento da recorrente de que “no caso do direito a capital da remição o acidentado de trabalho tem sempre um crédito, em formação, a uma pensão ainda que obrigatoriamente remível”. Não existe qualquer crédito em formação, porque a prestação devida não é a pensão em si mesma, anual e vitalícia, mas o capital de remição que fica formado com a alta.

Por conseguinte, o direito ao capital de remição vence-se na mesma data em que se começariam a vencer as pensões, ou seja, no dia seguinte ao da data da alta (art. 17º, nº 4 da Lei nº 100/97).

No caso, tratando-se de incidente de revisão, o direito ao capital de remição vence-se na data em que o pedido de revisão foi formulado em juízo, uma vez que, podendo não existir lugar à atribuição de alta (a situação clínica do sinistrado está, em regra, consolidada apenas tendo ocorrido um agravamento, uma recidiva, uma recaída ou uma melhoria da lesão), a formulação do pedido terá, não só o valor de interpelação, como se equiparará à alta na medida em que, à falta de outra e de melhor referência, será o dia de início da nova incapacidade permanente.

E tratando-se, como se trata, de uma obrigação de prazo certo, o devedor constitui-se em mora naquela data do vencimento (art. 805º, nº 2, al. a), do CC), não relevando a circunstância do cálculo apenas ser efetuado posteriormente (com o que o crédito se torna líquido), pelo facto do art. 135º do CPT, norma especial em relação ao regime geral do Código Civil, atribuir o direito aos juros pelas prestações em atraso, independentemente da culpa ou da iliquidez do crédito.

Não deixa também de ser esclarecedor o teor do art. 135º do CPT em confronto com a redação do art. 138º do CPT anterior. Neste estabelecia-se que o juiz na sentença fixava os “juros de mora pelas indemnizações e pensões em atraso”. Já o art. 135º do CPT em vigor determina que o juiz na sentença fixa “juros de mora pelas prestações pecuniárias em atraso”. As prestações pecuniárias são, nos termos dos arts. 10º, al. b) e 17º, da Lei nº 100/97, de 13 de setembro, as indemnizações, as pensões e o capital de remição.

Em suma, são devidos juros de mora incidentes sobre o capital de remição contados desde a data da entrada em juízo do pedido de revisão da incapacidade.

4.1.2 – Se o art. 135º do CPT, no entendimento sufragado no acórdão recorrido, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade ínsito no art. 13º da CRP.

Argumenta a recorrente que o entendimento inserto na deliberação da Relação, e a que atrás igualmente chegámos, viola o princípio constitucional da igualdade estabelecido no art. 13º da CRP, na medida em que «introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível, dado que os juros moratórios calculados sobre o capital de remição são sempre muito superiores àqueles cujo cálculo incida apenas sobre o valor da pensão anual e vitalícia, implicando um tratamento desigual daqueles […].

Viola-se ainda o princípio da igualdade com este entendimento, porque se trata de forma desigual os sinistrados consoante haja ou não lugar ao pagamento de pensões provisórias; e de forma igual as responsáveis cumpridoras e as incumpridoras da entrega de um capital de remição.»

Estabelece o art. 13º da CRP, sob a epígrafe “princípio da igualdade”:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

É vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a densificação do princípio constitucional da igualdade, e no sentido de que o mesmo impõe “que seja conferido um tratamento igual a situações de facto iguais e, reversamente, que sejam objecto de tratamento diferenciado situações de facto desiguais” ([4]).

“Só podem ser censuradas, com fundamento em lesão do princípio da igualdade, as escolhas de regime feitas pelo legislador ordinário naqueles casos em que se prove que delas resultam diferenças de tratamento entre as pessoas que não encontrem justificação em fundamentos razoáveis, percetíveis ou inteligíveis, tendo em conta os fins constitucionais que, com a medida da diferença, se prosseguem (acórdão n.º 47/2010)”([5]).

Ora, não são iguais os casos trazidos pela recorrente para comparação com o dos autos. Neste trata-se de uma situação de remição obrigatória em que não existiu o pagamento de pensões provisórias. Naqueles estão em causa pensões não remíveis e/ou o pagamento de pensões provisórias.

Já quanto ao tratamento «de forma igual [d]as responsáveis cumpridoras e [d]as incumpridoras da entrega de um capital de remição», dir-se-á que efetivamente existe igualdade em ambas as situações. Os juros de mora são devidos apenas até à entrega do capital de remição seja a mesma feita pela responsável cumpridora como pela incumpridora. O montante devido é que poderá variar consoante a duração do inadimplemento.

Tratando-se, no primeiro caso, de situações desiguais, é óbvio que têm de ser tratadas de forma desigual e, no segundo caso, de situações iguais ou, pelo menos equiparáveis, terão que ser tratadas de forma igual, assim se dando corpo ao princípio constitucional da igualdade ínsito no art. 13º da CRP.

Não está, por isso, ferido de inconstitucionalidade o art. 135º do CPT, na interpretação feita pela Relação e confirmada no presente aresto.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 22.02.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

____________
[1] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[2] Cfr. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[3] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[4] Ac. do TC de 8.06.1993, DR, IIª série de 6/10/1993; ac. do TC 187/2013 de 5/05/2013; ac. do TC nº 47/2010; ac. do TC nº 353/2012 e o ac. TC nº 313/89, entre outros.
[5] Ac. do TC 187/2013 de 5/05/2013 referido na nota anterior.